O mapa dos sentimentos

Marcelo Gleiser, Jan/2001


Marcelo Gleiser
especial para a Folha de São Paulo, 7/jan/2001

Onde é a morada dos sentimentos? Será que a ciência pode nos levar a uma
melhor compreensão, se possível até quantitativa, do que é sentir? Se
você fizer essa pergunta a alguém trabalhando na área de Tomografia por
Emissão de Pósitrons (PET) ou de Imagem por Ressonância Magnética
Funcional (fMRI), a resposta é um surpreendente "sim".

Essas duas técnicas, PET e fMRI, permitem a construção de imagens
sequenciais do cérebro como em um filme, que os neuropsicólogos usam
para estudar a atividade cerebral em resposta a certos estímulos
emocionais.

De modo geral, ambas as tecnologias medem as diferenças do fluxo
sanguíneo no cérebro, contrastando as partes mais usadas -onde o fluxo é
maior- com aquelas mais quietas. Com isso, é possível fazer um mapa
dinâmico do cérebro, recriando seu funcionamento na medida em que ele é
submetido a diferentes estímulos.

Essas técnicas de imagem já são conhecidas da psicologia e da
neurologia, especialmente como ferramentas que ajudam a diagnosticar
certas patologias, emocionais ou físicas, como um tumor cerebral.

Mas a aplicação de tecnologias como a PET e a fMRI ao estudo das emoções
é bastante nova e ainda controversa. O resultado mais geral desses
estudos é que, quando sentimos algo, seja alegria ou tristeza, raiva ou
medo, a atividade cerebral não se concentra em uma área específica,
sendo distribuída por várias regiões do cérebro.

E cada uma das emoções é caracterizada por atividades muito semelhantes:
o medo se manifesta sempre nas mesmas áreas, a alegria também, como se
cada emoção tivesse sua assinatura neuronal particular. O sentir gera
ressonâncias cerebrais únicas, que serão traduzidas em expressões
faciais e fisiológicas, como lágrimas, tensão muscular e riso. Mais
ainda, humores interferem na eficiência dos processos mentais, como o
raciocínio lógico, a memória ou a percepção sensorial.

No caso de emoções extremas, o cérebro deixa de processar informação
normalmente, confirmando algo que todos nós já sabemos, que os
sentimentos fortes comprometem a clareza de nosso pensamento, "não tome
decisões de cabeça quente".

O amor, claro, não podia ser deixado de lado. Cientistas do University
College London detectaram um padrão distinto de atividade cerebral em 17
pessoas examinadas que diziam estar profundamente apaixonadas.

Eles compararam a atividade cerebral desses voluntários quando eles
olhavam fotos de seus amados e de pessoas apenas amigas, mostrando que o
amor gera mesmo um sentimento de euforia representado pela alta
atividade cerebral. O amor estaria, então, espalhado pelo cérebro: e
aquele aperto no coração que sentimos vem, claro, de estímulos
cerebrais. Portanto, a confusão histórica de atribuir o amor ao coração
é bastante razoável.

Não querendo ligar o amor à depressão, estudos feitos com pessoas
sofrendo de depressão profunda revelaram a necessidade do cérebro de se
realinhar para que os sintomas sejam aliviados.

Comparando pessoas que tomam Prozac e melhoram com outras que tomam a
droga e não melhoram, cientistas demonstraram que o cérebro dos
pacientes que foram beneficiados pela droga se transformou, criando
novas conexões neuronais que permitiram o melhor processamento de
informação. A droga, quando funciona, abre novas rotas no cérebro, que
podem ser mapeadas com essas tecnologias de imagem.

Sem a menor dúvida, esses estudos são extremamente promissores, mesmo
que ainda estejam na infância. Nada é tão complicado quanto o cérebro
humano, pelo menos dentro do que nós conhecemos do Universo.

Um dos problemas que os cientistas encontram nesses estudos é justamente
como definir emoções de modo a tratá-las quantitativamente.
O que é amor para um pode não ser para outro.

Quando o temor vira pânico e o afeto, amor? Poetas e escritores os mais
diversos, de todas as épocas, vêm tentando definir as várias gradações
emocionais, os vários níveis do sentir, se é que podemos falar em
níveis.

Daí que essas pesquisas poderão apenas traçar as linhas mais gerais das
complicadas emoções humanas e de como elas são processadas na cabeça de
cada um de nós. Pelo menos, assim espero. É bom se nós deixarmos um
pouco de mistério no ato de sentir, mesmo que isso atrase um pouco a
compreensão do funcionamento do nosso cérebro.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em
Hanover (EUA), e autor do livro "A Dança do Universo"

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