Memes e Genes, confronto e reconciliação
Por: Thiago Tamosauskas, novembro 2003

“Em quase toda a Europa de hoje há uma doentia sensibilidade e suscetibilidade para a dor, assim como um irritante destempero no lamento, um embrandecimento que se adorna de religião e trastes filosóficos para parecer coisa elevada- há um verdadeiro culto do sofrer.” - Friedrich Wilhelm Nietzsche



Frente às propostas genistas, algumas pessoas poderiam alegar que agir contra os genes também pode resultar em felicidade. De fato não são poucos os memes que podem produzir a mais fantástica gama de prazeres e trazer e contentamento para seus hospedeiros.

No meu artigo, “As Quatro Qualidades do Prazer” mostrei que o ser humano é capaz de reviver e antecipar dores e prazeres pelos quais passou ou pelos quais ainda passará. Esta mesma capacidade permite, inclusive, que antecipemos dores que nunca de fato chegam e prazeres que jamais chegarão. A primeira experiência chama angústia, a segunda esperança. Por este mesmo mecanismo, sentimentos de prazer e dor podem ser estimulados graças a leitura de uma história de fantasia ou a um filme de ficção. Isso acontece porque a mente humana evolui e tal forma que hoje somos capazes de sentir prazer e dor interagindo não só com o passado e com o futuro, mas
também com “objetos virtuais” que existem somente na imaginação. Não interessa que o mostro não esteja debaixo da cama, a criança inquieta sofre da mesma forma com sua presença.

Esta capacidade de sofrer e desfrutar galas e aflições inexistentes é usada diariamente por todos. Um homem trabalha duro mas sorri ao sonhar em comprar uma casa, sem nunca saber se de fato a terá. Uma criança inventa mil mundos diferentes com seus brinquedos. Um adolescente vive um amor platônico por sua professora décadas mais velha. A nenhum deles interessa se o objeto de suas projeções é ou não factual. Para citar Nietzsche, “estamos, desde o fundamento, desde antigüidades- habituados a mentir". Ou, para exprimi-lo de modo mais virtuoso e hipócrita, em suma, mais agradável: somos mais artistas do que sabemos. Por mais ambíguo que
possa parecer, querendo ou não, a fantasia faz parte da realidade.

Enquanto não houver conflitos entre os dos replicadores que formam o ser humano (genes x memes) não haverá motivo para a preocupação e o prazer Trans-temporal poderá ser sabiamente usado, afinal de contas, nossa felicidade estará somente sendo incrementada. Os memes podem sem dúvida nenhuma ser uma grande ferramenta ao hedonista racional: Poemas podem maximizar sentimentos de amor, receitas podem refinar o prazer da alimentação, uma música bem composta e bem tocada pode resultar em Prazer Sensual de forma muito mais intensa do que o simples ouvir o cantar dos pássaros. O conflito meme X gene não é inevitável, é apenas circunstancial.

No entanto, o Genismo alerta quanto aos perigos que alguns memes (como os memes do suicídio por exemplo) podem representar para a perpetuação genética e para a Felicidade em longo prazo. E de forma clara propõe que os memes quando prejudiciais devam ser eliminados em prol dos genes. Memes Religiosos são exemplos comuns de fontes de prazer que nem sempre se preocupam com a natureza genética. A primazia da genética sobre a memetica é aconselhada por motivos lógicos, que buscarei demonstrar a seguir.

Considere, que fomos forjados pela seleção natural para recebermos recompensas sempre que colaboramos com o bem genético. Considere também que existem memes capazes de nos recompensar quando “obedecidos”. Visto isso, considere por fim que a Meta-Etica-Ciêntífica é em sua essência uma ética hedonista. Mas é um hedonismo responsável, um hedonismo planejado e racional. Se permitirmos que certos memes maléficos aos genes se sobreponham ao ideal de perpetuação genética, então a própria existência em si estará correndo riscos. Em curto prazo seguir um ideal memetico pode resultar em felicidade para o individuo, mas em longo prazo isto comprometerá a vida em si, não só da pessoa que age mas também das pessoas que a rodeiam e de seus descendentes que conforme o nível de periculosidade que o meme representar, poderão nem ao menos chegar a existir. Não pode haver felicidade onde não há vida. A razão, portanto, para darmos mais importância aos genes do que aos memes é que em longo prazo esse comportamento resultará em maior felicidade.

No fundo, toda a produção cultural do ser humano, toda a criação memética incluindo as mais ousadas aspirações
intelectuais dos organismos é na pratica considerada do ponto de vista genético somente como ferramentas úteis ou como desvios de seu fim perpetuativo. Enquanto ferramentas úteis os memes resultarão em mais felicidade ou no alívio da dor para o organismo. Enquanto desvios do fim de perpetuação genética os memes poderão ser irrelevantes (que não levam a corrupção do imperativo genético) ou corruptos (que por algum motivo vão de encontro ao interesses dos genes). Cabe a razão, enquanto ferramenta interessada na Felicidade saber desfrutar dos memes ferramentas e irrelevantes com sabedoria e eliminar os memes corruptos com eficiência.

O maior índice de felicidade poderá ser conseguido quando os Genes e os Memes conseguirem viver em harmonia. Isso é, sem conflitos uns com os outros. O Genismo em si é exatamente isso: um Memeplexo que colabora para diminuir drasticamente os conflitos entre estes dois universos aumentando assim o Nível Geral de Felicidade Existente.

Partindo deste principio concluo que os memes corruptos (memes que se opõem a perpetuação genética) deveriam ser alvo de preocupação exatamente como já são, hoje em dia, os genes degenerativos. Ou talvez, até mais do que estes, afinal, uma “doença memetica” pode ser eliminada muito mais facilmente do que uma doença congênita.

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