A CRISE (II-Continuação)
Diversos Autores (2008)

De que são feitas as crises

1929 - Crack

De meados de 1920 até 1929, a expansão do mercado de ações nos EUA gerou um ciclo especulativo, levando os cidadãos a investirem suas economias nesse mercado.

As ações começaram a cair em setembro, mas os bancos contiveram a queda comprando ações, com dinheiro de empréstimos e hipotecas.

Foi na Quinta-Feira Negra (24/10) que começou o pânico e uma escalada de vendas.

Entre as causas da recessão mundial que se seguiu estão a súbita perda de bens dos investidores particulares, os prejuízos para bancos que haviam emprestado dinheiro e a alta dos juros determinada pelas autoridades norte-americanas em seguida à quebra -"crack".

Ao longo dos anos 1930, o presidente dos EUA Franklin Roosevelt criou leis e agências para regular a atividade financeira, como parte do plano de recuperação conhecido como "New Deal".

1987 - Segunda-Feira Negra

Em 19/10 daquele ano, o índice Dow Jones caiu 22,6% -nem na crise de 1929 houvera uma queda tão acentuada num só dia. Entre as razões, a sobrevalorização de algumas empresas, cujas altas mais dependiam de sua popularidade do que de seus resultados.

Quando as ações começaram a cair, um novo fator entrou em cena: o sistema computadorizado DOT, criado para pôr à venda automaticamente as ações em queda, ficou sobrecarregado de ordens de venda e seu serviço foi temporariamente interrompido.

Detentores de ações venderam seus papéis às escuras, geralmente por um preço menor do que imaginavam, multiplicando as perdas. Com o mercado de ações mais internacionalizado, o fenômeno atingiu as principais Bolsas do mundo.

1997 - Crise asiática

Nos anos 1990, o Sudeste Asiático era um pólo de atração de investimentos, devido às altas taxas de juros e ao sucesso econômico dos países da região, mas uma auditoria posterior concluiu que os principais bancos e empresas mascaravam perdas em sua contabilidade.

A crise foi em parte contida com injeção de dinheiro do Fundo Monetário Internacional no Sudeste Asiático e a compra de ienes pelos EUA.

1998 - Crise na Rússia

A queda no preço do petróleo, entre outros produtos de exportação da Rússia, gerou uma crise interna, agravada pelas perdas do governo em sua tentativa de manter a moeda estável por meio da venda de dólares. O país deixou de pagar compromissos externos, o que afetou o mercado mundial.

2000 - A bolha da internet

Com a rápida expansão da internet na segunda metade dos anos 1990, a Bolsa Nasdaq, de empresas de tecnologia, atingiu seu pico em 10/ 3/2000. A partir dali teve seguidas quedas e, até 2002, calcula-se que as empresas do ramo tenham se desvalorizado US$ 5 trilhões.

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A superideologia

Abrindo o cofrinho

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Penalizado com a intervenção do governo em banco e seguradoras, contribuinte americano deve fiscalizar e exigir contrapartida ao pacote
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JAMES K. GALBRAITH
WILLIAM K. BLACK

Vivemos dias de milagres e maravilhas..." O mercado entrou em colapso, e só o governo pode nos salvar agora. Três décadas de papo furado desapareceram.

De repente, estamos todos juntos na parada. Henry Paulson [secretário do Tesouro dos EUA] e Ben Bernanke [presidente do Federal Reserve, o banco central do país] na liderança, o Congresso remando como escravos de galé pós-partidários, o presidente George W. Bush tentando passar despercebido e procurando, com certeza avidamente, pela porta de saída.

Alguma coisa precisa ser feita. Fato. Mas em que termos? O Tesouro propõe gastar US$ 700 bilhões na aquisição de títulos lastrados por hipotecas sem prestar contas a ninguém.

O secretário Paulson pede confiança. Mas ele fez por merecê-la? Lembrem-se: quando assumiu, seu projeto era destruir a Lei Sarbanes-Oxley [criada em 2002, estabeleceu critérios mais rigorosos de responsabilidade corporativa e controle contábil].

Posteriormente, ele tentou paralisar a Securities and Exchange Commission [órgão responsável pela fiscalização e regulamentação do mercado de valores mobiliários].

E, há apenas três semanas, recorreu ao banco Morgan Stanley -de forma alguma uma parte desinteressada- em busca de conselhos que levaram à nacionalização de Fannie Mae e Freddie Mac [empresas de crédito imobiliário].

Portanto, "devemos confiar, mas verificar", como Ronald Reagan diria (e disse).

O Congresso precisa agora impor condições que protejam o público, o interesse nacional e, não menos, os interesses do próximo governo. Segue uma lista sumária:

 

Cláusula de informação

O Tesouro deve ter acesso imediato e completo a informações sobre carteiras, contrapartes, os métodos internos de avaliação usados pelas companhias financeiras, seus modelos operacionais exclusivos e ao histórico dos ajustes feitos nesses modelos para reconhecer ou ocultar prejuízos à medida que a crise se desenrolava.

Cláusula de preços

O Tesouro precisa estabelecer um mecanismo claro a fim de determinar um valor justo de mercado para os títulos lastreados por hipotecas antes do resgate, estipular limites para o ágio a ser pago com relação a esse valor e requerer que as instituições financeiras avaliem suas carteiras plenas a preço de venda.

Em outras palavras, a prática de ocultar prejuízos -"leniência contábil"- deve ser abolida.

Contra fraudes

Os títulos adquiridos devem ser revisados e -no caso daqueles cujo valor se baseia em avaliações fraudulentas, documentação inadequada, práticas predatórias ou de outra forma abusivas- devem ser restituídos às instituições, com uma multa punitiva.

Policiamento

O Tesouro deve ser forçado a criar uma estrutura para investigações e para encaminhar acusações criminais às autoridades responsáveis e provar que essa estrutura está sendo utilizada de maneira agressiva.

As empresas participantes deveriam ser forçadas a investigar e documentar fraudes passadas, estabelecer controles internos contra fraudes e apresentar denúncias criminais quando necessário.

O FBI [polícia federal dos EUA] e os procuradores da Justiça Federal deveriam receber um "cheque em branco" para investigar os crimes que estão por trás desse fiasco.

Arbitragem

Um dos grandes perigos do plano de Paulson é o de que instituições, fundos de hedge e outras empresas de fora dos EUA aproveitem a oportunidade para vender seus maus papéis a instituições americanas elegíveis, reabastecendo o pântano que o Tesouro procura secar.

Todas as instituições financeiras dos EUA devem ser forçadas a apresentar informações básicas sobre suas posições em títulos lastreados por hipotecas e outros ativos elegíveis em 15 de setembro de 2008.

Transparência

As operações do Tesouro no cumprimento do plano, incluindo comunicações e consultas com assessores externos, devem ser transparentes para o Congresso, que deve receber toda a informação que deseje. Sem exceção.

Compadrio

O programa deve ser dirigido por pessoas que não estejam sujeitas a conflitos de interesse abusivos.

Para garantir que seja esse o caso, o Tesouro deve requerer informações financeiras completas sobre qualquer pessoa contratada para gerir o programa e impor regras e um sistema que estabeleça um código severo para prevenir conflito de interesses.

Recado especial ao Congresso: John McCain personifica e incorpora o sistema de compadrio. Não aprovem, então, um projeto de lei que daria a ele, como presidente, controle irrestrito sobre a maneira como o programa operaria.

Modificação

À medida que o número de hipotecas executadas cresce, o Tesouro termina no controle de propriedades físicas que se deteriorarão rapidamente caso não sejam vendidas, alugadas ou estejam ocupadas.

Para prevenir essa possibilidade deve ser estabelecida uma nova agência, para rapidamente modificar os contratos hipotecários existentes, administrar as conversões para locação e arrendar, vender ou demolir casas vazias.

A agência pode ser operada como os conselhos de recrutamento militar em guerras passadas, sob o comando de cidadãos em cada comunidade, mas respeitando normas federais.

Isso seria tudo? Não, apenas um começo.

Outras medidas precisam ser adotadas, entre as quais uma reforma abrangente do sistema regulatório, divisão de receitas para proteger os gastos públicos estaduais e locais à medida que caem as receitas com impostos imobiliários, apoio a investimentos de capital e à criação de empregos.

Mas essas outras medidas serão parte da agenda do novo governo. Sobreviver até que ela chegue é a tarefa do povo norte-americano agora.

 

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JAMES K. GALBRAITH é economista e professor na Universidade do Texas, em Austin. É autor de "The Predator State - How Conservatives Abandoned the Free Market and Why Liberals Should Too" [O Estado Predador - Como os Conservadores Abandonaram o Livre Mercado e Por Que os Liberais Deveriam Fazer o Mesmo].

WILLIAM K. BLACK é professor de direito e economia na Universidade de Missouri e autor de, entre outros, "The Best Way to Rob a Bank Is to Own One" [A Melhor Maneira de Roubar um Banco É Ser Dono de Um].

Este texto foi publicado na "The Nation".

Tradução de Paulo Migliacci.

 

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Boletim Carta Maior - 16 de Setembro de 2008

DEBATE ABERTO
A moeda, o crédito e o capital financeiro

Ao estatizar duas de suas maiores empresas de financiamento hipotecário, os EUA deram uma aula, curta, sintética e brilhante, sobre a natureza do capitalismo, e sobre o funcionamento dos seus mercados. Neste sistema, não existe um "conflito perene" entre a política e o mercado, mas uma sólida aliança entre o poder e a finança.

José Luís Fiori

“Todas as moedas são símbolos, e o seu peso ou composição não tem maior importância. O que de fato importa é o nome ou o poder de quem a emite”.

Mitchell Innes, What is money, Banking Law Journal 1913, May, p: 382

Para surpresa dos ideólogos, os Estados Unidos acabam de dar uma aula, curta, sintética e brilhante, sobre a natureza do capitalismo, e sobre o funcionamento dos seus mercados. Com poucas palavras, o governo americano anunciou, nesta última semana, a estatização das duas maiores empresas de financiamento hipotecário dos EUA - a Fannie Mae, e a Freddie Mac – criadas pelo estado americano, em 1938 e 1970, e depois privatizadas, com o objetivo de diminuir os gastos públicos e aumentar a concorrência setorial.

Ao anunciar sua decisão, o secretário do Tesouro americano prometeu injetar até U$ 200 bilhões dos contribuintes, nas duas empresas que controlam metade do mercado de hipotecas dos EUA, estimado em 12 trilhões de dólares. Mas não é só isto: nos últimos meses, o Fed financiou a aquisição do Bear Stearns pelo J.P. Morgan; criou uma nova linha de financiamento para firmas externas ao setor bancário; e colocou seus “inspetores” para controlar os bancos de investimento. Enquanto o Congresso americano aprovava, no último dia 30 de julho, a Lei para a Recuperação da Economia e do Setor Imobiliário, e discutia uma nova regulamentação rigorosa e detalhada do mercado financeiro americano. E agora, mais recentemente, o ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, propôs diretamente a criação de uma nova Agencia Estatal de análise de risco das empresas privadas. Ou seja, de todos os lados está vindo o mesmo sinal: como diz o jornal Financial Times, “no conflito perene entre a política e o mercado, não há duvida, que neste momento, a política está por cima” .

Enquanto isto, os analistas econômicos batem cabeça, há mais de um ano, sem conseguir explicar a natureza, a extensão e o futuro da crise hipotecária americana. Talvez, porque todos compartilham, de uma forma ou outra, a mesma tese do Financial Times: a idéia equivocada de que existe um “conflito perene”, entre a Política e o Mercado. Apesar de que a história da formação dos mercados e do capitalismo, aponte na direção oposta, de uma solidariedade essencial e originária entre o poder, o mercado e os capitais privados.

Uma história que começa, por volta do século XIV, com o poder arbitrário dos príncipes que definiam de forma soberana, o valor dos tributos que deviam ser pagos pelos seus súditos, e ao mesmo tempo, definiam o valor da moeda que cunhavam para pagamento dos seus próprios tributos. E mesmo quando circulavam outra moedas e títulos privados, dentro do seu “principado”, eles sempre eram referidos, em última instancia, ao valor da moeda soberana. Este “circuito” inicial se complicou com a expansão das guerras e a necessidade dos príncipes recorrerem ao endividamento, criando a dívida publica negociada pelos comerciantes-banqueiros, num mercado cada vez mais extenso de títulos e moedas. Foi assim que nasceu o capital financeiro através da senhoriagem entre as moedas e títulos das unidades soberanas do mundo Medieval.

O passo seguinte desta história aconteceu nos séculos XVII e XVIII, com o nascimento dos primeiros estados nacionais, e com a “revolução financeira” que mudou a face do capitalismo europeu. Esta revolução começou na Holanda, no século XVII e se completou na Inglaterra, no século XVIII. Os dois países centralizaram seus sistemas de tributação e criaram bancos públicos responsáveis pela administração conjunta, da dívida soberana, na forma de bônus do estado, e da dívida privada, na forma de letras de cambio, que se transformam na base de um sistema de credito cada vez mais elástico, criativo e diversificado, mas sempre referido, em última instancia, à moeda de conta nacional. E não há duvida que a fusão entre esta nova finança holandesa e inglesa, a partir de 1689, teve um papel decisivo no fortalecimento e na vitória colonial da Inglaterra, e na projeção internacional da moeda inglesa, a Libra, que foi hegemônica em todo o mundo até sua “quase-fusão’ com o Dólar norte-americano, durante o século XX. Numa espécie de sucessão “hereditária”, que partiu da Holanda e da Inglaterra, e se prolongou nos Estados Unidos, mantendo a supremacia monetário-financeria anglo-saxônica, inquestionável durante os quatro séculos de história deste sistema mundial que foi criado a partir da expansão política e econômica da Europa.

Durante o período em que a “moeda internacional” teve uma base metálica, a Libra e o Dólar também tiveram uma restrição financeira intransponível, imposta pela necessidade de equilíbrio do Balanço de Pagamentos do país emissor da moeda de referência. Mas depois do fim do Sistema de Bretton Woods, em 1973, esta restrição desapareceu, com o novo sistema monetário internacional “dólar-flexível” que não tem nenhum tipo de padrão metálico de referencia. Neste sentido, se pode dizer que houve uma nova “revolução financeira”- na década de 1980 -, que provocou uma espécie de retorno às origens da relação entre o poder, a moeda e o crédito.

Os EUA voltaram a definir, de forma soberana e isolada, o valor da sua moeda, apesar de que ela já fosse a moeda internacional, e também o valor dos seus títulos da dívida pública, apesar de que eles se tenham se transformado na base de referencia da própria moeda. Além disto, o governo americano desregulou seus mercados financeiros, e com isto liberou a expansão quase infinitamente elástica do crédito, longe do mundo das mercadorias e do “valor-trabalho’, e limitado apenas pela capacidade de tributação e endividamento do próprio estado americano, que ainda é um poder em expansão, e que ganha mais poder, com o fortalecimento do seu crédito internacional, e do seu capital financeiro.

Neste sistema, portanto, não existe um “conflito perene” entre a política e o mercado, como pensa a teoria econômica convencional. O que existe e sempre existiu, é uma “memorável aliança”, entre o poder e a finança, que esteve na origem do capitalismo, e do “milagre europeu”, segundo Max Weber, e que segue movendo a fronteira expansiva do sistema inter-estatal capitalista, neste início do século XXI..

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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18/09/2008
No exterior, o socorro é visto como um desvio do capitalismo

Nelson D. Schwartz
Em Paris

Os Estados Unidos deixaram de ser o farol mundial do capitalismo de livre mercado, irrestrito?

Ao oferecer um empréstimo de último minuto de US$ 85 bilhões ao American International Group (AIG), a seguradora em dificuldades, Washington não apenas deu as costas a décadas de retórica sobre as virtudes do livre mercado e os riscos de intervenção do governo, mas também provavelmente minou futuros esforços americanos para promover essas políticas no exterior.

"Eu temo que o governo tenha passado ao ponto sem retorno", disse Ron Chernow, um importante historiador financeiro americano. "Nós temos a ironia de um governo de livre mercado fazendo coisas que o governo democrata mais liberal nunca faria nem mesmo nos seus sonhos mais insanos."

O pacote de socorro ao AIG, além do apoio anterior do governo ao Bear Stearns, Fannie Mae e Freddie Mac, espantou até mesmo os autores de políticas europeus, acostumados a intervenções do governo - apesar de reconhecerem o choque do colapso do Lehman Brothers, onde Washington optou por não intervir.

"Para os oponentes do livre mercado na Europa e em outros lugares, esta é uma oportunidade maravilhosa de citar um exemplo americano", disse Mario Monti, o ex-chefe antitruste da Comissão Européia. "Eles dirão que até mesmo o porta-estandarte da economia de mercado, os Estados Unidos, nega seus princípios fundamentais em seu comportamento."

Monti disse que crises financeiras anteriores na Ásia, Rússia e México obrigaram governos a intervir, "mas esta é a primeira vez no coração do capitalismo, o que é enormemente mais prejudicial em termos de credibilidade da economia de mercado".

Na França, onde o governo há muito apóia a criação de "campeões nacionais" e trabalha ativamente para proteger empresas seletas da ameaça de tomada estrangeira, os políticos foram rápidos em apontar o paradoxo daquela que é basicamente a nacionalização da maior seguradora americana.

"Hoje, as ações dos autores de políticas americanos ilustram a necessidade de patriotismo econômico", disse Bernard Carayon, um legislador do partido de centro-direita UMP, do presidente Nicolas Sarkozy. "Eu os parabenizo."

Para os "pregadores do mercado esta é uma lição dolorosa", ele acrescentou.

As economias nacionais estão entrando em "uma era de maior regulação e de maior mistura entre o setor público e privado".

Em partes da Ásia, os socorros trouxeram lembranças amargas da abordagem diferente adotada pelos Estados Unidos e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a crise econômica ocorrida lá, há uma década.

Quando o FMI ofereceu US$ 20 bilhões para ajudar a Coréia do Sul a sobreviver à crise financeira asiática no final dos anos 90, uma das condições impostas foi a de que o governo sul-coreano deixasse os bancos e empresas em dificuldades falirem em vez de socorrê-los, lembrou Yung-chul Park, professor de economia da Universidade da Coréia, em Seul, que esteve profundamente envolvido nas negociações com o FMI.

Apesar de Park dizer que a atual crise é diferente - é global em vez de restrita a uma região como a Ásia - "Washington está seguindo um roteiro diferente desta vez".

"Eu entendo por que o fizeram", ele acrescentou. "Mas eles perderam uma certa credibilidade para pressionar pela abertura de mercados no exterior para a concorrência estrangeira e pela liberalização das economias."

As ramificações do socorro ao AIG também serão sentidas por anos dentro dos Estados Unidos.

O AIG era um tipo diferente de empresa que a Fannie Mae ou Freddie Mac, que contavam com uma linha de crédito garantida pelo governo, na condição de fornecedores de financiamento hipotecário, ou o Bear Stearns, que era regulado pelo governo federal.

"Esta era uma seguradora que não contava com regulação federal", disse Gary Gensler, que serviu como alto funcionário do Departamento do Tesouro durante o governo Clinton. Nem o AIG contava com acesso aos fundos do Federal Reserve (o banco central americano) ou ao seguro de depósitos, como um banco comercial.

"Nós estamos em um novo território", acrescentou Gensler. "Esta é uma mudança de paradigma."

O AIG também está em uma liga diferente por causa da amplitude de seus negócios e suas extensas operações no exterior, especialmente na Ásia.

Além disso, ele caiu em uma espécie de lacuna regulatória sob as regras atuais.

Apesar da empresa, com sede em Nova York, ser mais conhecida pela venda de produtos convencionais como apólices de seguro e planos de previdência privada supervisionados pelos reguladores nos Estados Unidos, ela também está profundamente envolvida no mercado opaco e de risco de derivativos e outros instrumentos financeiros complicados, que operam em grande parte fora da regulação.

Além da ameaça às apólices de milhões de consumidores comuns, foi a ameaça representada por estes instrumentos financeiros arcanos que levou Washington a socorrer o AIG.

Até agora, o resgate não fortaleceu os mercados. "É pura gestão de crise", disse Chernow. "São o Tesouro e o Federal Reserve avançando de uma crise a outra sem uma declaração clara sobre como os fracassos financeiros serão tratados no futuro. Eles têm medo de articular uma política dessas. A rede de segurança que estão abrindo parece crescer a cada dia, sem um fim à vista."

Tradução: George El Khouri Andolfato

Visite o site do The New York Times

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"Estatizações" já custam US$ 1 trilhão a governo dos EUA
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A operação resgate da seguradora AIG levada a cabo anteontem pelo governo norte-americano, adicionou US$ 85 bilhões a uma conta federal que desde o início da atual crise financeira já está entre US$ 900 bilhões e US$ 1,5 trilhão, ou cerca de 10% do PIB norte-americano, segundo analistas. E pode chegar a muito mais.

O valor de dinheiro público destinado a salvar instituições privadas, como a AIG e o Bear Stearns, em março, ou semiprivadas, como as gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, na semana passada, assusta não só por acontecer no país que é o bastião do capitalismo de livre mercado mas porque abre a porta para futuras operações, de outras instituições e setores da economia.

Nos cálculos mais conservadores, a administração de George W. Bush autorizou ou não se opôs ao gasto de US$ 900 bilhões nos resgates, via Tesouro, Federal Reserve, o equivalente ao banco central, e Federal Home Loan Bank, instituição que atua no crédito imobiliário. Nos mais agressivos, só o Fed já empenhou meio trilhão na ciranda.

"Pode ser muito mais, dependendo de quantos bancos mais terão de ser resgatados", disse à Folha o acadêmico Edward Hadas, autor de "Human Goods Economic Evils" (ISI, 2007) e colunista do blog econômico Breakingviews.com. "Para ser franco, depois de um certo ponto, esses cálculos já não fazem mais sentido."

O pior ralo é o das empresas Fannie Mae e Freddie Mac. Na operação resgate, cada uma levou US$ 100 bilhões. Se as duas agências imobiliárias perderem a capacidade de honrar seu fluxo anual de empréstimos, no entanto, o Tesouro teria de gastar cerca de US$ 450 bilhões por ano, o que triplicaria o déficit anual americano para US$ 1,2 trilhão, calcula Paul Ashworth, da Capital Economics.

Além disso, há o problema dos sinais contraditórios mandados pelo governo norte-americano. Até terça, a política oficial, encabeçada pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, era de que não haveria resgates. Segundo a lógica oficial, o caso do Bearn Stearns era uma exceção, assim como o das duas agências imobiliárias. Tudo mudou depois do caso AIG.

Nas últimas horas, cresce, por exemplo, a pressão de montadoras norte-americanas para um pacote. Detroit pede US$ 25 bilhões em auxílio federal. Em discurso na noite de terça no Economic Club de Washington, William C. Ford Jr., CEO da empresa que leva seu sobrenome, disse que não, não se tratava de um resgate.

"É difícil para governos pararem uma vez que começam [as operações resgate], principalmente se eles decidem que um orçamento equilibrado não é meta para os próximos anos", disse Edward Hadas. "Só param quando a moeda perde valor ou as pessoas caem na real e equilibram receitas e despesas. Como os brasileiros sabem, isso pode levar tempo."

Para o historiador econômico Ron Chernow, esse governo "foi longe demais". "Nós vivemos a ironia de uma administração pró-livre-mercado fazendo coisas que o governo democrata mais progressista não faria em seus maiores delírios", disse ele ao "New York Times". A ironia não deixou de ser notada pelo Congresso, dominado pelos democratas.

Ontem, os comitês financeiros do Senado e da Câmara começaram a articular contramedidas ao que líderes chamaram de farra com o dinheiro público. CEOs das empresas em dificuldade devem ser convocados a testemunhar. A começar por Richard Fuld Jr., do Lehman.

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Veja Tambem: A Crise (I)

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