João Carlos Holland de Barcellos
(Jul/2003 revisão: Outubro/2005)
Este
texto pretende analisar de uma forma mais profunda e detalhada a Fórmula da
Felicidade (FF) e a sua relação com o aparato neurológico responsável
pelas sensações. Abordaremos também, por meio de um exemplo, o aspecto prático
de sua implementação ou seja, vamos mostrar, e tentar solucionar, alguns dos
problemas de como poderíamos implementa-la de forma prática. Comecemos então
com a definição da Felicidade que pode ser expressa através da seguinte
fórmula:
Felicidade = Integral { Sentimento(t) } dt
A
fórmula acima informa que a felicidade, tanto para um ser senciente como para
um conjunto deles, é a integral do sentimento pelo tempo. Em outras palavras:
Felicidade é a soma de tudo que é sentido ( sensações, emoções, sentimentos,
prazeres, dores) ponderado pela sua duração no tempo. Assim, a felicidade de
um grupo de seres é dada pela soma da felicidade de cada um deles. Nesta
definição, a felicidade de um prazer (ou dor) sentida, por exemplo, dois
segundos será exatamente o dobro da felicidade sentida com o mesmo prazer (ou
dor) do que aquela que durou a metade do tempo. A unidade da medida da
felicidade é dada em “jx” (jocax) que são unidades do produto “sentimento x
tempo”.
É
bom esclarecer que a felicidade não é um número, assim como a energia ou
força ou velocidade não são números. Mas, assim como estas entidades físicas,
como veremos a seguir, a felicidade também pode ser quantificada por meio de
números. A felicidade é a soma do que é sentido ponderado por sua duração no
tempo.
Consideremos
uma pessoa qualquer. Se calcularmos a felicidade deste indivíduo desde a sua
concepção até o momento atual (ou até sua morte), então a FF fornecerá a sua
felicidade total. Entretanto, pode ser conveniente computarmos a felicidade
entre dois intervalos de tempo t1 e t2 quaisquer e poderemos ter a felicidade
sentida neste intervalo.
Toda
integral é definida a menos de uma constante arbitrária. A
Meta-Ética-Científica (MEC) adota como ZERO a felicidade de objetos ou seres
que não sentem, isso implica que a constante da FF também deve ser zero. Um
organismo, por exemplo, que sofre mais que do que tem prazer, num dado
intervalo de tempo ou mesmo durante toda a sua vida, teria uma felicidade
negativa. Outro ser, cujas somas dos prazeres forem superiores às somas de seus
sofrimentos, teria uma felicidade positiva.
A
função Sentimento(t), dentro da integral da FF, acima, fornece a medida instantânea
(no instante 't') de tudo que o organismo esteja sentindo naquele momento. E,
como veremos, não é um cálculo trivial.
Para
seres orgânicos, com cérebro e sistema nervoso, os sentimentos as sensações e
emoções (para simplificar aglutinarei todos com a palavra 'sentimentos' ) podem
ser avaliados – numericamente - através de medidas no nível de excitação
neuronal em áreas cerebrais específicas ou então pelo fluxo de sangue/oxigênio
que estas áreas estariam recebendo ( veja, por exemplo, em 'O Mapa dos sentimentos' ).
A
primeira coisa que devemos notar, neste tópico avançado, é que a função
sentimento(t) não é uma função escalar trivial ela, na verdade, deve ser a
“normalização” do VETOR SENTIMENTO que denotarei por VSENT(t).
Para
melhor compreensão, vamos a um exemplo ilustrativo.
Consideremos,
para simplificar, que possuamos apenas cinco sentimentos: [S1, S2, S3, S4, S5]
S1, S2,
S3, S4, S5, poderiam ser quaisquer tipos de sensações, emoções ou sentimentos
como, por exemplo:
S1=
”Raiva”
S2
= ”Fome”
S3=
”Saciar a Fome”
S4=
”Sono”
S5=
”Culpa”
Chamamos
este conjunto ordenado "[ Raiva, Fome, Saciar Fome, Sono, Culpa]" ou
simplesmente “[ S1, S2, S3, S4, S5]” de vetor. No nosso caso,
por se tratar de um conjunto de sensações/sentimentos, este vetor será
denominado de "VSENT".
Nos
seres humanos, provavelmente, o vetor de sentimentos *real* deve ser formado
por centenas, talvez milhares, de tipos de sensações e sentimentos distintos.
Cada uma destas sensações ou sentimentos deve estar localizado em áreas
distintas do cérebro, ou ao menos, em conjuntos distintos dentro dele.
Por
exemplo: a Raiva poderia ser produzida – e medida – pela estimulação das
regiões R1 e R5 do cérebro; e a sensação de Fome através das regiões R1, R7 e
R8. Embora, neste exemplo fictício, a raiva e a fome compartilhem uma região em
comum (R1) elas produzem sensações diferentes por estarem associadas a
conjuntos de neurônios distintos.
O
valor numérico de cada item de VSENT (vetor de sentimentos) poderá ser tomado
como medidas do grau de excitação neuronal médio ou então pelo nível de consumo
de oxigênio ou o fluxo sangüíneo das áreas cerebrais correspondentes.
Nosso
objetivo agora é transformar o vetor "VSENT" (que possui vários valores
em seu interior) para um único número. A função "Sentimento", na FF,
faz este trabalho: Transforma VSENT em um número. Esse procedimento é chamado
de “Normalização”. Sem o processo de normalização ficaria muito difícil
compararmos a felicidade em diferentes situações. Como poderíamos comparar
medidas de sentimentos distintos que atuam em diferentes regiões cerebrais? Por
exemplo: Qual das hipóteses traria mais felicidade: Uma pessoa degustando um
sorvete ou recebendo um elogio? Uma pessoa sentindo fome ou sendo flagrada num
ato moralmente condenável?
Fazer
comparações de sentimentos distintos pode parecer inconcebível, mas, por mais
incrível que possa parecer é o que nosso cérebro faz a todo instante cujo
resultado nada mais é do que nossas próprias ESCOLHAS. A cada segundo nosso
cérebro recebe centenas de estímulos diferentes e precisa reagir e tomar uma
decisão. Decidir significa avaliar cada destas sensações e sentimentos e
compara-los entre si. Por exemplo: Ir à praia ou estudar? Comer o doce e sentir-se
culpado ou não come-lo? Para comparar sentimentos o cérebro deve levá-los a um
“denominador comum”. Mas como ele faz isso? E em que bases?
Antes
de adentrarmos na solução deste problema cabeludo, vamos atribuir valores
fictícios ao nosso hipotético VSENT através de um exemplo simples.
Queremos,
por exemplo, analisar a felicidade envolvida de praticar, ou não, um Ato “X”
qualquer, como “comprar e comer um doce”, comparando a felicidade em dois
casos:
1-Permanecer
em casa vendo TV ou
2-Sair
de casa comprar um doce e comê-lo.
Assim,
caso ficássemos em casa, e não comprássemos o doce, teríamos, hipoteticamente,
para VSENT:
VSENT(“Ficar
em casa”) = [Raiva=”0” , Fome=”9” , Saciar Fome=”0” , Sono=”2”, Culpa=” 0” ]
E,
se saíssemos para comprar e comer o doce, hipoteticamente teríamos:
VSENT(“Sair
e comprar o doce”) = [Raiva=2, Fome= “1”, Saciar Fome= “5”, Sono= “1”, Culpa=”1.3” ]
Poderíamos
explicar esta diferença da seguinte maneira :
|
Excitação Neuronal ou Fluxo Sangüíneo
|
|
Sentimentos
|
Ficar em Casa
|
Comprar
|
Comentários
|
Raiva
|
0
|
2
|
Ao
sair sujei o sapato num cocô de cachorro
|
Fome
|
9
|
1
|
A
fome diminuiu pela ingestão do açúcar
|
Saciar
Fome
|
0
|
5
|
Há
prazer ao saciar a fome
|
Sono
|
2
|
1
|
O
sono diminuiu pelo fato de ter caminhado
|
Culpa
|
0
|
1.3
|
Queria
emagrecer e o doce me fez engordar
|
Para
simplificar, vamos considerar que os valores de VSENT, acima, são valores
médios, tomados ao longo de um mesmo período de tempo.
Supondo
estes valores, como poderíamos avaliar a felicidade nos dois casos?
A felicidade,
para poder ser comparada, deve ser transformada em um único número real. Desta
maneira precisaremos normalizar o Vetor de sentimentos VSENT, isto é
transformar o vetor em um único número. A Normalização de VSENT deverá ser
considerada a parte mais polêmica deste processo de quantificar a felicidade.
Como
poderemos, por exemplo, comparar SONO com RAIVA? Ou FOME com CULPA? Ou
comparar outros sentimentos quaisquer?
Na
verdade, nosso cérebro, de certa forma, já faz esta avaliação sempre que fazemos
uma ESCOLHA. Quando fazemos uma opção sabemos que ela irá afetar muitos
aspectos de nossa felicidade. De fato, uma das principais tarefas de nosso
cérebro é avaliar conscientemente as muitas opções que temos antes de
decidirmos. E, via de regra, nossa escolha é o resultado dessa avaliação que
teria como objetivo nos trazer a maior felicidade dentre todas as opções
avaliadas.
Para
resolver este problema, de comparar sentimentos distintos, deveremos lançar mão
da teoria evolutiva. A teoria evolutiva darwiniana moderna, o neodarwinismo,
apregoa que os seres vivos foram selecionados favorecendo aqueles que mais
conseguiram perpetuar seus genes, isto é, os que possuíam maior “fitness”.
Assim,
como o cérebro evoluiu por seleção natural, devemos esperar que maioria das
escolhas que o cérebro esta programado para fazer, em geral a nível
inconsciente é, a princípio, aquela que maximizaria o PODER PERPETUATIVO de
nossos genes.
Entretanto
atualmente (e infelizmente?) , nem sempre isso é assim. Embora muitos dos
valores que adquirimos ao longo de nossas vidas não conflitem com nosso
imperativo gene-perpetuativo, nem sempre baseamos nossas decisões pensando
neste fato. Alguns de nossos valores culturais poderão não estar em sintonia
com nossa biologia. Estas des-sincronizações “gene-meme” devem ser raras, ou,
ao menos evolutivamente, muito recente. Caso contrário os genes não teriam
“permitido” ao cérebro tanta rebeldia e já os teriam selecionado para
regredirem a um nível mais animalesco e com menos liberdade de atuação.
Devemos
ter em mente que os sentimentos, emoções e sensações que possuímos não estão em
nossos cérebros por acaso. Cada um deles existe porque tem uma função
específica. Cada sentimento é um algoritmo mental que induz uma reação do
fenótipo aos estímulos ambientais incluindo os do seu meio ambiente social.
Assim, cada sentimento representa uma função que faz a primeira interpretação
entre o ambiente e fenótipo com o intuito de conferir maior adaptabilidade ao
organismo, ou seja, confere-lhe um maior potencial gene-perpetuativo.
Quando
o organismo está submetido a diferentes tipos de sentimentos o cérebro tem, de
alguma forma, que avaliá-los, e decidir a próxima ação. Por isso o cérebro deve
necessariamente avaliar e comparar diferentes tipos de sentimentos que nada
mais são do que resultados parciais pré-processados na nossa rede neuronal dos
inputs sensoriais provenientes do ambiente ou então de uma simulação que
fazemos dele em nossas mentes.
Para
que possamos comparar diferentes tipos de sentimentos, portanto, temos que
entender o que o cérebro faz: Teríamos que levá-los a um certo “Denominador
Comum”, isto é, associar a cada um deles um valor que deve representar sua
força, um determinado grau na escala de gene-perpetuatividade do organismo no
tempo e no ambiente em que ele se encontra, isto é, transformar seu valor bruto
de excitação neuronal (ou taxa de consumo de oxigênio ou fluxo sangüineo )
instantâneo em um valor gene-perpetuativo (Valor-Gen+).
Quanto
mais próximo do real for nosso modelo de normalização, mais fidedigno deveria
ser o resultado final da escolha que o cérebro, de fato, iria fazer e mais precisa
nossa forma de comparar felicidade.
O
leitor ainda pode perguntar: “Se quisermos chegar aos resultados que o cérebro
chega, porque não perguntamos diretamente a ele?” Ou seja, se quisermos saber
qual a escolha que uma pessoa fará, não seria mais fácil perguntar a ela?
A
resposta é: Às vezes sim, mas nem sempre isso é possível. Além disso, se o
modelo fornecer uma razoável predição da felicidade, poder-se-ia traçar
políticas públicas baseadas numa estimativa de média da felicidade da
população; Os juizes poderiam fazer estimativas quantitativas do cálculo de
prejuízo moral que o réu imputou à sua vítima; E, pensando mais além, poderíamos,
nós mesmos, utilizarmos de cálculos racionais elaborados, estimarmos nossa
própria felicidade escolhendo uma ou outra opção de vida. Devemos perceber que
nem sempre os cérebros conseguem, sem uma ferramenta analítica, prever a
felicidade a longo prazo, isto é, nem sempre escolhemos as opções que de fato
nos levam à máxima felicidade. Podemos provar isso mostrando os dependentes de
drogas ou de álcool, por exemplo.
Devemos
sempre ter em mente que mesmo que nossos valores culturas pessoais sejam desconhecidos
eles deverão ativar circuitos neuronais comuns a todos os humanos e é a análise
da ativação neuronal destes circuitos que entrará no computo da felicidade e
não os valores morais que o deflagraram. Vamos a um outro exemplo para entender
melhor isso:
Um
indivíduo tem uma religião que prega que ao passar por uma igreja ele deve
fazer o sinal da cruz. Outro indivíduo tem outra filosofia em que isso não é
necessário mas que no entanto ele deve rezar todos os dias ao por do Sol.
Desta forma ambos os indivíduos poderão padecer do mesmo sentimento de
culpa ou medo ou remorso caso não consigam cumprir seu ritual religioso por
algum motivo. Embora tenham valores culturais diferentes, as mesmas áreas
cerebrais serão afetadas mas cada um por um motivo cultural diferente. O
cálculo da felicidade não utiliza os valores culturais para fazer suas medidas,
e sim das medidas que acontecem a nível cerebral.
Voltemos
agora ao nosso exemplo prático:
Nós
temos as medidas neuronais das áreas associadas a cada sentimento e precisamos
levá-los a um denominador comum que eu chamei de “Valor Gene-Perpetuativo” ou
“Valor-Gen+” ou, para simplificar, “VG”.
Mas
o “VG” depende não apenas do grau de excitação da área atingida mas da
importância – peso - que esta área tem na gene-perpetualidade ou fitness do
organismo. Por exemplo, a fome pode ter um peso muito maior na felicidade do
que o conforto. A maneira que o cérebro pondera estes sentimentos pode estar
associada ao volume da área associada ao sentimento ou então a um algoritmo
neural (genético) que faz a associação do peso ao sentimento para calcular o
VG. Vamos chamar a função de peso de “Peso_Gen”.
Assim,
podemos escrever :
VG(
Sensação ) = Valor_medido( Sensação) * Peso_Gen[ Sensação ]
Onde
VG = Valor Gene-perpetuativo
Valor_Medido = Grau de excitação neuronal ou de fluxo sanguíneo nas regiões da
sensação
Peso_Gen = Grau de importância gene-perpetuativa associado a cada a sensação.
Podemos
perceber que para cada sensação existe um peso, em princípio, diferente. Esta
função de peso pode depender da área do sentimento, ou de uma codificação
genética e talvez até sofrer influência de valores ambientais.
Vamos
supor que nossa função Peso_Gen seja estática, isto é, que possa ser
representada por um vetor de valores e que não sofra influência ambiental em
suma, que esteja codificada pelos genes num algoritmo neuronal ou dependa
apenas do volume relativo das áreas responsáveis pela sensação. Devemos ainda
atribuir um sinal negativo ao valor quando a sensação representa uma
desvantagem ao organismo ( Sofrimento por exemplo ) e positivo quando
representa uma vantagem gene-perpetuativa ( Prazer por exemplo). Assim poderemos
representa-lo por uma tabela:
Sentimentos
|
Peso_Gen
|
Raiva
|
-0,1
|
Fome
|
-0,4
|
Saciar
Fome
|
0,2
|
Sono
|
-0,1
|
Culpa
|
-0,2
|
Tabela
Peso_Gen (dados fictícios)
Valores
negativos no vetor Peso_Gen representam uma sofrimento ou dor ( uma diminuição
no poder gene perpetuativo ). O organismo deve agir para eliminar este sinal.
Valores
positivos representam prazer (um aumento no poder gene-perpetuativo). O
organismo deve agir no sentido de aumentar este sinal.
Agora
podemos calcular o VG de cada sentimento do nosso exemplo:
Sentimentos
|
Ficar em Casa
|
Sair para Comprar
|
|
Fluxo
|
VG
|
Fluxo
|
VG
|
Raiva
|
0
|
0,0
|
2
|
-0,2
|
Fome
|
9
|
-3,6
|
1
|
-0,4
|
Saciar
Fome
|
0
|
0
|
5
|
1,0
|
Sono
|
2
|
-0,2
|
1
|
-0,1
|
Culpa
|
0
|
0,0
|
1.3
|
-2,6
|
Lembrando
que VG(Sentimento) = Fluxo(Sentimento)* Peso_Gen(Sentimento)
Podemos
agora que os sentimentos estão normalizados como valores gene-perpetuativos
poderemos somá-los e teremos o valor do sentimento total em cada caso:
Sentimento
Total ( Ficar em Casa ) = 0,0 - 3,6 + 0,0 - 0,2 + 0,0 = -3,8
Sentimento
Total ( Sair para Comprar ) = -0,2 - 0,4 + 1,0 - 0,1 – 2,6 = -2,3
Como
supusermos que o tempo é o mesmo para os dois casos, a felicidade vai ser maior
(menos negativa) no segundo caso ( -2,3 > -3,8 ) , e, portanto, deveríamos
sair para comprar o doce.
Neste exemplo eu utilizei dados fictícios para exemplificar como se poderia calcular, de forma objetiva e racional, o valor da felicidade em duas situações hipotéticas. Para simplificar eu escolhi apenas um pequeno número de sentimentos possíveis e não levei em consideração, como de fato deveria ser feito, a felicidade de outras pessoas envolvidas como, por exemplo, a do comerciante que me venderia o doce. Entretanto este exemplo serviu para termos uma idéia de como estes conceitos podem ser utilizados, não apenas para definirmos uma nova moral ou uma nova ética objetiva mas também para um mundo mais justo.