Transcedência
da Morte
Por: Thiago Tamosauskas, junho de 2003
Este ensaio é um estudo sobre o terceiro pilar
do Genismo, que por tratar da morte e de sua transcendência é
um dos mais polêmicos, principalmente para quem se depara com
esta filosofia de vida pela primeira vez. Ele postula: "Deus não
existe e o único modo de transcender a morte é através
de seus genes, principalmente em seus descendentes"
À parte que nos interessa nesta discussão
é a segunda “o único modo de transcender a morte
é através de seus genes, principalmente em seus descendentes.”
Acho que a frase não poderia ser mais perfeita, apesar de ser
alvo de grandes indagações. As pessoas, acostumadas a
pensar metafisicamente logo indagam que "EU" não estarei
em meu filho, assim como "Eu" não estou em você.
Portanto "Eu" não viverei para sempre e assim "Eu"
não posso transcender a morte.
No fundo as pessoas que fazem essas indagações
estão absolutamente certas. E não há contradição
entre elas e o terceiro postulado do Genismo. Em poucas palavras a contradição
se desfaz quando entendemos que o nosso Ego é somente uma ferramenta
forjada pela seleção natural para a perpetuação
dos genes, talvez uma de suas ferramentas mais poderosas. O "Eu"
é um construto mental, um meme, uma informação.
O Eu só existe porque é útil para a perpetuação
genética. E com certeza o "Eu" não é
o Ser completo, pois inexiste sem seu hardware carnal.
Isso precisa ser bem compreendido. As religiões
espirituais partem do principio que o Pensamento veio antes da matéria.
Isso é confirmado visto tantas crenças em reencarnação,
transfiguração e todas aquelas seitas baseadas no invertebrado
com super poderes chamado Deus. Mas o fato é que o pensamento
veio depois da matéria. E alias, veio muito depois da materia.
Passaram-se milhares de anos de materia inorganica até que o
primeiro replicante surgisse. Mais outros tantos até formar-se
a primeira célula. Outros tantos até os primeiros seres
pluricelulares. A complexidade crescente só resultou em um ser
que diz "Eu Sou" depois de um longo caminho de morte e competição,
mutação e seleção natural. O "Eu"
é uma ferramenta dos genes, e não os genes uma ferramenta
do Eu.
Foi a matéria que fez o Eu, e não o contrário.
E por este motivo morrer não deveria ser um medo ou preocupação
para qualquer ser moderadamente racional. A preocupação
com a morte é oriunda de nossa capacidade de prever os acontecimentos
futuros. A mesma propriedade que permitiu com que caçássemos
com mais eficiência, permitiu a entrada de memes assustadores
que nos avisavam sem dó; vocês vão morrer um dia.
Mas note que o terceiro postulado não diz que
o Eu vai viver para sempre, (na verdade nem menciona Eu nenhum), o que
ele diz é que a perpetuação genética é
uma forma de transcender a morte. E de fato é. Quem transcende
a morte? Os genes, e não você! E isso não deve ser
fonte de frustração, mas deve ser encarado como o que
realmente é; um fato capaz de nos trazer verdadeira felicidade
enquanto vivos.
Um dia estava conversando com um amigo meu que é
mais sábio do que pensa, e eu perguntei para ele:
- O que será que a pessoa sente quando está
morta?
Ele respondeu:
-Nada, ela vai estar morta.
È é exatamente isso, pelo uso da razão
podemos eliminar o medo da morte, pelo menos da nossa. A morte será
o fim de seu corpo e das suas atividades cerebrais. Você não
sentirá nada, não sofrerá nem um pouco depois de
morrer, porque o sofrimento e a felicidade são propriedades de
quem esta vivo é pode sentir. Como Epicuro disse muito sabiamente
"Quando estamos vivos não há morte, quando estamos
mortos já não somos nós." Na verdade a morte
é muito mais causa de sofrimento para os vivos que antecipam
a morte ou sofrem por seus entes queridos.
Assim a minha preocupação é com
a perpetuação genética e não com a minha
perpetuação. Porque? Porque a quando eu morrer a morte
não será sofrimento. Mas enquanto vivo a perpetuação
de meus genes será fonte de constante felicidade.
Mas não temer a morte é colaborar com
ela? Claro que não! A morte não precisa ser alvo de seu
temor, mas deve sim ser alvo de sua preocupação. Pois
lutar por minha vida é a forma mais genuína de lutar pelos
próprios genes. E isso resulta em prazer aqui e agora e não
num futuro distante, numa terra distante ou em algum espaço metafísico
além da imaginação. Temos sim que deixar o fantasma
da morte e colaborar com a nossa própria vida. Já somos
"programados" geneticamente para isso, afinal quem não
preza pela vida acaba morrendo e não transmitindo seus genes
para a próxima geração.
Minha proposta pessoal que compartilho com vocês
é: “Viver para sempre, ou morrer tentando” Isso é,
colabore com a sua própria existência, pois quanto mais
longa ela for, mais tempos os seus genes estarão vivendo e maiores
as chances de se perpetuarem terão. Tenha certeza que qualquer
gene “prefere” viver um dia e um segundo, do que viver um
dia.
Mantenham-se vivos e não temam a morte, este
é um conselho e essencial para uma vida feliz e tranqüila
e é isto o que eu digo para os genistas fazerem no lugar de tentarem
viver uma ilusão de possível perpetuação
do "Eu" que seria mais adequada a uma seita nazarena do que
a um modo de vida com bases na lógica, na ciência e na
racionalidade.
A Perpetuação genética resulta
em felicidade simplesmente porque os genes que recompensavam as ações
perpetuativas se mostraram mais aptos a sobreviver do que aqueles que
não fizeram isso. Agindo racionalmente para a perpetuação
genética atingimos a felicidade natural e estaremos colaborando
para uma real transcendência da morte, sem recorrer a mitologias
quaisquer. Nossos genes estarão ai muito tempo depois de morrermos.
Isso, como dito, não nos trará dor nem prazer no pós-morte,
pois já não sentiremos mais nada, mas pode por outro lado
resultará em verdadeira felicidade enquanto vivos no aqui e agora.
Sejamos portanto razoáveis, lutemos pela vida enquanto vivos
e fiquemos em paz quando a morte chegar.
Referências:
- Carta Sobre a felicidade (a Meneceu), Epicuro
- Erro de Descartes, Antonio R. Damasio
- FAQ - Genismo, João Carlos Holland de Barcellos
- Gene Egoísta, Richard Dawkins
- Meme Machine, Susan Blackmore e Richard Dawkins
- Pilares do Genismo, João Carlos Holland de
Barcellos