Pinker apóia biologia da natureza humana
(Folha de SP, 21/9)


Novo livro do autor de 'Como a Mente Funciona' parte para o ataque contra quem defende a primazia da cultura.

O popstar da ciência cognitiva está de volta à carga. Steven Pinker, psicólogo da linguagem do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) que se tornou celebridade com os livros 'Como a Mente Funciona' e 'O Instinto da Linguagem', acaba de lançar nos EUA uma obra na qual retoma a questão da natureza vs. cultura -e defende a primeira.

Em 'The Blank Slate: The Modern Denial of Human Nature' (A Tábula Rasa: A Negação Moderna da Natureza Humana), o pesquisador e divulgador ataca os pensadores tidos por 'politicamente corretos' para os quais a mente humana é inteiramente moldada pela cultura, não existindo, portanto, capacidades inatas e diferenciadas entre indivíduos.

A tese contrária -ou seja, os genes têm, sim, um papel no comportamento- lançada nos anos 70 pelo biólogo Edward O. Wilson com a criação da sociobiologia, tem sido combatida por pensadores como o paleontólogo Stephen Jay Gould (morto em maio) e o geneticista Richard Lewontin.

Para Pinker, os proponentes da 'tábula rasa' têm atrapalhado o desenvolvimento daquilo que ele chama de 'ciência honesta da natureza humana'.

'Há o temor de que, se você reconhecer que as pessoas nascem com alguma coisa, isso implique que algumas pessoas têm mais do que outras e, portanto, se abra a porta para desigualdade política e opressão', diz o cientista, um canadense de 48 anos.

Pinker falou sobre seu novo livro em entrevista a David Rakoff, do jornal 'The New York Times'. Leia abaixo trechos da conversa.

Pergunta - Seu novo livro ressalta a importância da natureza humana na maneira como pensamos sobre nós mesmos. Por que o sr. o intitulou 'A Tábula Rasa'?

Steven Pinker - A crença comum é que a mente seja só isso, uma tábula rasa -as pessoas não nascem com talentos ou temperamentos, e a mente toda é produto de cultura e socialização. Mais especificamente, o livro é uma tentativa de confrontar a fobia que as pessoas têm de discussões sobre a natureza humana.

O que causa tal fobia?

- O fato de que a compreensão da natureza humana possa ameaçar valores fundamentais de igualdade política, progresso social, responsabilidade pessoal , significado e propósito. E você não pode avançar nas pesquisas em psicologia sem confrontar esses sentimentos tácitos, mas muito poderosos. Há o temor de que, se você reconhecer que as pessoas nascem com alguma coisa, isso implique que algumas pessoas têm mais do que outras e, portanto, se abra a porta para desigualdade política e opressão.

O que torna mais confortável pensar nos seres humanos como meros pedaços de carne marcados pela cultura?

- Eu não acho que qualquer um que tenha mais de um filho acredite que crianças são pedaços de massinha esperando para serem modelados. Há um conjunto de trabalhos sobre educação de filhos que olha para a correlação entre o que os pais fazem e como isso se reflete nas crianças: pais que conversam com as crianças têm filhos com habilidades avançadas de linguagem; pais que espancam as crianças têm filhos que se tornam mais violentos; e assim por diante. Poderia ser assim, mas correlação não prova causa. O fato é que pais dão aos filhos não só o ambiente, mas também genes. Os mesmos genes que fazem dos pais pessoas falantes podem tornar filhos mais hábeis em linguagem. Os estudos originais raramente são feitos com crianças adotadas.

Então, a criação ('nurture', em inglês) é uma extensão da natureza ('nature')? Tudo, até mesmo a cultura, é redutível à biologia evolucionista?

- Eu prefiro a palavra 'unificação' a 'redução'. Uma analogia é que, mesmo que nós saibamos que a areia, as montanhas e o barro não são nada além de moléculas -não se trata de nada especial-, um físico não poderia explicar a geografia da Europa, ainda que a Europa não passe de um monte de prótons, nêutrons e elétrons. Da mesma forma, com a história da humanidade, a política e os assuntos culturais, esse nível de análise não vai dizer a você qual é a melhor maneira de organizar uma sociedade ou como mudar uma lei ou tentar influenciar um valor social. A compreensão da história e da cultura só pode se beneficiar do melhor entendimento da emoção e do pensamento humano. Mas você não consegue saber muito sobre o cotidiano das pessoas pensando em centenas de bilhões de neurônios disparando em padrões complexos. Isso não ajuda em nada para saber como agradar o chefe, arrumar um encontro, fazer amigos e influenciar pessoas.

E onde isso coloca nossa autodeterminação e nosso livre-arbítrio?

- Autodeterminação, responsabilidade pessoal e todo o restante podem ser ligados ao funcionamento do cérebro, mas essas funções cerebrais são tão absurdamente complexas que não há perigo de elas serem reduzidas a um mero reflexo no futuro próximo, se é que o serão algum dia. É uma falácia pensar que fome, sede e desejo sexual são biológicos, mas que o raciocínio, o aprendizado e a tomada de decisões são outra coisa, algo não-biológico. Trata-se apenas de um tipo diferente de biologia.

Se tudo são processos biológicos, então é ultrajante dizer que indivíduos são predispostos a ter uma inteligência maior ou menor. O sr. tem medo de ser cooptado pelos deterministas?

- Acho que isso seria um grande salto. Em vez de construir uma bomba, eu espero que esse livro trate de como desarmá-la. O potencial explosivo vem de um medo de que certas possibilidades empíricas abram a porta para males políticos e sociais. Não é o caso. Nós podemos ter uma ciência honesta da natureza humana sem uma caixa de Pandora de consequências negativas. Quem quer que tenha lido o livro não pode atacá-lo dizendo: 'Se nós aceitarmos o que você está dizendo sobre a natureza humana, as portas do inferno vão se abrir'. O cerne do livro é que as portas do inferno não vão se abrir.


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