O
porto que todos o memes precisam alcançar é a mente
humana, mas uma mente humana é apenas um artefato
criado quando memes reestruturam um cérebro humano
para fazê-lo um hábitat melhor para memes. Os caminhos
para chegada e partida são modificados para ajustar-se
às condições locais e reforçados por vários dispositivos
artificiais que aumentam a fidelidade e prolixidade
da replicação: mentes chinesas nativas diferem dramaticamente
de mentes francesas nativas e as mentes alfabetizadas
diferem de mentes analfabetas. O que os memes provêem
em retorno aos organismos nos quais eles residem é
uma quantidade incalculável de vantagens – com alguns
cavalos de Tróia misturados também...
Daniel
Dennett, Consciousness Explained
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Forragem
de Duplicação
Uma linda criança próxima de mim, com seis anos e a menina
dos olhos de seu pai, acredita que Thomas o Motor de Tanque
[personagem de uma história infantil] realmente existe.
Ela acredita em Papai Noel, e quando ela crescer sua ambição
é ser uma fada do dente. Ela e seus amigos de escola acreditam
na palavra solene de adultos respeitados de que fadas do
dente e o Papai Noel realmente existem. Esta pequena menina
está em uma idade de acreditar em tudo que você lhe contar.
Se você lhe contar sobre bruxas transformando príncipes
em sapos ela acreditará em você. Se você lhe contar que
crianças más ardem eternamente no inferno, ela terá pesadelos.
Eu descobri há pouco que sem o consentimento do pai dela
esta criança de seis anos encantadora, confiante e crédula
está sendo enviada, para instrução semanal, a uma freira
católica romana. Que chances ela tem?
Uma criança humana é moldada pela evolução para se saturar
da cultura de seu povo. Obviamente, ela aprende os essenciais
do idioma de seu povo em questão de meses. Um dicionário
grande de palavras para falar, uma enciclopédia de informação
para falar sobre, regras sintáticas e semânticas complicadas
para ordenar a fala são todos transferidos de cérebros mais
velhos ao dela antes que ela alcance metade de seu tamanho
adulto. Quando você é pré-programado para absorver informação
útil a altas taxas, é difícil impedir ao mesmo tempo a entrada
de informação perniciosa ou prejudicial. Com tantos bytes
mentais para ser assimilados, tantos códons mentais para
ser reproduzidos, não é nenhuma surpresa que cérebros de
crianças sejam crédulos, abertos a quase qualquer sugestão,
vulneráveis à subversão, presas fáceis para Moonies, Cientologistas
e freiras. Como pacientes imuno-deficientes, crianças estão
amplamente abertas a infecções mentais as quais adultos
poderiam repelir sem esforço.
O
DNA também inclui código parasitário. A maquinaria celular
é extremamente boa em copiar DNA. No que tange o DNA, ele
parece ter uma ânsia para copiar, parece ansioso em ser
copiado. O núcleo da célula é um paraíso para o DNA, repleto
de maquinaria de duplicação sofisticada, rápida e precisa.
A maquinaria celular é tão amigável para a duplicação de
DNA que é pouca surpresa que células tornem-se hospedeiras
de parasitas de DNA – vírus, viróides, plasmídeos e um refugo
de outros camaradas viajantes genéticos. O DNA parasitário
até mesmo se torna emendado aos cromossomos de forma quase
imperceptível. “Genes saltantes” e extensões de “DNA egoísta”
se cortam ou copiam para fora de cromossomos e se colam
em outro lugar. Oncogenes mortais são quase impossíveis
de distinguir de genes legítimos entre os quais eles estão
trançados. No tempo evolutivo, há provavelmente um tráfico
ininterrupto de genes “legítimos” para genes “foras-da-lei”,
e de volta novamente (Dawkins, 1982). O DNA é só DNA. A
única coisa que distingue DNA virótico do DNA hospedeiro
é seu método esperado de passar para gerações futuras. DNA
hospedeiro “legítimo” é apenas DNA que aspira passar para
a próxima geração pela rota ortodoxa de espermatozóide ou
óvulo. DNA parasitário “fora-da-lei” é só DNA que busca
uma rota mais rápida e menos cooperativa ao futuro, por
uma minúscula gotinha ou fragmento de sangue, em lugar de
por um espermatozóide ou óvulo.
Para dados em um disquete, um computador é um paraíso da
mesma maneira que núcleos de célula têm uma ânsia em duplicar
DNA. Computadores e seus leitores de disco e fita associados
são projetados com alta-fidelidade em mente. Como com moléculas
de DNA, bytes magnetizados não “querem” literalmente ser
copiados de forma fiel. Não obstante, você pode escrever
um programa de computador que toma medidas para se duplicar.
Não apenas duplicar a si mesmo dentro de um computador,
mas se espalhar para outros computadores. Computadores são
tão bons em copiar bytes, e tão bons em obedecer as instruções
contidas nesses bytes fielmente, que são vítimas fáceis
para programas auto-reprodutores: amplamente abertos à subversão
por parasitas de software. Qualquer cínico familiar com
a teoria de genes egoístas e memes teria sabido que computadores
pessoais modernos, com seu tráfico promíscuo de disquetes
e ligações de e-mail, estavam procurando por problemas.
A única coisa surpreendente sobre a epidemia atual de vírus
de computadores é que demorou tanto para ocorrer.
Vírus de Computador:
Um Modelo para uma Epidemiologia Informacional
Vírus de computador são pedaços de código que se enxertam
em programas existentes e legítimos e subvertem as ações
normais desses programas. Eles podem viajar em disquetes
trocados, ou através de redes. Eles são tecnicamente distintos
de “worms” [vermes] que são programas inteiros em seu próprio
direito, normalmente viajando através de redes. Bastante
diferentes são os “cavalos de Tróia”, uma terceira categoria
de programas destrutivos que não são auto-reprodutores,
mas dependem de humanos para reproduzi-los por causa de
seu conteúdo pornográfico ou atraente de outras formas.
Vírus e worms são programas que de fato dizem, em linguagem
de computador, “Duplique-me”. Ambos podem fazer outras coisas
que fazem sua presença percebida e talvez possam satisfazer
a vaidade dos autores deles. Estes efeitos colaterais podem
ser “humorísticos” (como o vírus que faz o alto-falante
embutido do Macintosh enunciar as palavras “Não entre em
pânico”, com o previsível efeito oposto); maliciosos (como
os numerosos vírus IBM que apagam o disco rígido depois
de um anúncio na tela do desastre iminente); políticos (como
os vírus Spanish Telecom e Beijing que protestam sobre custos
de telefone e estudantes massacrados respectivamente); ou
simplesmente inadvertidos (o programador é incompetente
para controlar as chamadas de sistema de baixo nível exigidas
para escrever um vírus ou worm efetivo). O famoso Internet
Worm que paralisou muito do poder de computação dos Estados
Unidos no dia 2 de novembro de 1988 não era projetado (muito)
maliciosamente mas ficou fora de controle e, dentro de 24
horas, tinha congestionado 6.000 memórias de computador
multiplicando exponencialmente cópias de si mesmo.
“Memes agora se espalham ao redor do mundo à velocidade
da luz, e se reproduzem a taxas que fazem até mesmo a mosca
de frutas e células de fermento parecerem glaciais em comparação.
Eles saltam promiscuamente de veículo para veículo, e de
meio para meio, e estão provando ser virtualmente impossíveis
de colocar em quarentena” (Dennett 1990, p.131). Vírus não
estão limitados a mídias eletrônicas como discos e linhas
de dados. Em seu caminho de um computador para outro, um
vírus pode atravessar a tinta de impressão, raios de luz
em uma lente humana, impulsos de nervo óticos e contrações
de músculos do dedo. Uma revista de aficcionados por computador
que imprimiu o texto de um programa de vírus para o interesse
de seus leitores foi extensamente condenada. De fato, tal
é a atração da idéia de vírus a um certo tipo de mentalidade
pueril (o gênero masculino é usado a conselho), que a publicação
de qualquer tipo de informação sobre como projetar programas
de vírus é vista imediatamente como um ato irresponsável.
Eu não vou publicar nenhum código de vírus. Mas há certos
truques de design de vírus efetivos que são conhecidos suficientemente
bem, até mesmo óbvios, que não fará nenhum mal mencioná-los,
enquanto eu preciso fazer para desenvolver meu tema. Todos
eles se originam da necessidade do vírus para escapar de
descoberta enquanto estiver se espalhando.
Um vírus que clona a si mesmo de forma excessiva dentro
de um computador será descoberto rapidamente porque os sintomas
de congestionamento ficarão muito óbvios para ignorar. Por
isto muitos programas de vírus checam, antes de infectar
um sistema, para ter certeza se eles já não estão naquele
sistema. Incidentalmente, isto abre um modo para defesa
contra vírus que é análogo à imunização. Nos dias antes
que um programa específico de antivírus estivesse disponível,
eu mesmo respondi a uma infecção em meu próprio disco rígido
por meio de uma primitiva “vacinação”. Em vez de apagar
o vírus que tinha descoberto, eu simplesmente incapacitei
suas instruções codificadas, deixando a “casca” do vírus
com sua “assinatura” externa característica intacta. Teoricamente,
os membros subseqüentes das mesmas espécies de vírus que
chegaram em meu sistema deveriam ter reconhecido a assinatura
do seu próprio tipo e se abstido de tentar infectá-lo novamente.
Eu não sei se esta imunização realmente funcionou, mas naqueles
dias provavelmente valia a pena “destripar” um vírus e deixar
sua casca em lugar de simplesmente isolá-lo. Hoje em dia
é melhor entregar o problema para um dos programas de antivírus
profissionalmente escritos.
Um vírus que é muito virulento será descoberto rapidamente
e será eliminado. Um vírus que imediatamente e catastroficamente
sabota todo computador no qual se encontra não se achará
em muitos computadores. Pode ter um efeito muito agradável
em um computador – apagar uma tese de doutorado inteira
ou algo igualmente frustrante – mas não se espalhará como
uma epidemia.
Então, alguns vírus são projetados para ter um efeito que
é pequeno o bastante para ser difícil de detectar, mas que
pode mesmo assim ser extremamente danoso. Há um tipo que,
em vez de apagar todos os setores de disco, ataca só planilhas
eletrônicas, fazendo algumas mudanças aleatórias dentro
de quantidades (normalmente financeiras) inseridas em filas
e colunas. Outros vírus evadem descoberta sendo ativados
probabilisticamente, apagando por exemplo só um em 16 dos
discos rígidos infectados. Já outros vírus empregam o princípio
de bombas-relógio. A maioria dos computadores modernos está
“ciente” da data, e vírus foram ativados para se manifestar
ao redor do mundo em uma data particular como uma sexta-feira
13 ou o Dia da Mentira em 1 de abril. Do ponto de vista
parasitário, não importa quão catastrófico o ataque eventual
é, contanto que o vírus tenha tido bastante oportunidade
para se espalhar primeiro (uma analogia perturbadora com
a teoria de Medawar/Williams
do envelhecimento: nós somos as vítimas de genes letais
e sub-letais que só amadurecem depois que nós tenhamos tido
bastante tempo para nos reproduzirmos (Williams, 1957)).
Como defesa, algumas companhias grandes vão tão longe a
ponto de utilizar um “canário de minerador” entre sua frota
de computadores, e avançar o calendário interno deste computador
uma semana de forma que qualquer vírus bomba-relógio revele-se
prematuramente antes do dia fatídico.
Novamente de maneira previsível, a epidemia de vírus de
computador desencadeou uma corrida de esforços. Software
antivirótico está movimentando um comércio volumoso. Estes
programas antídoto – “Interferon”, “Vaccine”, “Gatekeeper”
e outros – empregam um arsenal diverso de truques. Alguns
são escritos com vírus específicos em mente, conhecidos
e nomeados. Outros interceptam qualquer tentativa de intrometimento
em áreas de memória de sistema sensíveis e avisam o usuário.
O princípio do vírus pode, teoricamente, ser usado para
propósitos não-maliciosos e até mesmo benéficos. Thimbleby
(1991) cunhou o termo “liveware” [live = vivo] para seu
uso já implementado do princípio de infecção para manter
cópias múltiplas de bancos de dados atualizadas. Toda vez
que um disco contendo um banco de dados é conectado a um
computador, ele confere se já há outra cópia presente no
disco rígido local. Se houver, cada cópia é atualizada à
luz da outra. Assim, com um pouco de sorte, não importa
que membro de um círculo de colegas insira, digamos, uma
citação bibliográfica nova em seu disco pessoal. As informações
recentemente inseridas dele infectarão os discos de seus
colegas prontamente (porque seus colegas inserem promiscuamente
os discos deles nos computadores uns dos outros) e se espalharão
como uma epidemia pelo círculo. O liveware de Thimbleby
não é inteiramente como um vírus: ele não pode se espalhar
para o computador de qualquer pessoa e causar dano. Ele
espalha dados apenas a cópias já existentes de seu próprio
banco de dados; e você não será infectado pelo liveware
a menos que você opte positivamente pela infecção.
Incidentalmente, Thimbleby, que está muito preocupado com
a ameaça dos vírus, aponta que você pode ganhar um pouco
de proteção usando sistemas de computador que outras pessoas
não usam. A justificativa habitual para comprar o computador
numericamente dominante de hoje é simples e unicamente a
de que ele é numericamente dominante. Quase toda
pessoa entendida concorda que, em termos de qualidade e
especialmente facilidade de uso, o sistema rival, minoritário,
é superior. Não obstante, a onipresença é celebrada como
benéfica por si mesma, suficiente para superar em valor
a mera qualidade. Compre o mesmo (embora inferior) computador
que seus colegas, como dita o argumento, e você poderá se
beneficiar de software compartilhado e de uma circulação
geralmente grande de software disponível. A ironia é que,
com o advento da praga de vírus, “benefício” não é tudo
aquilo que você pode adquirir. Nós não só deveríamos ser
muito hesitantes antes de aceitar um disco de um colega.
Nós também deveríamos estar atentos que, se nós nos unimos
a uma comunidade grande de usuários de uma particular marca
computador, nós também estamos nos unindo a uma comunidade
grande de vírus – até mesmo, podemos descobrir, desproporcionalmente
maior.
Voltando a possíveis usos de vírus para propósitos positivos,
há propostas para explorar o princípio “trapaceador vira
regulador”, e “usar um ladrão para pegar um ladrão”. Um
modo simples seria tomar quaisquer dos programas antiviróticos
existentes e carregá-lo como uma “ogiva” em um vírus auto-reprodutor
inofensivo. De um ponto de vista de “saúde pública”, uma
epidemia de propagação de software antivirótico poderia
ser especialmente benéfica porque os computadores mais vulneráveis
a vírus malignos – aqueles cujos donos são promíscuos na
troca de programas pirateados – também serão mais vulneráveis
à infecção pelo antivírus curativo. Um antivírus mais penetrante
pode – como no sistema imunológico – “aprender” ou “evoluir”
uma capacidade melhorada para atacar qualquer vírus que
encontrar.
Eu posso imaginar outros usos do princípio de vírus de computador
que, se não precisamente altruísticos, sejam pelo menos
construtivos o bastante para escapar a acusação de puro
vandalismo. Uma companhia de computador poderia desejar
fazer pesquisa de mercado nos hábitos de seus clientes,
com uma visão para melhorar o projeto de produtos futuros.
Os usuários gostam de escolher arquivos através de ícone
pictóricos, ou eles optam por exibi-los apenas através de
seus nomes textuais? Como as pessoas encadeiam suas pastas
(diretórios) uns dentro dos outros? As pessoas se contentam
com uma sessão longa com só um programa, digamos um processador
de textos, ou eles estão constantemente trocando de um lado
para outro, digamos entre programas de redigir e desenhar?
As pessoas têm sucesso movendo o ponteiro do mouse diretamente
ao objetivo, ou eles vagam ao redor em movimentos que desperdiçam
tempo que poderiam ser retificados por uma mudança em design?
A companhia poderia enviar um questionário que faz todas
estas perguntas, mas os clientes que responderiam seriam
uma amostra parcial e, em todo caso, a própria avaliação
deles do seu comportamento de uso do computador poderia
ser inexata. Uma solução melhor seria um programa de computador
de pesquisa de mercado. Seria requisitado que os clientes
carregassem este programa no sistema deles, onde ele funcionaria
sem obstrução monitorando silenciosamente e contando as
teclas pressionadas e os movimentos de mouse. Ao término
de um ano, o cliente seria requisitado a enviar o arquivo
de disco contendo todos os dados do programa de pesquisa
de mercado. Mas novamente, a maioria das pessoas não se
aborreceria em cooperar e alguns poderiam ver isto como
uma invasão de privacidade e do espaço de seu disco.
A solução perfeita, do ponto de vista da companhia, seria
um vírus. Como qualquer outro vírus, seria auto-reprodutor
e sutil. Mas não seria destrutivo ou facetado como um vírus
ordinário. Junto com seu propulsor auto-reprodutor conteria
uma ogiva de pesquisa de mercado. O vírus seria liberado
sorrateiramente na comunidade de usuários de computador.
Como um vírus ordinário ele se espalharia, à medida que
as pessoas trocassem disquetes e e-mails ao redor da comunidade.
Enquanto o vírus se espalhasse de computador a computador,
construiria estatísticas sobre o comportamento de usuários,
monitorado secretamente dos bastidores dentro de uma sucessão
de sistemas. De vez em quando, uma cópia dos vírus acharia
seu caminho de volta a um dos computadores da própria companhia
através de tráfico de epidemia normal. Lá seria examinado
e seus dados colecionados com dados de outras cópias do
vírus que tenham voltado à “casa”.
Olhando para o futuro, não é fantástico imaginar um tempo
em que vírus, tanto ruins quanto bons, tornem-se tão onipresentes
que nós poderemos falar de uma comunidade ecológica de vírus
e programas legítimos que coexistiriam na silicosfera. No
momento, o software é anunciado como, digamos, “Compatível
com o System 7”. No futuro, produtos podem ser anunciados
como “Compatível com todos os vírus registrados no Censo
Mundial de Vírus de 1998; imune a todos vírus virulentos
listados; toma vantagem completa das instalações oferecidas
pelos vírus benignos seguintes se presentes...” Softwares
processadores de texto, digamos, podem entregar funções
particulares, como contagem de palavras e cadeias, para
vírus amigáveis que passem autonomamente pelo texto.
Olhando ainda mais adiante no futuro, sistemas de software
integrados inteiros poderiam crescer, não através de design,
mas por algo como o crescimento de uma comunidade ecológica
como uma floresta tropical. Gangues de vírus mutuamente
compatíveis poderiam crescer, da mesma maneira como genomas
podem ser considerados como gangues de genes mutuamente
compatíveis (Dawkins, 1982). De fato, eu sugeri até mesmo
que nossos genomas deveriam ser considerados como colônias
gigantescas de vírus (Dawkins, 1976). Genes cooperam uns
com os outros em genomas porque a seleção natural favoreceu
esses genes que prosperam na presença dos outros genes que
eventualmente estão na mesma comunidade de genes. Comunidades
de genes diferentes podem evoluir para combinações diferentes
de genes mutuamente compatíveis. Eu vejo um tempo quando,
da mesma forma, vírus de computador podem evoluir para compatibilidade
com outros vírus, para formar comunidades ou gangues. Mas
novamente, talvez não! De qualquer modo, eu acho a especulação
mais alarmante que excitante.
No momento, vírus de computador não evoluem estritamente.
Eles são inventados por programadores humanos, e se eles
evoluem eles o fazem no mesmo senso fraco como carros ou
aeroplanos evoluem. Projetistas derivam o carro deste ano
como uma modificação leve do carro do último ano, e então
pode, mais ou menos conscientemente, continuar uma tendência
dos últimos anos – achatar ainda mais a grade do radiador
ou o que quer que seja. Projetistas de vírus de computador
inventam truques cada vez mais intrincados para burlar os
programadores de software de antivírus. Mas vírus de computador
– até agora – não sofrem mutação e evoluem através de verdadeira
seleção natural. Eles podem fazer isso no futuro. Quer eles
evoluam através de seleção natural, ou quer a evolução deles
seja guiada por projetistas humanos, pode não fazer muita
diferença ao desempenho eventual deles. Por qualquer forma
de evolução, nós esperamos que eles fiquem melhores em encobrimento
e que eles fiquem sutilmente compatíveis com outros vírus
que estão prosperando ao mesmo tempo na comunidade de computadores.
Vírus de DNA e vírus de computador se espalham pela mesma
razão: um ambiente existe no qual há uma maquinaria bem
montada para duplicar e espalhá-los por aí e para obedecer
as instruções que os vírus embutem. Estes dois ambientes
são, respectivamente, o ambiente da fisiologia celular e
o ambiente provido por uma comunidade grande de computadores
e maquinaria para lidar com dados. Há qualquer outro ambiente
como estes, qualquer outro paraíso de replicação?
A Mente Infectada
Eu já aludi à credulidade programada de uma criança, tão
útil para aprender o idioma e sabedoria tradicional, e tão
facilmente subvertida pelas freiras, Moonies e sua laia.
Mais geralmente, todos nós trocamos informação uns com os
outros. Nós não inserimos exatamente disquetes em aberturas
nos crânios uns dos outros, mas nós trocamos frases, tanto
por nossos ouvidos quanto por nossos olhos. Nós notamos
os estilos de mover e vestir uns dos outros e somos influenciados.
Nós aceitamos jingles de propaganda, e somos presumivelmente
persuadidos por eles, caso contrário os homens de negócios
cabeças-dura não gastariam tanto dinheiro poluindo o ambiente
com eles.
Pense nas duas qualidades que um vírus, ou qualquer tipo
de replicador parasitário, precisa de um meio amigável.
As duas qualidades que fazem a maquinaria celular tão amigável
para o DNA parasitário, e que faz computadores tão amigáveis
para vírus de computador. Estas qualidades são, primeiramente,
uma prontidão para reproduzir informação com precisão, talvez
com alguns enganos que são reproduzidos subseqüentemente
com precisão; e, secundariamente, uma prontidão para obedecer
a instruções codificadas na informação assim reproduzida.
A maquinaria celular e computadores eletrônicos se destacam
em ambas estas qualidades amigáveis aos vírus. Como cérebros
humanos se saem nestes aspectos? Como duplicadores fiéis,
eles são certamente menos perfeitos que células ou computadores
eletrônicos. Não obstante, eles ainda são muito bons, talvez
tão confiáveis quanto um vírus de RNA, mas não tão bons
quanto um DNA com todas suas medidas elaboradas de revisão
contra degradação textual. Uma evidência da fidelidade de
cérebros, especialmente cérebros de crianças, como duplicadores
de dados é fornecida pela própria linguagem. O Professor
Higgins de Shaw era capaz através apenas de ouvido de situar
londrinos na rua onde eles cresceram. A ficção não é evidência
para nada, mas todo mundo sabe que a habilidade fictícia
de Higgins é só um exagero de algo que nós todos podemos
fazer. Qualquer americano pode diferenciar o sotaque do
Extremo Sul do sotaque do Meio oeste, o de New England do
de Hillbilly. Qualquer nova-iorquino pode diferenciar o
sotaque Bronx do Brooklyn. Afirmações equivalentes poderiam
ser substanciadas para qualquer país. O que este fenômeno
significa é que cérebros humanos são capazes de copiar muito
precisamente (caso contrário os sotaques de, digamos, Newcastle
não seriam estáveis o bastante para ser reconhecidos) mas
com alguns enganos (caso contrário a pronúncia não evoluiria,
e todos os falantes de um idioma herdariam exatamente os
mesmos sotaques dos seus antepassados remotos). A língua
evolui, porque tem tanto a grande estabilidade quanto a
mutabilidade sutil que são condições prévias para qualquer
sistema evolutivo.
A segunda exigência de um ambiente amigável a vírus – que
ele deva obedecer a um programa de instruções codificadas
– é mais uma vez apenas quantitativamente menos verdade
para cérebros que para células ou computadores. Nós às vezes
obedecemos ordens uns dos outros, mas também às vezes não
o fazemos. Não obstante, é um fato revelador que, por todo
o mundo, a vasta maioria das crianças segue a religião de
seus pais em lugar de quaisquer das outras religiões disponíveis.
Instruções para genuflectir, curvar-se para Meca, para acenar
a cabeça ritmicamente perante um muro, de balançar como
um louco, para “falar em línguas” [speak in tongues] – a
lista de tais padrões motores arbitrários e insensatos oferecida
pela religião apenas é extensa – são obedecidas, se não
servilmente, pelo menos com uma probabilidade estatística
razoavelmente alta.
Menos prejudicial, e novamente especialmente proeminente
em crianças, a “moda” é um exemplo notável de comportamento
que deve mais à epidemiologia que à escolha racional. Ioiôs,
bambolês e pula-pulas, com as atitudes determinadas de comportamento
associadas a eles, passam por escolas, e mais esporadicamente
saltam de escola a escola, em padrões que não diferem de
uma epidemia de sarampo em nenhum aspecto importante em
particular. Dez anos atrás, você poderia ter viajado milhares
de milhas pelos Estados Unidos e nunca poderia ter visto
um boné de beisebol usado virado ao contrário. Hoje, o boné
de beisebol virado é onipresente. Eu não sei qual foi precisamente
o padrão de expansão geográfica do uso do boné de beisebol
virado para trás, mas a epidemiologia está certamente entre
as profissões mais qualificadas para estudar isto. Nós não
temos que nos enveredar por argumentos sobre “determinismo”;
nós não temos que alegar que as crianças são compelidas
a imitar as modas de chapéu de seus colegas. É o bastante
que o comportamento de usar chapéu delas, de fato, é
estatisticamente afetado pelo comportamento de usar chapéu
de seus colegas.
Trivial como elas são, modas nos provêem ainda mais evidência
circunstancial de que mentes humanas, especialmente talvez
as juvenis, têm as qualidades que nós destacamos como desejáveis
para um parasita informacional. No mínimo a mente é uma
candidata plausível para infecção por algo como um
vírus de computador, até mesmo se não for exatamente um
ambiente de sonhos para um parasita como um núcleo de célula
ou um computador eletrônico.
É intrigante imaginar como seria, do interior, se a mente
de uma pessoa fosse vítima de um “vírus”. Este poderia ser
um parasita deliberadamente projetado, como um vírus de
computador atual. Ou poderia ser um parasita inadvertidamente
transformado e inconscientemente evoluído. De qualquer modo,
especialmente se o parasita evoluído era o descendente mêmico
de uma linha longa de antepassados prósperos, nós somos
intitulados a esperar que o vírus da mente “típico” seja
muito bom em seu trabalho de reproduzir a si mesmo com sucesso.
Evolução progressiva de parasitas da mente mais efetivos
terá dois aspectos. “Mutantes” novos (seja randomicamente
ou projetados por humanos) que são melhores em se espalhar
se tornarão mais numerosos. E haverá um agrupamento de idéias
que florescem na presença umas das outras, idéias que mutuamente
apóiam umas às outras da mesma maneira que genes o fazem
e como especulei que vírus de computador podem um dia vir
a fazer. Nós esperamos que replicadores irão juntos de cérebro
para cérebro em gangues mutuamente compatíveis. Estas gangues
irão constituir um pacote, que pode ser suficientemente
estável para merecer um nome coletivo como Catolicismo Romano
ou Vodu. Não importa muito se nós fizermos a analogia do
pacote inteiro para um único vírus, ou a cada uma das partes
componentes de um único vírus. A analogia não é tão precisa
de qualquer maneira, como a distinção entre um vírus de
computador e um verme [worm] de computador não é nada para
ser considerado. O que importa é que as mentes são ambientes
amigáveis para idéias ou informações parasitas, auto-reprodutoras,
e que mentes são tipicamente infestadas de forma maciça.
Como vírus de computador, vírus da mente de sucesso tenderão
a ser difíceis para suas vítimas descobrirem. Se você for
a vítima de um, as chances são de que você não saberá disto,
e pode até mesmo negar vigorosamente isto. Aceitando que
um vírus poderia ser difícil de descobrir em sua própria
mente, que sinais indicadores você poderia procurar? Eu
responderei imaginando como um livro de medicina poderia
descrever os sintomas típicos de um atingido (arbitrariamente
assumido como do sexo masculino).
1.
O paciente se acha tipicamente impelido por alguma convicção
profunda, interna, de que algo é verdade, ou correto, ou
virtuoso: uma convicção que não parece dever nada à evidência
ou razão, mas que, não obstante, ele sente como totalmente
compelidora e convincente. Nós doutores nos referimos a
tal convicção como “fé”.
2.
Pacientes tipicamente atribuem uma virtude positiva à fé
ser forte e inabalável, apesar dela não ser baseada
em evidência. De fato, eles podem sentir que quanto menos
comprovada, mais virtuosa é a convicção (veja abaixo).
Esta idéia paradoxal de que a falta de evidência é uma virtude
positiva no que tange a fé tem parte da qualidade de um
programa que é auto-sustentando, porque é auto-referente
(ver o capítulo “On Viral Sentences and Self-Replicating
Structures” [Sobre Sentenças Virais e Estruturas Auto-Reprodutoras]
em Hofstadter, 1985). Uma vez que a proposição é acreditada,
ela automaticamente mina a oposição a si mesma. A idéia
de que a “falta de evidência é uma virtude” poderia ser
uma sócia admirável, agrupando-se à própria fé em um grupo
exclusivo de programas viróticos mutuamente encorajadores.
3.
Um sintoma relacionado que um afligido pela fé também pode
apresentar é a convicção de que o “mistério”, per se,
é uma coisa boa. Não é uma virtude resolver mistérios. Ao
contrário, nós deveríamos desfrutá-los, até mesmo nos divertir
com sua insolubilidade.
Qualquer impulso para resolver mistérios poderia ser um
inimigo sério para a expansão de um vírus da mente. Então,
não seria surpreendente se a idéia de que “mistérios são
melhores não-resolvidos” fosse um membro favorecido de uma
gangue mutuamente apoiadora de vírus. Tome o “Mistério da
Transubstanciação”. É fácil e não-misterioso acreditar que
em algum senso simbólico ou metafórico o vinho eucarístico
se transforme no sangue de Cristo. A doutrina católica romana
de transubstanciação, porém, alega muito mais. A “substância
inteira” do vinho é convertida no sangue de Cristo; a aparência
de vinho que permanece é “meramente acidental”, “não derivando
de nenhuma substância” (Kenny, 1986, pág. 72). A transubstanciação
é coloquialmente ensinada como significando que o vinho
se transforma “literalmente” no sangue de Cristo. Quer em
seu Aristotélico obfuscatório ou em sua forma coloquial
mais franca, a alegação de transubstanciação só pode ser
feita se nós cometermos uma violência séria aos significados
normais de palavras como “substância” e “literalmente”.
Redefinir palavras não é um pecado, mas se nós usamos palavras
como “substância inteira” e “literalmente” para este caso,
que palavra vamos usar quando nós realmente e verdadeiramente
quisermos dizer que algo aconteceu de fato? Como
Anthony Kenny observou de seu próprio questionamento quando
era um seminarista jovem, “Até onde podia dizer, minha máquina
de escrever poderia ser Benjamim Disraeli transubstanciado...”
Católicos romanos, cuja crença na autoridade infalível os
compele a aceitar que o vinho se transforma fisicamente
em sangue apesar de todas as aparências, referem-se ao “mistério”
da transubstanciação. Chamar isto de um mistério torna tudo
certo, entende? Pelo menos, funciona bem para uma mente
bem preparada por uma infecção secundária. Exatamente o
mesmo truque é realizado no “mistério” da Trindade. Mistérios
não foram feitos para ser resolvidos, eles foram feitos
para criar fascinação. A idéia de que o “mistério é uma
virtude” vem à ajuda do católico, que do contrário acharia
intolerável a obrigação de acreditar na tolice óbvia da
transubstanciação e do “três-em-um”. Novamente, a convicção
de que o “mistério é uma virtude” tem um elo auto-referente.
Como Hofstadter poderia dizer, o mesmo mistério da crença
move o crente a perpetuar o mistério.
Um sintoma extremo da infecção do “mistério é uma virtude”
é o ‘Certum est quia impossibile est' de Tertullian”
(É certo porque é impossível). Desse modo a loucura chega.
Uma pessoa pode ficar tentada a citar a Rainha Branca de
Lewis Carroll que, em resposta à frase de Alice “Uma pessoa
não pode acreditar em coisas impossíveis” disse “eu ouso
dizer que você não teve muita prática... Quando eu tinha
sua idade, eu sempre fazia isto durante meia-hora por dia.
Por que, às vezes eu acreditei em tanto quanto seis coisas
impossíveis antes do café da manhã”. Ou o Monge Elétrico
de Douglas Adams, um dispositivo poupador de trabalho programado
para acreditar por você que era capaz de “acreditar em coisas
que eles teriam dificuldade em acreditar em Salt Lake City”
e o qual, no momento de ser apresentado ao leitor, acreditava
ao contrário de toda a evidência, que tudo no mundo era
uma sombra uniforme de cor-de-rosa. Mas as Rainhas Brancas
e os Monges Elétricos ficam menos engraçados quando você
perceber que estes grandes crentes são na vida real indistinguíveis
de teólogos venerados. “É para ser acreditado de todas as
formas, porque é absurdo” (Tertullian novamente). Sir Thomas
Browne (1635) cita Tertullian com aprovação, e vai mais
adiante: “Eu acho que não há impossibilidades o bastante
na religião para uma fé ativa?” E “eu desejo exercitar minha
fé no ponto mais difícil; já que acreditar nos objetos ordinários
e visíveis não é fé, mas persuasão?”
Eu sinto que há algo mais interessante acontecendo aqui
que apenas simples insanidade ou nonsense surrealista, algo
similar à admiração que nós sentimos quando assistimos um
ilusionista em uma corda bamba. É como se o fiel ganhasse
mais prestígio por conseguir acreditar em coisas mais impossíveis
que seus rivais conseguem acreditar. Será que estas pessoas
estão testando – exercitando – seus músculos de acreditar,
treinando a si mesmos para acreditar em coisas impossíveis
de forma que eles possam encarar facilmente as coisas meramente
improváveis que eles são chamados a acreditar ordinariamente?
Enquanto eu estava escrevendo isto, o Guardian (29
de julho de 1991) fortuitamente mostrava um belo exemplo.
Ele veio em uma entrevista com um rabino executando a tarefa
estranha de atestar pureza kosher de produtos de comida
até às últimas origens dos seus minutos ingredientes . Ele
estava agonizando atualmente sobre se iria até a China para
examinar o mentol que compõe pastilhas para tosse. “Você
já tentou verificar mentol chinês... era extremamente difícil,
especialmente já que a primeira carta que nós enviamos recebido
a resposta no melhor inglês chinês, ‘O produto não contém
nenhum kosher'... A China só começou recentemente a se abrir
a investigadores kosher. O mentol deve estar certo, mas
você nunca pode estar absolutamente seguro a menos que você
visite”. Estes investigadores kosher gerenciam uma linha
de atendimento por telefone na qual alertas em tempo real
de suspeita contra barras de chocolate e óleo de fígado
de bacalhau são registradas. O rabino lamenta que a tendência
inspirada ecologicamente de distanciamento de cores artificiais
e sabores “tornam a vida miserável no campo kosher porque
você tem que seguir todas estas coisas até sua origem”.
Quando o entrevistador lhe pergunta por que ele se aborrece
neste exercício obviamente insensato, ele deixa muito claro
que o ponto é precisamente que não há nenhum ponto:
Que
a maioria das leis Kashrut são ordenações divinas
sem razão dada é 100 por cento o ponto. É muito
fácil não assassinar as pessoas. Muito fácil. É
um pouco mais duro não roubar porque uma pessoa
é tentada ocasionalmente. De forma que não é nenhuma
grande prova que eu acredito em Deus ou estou cumprindo
o Seu desejo. Mas, se Ele me diz que não devo tomar
uma xícara de café com leite na minha hora do almoço
com minha carne moída, isto é um teste. A única
razão para que eu estou esteja fazendo isso é porque
me disseram para fazer isso. É algo difícil.
|
Helena Cronin sugeriu a mim que pode haver uma analogia
aqui para a teoria de deficiência de Zahavi de seleção
sexual e a evolução de sinais (Zahavi, 1975). Há muito
antiquada, até mesmo ridicularizada (Dawkins, 1976), a
teoria de Zahavi foi reabilitada recentemente de forma
inteligente (Grafen, 1990 a, b) e é considerada agora
seriamente por biólogos evolutivos (Dawkins, 1989). Por
exemplo, Zahavi sugere que pavões evoluíram suas caudas
absurdamente penosas e suas cores ridiculamente notáveis
(para predadores), precisamente porque elas são
penosas e perigosas, e portanto impressionantes a fêmeas.
O pavão está, em efeito, dizendo: “Veja o quão forte e
adaptado eu devo ser, já que eu posso levar este rabo
absurdamente penoso por aí”.
Para evitar um mal entendido do idioma subjetivo no qual
Zahavi gosta de fazer suas observações, eu devo acrescentar
que a convenção do biólogo de personificar as ações inconscientes
da seleção natural é um pressuposto não mencionado aqui.
Grafen traduziu o argumento em um modelo matemático Darwiniano
ortodoxo, e ele funciona. Nenhuma reivindicação está sendo
feita aqui sobre a intencionalidade ou consciência de pavões
e pavoas. Eles podem ser tão involuntários ou intencionais
quanto você desejar (Dennett, 1983, 1984). Além disso, a
teoria de Zahavi é geral o bastante para não depender de
um apoio Darwiniano. Uma flor que anuncia seu néctar a uma
abelha “cética” poderia se beneficiar do princípio de Zahavi.
Mas assim também poderia um vendedor humano que busca impressionar
um cliente.
A premissa da idéia de Zahavi é que a seleção natural favorecerá
o ceticismo entre fêmeas (ou entre recipientes de mensagens
de anúncio). O único modo de um macho (ou qualquer anunciante)
autenticar a sua ostentação de força (qualidade, ou o que
for) é provar que ela é verdade ao carregar um fardo verdadeiramente
pesado – uma deficiência que só um macho genuinamente
forte (de qualidade alta, etc.) poderia agüentar. Pode
ser chamado o princípio da autenticação custosa. E agora
ao ponto. É possível que algumas doutrinas religiosas não
sejam favorecidas apesar de serem ridículas, mas
precisamente porque elas sejam ridículas? Qualquer
iniciante em religião poderia acreditar que simbolicamente
o pão representa o corpo de Cristo, mas é preciso um verdadeiro
cristão de sangue para acreditar em algo tão bizarro quanto
a transubstanciação. Se você acredita que pode acreditar
em qualquer coisa, e (testemunhe a história de Thomas, o
cético), estas pessoas são treinadas para ver isto como
uma virtude.
Vamos retornar à nossa lista de sintomas que alguém afligido
com o vírus mental da fé, e sua gangue acompanhante de infecções
secundárias, pode esperar experimentar.
4.
O atingido pode se achar comportando-se de forma intolerante
a vetores de fés de rivais, em casos extremos até mesmo
matando-os ou defendendo suas mortes. Ele pode ser similarmente
violento em sua disposição para com apóstatas (as pessoas
que uma vez celebraram a fé, mas renunciaram isto); ou para
com hereges (as pessoas que defendem uma versão diferente
– freqüentemente, talvez significativamente, apenas ligeiramente
diferente – da fé). Ele também pode se sentir hostil para
com outros modos de pensamento que são potencialmente inimigos
à sua fé, como o método de razão científica que pode funcionar
quase como um software antivirótico.
A ameaça de matar o distinto novelista Salman Rushdie é
só o mais recente em uma linha longa de exemplos tristes.
No mesmo dia em que eu escrevi isto, o tradutor japonês
de Os Versos Satânicos foi encontrado assassinado,
uma semana depois de um ataque quase fatal ao tradutor italiano
do mesmo livro. A propósito, o sintoma aparentemente oposto
de “simpatia” para a “dor” muçulmana, expressada pelo Arcebispo
de Canterbury e outros líderes Cristãos (beirando, no caso
do Vaticano, a clara cumplicidade criminal) é, claramente,
uma manifestação do sintoma que nós discutimos anteriormente:
a ilusão de que a fé, por mais danosos que sejam seus resultados,
tem que ser respeitada simplesmente porque é fé.
Assassinato é um extremo, é claro. Mas há até mesmo um sintoma
mais extremo, e é o suicídio no serviço militante de uma
fé. Como uma formiga-soldado programada para sacrificar
a vida dela por cópias de genes que fizeram a programação,
um árabe ou japonês (??!) jovem é ensinado que morrer em
uma guerra santa é o caminho mais rápido para o céu. Se
os líderes que o exploram acreditam nisto não diminui o
poder brutal que o “vírus de missão suicida” carrega em
nome da fé. É claro que o suicídio, como o assassinato,
é uma bênção parcial: aqueles que poderiam ser convertidos
podem ser repelidos, ou podem tratar com desprezo uma fé
que é percebida como insegura o bastante para precisar de
tais táticas.
Mais obviamente, se muitos indivíduos se sacrificam a provisão
de crentes poderia tornar-se baixa. Isto foi verdade em
um exemplo notório de suicídio inspirado pela fé, embora
este caso não tenha sido nenhuma morte “kamikaze” em batalha.
A seita do Templo do Povo se extinguiu quando seu líder,
o Reverendo Jim Jones, conduziu a maior parte dos seguidores
dele nos Estados Unidos para a Terra Prometida de “Jonestown”
na selva de Guiana, onde ele persuadiu mais de 900 deles,
as crianças primeiro, a beber cianeto. O caso macabro foi
investigado inteiramente por uma equipe do San Francisco
Chronicle (Kilduff e Javers, 1978).
Jones,
“o Pai”, tinha chamado seu rebanho a uma reunião e
tinha lhes falado que estava na hora de partir para
o céu.
“Nós vamos nos encontrar”, ele prometeu, “em outro
lugar”.
As palavras continuaram soando nos alto-falantes do
acampamento.
“Há grande dignidade em morrer. É uma grande demonstração
para todos morrer”. |
Incidentalmente, não escapa à mente treinada do sociobiologista
alerta que Jones, nos primórdios de sua seita, “proclamou
a si mesmo a única pessoa que podia praticar sexo” (presumivelmente
suas parceiras também podiam). “Uma secretária organizaria
os encontros de Jones. Ela chamaria e diria, ‘O Pai odeia
fazer isto, mas ele tem este tremendo desejo e você poderia
por favor...?'” Suas vítimas não eram apenas mulheres.
Um rapaz de 17 anos, dos dias em que a comunidade de Jones
ainda estava em São Francisco, contou como ele foi levado
durante fins de semana pervertidos para um hotel onde
Jones recebeu “o desconto de um ministro do Rev. Jim Jones
e filho”. O mesmo rapaz disse: “Eu realmente o venerava.
Ele era mais que um pai. Eu teria matado meus pais por
ele”. O que é notável sobre o Reverendo Jim Jones não
é seu comportamento voltado a servir ele mesmo, mas a
credulidade quase sobre-humana de seus seguidores. Tendo
à disposição tal credulidade prodigiosa, que pessoa pode
duvidar que as mentes humanas não estão prontas para infecção
maligna?
Admitidamente, o Reverendo Jones enganou só alguns milhares
de pessoas. Mas o caso dele é um extremo, a ponta de um
iceberg. A mesma ânsia de ser enganado por líderes religiosos
é difundida. A maioria de nós estaria preparado para apostar
que ninguém escaparia ao ir na televisão e dizer, com todas
as palavras, “Envie-me seu dinheiro, de forma que eu possa
usá-lo para persuadir outros babacas a me enviar seu dinheiro
também”. No entanto hoje, em qualquer grande cidade nos
Estados Unidos, você pode achar pelo menos um canal evangelista
de televisão completamente dedicado para este evidente truque
de confiança. E eles escapam disto cheios de dinheiro. Defrontados
com esta credulidade burra temerosa, é difícil não sentir
uma simpatia invejosa com os vigaristas bem vestidos. Até
que você perceba que nem todos os crédulos são ricos, e
que é freqüentemente das heranças de viúvas que os evangelistas
estão enriquecendo. Eu ouvi até mesmo um deles invocando
explicitamente o princípio que eu identifico agora com o
princípio de Zahavi de autenticação custosa. Deus aprecia
realmente uma doação, ele disse com sinceridade apaixonada,
somente quando essa doação é tão grande que machuca. Pobres
anciãos eram colocados em rodas para testemunhar quanto
mais felizes eles se sentiam desde que eles tinham doado
todo o pouco que tinham para o Reverendo, quem quer que
ele fosse.
5.
O paciente pode notar que as convicções particulares que
ele mantém, embora não tenham nada a ver com evidência,
de fato parecem ter muito ver com a epidemiologia. Por que,
ele pode desejar saber, eu mantenho este conjunto
convicções em lugar daquele outro? Será porque eu
examinei todas as fés do mundo e escolhi aquela cujas alegações
pareciam as mais convincentes? Quase certamente não. Se
você tiver uma fé, é de forma estatística esmagadoramente
provável que seja a mesma fé que seus pais e avós mantinham.
Não há nenhuma dúvida de que erguer catedrais, criar música,
histórias comoventes e parábolas ajuda um pouco. Mas sem
dúvida a variável mais importante que determina sua religião
é o acaso do nascimento. As convicções que você mantém tão
apaixonadamente teriam sido um conjunto de convicções completamente
diferente, e amplamente contraditórias, se você tivesse
simplesmente nascido em um lugar diferente. Epidemiologia,
não evidência.
6.
Se o paciente for uma das exceções raras que seguem uma
religião diferente de seus pais, a explicação ainda pode
ser epidemiológica. É verdade, é possível que ele
tenha examinado desapaixonadamente as fés do mundo e escolheu
a mais convincente. Mas é estatisticamente mais provável
que ele tenha sido exposto a um agente infeccioso particularmente
potente – um John Wesley, um Jim Jones ou um São Paulo.
Aqui nós estamos falando sobre transmissão horizontal, como
no sarampo. Antes, a epidemiologia era a de transmissão
vertical, como a Chorea de Huntington.
7.
As sensações internas do paciente podem ser incrivelmente
remanescentes àquelas normalmente associadas com o amor
sexual. Esta é uma força extremamente potente no cérebro,
e não é surpreendente que alguns vírus evoluíram para explorá-la.
A famosa visão orgástica de Santa Teresa de Ávila é muito
notória para precisar ser citada novamente. Mais seriamente,
e em um plano menos cruamente sensual, o filósofo Anthony
Kenny provê o testemunho comovente ao puro prazer que espera
aqueles que conseguem acreditar no mistério da transubstanciação.
Depois de descrever sua ordenação como um padre católico
romano, capacitado a celebrar Missa pelo toque de mãos,
ele adiciona que recorda vividamente
a
exaltação dos primeiros meses durante os quais eu
tive o poder para rezar a Missa. Sendo que eu normalmente
sou preguiçoso e lento para acordar, eu saltaria cedo
para fora da cama, completamente desperto e cheio
de excitação ao pensamento do ato momentoso que fui
privilegiado para executar. Eu raramente rezava a
Missa de Comunidade pública: a maioria dos dias eu
celebrei sozinho em um altar lateral com um membro
novato do Colégio para servir como o assistente e
congregação. Mas isso não fez diferença à solenidade
do sacrifício ou à validez da consagração.
Era
tocar o corpo de Cristo, a proximidade do padre a
Jesus que mais me atraiu. Eu contemplaria o Anfitrião
depois das palavras de consagração, com os olhos ternos
como um amante que olha nos olhos de sua amada...
Esses primeiros dias como um padre permanecem em minha
memória como dias de complitude e felicidade trêmula;
algo precioso, e ainda muito frágil para durar, como
um caso de amor romântico tornado curto pela realidade
de um matrimônio mal arranjado. (Kenny, 1986, pp.
101-2)
|
O doutor Kenny é inclinado a acreditar que parecia a ele,
como um padre jovem, como se ele estivesse apaixonado pelo
anfitrião consagrado. Que vírus brilhantemente próspero!
Na mesma página, incidentalmente, Kenny nos mostra também
que o vírus é transmitido de forma contagiosa – se não literalmente
então pelo menos em algum senso – da palma da mão do bispo
infectado ao topo da cabeça do padre novo:
Se
a doutrina católica é verdadeira, todo padre validamente
ordenado deriva suas ordens de uma linha ininterrupta
de toques de mãos, através do bispo que o ordena de
volta a um dos doze Apóstolos... devem haver cadeias
registradas de toques de mãos de séculos. Surpreende-me
que os padres nunca pareçam se importar em localizar
a ascendência espiritual deles deste modo, encontrando
quem ordenou o seu bispo, e quem o ordenou, e assim
por diante até Júlio II ou Celestina V ou Hildebrando,
ou Gregório o Grande, talvez. (Kenny, 1986, pág. 101)
|
Isso também me surpreende.
A Ciência é
um Vírus?
Não. Não a menos que todos os programas de computador sejam
vírus. Programas bons, úteis, se espalham porque as pessoas
os avaliam, recomendam e repassam. Vírus de computador se
espalham somente porque eles embutem as instruções codificadas:
“Me espalhe”. Idéias científicas, como todos os memes, estão
sujeitas a um tipo de seleção natural, e isto poderia parecer
superficialmente como um vírus. Mas as forças seletivas
que examinam as idéias científicas não são arbitrárias e
caprichosas. Elas são regras de precisão, bem avaliadas,
e não favorecem o comportamento egoísta insensato. Elas
favorecem todas as virtudes expostas em livros padrão de
ensino de metodologia: testabilidade, apoio de evidências,
precisão, quantificabilidade, consistência, intersubjectividade,
reproducibilidade, universalidade, progressividade, independência
do ambiente cultural e assim por diante. A fé se espalha
a despeito de uma total falta de qualquer uma destas virtudes.
Você pode achar elementos de epidemiologia na expansão de
idéias científicas, mas será epidemiologia largamente descritiva.
A expansão rápida de uma boa idéia pela comunidade científica
pode até se parecer com a descrição de uma epidemia de sarampo.
Mas quando você examina as razões subjacentes você descobre
que elas são boas, satisfazendo os padrões exigentes do
método científico. Na história da expansão da fé você achará
pouco mais que epidemiologia, e ainda mais epidemiologia
causal. A razão porque uma pessoa A acredita em uma coisa
e uma B acredita em outra é simples e unicamente que A nasceu
em um continente e B em outro. Testabilidade, apoio evidencial
e tudo mais não é nem mesmo remotamente considerado. Para
a crença científica, a epidemiologia vem meramente muito
depois e descreve a história de sua aceitação. Para a crença
religiosa, a epidemiologia é a causa raiz.
Epílogo
Felizmente, os vírus não ganham sempre. Muitas crianças
emergem incólumes do pior que as freiras e mulás podem jogar
nelas. A própria história de Anthony Kenny tem um final
feliz. Ele eventualmente renunciou suas ordens porque já
não podia tolerar as contradições óbvias dentro da crença
católica, e ele é agora um estudioso altamente respeitado.
Mas uma pessoa não pode deixar de observar que realmente
deve ser uma infecção poderosa porque de fato foi preciso
a um homem da sabedoria e inteligência dele – o Presidente
da Academia britânica, nada menos – três décadas para superar.
Sou indevidamente alarmista ao temer pela alma de minha
inocente de seis anos?
Agradecimento
Com agradecimentos a Helena Cronin por sugestão detalhada
sobre o conteúdo e estilo em cada página.
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