As
vantagens do Sexo
Por:
Drauzio Varella, nov 2002
A vida na Terra surgiu e se
manteve por muito tempo na mais completa ausência de sexo. Durante 3
bilhões de anos, todos os seres vivos eram unicelulares, isto é,
formados por uma única célula que, para se dividir, duplica seus genes
por conta própria e dá origem a duas células-filhas, idênticas à mãe.
Há 1 bilhão de anos, sem entendermos por que, começaram a surgir
machos e fêmeas, e a reprodução sexual se disseminou por quase todos
os organismos multicelulares.
Quando comparamos as vantagens e as desvantagens dos dois tipos de
reprodução, fica difícil compreender a razão do sucesso da opção
sexual como estratégia reprodutiva em tantas espécies. Teoricamente a
divisão assexuada consome menos energia, porque parte de um indivíduo
já adaptado ao meio e forma dois outros idênticos a ele, que darão
origem a quatro, oito, dezesseis... Na ausência de sexo, não ocorre
desperdício. Cada indivíduo formado é reprodutivamente
auto-suficiente.
Na presença dele, ao contrário, o consumo energético é muito maior
porque é preciso produzir machos, criaturas quase inúteis, criadas e
alimentadas com a única função de atingir a maturidade sexual para
servirem de doadores dos gametas necessários para fertilizar as fêmeas.
Nos últimos anos, os biólogos evolucionistas procuram explicar esse
paradoxo: apesar do alto custo energético, por que razão o sexo
triunfou dessa maneira?
Uma das hipóteses mais aceitas é conhecida com o nome de "Rainha
Vermelha". Segundo ela, a vida na Terra está longe de acontecer
num paraíso: todos os seres vivos são hospedeiros de um grande número
de parasitas. Como provoca a recombinação de genes maternos e
paternos, o sexo favorece o aparecimento de combinações raras de genes
que podem conferir resistência aos parasitas que vivem no mesmo
ambiente e, portanto, maior probabilidade de sobreviver às doenças
causadas por eles.
O instinto de sobrevivência, ao mesmo tempo, obriga os próprios
parasitas a evoluir para se adaptarem aos hospedeiros resistentes que,
depois de algumas gerações, se tornaram majoritários. Quanto mais rápido
ocorrerem as mutações do hospedeiro, mais depressa terão de evoluir
os parasitas para se adaptarem. Nesse frenesi de mutações, algumas serão
inúteis e desaparecerão com a morte de seus portadores, outras
oferecerão vantagens reprodutivas que serão incorporadas ao genoma dos
sobreviventes. Esse processo de adaptação dinâmica da espécie
parasita à hospedeira é chamado de co-evolução.
Como as mutações em nosso
genoma ocorrem independentemente de qualquer intenção premeditada,
muitas delas são deletérias e até incompatíveis com a vida. Na
reprodução assexuada, como os filhos são meras cópias de seu
progenitor, as mutações desvantajosas são herdadas em sua totalidade
e ainda acrescidas de outras que irão surgir na interação com o
ambiente. O resultado é o acúmulo de indivíduos assexuados com chance
cada vez menor de sobrevivência.
Nos organismos sexuados, a fertilização do óvulo recombina
aleatoriamente os genes do pai e da mãe, ampliando o repertório genético
dos descendentes. Quanto mais extensa a diversidade de genes herdados,
maior a versatilidade do indivíduo na luta pela preservação da vida.
Diante das pressões ecológicas que o meio impõe, os organismos reagirão
de acordo com os recursos e a plasticidade do genoma que receberam de
seus pais. Fatalmente, alguns ganharão e outros sairão perdendo; os
vencedores levarão vantagem reprodutiva e deixarão mais descendentes,
os perdedores terão seus genes extintos do "pool" genético
das gerações futuras.
A seleção natural privilegia o indivíduo. Não tem a menor consideração
pela espécie à qual ele pertence.
Se entre os 100 mil habitantes de uma ilha isolada surgir uma epidemia
terrível que provoque a morte de 99,9% das pessoas, por exemplo, os
genes das cem que sobreviverem passarão a constituir o "pool"
genético total disponível. Como consequência, seus genes estarão
muito mais presentes nas gerações futuras do que estariam se seus
conterrâneos tivessem continuado vivos. Dessa maneira, uma epidemia
contrária aos interesses reprodutivos da maioria esmagadora dos que
viviam na ilha é capaz de favorecer cegamente os genes da minoria
resistente a ela.
A natureza é impiedosa. Para ela, o destino das espécies é desprovido
de significado. Há 65 milhões de anos, os dinossauros, senhores
absolutos da Terra por quase 200 milhões de anos, desapareceram
misteriosamente. As forças de seleção natural que atuaram naquele
momento não demonstraram a menor condescendência pelo destino deles.
Sorte nossa! Enquanto eles andavam e voavam por aqui, os mamíferos não
passavam de um pequeno grupo de roedores noturnos assustados em suas
tocas. Não houvessem sido extintos, provavelmente não estaríamos nós
aqui para contar a história deles.
Na espécie humana, calcula-se que existam, em média, pelo menos seis
mutações deletérias em cada criança que nasce. O ato sexual foi a
forma de reprodução que a seleção natural privilegiou para diminuir
a probabilidade de que essas mutações sejam transmitidas e se acumulem
nos genomas de nossos filhos.
Como diz o biólogo evolucionista canadense Graham Bell, da Universidade
McGill: "Algo tão complexo, oneroso e trabalhoso como a
sexualidade só teria persistido até hoje por realizar alguma função
muito importante".