GAMETICA
Por: Joao Carlos Holland de
Barcellos Nov/2000
A Etica como um
jogo
Como introducao a este artigo desejo citar dois trechos do livro do
Richard Dawkins - "O Gene Egoísta" que me passaram:
"Os homens e os babuínos evoluíram por selecção natural. Se
examinarmos a forma como a selecção natural opera, parece sugerir que
qualquer coisa que tenha evoluído por selecção natural deve ser egoísta.
Se a nossa expectativa não se confirmar, se notarmos que o
comportamento humano é verdadeiramente altruísta, estaremos diante de
qualquer coisa intrigante, algo que necessita de uma explicação..."
"...Mesmo no grupo de altruístas haverá, quase certamente, uma
minoria divergente que se recusará a fazer qualquer sacrifício. Se
existir apenas um rebelde egoísta, preparado para explorar o altruísmo
dos restantes, ele, por definição, terá maior probabilidade do que
eles de sobreviver e procriar. Cada um dos seus filhos terá a tendência
a herdar os seus traços egoístas. Após várias gerações desta selecção
natural, o grupo de altruístas será dominado pelos indivíduos egoístas
e será indistinguível do grupo egoísta. Mesmo admitindo o improvável
acaso da existência inicial de grupos altruístas puros, sem qualquer
rebelde, é muito difícil ver o que
impedirá a migração de indivíduos egoístas, provindos de grupos egoístas
vizinhos e, por casamento cruzado, a contaminação da pureza dos grupos
altruístas."
Eh clara a constatacao
de que qualquer grupo de replicantes, que evoluam por selecao natural,
devam possuir uma dose egoismo intrinseco.
Em especies que vivem em
grupos sociais organizados, onde os membros da especie sejam, em geral,
ferteis, este egoismo nato deve ser interpretado na sua forma ampla:
Um conjunto de
capacidades de sentimentos anti-altruistas entre os quais : o ódio ,
inveja, ciumes, desdém, desprezo, nojo, avareza, vinganca entre outros.
Tais sentimentos
egoistas, que eu costumo chamar de sentimentos "malevolos",
sao patrocinados pelo que eu chamei de "genes-malevolos". Tais
genes malevolos, permitiram que os individuos que os portavam tivessem
uma vantagem evolutiva em relacao aos nao portadores e, atraves de
muitas geracoes, estes genes acabaram por se fixar na populacao de modo
que devemos esperar que nestas sociedades todos, em maior ou menor grau,
sejam portadores.
Na especie humana, que
vive em sociedade, com o advento da linguagem, e da cultura (memes),
estabeleceu-se uma moral que permitiu uma reducao do conflito de
interesses e, com isso, que a sociedade se mantivesse num nivel
organizacional relativamente estavel.
Mas seguir uma etica
implica, muitas vezes, em reprimir os instintos anti-sociais. Existe
todo um espectro ou variabilidade de individuos cada qual com uma maior
ou menor capacidade de reprimir tais instintos cobrindo toda a gama
possivel da adaptabilidade social.
A capacidade de seguir a
etica depende nao somente da constituicao fenotipica do caracter do
individuo como tambem do meio, ou seja, da pressao em que o individuo eh
submetido.
O fator de
adaptabilidade social e capacidade de resistir as pressoes do ambiente e
reprimir os instintos tambem deve ser geneticamente influenciado
Nao podemos supor que a
humanidade sempre teve a mesma capacidade de seguir uma moral. Tal
capacidade nao se fez sem que houvesse uma pressao social para que fosse
seguida. A pressao social eh feita na forma de punicao aos que
desrespeitassem as regras de conduta.
Sem uma penalidade
imposta pelo grupo social ao infrator nenhuma etica poderia existir. A
etica sem punicao eh inocua.
Individuos que
transgridem a etica social e sao descobertos tem sua penalidade de
alguma forma proporcional a sua infracao. Uma penalidade sempre diminui
o poder perpetuativo do infrator, isto eh, tende a diminuir a
possibilidade do infrator de perpetuar seus genes em relacao ao
individuo que nao sofre a punicao.
Assim, podemos perceber
dois focos de pressao seletiva atuando sobre o pool genetico em relacao
aas emocoes:
1- A pressao seletiva no
sentido de se respeitar as normas morais vigentes sob pena de ser
excluido/discriminado ou mesmo punido pela sociedade.>
Esta pressao selecionou
o que eu costumo chamar de "genes sociais", que conferem ao
individuo uma maior ou menor adequacao aas normas sociais e a capacidade
de respeitar outros individuos do grupo reduzindo desta forma os
conflitos. Como exemplo , do lado oposto, encontramos os chamados
"animais selvagens" que, por nao viverem num ambiente social,
dificilmente sao domesticados e por isso, quase sempre, sao mantidos
enjaulados : dificilmente conseguem ser domesticados ou seguirem algum
tipo de regra de boas maneiras.
Um dos sub-produtos
desta pressao seletiva para adequacao social podem vir na forma de
sentimentos ou emocoes como o remorso, a vergonha , o pudor etc..
2- A pressao seletiva no
sentido de *nao* se respeitar as normas no intuito de se auferir
vantagens evolutivas. O individuo que consegue burlar a o sistema
vigilante social no sentido de auferir vantagens ou recursos as custas
dos outros, sem ser punido, tem naturalmente uma vantagem evolutiva
sobre os demais. Portanto existe uma pressao seletiva no sentido de nao
se respeitar a etica se as vantagens auferidas forem suficientemente
grandes para compensar o risco da punicao.
Individuos que tem a
capacidade de auferir vantagens evolutivas mentindo e usando todo tipo
de estratagema para nao serem descobertoe e nao serem punidos tendem
portanto a se tornarem mais bem sucedidos do que os que seguem as normas
rigorosamente. Existe uma forca, portanto, aos individuos se tornarem
perfidos e falsos.
Um dos sub-produtos
desta pressao seletiva para a *nao* adequacao social podem vir na forma
de sentimentos ou emocoes como a cobiça, a ganancia, a preguiça etc...
Eh importante notar que
muito do que fazemos, no sentido de respeitar ou nao a etica, esta em
nossa capacidade de refrear ou nao nossos impulsos.
Assim, todos os
elementos do grupo social serao eternamente pressionados por forcas
antagonicas que por sua vez provocarao conflitos e sofrimentos em seus
elementos.
Haveria um modo de virar
o jogo ?
Poderiamos de alguma
maneira manter a coesao etica do grupo e, ao mesmo tempo, tornar a vida
menos repressora e mais feliz?
Existiria uma maneira de que nao sentissemos o peso da responsabilidade
moral e, *principalmente*, que nao fizesse da **perfidia e da falsidade
caracteristicas evolutivamente vantajosas** ?
A reposta, felizmente, eh positiva desde que a sociedade possua meios
tecnologicos suficientes para tal empreitada.
A solucao para a retirada da pressao evolutiva que mantem e etimula a
falsidade a mentira e todos os sentimentos malevolos que conferem
vantagem evolutiva a seus possuidores seria uma nova etica que eu
batizei de GAMETICA.
A gametica eh a etica vista como um jogo e nao como um dever moral.
Eh algo totalmente
revolucionario e eu nao sei se um dia a sociedade estara pronta para
coloca-la em pratica.
Atualmente, em nossa
sociedade, de niveis tecnologicos embrionarios, esta etica eh claramente
impossivel de ser implantada. Mas no futuro podera nao ser assim. A
gametica propoe que a moral nao mais exista mas a etica sim. Existiria
as regras de conduta mas nao o dever moral de pratica-las. O infrator
nao seria visto como um ente malevolo mas sim como um perdedor, que
arriscou e perdeu.
Nao existiria o dever
moral de seguir a etica mas sim a necessidade de segui-la para nao ser
punido.
A pessoa infratora nao
seria vista como uma pessoa mah e sim como uma pessoa que arriscou e
perdeu e, como foi descoberta, deveria ser punida. Como em um jogo.
Claro que um ambiente deste tipo soh seria possivel onde os niveis de
vigilancia fossem grandes pois haveria inicialmente uma tendencia maior
das pessoas cometerem o ilicito ja que nao haveria mais pressao moral
para que agissem corretamente. A unica pressao a ser considerada seria o
peso da punicao que deveria ser rigorosa o suficiente para desencorajar
o ato anti-etico.
Com esta etica nao
haveria a pressao seletiva para a falsidade e perfidia pois todos seriam
vistos como "jogadores" que poderiam ou nao se arriscar.
A ideia desta etica eh
seria fazer com que a pressao seletiva que fortalece e mantem os genes
que patrocinam os sentimentos anti-sociais seja extinta colocando todos
os individuos no mesmo nivel de igualdade na competicao da vida. Desta
maneira o "falso" nao levaria vantagem sobre o
"honesto" pois nao haveria razao de o honesto agir
honestamente permitindo que o desonesto sempre levasse vantagem.
Mas esta etica soh seria
possivel numa sociedade altamente informatizada e vigilante onde qqr
comportamento anti-social pudesse ser detectado. Todos seriam
"suspeitos" ateh prova em contrario. Todos seriam
"jogadores" e saberiam as regras da nova etica social.
Arriscar quebra-las seria um simples risco ( e alto ) de ser punido e
nao um dever moral.
Nao sei se tal etica
poderia algum dia ser implantada de qualquer modo fica sendo mais um
texto teorico sobre uma nova etica : A Gametica.