Elementos de Lógica
Por: Marilena Chauí

Principais características da lógica


Aristóteles propôs a primeira classificação geral dos conhecimentos ou das ciências dividindo-as em três tipos: teoréticas, práticas e produtivas. Todos os saberes referentes a todos os seres, todas as ações e produções humanas encontravam-se distribuídos nessa classificação que ia da ciência mais alta – a filosofia primeira – até o conhecimento das técnicas criadas pelos homens para a fabricação de objetos. No entanto, nessa classificação não encontramos a lógica.

Por quê?

Para Aristóteles, a lógica não era uma ciência teorética, nem prática ou produtiva, mas um instrumento para as ciências. Eis por que o conjunto das obras lógicas aristotélicas recebeu o nome de Órganon, palavra grega que significa instrumento.

A lógica caracteriza-se como:

? instrumental: é o instrumento do pensamento para pensar corretamente e verificar a correção do que está sendo pensado;

? formal: não se ocupa com os conteúdos pensados ou com os objetos referidos pelo pensamento, mas apenas com a forma pura e geral dos pensamentos, expressa através da linguagem[1];

? propedêutica: é o que devemos conhecer antes de iniciar uma investigação científica ou filosófica, pois somente ela pode indicar os procedimentos (métodos, raciocínios, demonstrações) que devemos empregar para cada modalidade de conhecimento;

? normativa: fornece princípios, leis, regras e normas que todo pensamento deve seguir se quiser ser verdadeiro;

? doutrina da prova: estabelece as condições e os fundamentos necessários de todas as demonstrações. Dada uma hipótese, permite verificar as conseqüências necessárias que dela decorrem; dada uma conclusão, permite verificar se é verdadeira ou falsa;

? geral e temporal: as formas do pensamento, seus princípios e suas leis não dependem do tempo e do lugar, nem das pessoas e circunstâncias, mas são universais, necessárias e imutáveis como a própria razão.

O objeto da lógica é a proposição, que exprime, através da linguagem, os juízos formulados pelo pensamento. A proposição é a atribuição de um predicado a um sujeito: S é P. O encadeamento dos juízos constitui o raciocínio e este se exprime logicamente através da conexão de proposições; essa conexão chama-se silogismo. A lógica estuda os elementos que constituem uma proposição (as categorias), os tipos de proposições e de silogismos e os princípios necessários a que toda proposição e todo silogismo devem obedecer para serem verdadeiros (princípio da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído).

A proposição
Uma proposição é constituída por elementos que são seus termos.

Aristóteles define os termos ou categorias como “aquilo que serve para designar uma coisa”. São palavras não combinadas com outras e que aparecem em tudo quanto pensamos e dizemos. Há dez categorias ou termos:

1. substância (por exemplo, homem, Sócrates, animal);

2. quantidade (por exemplo, dois metros de comprimento);

3. qualidade (por exemplo, branco, grego, agradável);

4. relação (por exemplo, o dobro, a metade, maior do que);

5. lugar (por exemplo, em casa, na rua, no alto);

6. tempo (por exemplo, ontem, hoje, agora);

7. posição (por exemplo, sentado, deitado, de pé);

8. posse (por exemplo, armado, isto é, tendo armas);

9. ação (por exemplo, corta, fere, derrama);

10. paixão ou passividade (por exemplo, está cortado, está ferido).

As categorias ou termos indicam o que uma coisa é ou faz, ou como está. São aquilo que nossa percepção e nosso pensamento captam imediata e diretamente numa coisa, não precisando de qualquer demonstração, pois nos dão a apreensão direta de uma entidade simples. Possuem duas propriedades lógicas: a extensão e a compreensão.

Extensão é o conjunto de objetos designados por um termo ou uma categoria. Compreensão é o conjunto de propriedades que esse mesmo termo ou essa categoria designa. Por exemplo: uso a palavra homem para designar Pedro, Paulo, Sócrates, e uso a palavra metal para designar ouro, ferro, prata, cobre.

A extensão do termo homem será o conjunto de todos os seres que podem ser designados por ele e que podem ser chamados de homens; a extensão do termo metal será o conjunto de todos os seres que podem ser designados como metais. Se, porém, tomarmos o termo homem e dissermos que é um animal, vertebrado, mamífero, bípede, mortal e racional, essas qualidades formam sua compreensão. Se tomarmos o termo metal e dissermos que é um bom condutor de calor, reflete a luz, etc., teremos a compreensão desse termo.

Quanto maior a extensão de um termo, menor sua compreensão, e quanto maior a compreensão, menor a extensão. Se, por exemplo, tomarmos o termo Sócrates, veremos que sua extensão é a menor possível, pois possui todas as propriedades do termo homem e mais suas próprias propriedades enquanto uma pessoa determinada. Essa distinção permite classificar os termos ou categorias em três tipos:

1. gênero: extensão maior, compreensão menor. Exemplo: animal;

2. espécie: extensão média e compreensão média. Exemplo: homem;

3. indivíduo: extensão menor, compreensão maior. Exemplo: Sócrates.

Na proposição, as categorias ou termos são os predicados atribuídos a um sujeito. O sujeito (S) é uma substância; os predicados (P) são as propriedades atribuídas ao sujeito; a atribuição ou predicação se faz por meio do verbo de ligação ser. Por exemplo: Pedro é alto.

A proposição é um discurso declarativo (apofântico), que enuncia ou declara verbalmente o que foi pensado e relacionado pelo juízo. A proposição reúne ou separa verbalmente o que o juízo reuniu ou separou mentalmente.

A reunião ou separação dos termos recebe o valor de verdade ou de falsidade quando o que foi reunido ou separado em pensamento e linguagem está reunido ou separado na realidade (verdade), ou quando o que foi reunido ou separado em pensamento e linguagem não está reunido ou separado na realidade (falsidade). A reunião se faz pela afirmação: S é P. A separação se faz pela negação: S não é P.

A proposição representa o juízo (coloca o pensamento na linguagem) e a realidade (declara o que está unido e o que está separado).

Do ponto de vista do sujeito, existem dois tipos de proposições:

1. proposição existencial: declara a existência, posição, ação ou paixão do sujeito. Por exemplo: “Um homem é (existe)”, “Um homem anda”, “Um homem está ferido”. E suas negativas: “Um homem não é (não existe)”, “Um homem não anda”, “Um homem não está ferido”;

2. proposição predicativa: declara a atribuição de alguma coisa a um sujeito por meio da cópula é. Por exemplo: “Um homem é justo”, “Um homem não é justo”.

As proposições se classificam segundo a qualidade e quantidade.

Do ponto de vista da qualidade, as proposições de dividem em:

? afirmativas: as que atribuem alguma coisa a um sujeito: S é P.

? negativas: as que separam o sujeito de alguma coisa: S não é P.

Do ponto de vista da quantidade, as proposições se dividem em:

? universais: quando o predicado se refere à extensão total do sujeito, afirmativamente (Todos os S são P) ou negativamente (Nenhum S é P);

? particulares: quando o predicado é atribuído a uma parte da extensão do sujeito, afirmativamente (Alguns S são P) ou negativamente (Alguns S não são P);

? singulares: quando o predicado é atribuído a um único indivíduo, afirmativamente (Este S é P) ou negativamente (Este S não é P).

Além da distinção pela qualidade e pela quantidade, as proposições se distinguem pela modalidade, sendo classificadas como:

? necessárias: quando o predicado está incluído necessariamente na essência do sujeito, fazendo parte dessa essência. Por exemplo: “Todo triângulo é uma figura de três lados”, “Todo homem é mortal”;

? não-necessárias ou impossíveis: quando o predicado não pode, de modo algum, ser atribuído ao sujeito. Por exemplo: “Nenhum triângulo é figura de quatro lados”, “Nenhum planeta é um astro com luz própria”;

? possíveis: quando o predicado pode ser ou deixar de ser atribuído ao sujeito. Por exemplo: “Alguns homens são justos”.

Como todo pensamento e todo juízo, a proposição está submetida aos três princípios lógicos fundamentais, condições de toda verdade:

1. princípio da identidade: um ser é sempre idêntico a si mesmo: A é A;

2. princípio da não-contradição: é impossível que um ser seja e não seja idêntico a si mesmo ao mesmo tempo e na mesma relação. É impossível que A seja A e não-A;

3. princípio do terceiro excluído: dadas duas proposições com o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma afirmativa e outra negativa, uma delas é necessariamente verdadeira e a outra necessariamente falsa. A é x ou não-x, não havendo terceira possibilidade.

Graças a esses princípios, obtemos a última maneira pela qual as proposições se distinguem. Trata-se da classificação das proposições segundo a relação:

? contraditórias: quando temos o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma das proposições é universal afirmativa (Todos os S são P) e a outra é particular negativa (Alguns S não são P); ou quando se tem uma universal negativa (Nenhum S é P) e uma particular afirmativa (Alguns S são P);

? contrárias: quando, tendo o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma das proposições é universal afirmativa (Todo S é P) e a outra é universal negativa (Nenhum S é P); ou quando uma das proposições é particular afirmativa (Alguns S são P) e a outra é particular negativa (Alguns S não são P);

? subalternas: quando uma universal afirmativa subordina uma particular afirmativa de mesmo sujeito e predicado, ou quando uma universal negativa subordina uma particular negativa de mesmo sujeito e predicado.

Quando a proposição é universal e necessária (seja afirmativa ou negativa), diz-se que ela declara um juízo apodítico. Quando a proposição é universal ou particular possível (afirmativa ou negativa), diz-se que ela declara um juízo hipotético, cuja formulação é: Se… então… Quando a proposição é universal ou particular (afirmativa ou negativa) e comporta uma alternativa que depende dos acontecimentos ou das circunstâncias, diz-se que ela declara um juízo disjuntivo, cuja formulação é: Ou… ou…

Assim, a proposição “Todos os homens são mortais” e a proposição “Nenhum triângulo é uma figura de quatro lados” são apodíticas. A proposição “Se a educação for boa, ele será virtuoso” é hipotética. A proposição “Ou choverá amanhã ou não choverá amanhã” é disjuntiva.


O silogismo

Aristóteles elaborou uma teoria do raciocínio como inferência. Inferir é tirar uma proposição como conclusão de uma outra ou de várias outras proposições que a antecedem e são sua explicação ou sua causa. O raciocínio é uma operação do pensamento realizada por meio de juízos e enunciada lingüística e logicamente pelas proposições encadeadas, formando um silogismo. Raciocínio e silogismo são operações mediatas de conhecimento, pois a inferência significa que só conhecemos alguma coisa (a conclusão) por meio ou pela mediação de outras coisas. A teoria aristotélica do silogismo é o coração da lógica, pois é a teoria das demonstrações ou das provas, da qual depende o pensamento científico e filosófico.

O silogismo possui três características principais:

1. é mediato: exige um percurso de pensamento e de linguagem para que se possa chegar a uma conclusão;

2. é dedutivo: é um movimento de pensamento e de linguagem que parte de certas afirmações verdadeiras para chegar a outras também verdadeiras e que dependem necessariamente das primeiras;

3. é necessário: porque é dedutivo (as conseqüências a que se chega na conclusão resultam necessariamente da verdade do ponto de partida). Por isso, Aristóteles considera o silogismo que parte de proposições apodíticas superior ao que parte de proposições hipotéticas ou possíveis, designando-o com o nome de ostensivo, pois ostenta ou mostra claramente a relação necessária e verdadeira entre o ponto de partida e a conclusão. O exemplo mais famoso do silogismo ostensivo é:

Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

Um silogismo é constituído por três proposições. A primeira é chamada de premissa maior; a segunda, de premissa menor; e a terceira, de conclusão, inferida das premissas pela mediação de um termo chamado termo médio. As premissas possuem termos chamados extremos e a função do termo médio é ligar os extremos. Essa ligação é a inferência ou dedução e sem ela não há raciocínio nem demonstração. Por isso, a arte do silogismo consiste em saber encontrar o termo médio que ligará os extremos e permitirá chegar à conclusão.

O silogismo, para chegar a uma conclusão verdadeira, deve obedecer a um conjunto complexo de regras. Dessas regras, apresentaremos as mais importantes, tomando como referência o silogismo clássico que oferecemos acima:

? a premissa maior deve conter o termo extremo maior (no caso, “mortais”) e o termo médio (no caso, “homens”);

? a premissa menor deve conter o termo extremo menor (no caso, “Sócrates”) e o termo médio (no caso, “homem”);

? a conclusão deve conter o maior e o menor e jamais deve conter o termo médio (no caso, deve conter “Sócrates” e “mortal” e jamais deve conter “homem”). Sendo função do médio ligar os extremos, deve estar nas premissas, mas nunca na conclusão.

A idéia geral da dedução ou inferência silogística é:

A é verdade de B.
B é verdade de C.
Logo, A é verdade de C.

A inferência silogística também é feita com negativas:

Nenhum anjo é mortal. (A é verdade de B.)
Miguel é anjo. (B é verdade de C.)
Logo, Miguel não é mortal. (A é verdade de C.)

A proposição é uma predicação ou atribuição. As premissas fazem a atribuição afirmativa ou negativa do predicado ao sujeito, estabelecendo a inclusão ou exclusão do médio no maior e a inclusão ou exclusão do menor no médio. Graças a essa dupla inclusão ou exclusão, o menor estará incluído ou excluído do maior.

Por ser um sistema de inclusões (ou exclusões) entre sujeitos e predicados, o silogismo é a declaração da inerência do predicado ao sujeito (inerência afirmativa, quando o predicado está incluído no sujeito; inerência negativa, quando o predicado está excluído do sujeito). A ciência é a investigação dessas inerências, por meio das quais se alcança a essência do objeto investigado.

A inferência silogística deve obedecer a oito regras, sem as quais a dedução não terá validade, não sendo possível dizer se a conclusão é verdadeira ou falsa:

1. um silogismo deve ter um termo maior, um menor e um médio e somente três termos, nem mais, nem menos;

2. o termo médio deve aparecer nas duas premissas e jamais aparecer na conclusão; deve ser tomado em toda a sua extensão (isto é, como um universal) pelo menos uma vez, pois, do contrário, não se poderá ligar o maior e o menor. Por exemplo, se eu disser “Os nordestinos são brasileiros” e “Os paulistas são brasileiros”, não poderei tirar conclusão alguma, pois o termo médio “brasileiros” foi tomado sempre em parte de sua extensão e nenhuma vez no todo de sua extensão;

3. nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão do que nas premissas, pois, nesse caso, concluiremos mais do que seria permitido. Isso significa que uma das premissas sempre deverá ser universal (afirmativa ou negativa);

4. a conclusão não pode conter o termo médio, já que a função deste se esgota na ligação entre o maior e o menor, ligação que é a conclusão;

5. de duas premissas negativas nada pode ser concluído, pois o médio não terá ligado os extremos;

6. de duas premissas particulares nada poderá ser concluído, pois o médio não terá sido tomado em toda a sua extensão pelo menos uma vez e não poderá ligar o maior e o menor;

7. duas premissas afirmativas devem ter a conclusão afirmativa, o que é evidente por si mesmo;

8. a conclusão sempre acompanha a parte mais fraca, isto é, se houver uma premissa negativa, a conclusão será negativa; se houver uma premissa particular, a conclusão será particular; se houver uma premissa particular negativa, a conclusão será particular negativa.

Essas regras dão origem às figuras e modos do silogismo. As figuras são quatro e se referem à posição ocupada pelo termo médio nas premissas (sujeito na maior, sujeito na menor, sujeito em ambas, predicado na maior, predicado na menor, predicado em ambas). Os modos se referem aos tipos de proposições que constituem as premissas (universais afirmativas em ambas, universais negativas em ambas, particulares afirmativas em ambas, particulares negativas em ambas, universal afirmativa na maior e particular afirmativa na menor, etc.).

Existem 64 modos possíveis, mas, desses, apenas dez são considerados válidos. Combinando-se as quatro figuras e os dez modos tem-se as dezenove formas válidas de silogismo.

Tomemos um exemplo da chamada primeira figura e os modos em que pode se apresentar. Na primeira figura, o termo médio é sujeito na maior e predicado na menor:

1º modo – todas as proposições são universais afirmativas:

Todos os homens são mortais.
Todos os atenienses são homens.
Todos os atenienses são mortais.

2º modo – a maior é universal negativa, a menor é universal afirmativa e a conclusão é universal negativa:

Nenhum astro é perecível.
Todas as estrelas são astros.
Nenhuma estrela é perecível.

3º modo – a maior é universal afirmativa, a menor é particular afirmativa e a conclusão é particular afirmativa:

Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Sócrates é mortal.

4º modo – a maior é universal negativa, a menor é particular afirmativa e a conclusão é particular negativa:

Nenhum tirano é amado.
Dionísio é tirano.
Dionísio não é amado.

Aristóteles considera a primeira figura a mais própria para o silogismo científico, porque nela a inerência do predicado no sujeito é a mais perfeita. A ciência, segundo Aristóteles, encontra a essência das coisas demonstrando a ligação necessária entre um indivíduo, a espécie e o gênero, isto é, a inclusão do indivíduo na espécie e desta no gênero. A primeira figura é a que melhor evidencia essa inclusão (ou a exclusão).

O silogismo científico
Aristóteles distingue dois grandes tipos de silogismos: os dialéticos e os científicos. Os primeiros são aqueles cujas premissas se referem ao que é apenas possível ou provável, ao que pode ser de uma maneira ou de uma maneira contrária e oposta, ao que pode acontecer ou deixar de acontecer. Suas premissas são hipotéticas e por isso sua conclusão também é hipotética.

O silogismo científico é aquele que se refere ao universal e necessário, ao que é de uma maneira e não pode deixar de ser tal como é, ao que acontece sempre e sempre da mesma maneira. Suas premissas são apodíticas e sua conclusão também é apodítica.

O silogismo dialético é o que comporta argumentações contrárias, porque suas premissas são meras opiniões sobre coisas ou fatos possíveis ou prováveis. As opiniões não são objetos de ciência, mas de persuasão. A dialética é uma discussão entre opiniões contrárias que oferecem argumentos contrários, vencendo aquele argumento cuja conclusão for mais persuasiva do que a do adversário. O silogismo dialético é próprio da retórica, ou arte da persuasão, na qual aquele que fala procura tocar as emoções e paixões dos ouvintes e não no raciocínio ou na inteligência deles.

O silogismo científico não admite premissas contraditórias. Suas premissas são universais necessárias e sua conclusão não admite discussão ou refutação, mas exige demonstração. Por esse motivo, o silogismo científico deve obedecer a quatro regras, sem as quais sua demonstração não terá valor:

1. as premissas devem ser verdadeiras (não podem ser possíveis ou prováveis, nem falsas);

2. as premissas devem ser primárias ou primeiras, isto é, indemonstráveis, pois se tivermos que demonstrar as premissas, teremos que ir de regressão em regressão, indefinidamente, e nada demonstraremos;

3. as premissas devem ser mais inteligíveis do que a conclusão, pois a verdade desta última depende inteiramente da absoluta clareza e compreensão que tenhamos das suas condições, isto é, das premissas;

4. as premissas devem ser causa da conclusão, isto é, devem estabelecer as coisas ou os fatos que causam a conclusão e que a explicam, de tal maneira que, ao conhece-las, estamos obedecendo as causas da conclusão. Esta regra é da maior importância porque, para Aristóteles, conhecer é conhecer as causas ou pelas causas.

O que são as premissas de um silogismo científico? São verdades indemonstráveis, evidentes e causais. São de três tipos:

1. axiomas, como, por exemplo, os três princípios lógicos ou afirmações do tipo “O todo é maior do que as partes”;

2. postulados, isto é, os pressupostos de que se vale uma ciência para iniciar o estudo de seus objetos. Por exemplo, o espaço plano, na geometria; o movimento e o repouso, na física;

3. definições (que, para Aristóteles, são as premissas mais importantes de uma ciência) do gênero que é o objeto da ciência investigada. A definição deve dizer o que a coisa estudada é, como é, por que é, sob quais condições é (a definição deve dar o que, o como, o porquê e o se da coisa investigada, que é o sujeito da proposição).

A definição está referida ao termo médio, pois é ele que pode preencher as quatro exigências (que, como, por que, se) e é por seu intermédio que o silogismo alcança o conceito da coisa investigada. Através do termo médio, a definição oferece o conceito da coisa por meio das categorias (substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação, paixão) e da inclusão necessária do indivíduo na espécie e no gênero.

O conceito nos oferece a essência da coisa investigada (suas propriedades necessárias ou essenciais) e o termo médio é o atributo essencial para chegar à definição. Por isso, a definição consiste em encontrar para um sujeito (uma substância) seus atributos essenciais (seus predicados). Um atributo é essencial quando faz uma coisa ser o que ela é, ou cuja ausência impediria a coisa de ser tal como é (“mortal” é um atributo essencial de Sócrates). Um atributo é acidental quando sua presença ou sua ausência não afetam a essência da coisa (“gordo” é um atributo acidental de Sócrates). O silogismo científico não lida com os predicados ou atributos acidentais.

A ciência é um conhecimento que vai de seu gênero mais alto às suas espécies mais singulares. A passagem do gênero à espécie singular se faz por uma cadeia dedutiva ou cadeia silogística, na qual cada espécie funciona como gênero para suas subordinadas e cada uma delas se distingue das outras por uma diferença específica. Definir é encontrar a diferença específica entre seres do mesmo gênero.

A tarefa da definição é oferecer a definição do gênero e a diferença específica essencial que distingue uma espécie da outra. A demonstração (o silogismo) partirá do gênero, oferecerá a definição da espécie e incluirá o indivíduo na espécie e no gênero, de sorte que a essência ou o conceito do indivíduo nada mais é do que sua inclusão ou sua inerência à espécie e ao gênero. A demonstração parte da definição do gênero e dos axiomas e postulados referentes a ele; deve provar que o gênero possui realmente os atributos ou predicados que a definição, os axiomas e postulados afirmam que ele possui. O que é essa prova? É a prova de que as espécies são os atributos ou predicados do gênero e são elas o objeto da conclusão do silogismo.

Com isso, percebe-se que uma ciência possui três objetos: os axiomas e postulados, que fundamentam a demonstração; a definição do gênero, cuja existência não precisa nem deve ser demonstrada; e os atributos essenciais ou predicados essenciais do gênero, que são suas espécies, às quais chega a conclusão. Numa etapa seguinte, a espécie a que se chegou na conclusão de um silogismo torna-se gênero, do qual parte uma nova demonstração, e assim sucessivamente.

Para que o silogismo científico cumpra sua função, ele deve respeitar, além das regras gerais do silogismo, quatro exigências relativas às suas premissas:

1. devem ser premissas verdadeiras para todos os casos de seu sujeito;

2. devem ser premissas essenciais, isto é, a relação entre o sujeito e o predicado deve ser sempre necessária, seja porque o predicado está contido na essência do sujeito (por exemplo, o predicado “linha” está contido na essência do sujeito “triângulo”), seja porque o predicado é uma propriedade essencial do sujeito (por exemplo, o predicado “curva” tem que estar necessariamente referido ao sujeito “linha”), seja porque existe uma relação causal entre o predicado e o sujeito (por exemplo, o predicado “eqüidistantes do centro” é a causa do sujeito “círculo”, uma vez que esta é a figura geométrica cuja circunferência tem todos os pontos eqüidistantes do centro). Em resumo, as premissas devem estabelecer a inerência do predicado à essência do sujeito;

3. devem ser premissas próprias, isto é, referem-se exclusivamente ao sujeito daquela ciência e de nenhuma outra. Por isso, não posso ir buscar premissas da geometria (cujo sujeito são as figuras) na aritmética (cujo sujeito são os números), nem as da biologia (cujo sujeito são os seres vivos) na astronomia (cujo sujeito são os astros), etc. Em outras palavras, o termo médio do silogismo científico se refere aos atributos essenciais dos sujeitos de uma ciência determinada e de nenhuma outra;

4. devem ser premissas gerais, isto é, nunca devem referir-se aos indivíduos, mas aos gêneros e às espécies, pois o indivíduo define-se por eles e não eles pelo indivíduo.

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Marilena Chauí é professora de Filosofia na Universidade de São Paulo e uma das mais prestigiadas intelectuais brasileiras, com presença atuante no debate político nacional e na construção da democracia brasileira. São freqüentes os seus artigos na imprensa, bem como sua participação em congressos, conferências e cursos, no país e no exterior. 

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