(*)Equipe
Ismar Madeira – repórter
Saulo Luiz – cinegrafista
Francesca Terranova – produtora
Jairo Ferreira – técnico
Rodnei EugêNio de Souza – técnico
Meg Cunha – diretora
Gisele Machado – editora de imagens
Perfil do brasileiro feliz
Onde está a felicidade? No ar? Dentro da gente? É uma busca que a Humanidade inteira vem fazendo desde que o mundo é mundo. E quem procura acha. São Paulo, coração da metrópole. Uma pesquisa inédita mostrou como é uma pessoa muito feliz na cidade mais rica do Brasil. É um homem solteiro, culto, ganha bem, tem apartamento próprio, com bela vista para São Paulo. Qualquer um seria feliz, não?
"Sim", responde o empresário Maurício Guitarrari. "Tenho uma casa de praia também, que eu construí mais novo. Não tem jeito de ficar infeliz."
Em Belo Horizonte... "Este é o fundo de quintal, onde moro há 14 anos, pagando aluguel. É o meu cantinho da felicidade", conta a ascensorista Terezinha de Jesus Carvalli. "O mais importante para mim é estar sempre de bem com a vida. Eu sou assim!".
Terezinha e Maurício – uma mulher e um homem – confirmam pesquisas e teorias sobre felicidade. Ela anda de ônibus. Ele, de carro importado. Ela trabalha no Mercado Municipal de Belo Horizonte. Ele é dono de empresa em São Paulo. Ela sustenta dois filhos. Ele mora sozinho num duplex. Quem é mais feliz? Desejos e realizações tão diferentes revelam como é relativa a tal felicidade.
"Dinheiro traz felicidade até certo ponto", ressalta o doutor em estatística Jorge Oishi. Comprovado pela estatística. Na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no interior de São Paulo, o professor Jorge Oishi coordenou a mais completa pesquisa sobre felicidade já realizada no país.
"Perguntávamos para a pessoa se ela era muito feliz e a que fatores ela atribuía esse índice de felicidade. Detectamos família, saúde, satisfação com a vida, religiosidade. O dinheiro estava em quinto lugar", revela o especialista.
É o que explica o estado de espírito de trabalhadores como Terezinha. "Quando eu comecei no Mercado Central, trabalhava na faxina. Andava lá embaixo empurrando o 'Mercedão'. Depois, fui promovida para o 'Boeing' Viu que chique?", conta ela.
Seis horas por dia em pé dentro de um elevador. Espaço apertado, com menos de dois metros quadrados.
“Você pode fazer costela de boi recheada...”, ensina Terezinha. A receita inteira é dada em poucos segundos, enquanto o elevador sobe. Em cada viagem, uma diversão. "Tenho uma notícia excelente para vocês: se o elevador parar na metade do caminho, temos vinhos para tomar", brinca Terezinha. Alegria contagiante.
"Ela está sempre deste jeito. Faça chuva ou faça sol, está sempre rindo e brincando. É incrível", comenta uma mulher.
Se entrar pela porta do elevador é garantia de um sorriso, no dia-a-dia não é bem assim. Como num passeio de elevador, o nível de felicidade de uma pessoa oscila, subindo e descendo. O desejo de todo mundo é não permanecer muito tempo no andar de baixo, o da tristeza. É um desafio diário.
"Às vezes eu choro quando me lembro do meu passado, porque eu fui muito pobre. Tudo o que tenho foi adquirido com meu esforço e do meu filho", diz ela, chorando. "Isso não é infelicidade, é alegria por ter conseguido tudo o que eu já consegui. São lágrimas de felicidade", explica Therezinha. Sentimento de conquista, de vitória sobre a tristeza.
“Minha casinha é o que me faz feliz. Eu consegui tudo com meu esforço”, ressalta Terezinha.
"Família e dinheiro são coisas muito importantes, isso e inegável. Só que o dinheiro é uma coisa muito mais concreta do que família, do ponto de vista de motivos para a felicidade. O dinheiro é importante porque a gente vive em função dele – a família precisa do dinheiro para pagar suas contas, para comer, se vestir. Então, é uma coisa concreta, de imediato", comenta Jorge Oishi.
Dinheiro pode comprar, por exemplo, educação. A pesquisa, que ouviu 6 mil famílias no estado de São Paulo, mostrou que a sensação de felicidade das pessoas aumenta com o nível de instrução. Entre os que não concluíram o primeiro grau, apenas 21% disseram que são muito felizes, contra 54% dos que têm pós-graduação. É o caso de Maurício, com pós-graduação em administração de empresas.
Na pesquisa, 85% das mulheres e 88% dos homens disseram que têm um nível alto de felicidade.
Maurício acha que se enquadra no perfil das pessoas mais felizes em São Paulo. O que ainda falta para ele ser mais feliz ainda? "Eu próprio constituir uma família, casar, ter filhos", responde ele. "Acho que este é o momento: tenho 31 anos!", brinca.
A família foi o item mais citado como motivo de bem-estar dos entrevistados que se consideram muito felizes. É a riqueza de Terezinha, imensamente maior do que a casa de três cômodos: cozinha, sala e quarto.
A mãe e os dois filhos dormem em um só quarto. A nora, Sheila, grávida de sete meses, não mora com eles por falta de espaço.
"Muita gente coloca só o material como coisa importante: 'Eu precisava ter mais dinheiro... Eu precisava ter um carro... Eu tinha que ter uma casa grande... Eu tinha que ter um clube para ir...'. A gente não tem isso e é feliz com o que tem. Estamos muito bem assim", garante o filho de Terezinha Renato Augusto de Andrade, técnico em informática.
Uma família unida e crescendo. "Agora está chegando o Guilherme, para pôr ordem na casa daqui a algum tempo", diz Renato. "Só não pode tirar minhas coisas do lugar", brinca Terezinha.
Sem dúvida, é um endereço da felicidade. "A felicidade existe e mora aqui", afirma Terezinha. "Desejo que meus filhos realizem na vida aquilo que eu ainda não realizei. Estou batalhando e vou tentar conseguir minha casa própria. Se eu conseguir, vou ser mais feliz ainda", diz.
E será que existe felicidade completa? A equipe do Globo Repórter foi a Niterói, no Rio de Janeiro, para descobrir que sim. O juiz de direito Fabiano Reis dos Santos e a defensora pública Carina França Ferraz têm o dinheiro que falta a Terezinha e a família que falta a Maurício.
"Filho muda tudo na nossa vida, de uma forma que a gente não imagina. Trouxe mais felicidade ainda para nossa relação", conta Carina.
"O filho preenche um vazio que a gente nem se dava conta que existia. Agora a felicidade está completa", diz Fabiano.
Pedro Henrique tem 2 anos e João Vitor é recém-nascido.
"O coração fica a mil por hora!", contou Fabiano pouco antes de Carina dar à luz o filho mais novo. Hora de nascer. Olhos vidrados do pai. E lágrimas nos olhos da mãe. O registro da felicidade completa. "Estou muito feliz", comentou Fabiano quando João Vitor nasceu. "Tomara que ele seja muito feliz, uma pessoa de bem", desejou ao filho.
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Biologia da felicidade
"Eu não sabia quem eu era, o que estava fazendo aqui. Perdi tudo!", conta a aposentada Margarida do Amaral Ramos. Foi como se uma parte do cérebro se apagasse, mas ela sentia a luz da vida. "Aqui dentro do meu coração eu sabia quem eu era, mas não conseguia falar", lembra.
Em um acidente de carro em abril de 2003 dona Margarida foi atingida na cabeça. Ela teve hemorragia e uma parte do cérebro precisou ser retirada. Por isso, quando acordou da cirurgia, dona Margarida não sabia quem era, nem podia falar. Ela perdeu uma das principais ferramentas da felicidade: a memória.
Dois anos depois, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o médico de dona Margarida explica por que a felicidade depende tanto da memória.
"O estímulo que você teve quando era recém-nascido, criança e jovem vai servir de base de comparação para a situação que você está vivendo hoje. Podemos lembrar de um pôr-do-sol, de uma namorada, de um cheiro ou de uma paisagem bonita que vimos quando viajamos e, com isso, termos a sensação de felicidade", esclarece o neurocirurgião Paulo Porto de Melo.
Quando uma criança vê, por exemplo, a imagem de um palhaço, no lobo temporal, as informações de memória são processadas. A imagem que a pessoa está vendo é comparada às lembranças dela. Daí, é acionado o tronco cerebral, onde são produzidas duas substâncias mensageiras da felicidade. São os neurotransmissores: a serotonina, que regula o humor, e a dopamina, que estimula o prazer. Elas levam a mensagem até o cerebelo, que planeja a reação do corpo. Quatorze músculos do rosto são acionados. São eles que, finalmente, vão abrir o sorriso da felicidade.
Dona Margarida voltou a sorrir, recuperada, para surpresa do médico, especialista em cérebro. "A área lesada não se recompôs. Talvez alguma área adjacente tenha ocupado essa função. Talvez o lobo temporal do outro lado tenha suplementado a função do lado ressecado. Mas isso realmente são suposições", ressalva o médico.
O que é certo e deixa o médico feliz é como dona Margarida está hoje, dois anos depois do acidente. "Não posso afirmar o que aconteceu, só posso afirmar que ela está bem", diz ele.
"Eu agora não me preocupo mais com exame. Eu guardo, já passou", diz dona Margarida. Uma página virada. Lição de disciplina. "Caderno de alegria", lê dona Margarida. O nome já diz tudo: páginas e páginas, vários cadernos. Foram meses de exercícios, mexendo com a memória, para voltar a ser quem ela era.
"Comecei a escrever tudo que eu sabia antigamente. Eu me lembrei da minha família, quando eu era pequena, e fui relembrando, relembrando... E recomecei a falar da minha própria vida: como eu casei, como meus filhos nasceram. Porque eu desejei", diz dona Margarida.
Desejo de felicidade. Como sempre fez, dona Margarida tomou o controle de seu destino, superando todos os diagnósticos. É como se algo maior, dentro dela, não aceitasse outra condição. Será que dona Margarida tem uma espécie de marca registrada de felicidade?
As pessoas já nascem com tendência para ser mais ou menos felizes? Especialistas acreditam que sim: a felicidade faz parte do nosso organismo, está nos genes, características que herdamos de nossos pais.
Herança genética
Olhos azuis, cabelos loiros. Parece uma só pessoa, mas são duas: Cordélia e Carla. Elas são gêmeas idênticas. E se a felicidade é genética, tem que ser igual entre elas. A secretária executiva Carla Henker mora no Rio de Janeiro e a dona de casa Cordélia Henker Braga, no Recife.
Elas conversam muito por telefone, mas só se encontram pessoalmente duas vezes por ano. As duas vivem sorridentes. A equipe do Globo Repórter resolveu fazer um teste para saber se elas são tão parecidas mesmo, até na felicidade.
No mesmo dia e no mesmo horário, elas começaram a responder as 18 perguntas que medem o nível de felicidade de uma pessoa. Cada resposta tem um valor. Resultado: Cordélia obteve 49 pontos e Carla, 45. Foi uma surpresa, porque Cordélia sempre achou a irmã mais expansiva, mais feliz.
"Eu acho que ela colocou que é menos preocupada do que eu. Eu sou mais preocupada. Talvez isso tenha dado a diferença", avaliou Carla.
Segundo o especialista, as duas estão acima da média de 88% das mulheres. Ou seja, as duas são muito felizes. "Somos muito felizes, comprovado geneticamente", comentou Cordélia.
O mesmo questionário foi aplicado pelo pesquisador americano David Lykken a 400 gêmeos idênticos. E a maioria teve resultados semelhantes, como no caso de Carla e Cordélia. Mesmo morando longe e, hoje, com experiências de vida diferentes, as irmãs têm a mesma tendência: a marca ou o gene da felicidade.
"Eu diria que de toda variação que pode existir entre ser feliz ou não, em torno da metade é dada pelos genes. A outra metade nós vamos dividir entre diferentes fatias do ambiente, como a condição sócio-econômica do indivíduo, o grau de saúde dele", diz o geneticista Renato Flores.
Há 18 anos o pesquisador gaúcho Renato Flores estuda a influência dos genes no comportamento das pessoas. "Não somos tão donos do nosso futuro como imaginávamos um tempo atrás. Mas isso não significa que não possamos botar a nossa vida no rumo que nos convém. Então, aconselho que as pessoas não vão atrás da busca da felicidade, porque isso parece ser uma utopia inalcançável. O que talvez elas possam fazer é dar um sentido para a vida, fazer coisas que considerem importantes, convivam com as pessoas ou com os animais que gostem. Façam aquilo que lhes agrada e não busquem patamares que talvez não consigam ser atingidos", sugere o pesquisador.
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Felicidade faz bem à saúde
Radiante aos 13 anos. A estudante Thainá Leite dos Santos está no esplendor da adolescência. Ela mora em Porto Feliz, no interior de São Paulo.
“Olha o sorriso da Thainá nesta foto”, aponta Célia Maria dos Santos, mãe da menina. Um momento inesquecível. É como se as fotos ganhassem vida. São as melhores recordações.
"Para mim, foram momentos de muita felicidade mesmo. Cada dia é mais feliz do que o outro", comenta Thainá. Palhaçadas, passeios. Em cartas, registros do carinho que Thainá recebeu quando teve câncer, há dois anos.
"Na verdade, o momento mais difícil da família foi a descoberta da doença. Foi um fato novo na nossa vida, então, criou-se uma nuvem negra. A gente sempre pensava no pior", conta o pai de Thainá, o contador Odélio Leite dos Santos.
"Eu tinha medo de contar para as minhas amigas da escola e ver a reação delas. Tinha medo de rejeição, de contar e não ter amigas", conta Thainá.
Ela encontrou novos amigos durante o tratamento, numa semana mágica de um projeto chamado Felicidade. "Eu estava desanimada e, quando falaram que eu ia passear, não imaginei que seria um passeio tão cheio de felicidade", lembra Thainá.
A equipe do Globo Repórter embarcou na mesma aventura que marcou a vida da família de Porto Feliz. A cada semana, novas famílias e suas crianças deixam o hospital cheias de ansiedade.
"Criança que não brinca adoece. Isso é o que mais faz a criança colocar para fora seus medos, suas angústias. E isso ajuda no tratamento, porque ela vai poder se restabelecer emocionalmente, apesar de não saber muito o que está acontecendo", diz a psicóloga Cláudia Fernandes. "As crianças e as famílias chegam muito assustadas e desconfiadas. Elas vão passar uma semana de lazer, de alegria, de felicidade, sem pagar nada e perguntam: 'Será que isso é para mim mesmo?'".
Jonata chegou com a irmãzinha e com a mãe. Ele estava sério, sem esboçar um sorriso. No início, poucas palavras. Ele se soltou aos poucos.
Café da manhã e um hotel luxuoso. Com tanta novidade, o comportamento do menino, de 6 anos, começou a mudar. Nem parecia que ele acabava de sair de uma sessão de quimioterapia. A tristeza do tratamento ficou para trás. E a semana com o Projeto Felicidade estava só começando.
"O grupo vai criando uma energia positiva. Eles são muito paparicados para tentar quebrar qualquer tipo de timidez. Vemos que ao longo da semana eles vão mudando, brincam e riem mais. E os pais entram na brincadeira", conta Cláudia.
Basta dar uma olhadinha para perceber como acontece essa transformação. Não há espaço para dor e muito menos para pensamentos ruins. A felicidade, é claro, faz muito bem às crianças. Mas elas não são as únicas que saem com uma boa dose desse remédio.
"Nossos problemas ficam pequenos. É um trabalho que todo mundo deveria fazer um pouquinho. Eu acabei de casar e voltar de lua de mel e já estou na ativa", contou a voluntária Ariela Basiches.
"Sinto meu coração pulando", disse a voluntária Sônia Muszkat.
A força de uma boa ação. Com voluntários e doações de empresas, o projeto transforma vidas. Depois de uma semana de felicidade, Jonata já é outro. A cada dia, uma surpresa.
"Eu também fico muito feliz vendo o Antony assim, não tem explicação. Fica na história, a gente não pode esquecer", contou Dejanete de Oliveira Lopes, mãe do paciente.
"Essas crianças têm um sofrimento, e os pais se sentem arrasados. Uma boa palavra eleva a estima deles", ressalta Sônia Muszkat.
"Quando uma criança tem a possibilidade de morrer, inverte a lei natural da vida e isso é sempre muito difícil. Para um pai, isso é terrível. De longe posso imaginar", comenta o oncologista Vicente Odone Filho. O médico, que há 25 anos trata crianças com câncer no Hospital das Clínicas de São Paulo, vê o resultado na prática.
"Com toda certeza, felicidade faz bem à saúde. Não podemos prescrevê-la em comprimidos ou soluções, mas devemos estimulá-la sempre", diz ele. "A freqüência à escola é importante, assim como as brincadeiras. Determinadas brincadeiras muitas vezes não são possíveis, mas outras podem ser. Brincar de sombras na parede, por exemplo, é tão importante para uma criança quanto chutar bola. Pode ser que ela não possa chutar a bola, mas vai ter o pai e a mãe do lado brincando. E, no fundo, é isso que interessa".
A fórmula da felicidade
Se a formula da felicidade existe, ela provavelmente é como a de um remédio: varia de caso para caso, de acordo com a necessidade de cada pessoa. Mas um estudo do psicólogo americano Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, aponta para uma conclusão que pode ajudar a desvendar esse segredo. Segundo ele, a fórmula da felicidade está sempre ligada a três ingredientes: prazer, engajamento e significado.
Prazer é o que sentimos quando ouvimos uma piada, brincamos, comemos, abraçamos alguém. Enfim, fazemos algo de que gostamos. O engajamento é o compromisso que nós temos com a vida, a vontade de fazer bem feito – seja no trabalho, nas brincadeiras, na família. E o significado é o que dá sentido à nossa vida: criar filhos ou fazer uma boa ação, por exemplo, participar de alguma atividade que nos faça importantes para alguém ou por uma grande causa.
A chamada psicologia positiva sugere que não basta um desses ingredientes. Só a combinação dos três poderia nos levar a um porto feliz. E como a família de Thainá já descobriu, ela pode estar bem mais perto do que se imagina.
"Nós éramos felizes e não sabíamos", diz o pai da menina.
"Por isso o momento de tristeza também é importante", acrescenta a mãe.
Um aprendizado que veio junto com o tratamento e a cura de Thainá. "Para nós, o que traz felicidade é viver. Viver é o máximo!", ressalta a mãe de Thainá.
"Estar com saúde, poder respirar, olhar, ouvir os pássaros cantando de manhã naquele céu azul bem lindo quando eu acordo", acrescenta a menina.
"Isso foi o que mudou: o jeito de ver a vida", diz a mãe dela.
"A partir de agora é a manutenção dessa felicidade", conclui o pai de Thainá.
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Jardim da felicidade
Bromélias, ardísias, arbustos que crescem sob a luz de lâmpadas, sem o sol, sem estrelas. Que mundo é esse feito de pedras e máquinas gigantescas? Atenção: nas profundezas da terra, floresce um jardim. Um oásis no meio de um imenso labirinto de túneis subterrâneos.
Imagine para quem fica no local em média seis horas por dia, quase como um astronauta em outro planeta, de repente, encontrar um jardim. Um investimento pequeno em bem-estar e a prova de que felicidade dá resultado no trabalho. Uma idéia brilhante em uma mina de ouro.
"Isso muda um pouco a cabeça da gente. Ajuda porque é uma paisagem diferente", comenta o eletricista José Milton Gomes.
Garantia da qualidade do ar a 600 metros abaixo da superfície da terra. "Tem até jardim, não pode ser ruim", diz o superintendente de manutenção Milton Damião. Com apenas seis metros quadrados, nos 20 quilômetros de túneis subterrâneos, o jardim tem efeito sobre o trabalhador. "Se ele está feliz, consegue ter motivação. Então, se ele está motivado, consegue fazer um bom trabalho", conclui Milton Damião.
"De 0 a 10, dou nota 8 para minha felicidade. E quando vejo esse jardim, minha felicidade vai para nota 10", conta o operador de equipamento pesado Cláudio Coelho.
"Eu me sinto muito gratificado quando estou aqui dentro, porque estou num ambiente que eu mesmo estou construindo. E quando você constrói, faz as coisas com amor. Eu me sinto muito feliz. Não tem problema não ter sol. Quando eu sair, vejo ele", diz o chefe de produção José Cláudio de Araújo.
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Brasil, um país feliz
Uma pesquisa sobre felicidade foi coordenada por Jorge Oishi, doutor em estatística da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), em São Paulo. "Eu tenho que transformar o meio onde eu vivo num meio melhor para viver. Todos ganham", ressalta. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que o índice médio de felicidade no estado de São Paulo é de 6,4 numa escala que varia de 0 a 10.
O mesmo tipo de estudo também foi realizado em outras partes do mundo. Um dos mais completos é do pesquisador americano Ed Diener. Ele aplicou um questionário em vários países em que as pessoas deram nota para avaliar a própria felicidade.
O Brasil até que não ficou muito mal: um pouco abaixo de 8. Mas o que chamou a atenção foi que todos os países que tiveram media acima de 9 são considerados ricos.
Várias pesquisas apontam que o nível de felicidade aumenta conforme a renda média da população. Um fator importante são as desigualdades sociais.
"Quanto mais ricas as pessoas de uma sociedade mais os pobres vão se sentir infelizes porque eles se sentem prejudicados e tratados de maneira injusta", explica o economista alemão Johannes Hirata, do Instituto Britânico de Pesquisa de Mercado (Ibmec), em São Paulo.
É o que intriga o pesquisador. Ele está no Brasil para investigar a relação da economia com a felicidade em nosso país. Como é possível tanta desigualdade e ao mesmo tempo tanta festa, tanta alegria?
"Na média, o Brasil é um país feliz", diz o pesquisador. "Um brasileiro sugeriu a hipótese de que é porque os brasileiros vivem mais no presente, curtem a vida, e não se preocupam tanto com o futuro".
"O país é feliz e isso me traz felicidade. Estou nos Estados Unidos há 28 anos. Lá eu sou triste e aqui sou feliz", conta uma brasileira.
De onde vem essa felicidade?
"Ela está em mim, está em você, está em todos. É só a gente querer ser feliz. A vida em si já é uma felicidade", diz um comerciante.
"Estar em paz comigo mesma é o que me faz mais feliz", conta uma jovem.
"A fórmula da felicidade? Acho que é muito amor", avalia uma florista.
"Vamos mostrar o que nós somos e perder o medo de dizer que somos felizes", sugere Jorge Oishi.
As estatísticas já mostraram que somos. E agora, a pesquisa inédita feita pela Ufscar vai ser anual. É a tradução em números do bom jeitinho brasileiro de ver a vida.
"Nós não vamos esconder a desgraça, mas não vamos esconder a felicidade, porque a felicidade contamina. Quando eu vejo alguém feliz, lá por dentro me sinto bem. Então, embora a desgraça exista, temos que trabalhar também a felicidade. É uma conquista pela qual temos que batalhar", conclui Jorge Oishi.
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Felicidade: palavra de ordem
Felicidade está no ar, está na gente. Durante a investigação feita pela equipe do Globo Repórter foram tantos registros, tantas formas de felicidade... Ela existe. E existe até uma fórmula descoberta por cientistas. Os mesmos que fazem inúmeras e intermináveis pesquisas para encontrar mundo afora o que existe dentro de cada um de nós.
"Para mim, a principal causa da felicidade é ter a consciência tranqüila. A consciência muito tranqüila de que eu estou fazendo aquilo que preciso da melhor forma possível. Eu recebi uma educação de berço dos meus pais que dizia o seguinte: 'Se você for fazer alguma coisa, seja para quem for, faça o melhor que você puder. Se você tiver duas frutas para dar para uma pessoa, dê a melhor'. Ou seja: busque sempre transformar o seu meio no meio melhor para você viver. Então, para mim, a receita da felicidade está aí", revela o doutor em estatística Jorge Oishi.
Fruto da educação que recebemos? Da vida que levamos? Busca incessante, desde que nascemos. "Nós podemos fazer com que nossos filhos sejam mais felizes estimulando-os adequadamente, procurando transmitir-lhes carinho, situações positivas. Procurando que eles estejam em ambientes com pouca agressividade e com pouca tristeza de forma geral. É difícil hoje em dia, mas a gente tem que se esforçar", sugere o neurocirurgião Paulo Porto de Melo.
Um projeto de vida. Com ou sem uma bela casa, com ou sem uma família, com ou sem saúde, é possível ser feliz?
"É possível ser feliz em qualquer circunstância, basta que a gente olhe as coisas com esperança, com confiança e compartilhe os momentos bons que a vida oferece", afirma o oncologista Vicente Odone Filho.
"Acho que felicidade é um estado muito transitório, mas quando você lembra de coisas boas que viveu, pode resgatar essa energia para continuar a vida. Acho que é isso que nos move", conclui a psicóloga Cláudia Fernandes.
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TESTE DA FELICIDADE
Qual é o seu grau de felicidade neste momento?
Fonte: FELICIDADE
Autor: Dr. David Lykken
Editora Objetiva
Você poderá obter uma estimativa de seu atual nível de bem-estar subjetivo respondendo (com honestidade) aos 18 itens a seguir. Este teste se baseia na Escala de Bem-Estar que faz parte do Questionário de Personalidade Multidimensional de Tellegen (QPM).
Abaixo de cada item encontra-se a seguinte escala: V, v, f e F. O significado das quatro respostas possíveis é o seguinte:
V = totalmente verdadeira
v = provavelmente verdadeira
f = provavelmente falsa
F = totalmente falsa
Assim, se a afirmação for totalmente verdadeira para você, marque V. Se a afirmação é provavelmente verdadeira para você (ou mais verdadeira do que falsa), marque v.
1 – Eu sou naturalmente alegre.
V
v
f
F
2 – Meu futuro me parece bastante promissor.
V
v
f
F
3 – Para mim é fácil entusiasmar-me com as coisas que faço.
V
v
f
F
4 – Freqüentemente, sinto-me feliz e satisfeito sem uma razão específica.
V
v
f
F
5 – Tenho uma vida muito interessante.
V
v
f
F
6 – Todos os dias faço coisas divertidas.
V
v
f
F
7 – Sou uma pessoa basicamente feliz.
V
v
f
F
8 – Geralmente encontro formas de animar a minha vida.
V
v
f
F
9 – Tenho uma série de passatempos bastante divertidos.
V
v
f
F
10 – Raramente sinto-me de fato feliz.
V
v
f
F
11 – Na maioria das vezes, pela manhã, o dia que está começando me parece promissor.
V
v
f
F
12 – Quase todos os dias tenho momentos de verdadeira alegria ou contentamento.
V
v
f
F
13 – Em geral, eu me sinto relativamente feliz sem qualquer motivo especial.
V
v
f
F
14 – Todos os dias me acontecem coisas interessantes e empolgantes.
V
v
f
F
15 – Em geral, encontro algo interessante para fazer nos meus momentos de lazer.
V
v
f
F
16 – Geralmente, sou despreocupado.
V
v
f
F
17 – Para mim, a vida é uma grande aventura.
V
v
f
F
18 – Não sou convencido, mas gosto muito de mim mesmo.
V
v
f
F
Para encontrar seu resultado total de bem-estar, atribua:
V = 3 pontos
v = 2 pontos
f = 1 ponto
F = 0 ponto
A soma dá um valor "aproximado" ao que foi aplicado pelos pesquisadores. Se o seu resultado na Escala de Bem-Estar foi de 47 pontos ou mais, seu nível atual de felicidade é superior ao de 90% dos homens e 88% das mulheres. Um resultado de 37 pontos coloca-o numa posição intermediária: metade de ambos os sexos obtiveram 37 pontos ou menos. Se o seu resultado for inferior a 26 pontos, você está com um nível de felicidade abaixo da média da maioria das pessoas. Assim, temos:
47 pontos ou mais = muito feliz
37 a 46 = feliz
27 a 36 = nem feliz, nem infeliz
menos de 26 pontos = infeliz
TABELA DE PONTUAÇÃO
Resultado percentual entre homens:
47 pontos: 90%
43 pontos: 80%
41 pontos: 73%
39 pontos: 63%
37 pontos: 50%
35 pontos: 39%
33 pontos: 30%
31 pontos: 21%
26 pontos: 10%
Resultado percentual entre mulheres:
47 pontos: 88%
43 pontos: 77%
41 pontos: 68%
39 pontos: 61%
37 pontos: 50%
35 pontos: 39%
33 pontos: 30%
31 pontos: 22%
26 pontos: 10%
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Making of
Onde está a felicidade? Alguém sabe, alguém viu?
Fotos
Por Ismar Madeira
No país que trava uma luta contra a corrupção, a pobreza, o desemprego, enfrenta a seca na maior floresta tropical do mundo, combate a febre aftosa e tantos outros problemas, quem é feliz? E como consegue essa proeza?
Essa foi a busca que motivou nossa equipe. Nessa investigação, encontramos pesquisadores do mundo inteiro: psicólogos, estatísticos, médicos, biólogos, economistas. Todos empenhados em desvendar os segredos de um dos maiores desejos da Humanidade, um estado de espírito que nos faz ficar de bem com a vida, apesar de todos os problemas à nossa volta. Pois conseguimos! E selecionamos algumas das mais surpreendentes descobertas, que podem nos ajudar a viver melhor.
Encontramos a felicidade nas ruas da maior cidade do Brasil, nos mercados e até em hospitais! Sim, a felicidade é um santo remédio, faz bem à saúde e à alma de quem recebe e de quem faz uma boa ação. Acompanhamos, em São Paulo, um projeto chamado Felicidade, que atende crianças com câncer. Conhecemos Tainá e sua família feliz. A menina, de 13 anos, superou um câncer raríssimo entre o pulmão e o coração. Uma batalha vencida com carinho, amor, esperança e uma grande lição: a de que viver é o maior motivo de felicidade, basta aproveitar cada momento com as pessoas que amamos, fazendo o que nos dá prazer.
Viajamos pelo corpo humano e seus mistérios para entender de que forma o cérebro comanda reações como um sorriso de alegria e contentamento, que tanto nos fazem bem. Descobrimos as substâncias mensageiras da felicidade e como elas agem em nosso organismo. E foi nessa viagem que encontramos dona Margarida. A aposentada, vítima de um acidente de carro, quase perdeu para sempre uma das principais ferramentas da felicidade: a memória. Como isso aconteceu e como ela venceu essa batalha? Por que a memória é tão importante? Uma história que confirma as pesquisas de geneticistas: já nascemos com a tendência para sermos mais ou menos felizes. A felicidade, em parte, é genética. E dona Margarida tem esses genes.
Durante dois meses, acompanhamos a ascensorista de Belo Horizonte, o empresário de São Paulo, a defensora pública e o juiz de Niterói. Brasileiros felizes que nos abriram suas vidas, seus corações e seus mundos tão diferentes. Desbravamos uma mina de ouro em Sabará, Minas Gerais, para conhecer um jardim que floresce a 600 metros abaixo da superfície da terra. É a confirmação de que é possível mudar o ambiente em que trabalhamos ou vivemos e, com isso, levar a felicidade até os locais mais improváveis.
Enfim, colhemos inúmeras fórmulas de felicidade, populares e científicas. Uma delas, criada por um pesquisador americano, aponta quais são os ingredientes de uma receita que está ao alcance de qualquer um de nós. Dinheiro? Família? Casa própria? O que é mais importante?
Além das conclusões dos especialistas, registramos a emoção de quem encontrou a felicidade. Acreditem: ela existe e pode estar bem mais perto do que você imagina. Um segredo que nós descobrimos e tivemos o prazer de dividir com o Brasil.
Nossos melhores desejos de FELICIDADES!
(*)Equipe
Ismar Madeira – repórter
Saulo Luiz – cinegrafista
Francesca Terranova – produtora
Jairo Ferreira – técnico
Rodnei EugêNio de Souza – técnico
Meg Cunha – diretora
Gisele Machado – editora de imagens
http://globoreporter.globo.com/Globoreporter/0,19125,TOK0-2706-7002-4-0,00.html