Violência e Fecundidade
Comentários do José Eustáquio


Para ilustrar as discussões que tem surgido sobre planejamento familiar e para evitar associações errôneas entre a taxa de fecundidade das pessoas mais pobres e a criminalidade.

Comentários do José Eustáquio (professor da ENCE/IBGE) no Fórum População e Pobreza da ABEP sobre os 2 artigos ligando violência e fecundidade
Pessoal,
Hoje saiu um artigo do Gilberto Dimenstein na Folha e um outro do Marcelo Neri no jornal Valor, ambos, relacionando a violência com a alta fecundidade. Acredito que estes artigos trazem uma argumentação que confunde mais do que esclarece e presta um desserviço às políticas públicas e aos direitos reprodutivos. Evidentemente, crianças que sofreram abusos dos pais e da sociedade têm maiores chances de cair na criminalidade, mas daí concluir que a gravidez indesejada e a gravidez precoce levam à maiores índices de violência é forçar a barra, pois:

1) gravidez indesejada e gravidez precoce não levam necessariamente a situações de abuso das crianças;

2) a fecundidade no Brasil foi alta entre 1500 e 1965 e o Brasil sempre foi considerado um país pacífico, alegre e "cordial". A fecundidade começa a cair aceleradamente a partir de 1965 e os índices de violência começam a subir em direção contrária ao tamanho da prole das famílias.

3) A fecundidade na adolescência no Brasil cresceu muito entre 1990 e 2000, portanto os filhos destas adolescentes então com idades entre 6 e 16 anos em 2006, mas a população carcerária atual tem idade predominante entre 20 e 30 anos, ou seja, nasceram entre 1976 e 1985, época que a gravidez na adolescência era baixa e a fecundidade já estava em declínio.

4) Os artigos citados não conseguem explicar por que a alta fecundidade provoca criminalidade preferencialmente entre a população masculina, ou seja, por que as meninas frutos da alta fecundiade não caem no crime na mesma proporção?

5) dizer que a alta fecundidade das mulheres solteiras é responsável pela violência é desresponsabilizar a "fecundidade" dos homens e passar a idéia de que não existe violência advinda da família nuclear "completa"... etc.
 
Ou seja, estes artigos parecem ignorar o fato de que no Brasil são os pobres que são presos, enquanto os ricos e os "Marcos Valérios", que podem pagar advogados caros, estão soltos. A idéia de que o planejamento familiar dos pobres vai resolver o problema da violência só serve para mistificar a questão e deixar sem repostas as verdadeiras causas da pobreza e da violência.

Abraços, José Eustáquio

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