A
Genética do Comportamento
Entrevista com Prof. Dr.André Ramos
Dirigida por Prof. Marco Calegaro
O Prof. Dr. André Ramos é um dos poucos
cientistas brasileiros que pesquisa na área da Genéticado
comportamento. Ele voltou recentemente da França e tem novidades
na área para nos contar.
1) Sabemos que a genética do comportamento é
uma abordagem bastante recente.Como podemos caracteriza-la?
Genética comportamentalé a área
de intersecção entre a genética e as ciências
comportamentais. Por causa da diversidade de abordagens e de metodologias
que podem ser adotadas no estudo do comportamento, estaárea pode
interessar e atingir diversos campos científicos,como a etologia,
a psicologia, a psiquiatria, a farmacologia e as neurociências
de maneira geral.
Combinando métodos da genéticacom métodos
clássicos de estudos comportamentais, a genética do comportamento
busca compreender os mecanismos genéticos e neurobiológicos
envolvidos em diversos comportamentos animais e humanos.
A verificação da importância dos
fatores genéticos, a análise da arquitetura destes fatores
(herdabilidade, dominância, efeito materno, etc.) e, em últimainstância,
a identificação dos genes propriamente ditos, são
alguns dos passos que percorreremos na genética comportamental.
Após várias décadas onde características
psicológicas e comportamentais foram vistas como o resultado
exclusivo (ou quase) de fatores ambientais, os comportamentalistas das
décadas de 60 e 70 começaram a aceitar e compreender a
importância das influências genéticas sobre o comportamento.
A partir daí, a revolução da engenharia
genética forneceu as ferramentas necessárias ao estudo
do comportamento associado à genética molecular.Com a
identificação, a nível de DNA, de genes capazes
de modular certos comportamentos, estaremos dando um grande passo na
pesquisa de traços normais e patológicos da personalidade
humana,o que deve trazer novos métodos de prevenção,
diagnóstico e tratamento de distúrbios psiquiátricos.
2) Como podemos caracterizar a posição
conhecida como “determinismo genético”? A genética
comportamental reforça esse ponto de vista?
Historicamente, tanto no meio científico como
entre o público leigo, comportamentos animais e humanos têm
sido vistos de uma maneira dicotômica, ou seja, certos comportamentos
são classificados como instintivos (genéticamente determinados)e
outros como aprendidos (adquiridos através da interaçãocom
o meio ambiente).
Como já disse, durante boa parte deste século,
a psicologia enfatizou de maneira exagerada a influência ambiental
sobre o comportamento, negligenciando os aspectos genéticos.
Deve ficar claro que o surgimento da genética do comportamento,
ao contrário do que pensam alguns, não representa um deslocamento
para o outro extremo da visão dicotômica, onde comportamentos
seriam agora vistos como traços determinados genéticamente,sem
influências ambientais. Não, isto seria o que chamamos
de determinismo genético.
Numa visão determinística, nossa fisiologia,
nossa personalidade e nosso comportamento seriam definidos por nossos
genes, que guardariam de maneira absoluta, quase mágica,os segredos
de nosso destino. Esta visão está ultrapassada e o público
leigo deve aos poucos compreender isso.
Hoje acredita-se que todo o comportamento depende,
em maior ou menor grau, de fatores genéticos e de fatores ambientais,
interagindo de maneira extremamente complexa. Logo, a perguntas e determinado
comportamento é herdado ou aprendido, a rigor, deixa de ter sentido.
Os genes definem tendências e as experiências
individuais as modulam. Para a expressão de todo o gene, são
necessárias certas condições externas (bioquímicas,
fisiológicas e físicas). Portanto, qualquer alteração
externa pode representar uma determinada influência sobre o resultado
final, no nosso caso, sobre o comportamento. Além disso, acreditamos
que os comportamentos, de maneira geral, são influenciados não
por um, mas por muitos genes diferentes, o que aumenta ainda mais a
sua complexidade.
3) Quais são os principais métodos utilizados
na genética comportamental?
Como eu comentei acima, a genética do comportamento
utiliza uma gama de métodos extremamente ampla e variada. Na
realidade, não existem métodos específicos da genética
do comportamento, pois as ferramentas disponíveis são
oriundas, ou do vasto campo da genética (incluindo a biologia
molecular) ou das ciências comportamentais.
O que é específico da genética
do comportamento, é justamente a integração ou
combinação de ferramentas genéticas e comportamentais.
Mas vejamos um rápido (e necessariamente superficial) resumo
dos métodos utilizados nos últimos 30 anos de pesquisa.
Tanto em animais quanto em seres humanos, as primeiras duas décadas
dagenética do comportamento foram basicamente dominadas por abordagens
quantitativas da genética (sendo as abordagens mendelianas clássicas
raras e as moleculares inexistentes).
Em animais de laboratório, eram (e são)
comuns as comparações de diferentes linhagens em relação
a uma série de comportamentos de interesse. Diferenças
comportamentais entre linhagens que diferem geneticamente, sugerem,
fortemente, influências genéticas no comportamentoem questão.
Outra estratégia bastante explorada foi a seleção
genética bidirecional. A partir de uma população
geneticamente heterogênea, seleciona-se e cruza-se os extremos
para um determinado comportamento (e.g. de fecação, consumo
de álcool, locomoção, aprendizado, etc.), até
a obtenção, após várias gerações,
de duas linhagens contrastantes. Cruzamentos entre linhagens contrastantes,
com obtenção de gerações filhas e netas,
também serviu a dissecar a arquitetura genética de diferentes
medidas comportamentais.
Em seres humanos, estudos familiares servem a verificar
se indivíduos aparentados apresentam maior semelhança
comportamental do que indivíduos não parentes, o que sugeriria
(sem no entanto demonstrar), um componente herdável no comportamento.
Estudos com pares de gêmeos idênticos, gêmeos fraternos
e com irmãos biológicos ou adotivos, são uma ferramenta
muito importante para demonstrar e quantificar a importância da
herdabilidade em características psicológicas e comportamentais
em humanos(e.g. traços de personalidade).
A era da engenharia genética e da biologia molecular
trouxe, como para muitas outras áreas, uma revolução
nas técnicas, ambições e perspectivas da genética
do comportamento. Hoje, pode-se fazer uma busca, através de todo
o genoma, de locos (regiões genômicas) contendo genes capazes
de influenciar comportamentos complexos. São os chamados QTL
(Quantitative Trait Locus), com os quais eu próprio venho trabalhando.
Eles podem ser identificados em animais, pelo cruzamento de linhagens
contrastantes,ou em seres humanos, através de estratégias
como a «sib-pair analysis ».
Ainda em humanos, vêm se tornando numerosos os
estudos de associação, onde as freqüênciasde
diferentes alelos para um gene candidato (para um neuroreceptor, por
exemplo) são comparadas entre indivíduos afetados e nãoafetados
por um determinado traço psicopatológico ou comportamental.
Em modelos animais, podemos hoje criar linhagens onde
um determinado gene de interesse comportamental foi completa e permanentemente
inativado (knockout). Podemos, por outro lado, inativar parcial e temporiariamente
a expressão de um gene, com a técnica do « oligo
antisense ». Podemos ainda super expressar um gene, através
de animais transgênicos.
As técnicas, enfim, são numerosas e
evoluem constantemente. Maiores detalhes podem ser encontrados, por
exemplo, em um livro, recentemente publicado, do qual eu tive o privilégio
de participar. Neurobehavioral Genetics: Methods and Applications, foi
editado por Byron Jones e Pierre Mormède e publicado por CRC
Pressem julho de 1999.
Prof. Dr. André
Ramos (entrevistado) é:
Professor Adjunto da disciplina de Genética
Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, CCB
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, SC, Membro de banca examinadora em concurso público
para Professor de Genética na Universidade do Estado de Santa
Catarina, 1994
Membro de banca examinadora de Dissertação de Mestrado
em Farmacologia da UFSC, 1999, Membro do corpo editorial da Revista
Biotemas, periódico científico do CCB, UFSC, 1998-1999,
Assessor ad hoc da FAPESP