O Cérebro e as Emoções
Globo/Fantástico/Drauzio Varella, Fevereiro/2004

Uma teoria há décadas, há séculos é usada para justificar brigas,
explosões de agressividade e impulsos amorosos. A teoria de que as
emoções estão ligadas ao coração e nada tem a ver com a razão. Mas essa
desculpa não vai funcionar mais. É o cérebro que está por trás de todas
nossas emoções.

Vida de criança é assim: em questão de minutos ela passa da gargalhada
ao choro. Parece que brigas, surpresas, decepções vêm e vão sem deixar
vestígios. Mas não é bem desse jeito.

É impressionante saber que apesar de termos deixado vestígios, quase
tudo que aconteceu há tantos anos, as emoções vividas ainda estão
guardadas no cérebro. Elas foram fundamentais para construir tudo o que
somos hoje. Mas como será que faz o cérebro para criar emoções?

Em São Francisco, Estados Unidos, a psiquiatra Rebecca Turner decidiu
estudar o sentimento mais desejado pelo ser humano: o amor.

"Queremos saber como uma emoção como o amor pode fugir tanto do nosso
controle e por que sofremos tanto quando alguém vai embora?", questiona
a psiquiatra.

"Estou me lembrando do dia em que meu marido me pediu em casamento.
Estávamos no meu apartamento, sentados no chão, no sol, pela manhã. Foi
maravilhoso! Eu me senti tão amada e já o amava tanto!", comenta
Shoshana Walcott.

Enquanto a jovem americana lembra de momentos de amor, uma enfermeira
vai colhendo o sangue dela. Os exames mostraram que as memórias
românticas tiveram um efeito imediato: aumentou a concentração no sangue
de uma substância chamada ocitocina. A substância tem nome estranho, mas
a função dela é conhecida de todos nós: é um hormônio ligado a
comportamentos reprodutivos, como o orgasmo, o parto e a amamentação.

A quantidade maior de ocitocina vai agir, justamente, nas áreas do
cérebro responsáveis pela emoção. Por outro lado, quando a jovem lembrou
da morte da mãe, o nível de ocitocina despencou.

Será que a presença de ocitocina no cérebro é o único sinal que a pessoa
está apaixonada? Ainda é cedo para saber, mas certamente a ocitocina tem
relação direta com esse sentimento que mexe tanto com a gente.

Descobrir como nasce o amor é complicado porque o sentimento mistura
várias sensações. Mas existem algumas emoções básicas que o cérebro
transmite pela simples expressão facial.

Na década de 60, um psicólogo foi estudar as emoções numa tribo
completamente isolada, em Papua Nova Guiné. Ele descobriu que tanto lá,
quanto no restante do mundo, existem seis expressões humanas universais
que podem ser reconhecidas em qualquer pessoa: felicidade, tristeza,
surpresa, nojo, raiva e medo.

Na semana passada, você viu que existe uma área do cérebro responsável
pelo nojo. Ainda não se sabe quais regiões respondem pelos sentimentos
de tristeza, felicidade, surpresa ou raiva, mas já sabemos onde fica a
central da emoção mais poderosa e primitiva do ser humano: o medo.

"O Vietnã roubou minha alma, toda a bondade. A felicidade que eu tinha
deixei naquele lugar", diz o vetrano de guerra Dennis Sines.

A Guerra do Vietnã acabou há mais de 30 anos e até hoje Dennis vive em
estado de alerta. O psiquiatra Doug Bremmer é especialista em casos como
o de Dennis.

O terror no Vietnã causou vários danos cerebrais a um em cada cinco
veteranos de guerra. "Ele tem o que chamamos de estresse pós-traumático.
A qualquer hora do dia, as lembranças da guerra voltam de forma
repetitiva. Ele tem pesadelos constantes e se assusta com facilidade",
diz o médico.

O brasileiro está longe dos pesadelos de guerra. No Brasil, as causas do
estresse pós-traumático são outras.

"O que se sabe hoje é que pessoas normais podem ter os mesmo sintomas em
decorrência de assalto, violência sexual e seqüestros", explica Márcio
Bernik, psiquiatra do Laboratório de Ansiedade da USP.

"Antes eu tinha condição de resolver mais de um assunto, eu tinha essa
agilidade. Isso foi diminuindo. A minha memória foi ficando mais lenta",
conta Angélica, administradora de empresas.

Depois de ser refém em um assalto à empresa em que trabalhava, Angélica
nunca mais foi a mesma. "Todos os meus sonhos eram relacionados a
assalto", diz.

Todos nós sabemos que ao andar na rua, ninguém esta livre de um
atropelamento, uma bala perdida, um assalto. Mesmo assim, lidamos com
uma certa tranqüilidade com esses riscos. Sabemos que a chance disso
acontecer é pequena.

Para quem sofre de estresse pós-traumático, esse mecanismo que nos
tranqüiliza simplesmente pára de funcionar. É como se o tiro ou o
atropelamento fosse acontecer no próximo passo.

"Eu vejo uma pessoa que para mim é suspeita, eu começo a idealizar o que
pode acontecer. Se essa pessoa virá até mim, vai me segurar pelo braço,
vai colocar um revólver e vai me assaltar. Vou criando uma situação
antes que ela exista", conta Angélica.

No caso de Dennis, basta sentir o cheiro de gasolina ou ouvir o
escapamento de um carro para ele voltar à guerra.

O psiquiatra quer descobrir quais são as partes do cérebro mais ativas
quando Dennis vê fotos e ouve sons do Vietnã. Para isso, vai fazer um
exame chamado ressonância magnética funcional. O objetivo é entender
como nasce o medo.

"A necessidade de sobrevivência é tão grande em toda espécia animal que
existem sistemas cerebrais separados para níveis diferentes de defesa",
explica Márcio Bernick.

O exame mostrou que existem pelo menos dois circuitos geradores de medo.
O primeiro envolve uma região chamada amídala. Não tem nada com a
garganta, é só o mesmo nome. Amídala cerebral é uma central de
emergência que funciona como um alarme. Qualquer ameaça ativa
imediatamente uma área que dispara sinais de perigo pelo corpo.

Existe também um segundo circuito. O do bom senso. Ele é mais lento,
passa por dentro do córtex, região do cérebro responsável por tomar
decisões. É por esse circuito que se mede o tamanho real da ameaça.
Constatado um alarme falso, a amídala deve ser desativada. Nas pessoas
com estresse pós-traumático existe um defeito nesse segundo circuito que
filtra o perigo real do susto.

No próximo programa, os mecanismos fascinantes da linguagem. Como o
acidente com Osmar Santos em 1994 afetou a principal ferramenta de
trabalho do locutor. Cérebro, a supermáquina volta daqui a dois domingos.

http://fantastico.globo.com/Fantastico/0,19125,TFA0-2142-5651-125871,00.html

 

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