Redes sem escala

Scientific American Brasil. Ano 2, No. 13, páginas 64-72; Junho de 2003.


O cérebro é uma rede de células nervosas conectadas por axônios e as próprias células são redes de moléculas ligadas por reações bioquímicas. As sociedades também são redes, constituídas por pessoas unidas por amizades, laços familiares e profissionais. Em uma escala mais ampla, redes alimentares e ecossistemas podem ser representados como redes de espécies. E redes permeiam a tecnologia: a Internet, as redes de energia elétrica e os sistemas de transporte são apenas alguns exemplos. A própria linguagem que usamos para transmitir essas idéias é uma rede, formada por palavras conectadas por padrões sintáticos.

Mas, apesar da importância e do alcance das redes, os cientistas nunca compreenderam muito bem suas estruturas e propriedades. De que maneira as interações entre nos defeituosos em uma rede genética complexa resultam em câncer? Como a difusão ocorre tão rapidamente em certos sistemas sociais e de comunicação, causando epidemias de doenças e vírus de computador? Como algumas redes continuam a funcionar, após o colapso da maioria de seus nós?

As redes são dominadas por uma quantidade relativamente pequena de nos conectados a muitos outros pontos. As redes que contêm esses nós importantes, chamados “pólos de convergência e irradiação”, costumam ser chamadas de ‘sem escala”, o que significa que certos pólos tem um quantidade aparentemente ilimitada de links e nenhum nó se parece com os demais. Essas redes também apresentam comportamentos previsíveis: são a defeitos acidentais, porém extremamente vulneráveis a ataques coordenados. Alem disso, esses princípios organizadores têm implicações significativas no desenvolvimento de medicamentos mais eficazes, na defesa da Internet contra os hackers e na contenção de epidemias letais, entre outras aplicações.

Podemos afirmar que:

· Muitos sistemas complexos apresentam uma importante propriedade em comum: certos nós possuem uma quantidade enorme de conexões com outros nós, enquanto a maioria dos nós tem poucas conexões. Os nós mais visitados, denominados pólos de irradiação e convergência, podem ter centenas, milhares ou mesmo milhões de links. Nesse sentido, a rede parece não ter
uma escala.

· As redes sem escala têm algumas características importantes. Por exemplo: são resistentes a falhas acidentais, mas vulneráveis a ataques coordenados.

A compreensão dessas características pode levar ao surgimento de novas aplicações em muitas áreas. Por exemplo: cientistas
da computação podem ser capazes de criar estratégias mais eficazes para evitar que vírus de computador incapacitem uma rede como a Internet. 

Redes Aleatórias e Redes sem escala

As redes aleatórias, que se assemelham ao sistema rodoviário dos Estados Unidos (simplificando no mapa abaixo), são sistemas como esse, os nós obedecem uma distribuição em forma de sino, onde a maioria dos nós possui aproxidamente a mesma quantidade de links.

O sistema de linha áreas dos Estados Unidos, contém muitos pólos (vermelho) - nós com uma quantidade muito grande de links. Neste caso, os nós obedecem a uma lei exponencial, isto é: a maior parte dos nós possui um pequeno número de conexões e alguns têm uma quantidade imensa de links. Nesse sentido, o sistema não tem "escala". A característica que define esse tipo de rede é o fato de que a distribuição dos links, se plotada em um gráfico com ambos os eixos na escala logarítmica, resulta em uma linha reta.

Onde estão as Redes sem Escala

As redes sem escala estão presentes no mundo empresarial, na economia, atores de Hollywood, relacionamentos pessoais, pessoas conectadas por e-mail, colaborações de estudo feito por cientistas formam uma rede sem escala.

Em uma questão mais séria, as redes sem escala estão presentes no campo da biologia. Foram encontradas estruturas sem escala nas redes metabólicas celulares de 43 organismos diferentes. A maior parte das moléculas participa apenas de uma ou duas reações, mas algumas delas (os pólos de irradiação), como a água e a adenosina trifosfato, desempenham algum papel na maioria delas.

Um estudo feito em 1990 conclui que a Web tinha epenas uma página. Agora ela tem mais de três bilhões. A maioria das redes se expandiu de forma semelhante. Graças à natureza crescente das redes reais, os nós mais antigos tiveram maiores oportunidades para adquirirem links.

Além disso, os nós não são todos iguais. Ao decidir onde conectar suas páginas na Web, as pessoas podem escolher entre bilhões de links. Entretanto, a maioria de nós conhece apenas uma minúscula fração de toda a Web, e esse subconjunto tende a incluir os sites mais conectados, porque eles são mais fáceis de encontrar. Pelo simples ato de se conectarem a esses nós, as pessoas exercem e reforçam uma propensão a utilizá-los. Esse processo de “vinculação preferencial” também pode ser achado em outras circunstâncias.

Esses dois mecanismos – crescimento e vinculação preferencial – ajudam a explicar a existência dos pólos de convergência e irradiação: eles surgem quando os novos nós tendem a ligar-se aos sites mais conectados, e assim, com o passar do tempo, esses locais populares adquirem mais links que seus vizinhos menos conectados. E esse processo em que “os ricos ficam mais ricos” geralmente favorece os nós mais antigos que têm maior probabilidade de se tornarem pólos de convergência e irradiação

Uma Rede sem escala cresce por incrementos, passando de dois a 11 nós. Ao decidir onde estabelecer um link, um novo nó (verde) prefere unir-se a um nó (vermelho) que já possui muitas outras conexões. Esses dois mecanismos básicos - crescimento e vinculação preferencial - levarão o sistema a ser dominado por pólos, nós com grande quantidade de links.

Embora redes sem escala sejam muito difundidas, existem diversas exceções importantes. Para compreender o comportamento de um sistema é importante determinar se uma rede é sem escala, mas outros parâmetros significativos também merecem atenção. Uma dessas características é o diâmetro, ou comprimento da trajetória, de uma rede – o maior número de saltos necessários para ir de um nó a outro pelo caminho mais curto possível. Por fim, o conhecimento da topologia geral de uma rede é apenas parte da compreensão das características gerais e do comportamento desses sistemas.

O conhecimento das propriedades das redes sem escala será importante em muitas outras áreas, especialmente à medida que formos além das topologias de redes para investigar as dinâmicas intricadas e muitas vezes sutis que ocorrem nesses sistemas complexos

As possíveis implicações das Redes sem escala em...

Computação
· Redes de computadores com arquitetura sem escala, como a World Wide Web, são extremamente resistentes a falhas acidentais. Mas muito vulneráveis a ataques deliberados. 
· A erradicação de vírus, até mesmo os conhecidos, da Internet, será efetivamente impossível.

Medicina
· Campanhas de vacinação contra vírus perigosos, como o da varíola, poderiam ser mais eficazes caso se concentrassem em tratar os pólos – pessoas que possuem muitas conexões com outras. No entanto, a identificação dessas pessoas pode ser difícil.
· O mapeamento das redes no interior das células humanas poderia ajudar os pesquisadores na descoberta e controle dos efeitos colaterais de medicamentos. Além disso, a identificação das moléculas-pólo associadas a determinadas doenças poderia levar à criação de novos medicamentos que teriam como alvos esses pólos.

Atividade Empresarial
· A compreensão de como as empresas, setores e economias estão interligados poderia ajudar os pesquisadores a monitorar e prevenir colapsos financeiros em cascata. 
· O estudo da propagação de um contágio em uma rede sem escala poderia oferecer novos meios para os “marqueteiros” promoverem propaganda boca a boca de seus produtos.

No fim das contas, o mundo é pequeno

Aplicação Pratica das Redes sem escala

Em 1967, Stanley Milgram, um psicólogo social na Harvard University, enviou centenas de cartas a pessoas em Nebraska, pedindo a elas que reenviassem a correspondência a conhecidos que pudessem fazê-la chegar mais perto de um destinatário alvo: um corretor de valores em Boston. Para seguir o rastro de cada um dos diferentes caminhos, Milgram pediu aos participantes que lhe enviassem de volta um cartão quando ncaminhassem a carta a outra pessoa. Milgram descobriu que as cartas que acabaram chegando ao destino haviam passado por uma média de seis pessoas – a base do conhecido conceito de “seis graus de separação” entre todas as pessoas.

Embora o trabalho de Milgram não tenha sido conclusivo, - pois a maioria das cartas nunca chegou ao corredor de valores -, recentemente os cientistas descobriram que outras redes apresentam essa propriedade de “mundo pequeno”.

A propriedade de “mundo pequeno” não indica necessariamente a existência de um princípio organizador mágico. Mesmo uma rede de grande porte com conexões puramente aleatórias constitui um mundo pequeno. Suponhamos que você conheça cerca de mil pessoas. Se cada uma também conhecer outras mil, então um milhão de pessoas estarão a apenas dois apertos de distancia
de você.

Embora redes sem escala sejam muito difundidas, existem diversas exceções importantes. Para compreender o comportamento de um sistema é importante determinar se uma rede é sem escala, mas outros parâmetros significativos também merecem atenção. Uma dessas características é o diâmetro, ou comprimento da trajetória, de uma rede – o maior número de saltos necessários para ir de um nó a outro pelo caminho mais curto possível.

Por fim, o conhecimento da topologia geral de uma rede é apenas parte da compreensão das características gerais e do comportamento desses sistemas.

O conhecimento das propriedades das redes sem escala será importante em muitas outras áreas, especialmente à medida que formos além das topologias de redes para investigar as dinâmicas intricadas e muitas vezes sutis que ocorrem nesses sistemas complexos.



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