Dar Valor à Vida, em reais
Por: Fernando Reinach


 

Dar valor à vida, em reais, artigo de Fernando Reinach

Os problemas éticos a serem enfrentados são enormes. Vale mais salvar a vida de uma criança ou prolongar a vida de um idoso?

Fernando Reinach ( fernando@reinach.com ), biólogo, é professor titular do Instituto de Química da USP e diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios. Texto publicado em ‘O Estado de SP':

O progresso da medicina nivelou todos os países do mundo. Hoje, nenhum tem dinheiro suficiente para garantir o melhor tratamento médico a toda sua população.

Os países pobres nem sequer têm recursos para garantir um programa básico de vacinação, enquanto os mais ricos são incapazes de garantir que qualquer cidadão tenha acesso a todo e qualquer tratamento.

Todas as sociedades enfrentam o mesmo problema: é preciso decidir qual a melhor maneira de gastar a quantidade limitada e insuficiente de dinheiro que é destinada à saúde.

Priorizar o investimento em saúde significa abandonar a crença de que ‘uma vida não tem preço' e tentar desenvolver métodos socialmente aceitáveis de aplicar relações de custo/beneficio para os gastos em saúde.

E isso implica associar um valor monetário à vida humana.

O primeiro passo é determinar quais remédios funcionam.

Isto já é feito nos EUA desde 1962, quando o Kefauver Act deu poderes ao FDA (a agência que regula medicamentos e alimentos) para impedir a comercialização de medicamentos que não têm efeitos terapêuticos comprovados ou que causem danos à saúde.

O segundo passo é comparar a eficácia de cada novo medicamento com os já utilizados e determinar quais os efeitos colaterais.

A velocidade com que novos medicamentos são liberados e o tempo necessário a esse tipo de estudo fazem com que as informações obtidas de comparações diretas entre medicamentos demorem anos até serem disponibilizadas.

Durante esse período, podemos estar consumindo medicamentos mais caros e que muitas vezes têm menor eficácia ou piores efeitos colaterais. Foi o caso do Vioxx.

O terceiro passo é o mais difícil. Consiste em discutir e acordar uma metodologia que permita determinar, por exemplo, o valor de um ano de vida e comparar este valor com o custo do tratamento necessário para obter esse ano.

Imagine um remédio que ingerido diariamente durante 20 anos prolongue sua vida em seis meses. Se ele custar R$ 10 por dia de tratamento, você pagou R$ 73 mil por seis meses de vida. É caro ou barato? E se for necessário tratar 1 milhão de pessoas?

Os problemas éticos a serem enfrentados são enormes. Vale mais salvar a vida de uma criança ou prolongar a vida de um idoso?

Um ano a mais de vida saudável vale quantas vezes mais que um ano em uma cadeira de rodas? Quanto vale uma diminuição de 5% na probabilidade de ter um derrame cerebral?

Sem esses valores é impossível decidir que conjunto de tratamentos traz a melhor relação custo/benefício tanto para as sociedades ricas quanto para as pobres.

Ao contrário dos computadores, que a cada ano ficam melhores e mais baratos, os medicamentos a cada ano ficam melhores e mais caros.

Enquanto a sociedade acreditar que uma vida não tem preço, as companhias farmacêuticas vão continuar a sustentar que um remédio novo, potencialmente melhor, também não tem preço.

Quanto você acha que a Intel cobraria por uma nova versão de seus processadores, se a sociedade acreditasse que um aumento na velocidade do computador, por menor que fosse, não tivesse preço?

Mais informações em Jerry Avorn, ‘Powerful Medicines', ed. Alfred A. Knopf, New York, 2004.
(O Estado de SP, 4/5)
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