Anti-Metafisica
Por: Thiago Tamosauskas, julho 2003

-um pequeno ensaio sobre a origem e a cura dos devaneios espirituais-



A ORIGEM DA METAFISICA


É preciso entender as razões que fazem com que pessoas aparentemente saudáveis e normais acreditem tão fielmente em tantas coisas para as quais simplesmente não há qualquer evidência concreta. Mundos Transcendentais, Leis metafísicas, escatologias teológicas, explicações sobrenaturais... Como pode haver algo sobrenatural, se por definição a Natureza a tudo abarca? Porque o ser humano foge do aqui e do momento para viver e conjecturar sobre os mundos do além?

Para entender a origem deste problema que é no fundo essencialmente cultural temos que entender a origem da metafísica e para entendermos o desenvolvimento da metafísica devemos retomar Platão, o primeiro porta voz dos metafísicos, que descontente com o mundo lançou-se a imaginar o que poderia haver além dele.

A vida de Platão era sua maior evidência sobre a corruptividade deste mundo. O governo de Atenas que se orgulhava de ser justo, integro e livre degenerava em injustiças, corrupção e interesses velados. A morte de Sócrates foi talvez para ele o estandarte máximo desta hipocrisia. "A legislação e moralidade estavam a tal ponto corrompidas que eu, antes cheio de ardor para trabalhar para o bem público, considerava esta situação, e vendo que tudo rumava a deriva, acabei por ficar aturdido.", teria dito o pensador.

Platão desiludiu-se com o mundo e com os homens e voltou-se portanto ao último reduto onde poderia encontrar a justiça e verdade. Abandonou a política ateniense e voltou-se para a própria mente Inconformado com o mundo passou a buscar um outro que lhe valesse a pena. Em outras palavras, por não conseguir mudar a realidade, buscou justificar a mesma. Em larga escala é exatamente sobre este comportamento que Karl Marx se refere em sua onzena de Feurbach: "Até hoje os filósofos só se ocuparam de tentar explicar o mundo. Mas o problema consiste em mudá-lo". De certa forma, não tolerando mais o mundo Platão fez o caminho oposto ao de Marx. Não podia mais mudar o mundo, tentou então explica-lo.

Assim sem forças contra o mundo, Platão rompeu com a Imanência dos pensadores Pré-Socraticos sem qualquer outra base senão a sua própria perplexidade com mundo e seus próprios devaneios. E esta fuga ilusória do aqui e do agora não começou em outro lugar senão no estupro do tempo presente.

Explico, antes de Platão a compreensão do tempo e do mundo era imanentista com o é ainda para todo o homem natural, e para os recém nascidos. Não se considerava nada além do Eterno Presente exatamente como podemos ainda ver nos fragmentos de Heráclito. Tudo o que havia era o Devir, aquilo que dá-se somente no Presente. Passado e futuro eram conceitos medíocres usados somente para justificar o homem perante o que lhe foi trágico ou inevitável.

O que Platão fez foi exaltar o passado e a esperança do futuro frente à um presente que lhe era insuportável. Assim agora tudo estaria destinado a outras estâncias e se originaria em "algum outro lugar.". O Momento e o instante aos poucos se tornariam estéreis frente às preocupações destes
mundos imaginários.

Platão ocupou-se então em criar toda uma nova ciência, uma "Teoria das Idéias" com a qual fosse capaz de escapar da tragédia do presente, mas sendo um homem sábio, sabia que não poderia simplesmente negar o Devir e a Imanência do Aqui e Agora. Por mais que sustentasse outras dimensões da realidade a humanidade vive sempre no presente e no mundo imanente. Sua solução foi a da divisão conceitual do Mundo em dois. O Mundo das Essencias e o Mundo das Opniões.

Com sua astúcia, Platão argumentou que o Devir, o eterno presente é na verdade o mundo das opinões, um mundo de projeções daquilo que só é real no mundo das Formas Originais, também chamadas de essências. A partir de então o Mundo aonde vivíamos passou a ser considerado somente uma reles sombra de um outro mundo perfeito e universal. Com essa visão de mundo, os sentidos passam então a não mais serem confiáveis e tudo passa a ser ilusão de uma verdade que jaz em "algum outro lugar."

SIMULAÇÃO E SIMULACRO

Surge então o primeiro problema de Platão: Se estivermos sempre vivendo em um mundo de projeções, sombras e silhuetas, como poderíamos atingir o mundo das formas? Sua resposta é a de que esse processo aconteceria por meio de uma distinção consciente daquilo que é cópia perfeita e do que é deturpação do original aqui em nosso mundo.

Uma cópia seria a projeção direta do Mundo das Idéias que seriam então deturpadas pelo Mundo das Opniões tornando-se simples e malfeitas imitações das formas perfeitas. Portanto, somente aquilo que é eterno e constante seria uma cópia enquanto que aquilo que é mutável e impermanente seria um simulacro. Para um metafísico a idéia deve ser abraçada para que se chegue a forma enquanto que o simulacro deve ser repudiado como deturpação.

A verdade passou então a ser acessível somente pela imaginação e pela mente humana, mas nunca manifesta no mundo. Segundo o pensamento platônico, se tudo o que os sentidos experimentam é passageiro então nada neste mundo é real. A Arvore à sua frente passou a ser considerada falsa em prol da essência comum a todas as árvores, mesmo se um uma sequóia caísse sobre sua cabeça. O mundo todo passou a ser um mundo imperfeito projetado do mundo das formas. O repudio por tudo o que era passageiro deu inicio ao que no futuro expressar-se-ia como um desprezo pelo próprio mundo em que vivemos, pelo nosso próprio corpo, e conseqüentemente contra a própria vida.

Este pensamento teve graves conseqüências. Se nada neste mundo é a verdade final, então mesmo o homem é irreal. O homem passou então a sonhar com este mundo além do mundo, principalmente com um Homem Metafísico e Ideal do qual seria a Projeção. Se o ser humano nasce e morre, este deveria ser eterno e sempre ter existido. Se o ser humano é limitado e tem que aprender, este deveria ser ilimitado e onisciente. Se o ser humano compete e sofre e tem prazer, este deveria ser Todo Poderoso além de toda a corruptividade deste mundo. O homem da imaginação traduzia-se em um Deus transcendente.

É claro que das idéias de Platão até o conceito atual de divindade, muitas águas rolaram. E muitas foram às hipóteses sobre qual era a natureza deste Deus inacessível. Gerações e gerações de metafísicos debateram e teorizaram em cima das idéias de Platão. Nelas, especialmente a tradição judaico cristã encontrou confortável refugio para supor suas próprias verdades sobre este mundo imaginário e destilar o seu veneno.

Deus passou a ser usado não somente para explicar o homem, como passou também a ser criador e sustentador da natureza e para reger o comportamento dos homens de carne e osso. A fuga da vida uniu-se ao medo do desconhecido e os teóricos do impossível passaram a ser porta voz da divindade. A metafísica passou a ser usada para confortar os covardes das dores e prazeres do corpo e do mundo e criou lugares como o Campos Elísios e o Céu onde tudo que é considerado trágico é inexistente e onde a vida é como gostariam que fosse.

Mas agora, que evidências temos sobre a existência deste mundo de idéias e de essências? A multiplicidade de formas não é de forma alguma uma conseqüência de um modelo original. A única coisa que nos leva a investigar um mundo além deste mundo e a nossa própria necessidade de que este mundo exista. E como quem quer que já tenha passado fome sabe; a realidade não
está nem ai para o como achamos que as coisas deveriam ser.

Peguemos um pequeno exemplo. Você, um gato e um morcego contemplam uma mesma árvore. Cada um dos organismos experimentará a arvore de uma maneira distinta segundo suas próprias experiências previas e limitações de seus sistemas perceptivos. Você enxergará em belas cores as folhas, o tronco e os galhos da arvore. O gato enxergara a arvore em branco e preto, mas sentirá
toda uma gama de aromas inexistentes para você. O morcego por fim praticamente não verá a arvore, mas a tocará distância com seu radar natural. Agora, qual a verdadeira árvore, a sua a do gato ou a do morcego?

Cada organismo experimentará árvore de acordo com sua própria natureza, e segundo Platão criando uma deturpação da arvore original conseqüência da limitação de seus sentidos. Além disso, mesmo a forma como a árvore sente a si mesma estará limitada à própria capacidade de recepção e organização da informação da qual ela dispõe. Inclusive, mesmo indivíduos idênticos como gêmeos siameses acabarão experimentando a mesma árvore de formas diferentes.

A CURA DA METAFISICA

Tendo em vista a situação exposta anteriormente, será que o fato de existirem várias percepções de uma árvore necessariamente implica na existência de uma árvore original como gostariam os metafísicos platonicos? E ainda, porque a essência desta árvore teria as informações universais e
verdadeiras comuns a todas as outras árvores? A única coisa que o exemplo acima revela é que a árvore é experimentada diferentemente por organismo diferentes. Isso não quer dizer que necessariamente exista uma essência comum a toda a coletividade de árvores.

A essência da árvore é única sendo somente a forma como é experimentada que muda de organismo para organismo. A problemática é semelhante à história do cego que cuida de um Rouxinol. Tudo o que o ele pode saber é que o pássaro é mais do que o lindo cantar que ele sempre ouve. Nossos sentidos, e mesmo a nossa razão no máximo nos dirá que determinada coisa "não é só isso", mas nunca nos revelará por completo o que de fato esta coisa é. Sábios os místicos que se referem à realidade como "Nem isso, Nem Isso." Qualquer afirmação seria uma pretensão.

Mas a problemática é ainda mais profunda, pois é muito mais importante entender que a árvore essencial ou ideal no fundo não existe como algo separado do todo. A arvore não existe. Somente quando a experimentamos com nossos sentidos ou com nossa memória é que a "recortamos" a árvore do universo e a definimos, rotulamos e classificamos como um verbete de enciclopédia destacado de todo o resto do universo. Antes dos sentidos captarem e a mente recortar, a arvore sequer existia como algo isolado do todo, sendo inclusive pertencente ao mesmo todo onde estão imersos todos os seres que a observa.

A "Arvore verdadeira" não é, portanto uma arvore essencial ou ideal, como propuséramos metafísicos, pois mesmo esta arvore ideal é uma visão humana idealizada por nós. A "Arvore verdadeira" seria algo como uma onda de informações sem forma e completamente integrante à grande mistura que compõe toda a existência.

Talvez um exemplo facilita a exposição do dilema. Considere que quando mirarmos uma multidão numa paisagem, recortamos esta multidão do resto do mundo e quando paramos para observar uma pessoa, isolamos esta pessoa da multidão. Seguindo em frente se repararmos no rosto de uma pessoa fazemos então surgir "o rosto" como algo separado do corpo. Olhamos no fundo do seu olho e o olho passa a ser uma unidade separada. Concentre-se na íris e sua mente isolará ela do próprio globo ocular. Mas a verdade permanece inalterada, pois o olho nunca esteve separado do rosto, o rosto nunca esteve separado do corpo, o corpo nunca esteve separado da multidão e a multidão nunca esteve separada da paisagem senão na nossa mente. Mesmo o observador não é por trás de seus limitados sentidos algo isolado daquilo que observa.

São os observadores que tencionam a realidade e dela extraem suas arvores, seus rostos e seus rouxinóis. As ondas no ar só se convertem em som ao serem processada por algum sistema auditivo e as imagens só são imagens de fato na mente. Formas e Modelos são portanto abstrações de observadores,. Como pode haver uma arvore ideal num suposto mundo das formas se a árvore só existirá quando alguém a olhar, ver tocar, cheira, a experimentar e a destacar com
isso do resto da Existência? Além disso, a arvore só existirá na mente daquele que a experimentou, pois sua real natureza permanece intocada. Inexistente como arvore, mas existente como o Secreto Logos que a tudo abarca.

O homem sensato então não se preocupa em como as coisas são no mundo ideal, ou por trás dos véus da realidade, pois sabe que este mundo das idéias só existe em sua mente e que a realidade é na verdade una. Todos os refúgios metafísicos podem ser encarados como fugas ilusórias criadas por seu próprio cérebro.

Abandonando estes conceitos desnecessários vivemos então no nosso próprio mundo tal como este se revela a nós e passaremos a viver a vida em toda sua plenitude, dor, gozo, tragédia e felicidade. Poderemos inclusive começar a tentar moldar este mundo conforme os desígnios humanos, mas sem mais apelar a fugas metafísicas; Os antigos enganos não mais preocuparão o homem superior, pois este terá então retornado a sua Imanência e virtude originais, como neste sábio adágio Zen que encerra este nosso ensaio:

"Antes da iluminação, as montanhas são montanhas e as águas, águas. Quando se obtém a visão interior da iluminação, as montanhas não são mais montanhas, nem as águas, águas. Mas depois disso, quando alcança realmente a iluminação, de novo as montanhas são montanhas e as águas são águas como sempre foram."

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