A nova ciência da felicidade
David Cohen e Aida Veiga
colaboraram Renata Leal e Tânia Nogueira


Revista Época ESPECIAL

A nova ciência da felicidade

Os psicólogos sempre se preocuparam com a doença. Agora voltam sua atenção para uma questão mais desafiadora: o que nos torna felizes?

David Cohen e Aida Veiga
colaboraram Renata Leal e Tânia Nogueira

 

Há 2.400 anos, um sujeito chamado Sócrates, que perambulava pelas ruas de Atenas, na Grécia, iniciou um debate que dura até hoje: o que é felicidade? Como atingi-la? Até então, as pessoas acreditavam que dependiam basicamente dos desígnios dos deuses - como explica o professor de História da Universidade da Flórida Darrin McMahon, autor do recém-lançado livro Happiness: a History (Felicidade: uma História). A própria origem da palavra denota isso. Happiness vem do anglo-saxão happ, acaso. Felicitas, o termo latino que dá origem a felicidade, significa também ventura, sorte, algo que lhe acontece.

O grande avanço de Sócrates foi tornar a busca da felicidade uma tarefa de responsabilidade do ser humano, e não do acaso. Nos dois milênios que se seguiram, a questão foi abordada por inúmeros pensadores, de Aristóteles aos grandes filósofos cristãos, e a noção de felicidade oscilou entre várias tentativas de conciliar a conduta individual e a ordem divina. 'Tudo mudou com o Iluminismo', afirma McMahon. 'No século XVIII, felicidade passou a ser algo a que todos temos direito como seres humanos.' Um dos conceitos básicos da Revolução Francesa, marco da moderna sociedade ocidental, é que o objetivo da sociedade deveria ser a felicidade geral. Na Constituição americana, já na segunda linha está escrito que todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade. No Brasil, um exemplo da força desse apelo foi o mote da campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, Sem Medo de Ser Feliz.

Nos últimos dois séculos, portanto, felicidade tem sido um dos principais parâmetros para conferir sentido à vida humana. E, agora, todo o nosso conhecimento sobre o assunto vem sendo virado do avesso.

Não é o sucesso que nos torna felizes. É a felicidade que traz sucesso

Novas pesquisas mostram que não são as nossas conquistas, o nosso esforço, as nossas realizações que nos tornam felizes. É o oposto. É a felicidade que, em grande parte, determina nossas conquistas. 'Fiz uma revisão dos 225 estudos mais importantes sobre felicidade sob várias perspectivas, tanto em laboratório como em entrevistas', diz a psicóloga Sonja Lyubomirsky, da Universidade da Califórnia, que está escrevendo um livro sobre o assunto. 'Cheguei à conclusão de que, ao contrário do que muitos imaginam, é a felicidade que leva ao sucesso - e sucesso tanto no trabalho quanto na vida pessoal, na escola, em tudo', afirma.

'Pessoas felizes têm mais capacidade de perseguir seus objetivos e adquirir os meios de conquistá-los', diz Sonja. 'Elas também costumam ser mais confiantes, otimistas, energéticas e sociáveis, e estão mais preparadas para enfrentar situações difíceis.' Além disso, pessoas felizes tendem a ter relacionamentos mais longos, casamentos melhores, ser mais saudáveis e viver mais.

O sucesso no trabalho decorre principalmente de seus laços sociais, segundo Sonja. 'Pessoas felizes são mais queridas, recebem mais tarefas, são mais bem avaliadas', diz. Elas também trabalham com mais energia e são mais criativas. 'No mundo competitivo em que vivemos, a agressividade é muitas vezes uma característica importante. Mas felicidade conta mais.'

Os estudos que dão base a essas conclusões são dos mais diversos tipos. Num deles, milhares de estudantes foram entrevistados na década de 70 e, depois, nos anos 90. Aqueles que se consideravam mais felizes nos anos 70 continuavam sendo mais felizes 20 anos depois - e ganhavam, em média, US$ 15 mil por ano a mais que os outros.

Num segundo estudo, borrifou-se um spray com vírus de gripe em centenas de voluntários. O número de pessoas que ficaram resfriadas no grupo das mais felizes era a metade do das pessoas menos felizes. Ou seja, seu sistema imunológico era melhor. Outro estudo acompanhou um grupo de freiras desde que tinham 22 anos. As mais felizes viveram, em média, dez anos a mais.

A psicóloga Laura Kubzansky, da escola de saúde pública de Harvard, acompanhou os dados de 1.300 homens durante dez anos. Aqueles que se consideravam otimistas tiveram a metade dos índices de doenças do coração. 'É um efeito muito maior do que esperávamos encontrar', disse, numa entrevista à revista Time. 'Tão grande quanto a diferença entre fumantes e não-fumantes.'

EVOLUÇÃO
A alegria de torcer é uma característica herdada de nossos ancestrais

O psicólogo Edward Diener, da Universidade de Illinois, um pesquisador do assunto tão prolífico que foi apelidado de Doutor Felicidade, resume as benesses em sete pontos:

1. Pessoas felizes têm sistema imunológico melhor, e há alguma evidência de que vivem mais;

2. Elas são mais criativas, pelo menos em laboratório;

3. Ajudam mais os outros e faltam menos ao trabalho;

4. São mais bem-sucedidas (ganham mais, têm casamentos melhores);

5. Têm relações sociais mais profundas;

6. Lidam melhor com situações difíceis;

7. Gostam mais de si mesmas e dos outros, e os outros gostam
mais delas.

O único ponto negativo é que as pessoas felizes são em geral piores na tomada de decisões: tendem a se guiar mais por estereótipos e ser menos lógicas. Mesmo isso, no entanto, Diener põe em dúvida. 'O exame minucioso de todas as coisas, feito pelas pessoas infelizes, tem um custo substancial no longo prazo', escreveu Diener em seu site (www.psych.uiuc.edu/~ediener). 'Esses indivíduos podem gastar tempo demais em problemas triviais, e portanto não agir com eficiência.'

A euforia de ganhar na loteria não dura mais que alguns meses

Certo, então os cientistas concluíram que é ótimo ser feliz. Como se ninguém desconfiasse. E o que eles têm a dizer sobre como chegar lá? Algumas coisas muito interessantes. Para começar, vários estudos comprovam dados da sabedoria popular: ter amigos, por exemplo, faz uma tremenda diferença para o bem-estar de uma pessoa. Segundo o psicólogo Jonathan Haidt, autor do livro The Happiness Hypothesis (A Hipótese da Felicidade), precisamos fazer parte de um grupo, algo que a vida moderna tem tornado difícil (leia a entrevista à página 96). Saúde, como era de esperar, também importa muito. Quando seu time ganha, há uma explosão de felicidade (segundo o psicólogo Robert Cialdini, uma sensação similar à que nossos ancestrais sentiam quando derrotavam inimigos em uma batalha). Conquistar coisas, por outro lado, dá mais prazer se você tem de se esforçar por elas (estão certas, aparentemente, as moças que se fazem de difíceis para ser mais valorizadas).

Mas o senso comum também costuma se equivocar. É freqüente, por exemplo, a crença de que a beleza ajuda a ser feliz. 'Diante de uma mulher muito bonita, a tendência é pensar que o universo conspirou para que ela fosse feliz', diz o psicanalista Jorge Forbes, presidente do Instituto de Análise Lacaniana e autor do livro Você Quer o Que Deseja?. 'Mas poucos sabem como é difícil suportar uma qualidade que é tão evidente para todos. Vejo muitas mulheres que fazem análise justamente porque são muito bonitas e têm dificuldade de lidar com isso.'

Outra crença comum é que ganhar na loteria resolve a vida de qualquer um. Mas uma pesquisa dos psicólogos Philip Brickman e Donald Campbell, amplamente replicada, demonstrou que a felicidade obtida com o bilhete premiado não dura mais que alguns meses. Alguém em posição para entender isso é Valmir Amorim, que ganhou na Sena, em 1988, o equivalente a R$ 12 milhões em dinheiro de hoje.

ADAPTAÇÃO

Com 14 anos, Júlio Teruyu levou um tiro e teve a perna amputada. Hoje, diz ser mais feliz que antes, porque 'dá valor ao que realmente importa'

'Eu tinha 23 anos, era solteiro e trabalhava como pedreiro na reforma da penitenciária do Estado', diz Amorim. Ele comprou uma fazenda e gado e foi morar com a família no interior de São Paulo. 'No começo, era infeliz porque não me deixavam em paz. Todo mundo pedia ajuda. Tive até de contratar segurança.' Amorim diz que, com o tempo, voltou a seu nível de satisfação anterior. Afirma que, recentemente, começou a 'sentir um vazio'. 'Como tinha as noites livres e os três filhos crescidos, decidi voltar a estudar. Quero cursar a faculdade de Veterinária. É um sonho que me anima. Vou ficar felicíssimo no dia em que me formar veterinário.'

O mesmo ocorre para o lado negativo. Estudos com paraplégicos mostram que, no intervalo de poucos meses, eles relatam ter voltado a um nível de satisfação com a vida próximo ao que tinham antes de sofrer o acidente. O estudante paulista Júlio Teruyu, vítima de uma bala perdida que causou a amputação de uma de suas pernas há seis anos, quando tinha 14, concorda com a tese. 'Fiquei revoltado, xingava todo mundo, entrei em depressão quando tudo aconteceu', afirma. 'Melhorei quando comecei a fazer fisioterapia e vi outros tipos de deficiência piores que a minha. Hoje, trabalho como analista de apólices e faço faculdade. Gosto muito de dançar e, como uso prótese, faço o que quero. Tenho um grupo de dança e já participei até de concurso.'

Teruyu diz que se tornou uma pessoa mais feliz. 'Antes do acidente, eu era feliz, mas só dava importância para os bens materiais. Hoje, dou valor ao que realmente merece.'

#Q:A nova ciência da felicidade - continuação:#
Brickman e Campbell cunharam a expressão 'esteira hedonista' para explicar a situação. Segundo eles, as pessoas se adaptam aos prazeres, mais ou menos como você se acostuma à água fria de um rio e, depois de alguns minutos, o que conta não é a temperatura em si, mas a variação da temperatura. O termo ajuda a explicar o círculo vicioso que prende os consumistas: eles compram, mas o produto que levam para casa perde a capacidade de satisfazer rapidamente. O psicólogo evolucionista Geoffrey Miller, que pesquisa o comportamento de consumidores, afirma que todos os produtos não-essenciais deveriam vir com o seguinte aviso: 'Cuidado! Pesquisas científicas advertem que este produto vai aumentar seu bem-estar apenas no curto prazo, se tanto, e não afetará seu nível geral de felicidade'.

LOTERIA Valmir Amorim ganhou na Sena. Comprou fazenda e gado. Mas diz que ainda não é feliz

Por isso estaria correto aquele ditado, tão ironizado, de que dinheiro não traz felicidade. É o que indica um levantamento feito pelo Target Group Index - Ibope Media especialmente para ÉPOCA: os brasileiros mais ricos têm os menores índices de satisfação (leia o quadro à página 'números da felicidade'). Para eles, talvez valha a lição de Severino Pereira da Silva, de 63 anos, morador de Lagoa Seca, município do Agreste paraibano: 'Quem tem saúde, um teto para morar, alguém para gostar e ainda reclama… só pode ser soberba'. Biró, como é chamado, é conhecido pelo sorriso largo e pelo eterno otimismo. 'Planto feijão e milho. Passo o dia na enxada. O trabalho é duro, mas a vida é boa. Quero mais o quê? Tem comida em casa e minha véia para fazer um dengo de vez em quando.'

O psicólogo Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia, tem uma explicação alternativa à 'esteira hedonista'. Talvez não se trate de os prazeres perderem a validade, e sim de o nível de exigência crescer. Assim, se você costumava comer em bandejões e passa a freqüentar restaurantes de luxo, na primeira semana sua sensação é de estar no paraíso. Mas, com o tempo, você espera aquela qualidade de comida. Para impressioná-lo, seria necessário ir a um restaurante muito mais extraordinário.

Essa 'esteira das satisfações' ajuda a entender um dos enigmas das pesquisas sobre a felicidade. Se os cariocas relatam um nível de satisfação com a vida igual ao de, digamos, paulistas, isso significa que ambos são igualmente felizes? Ou eles têm exigências diferentes? É por isso que os psicólogos estão deixando de lado o termo 'felicidade' e trabalhando com o termo 'bem-estar subjetivo'.

Também aí Kahneman tem uma contribuição importante. Um de seus estudos demonstrou que as pessoas só guardam na memória os picos emocionais de uma experiência (tanto positivos como negativos) e como ela terminou. Assim, voluntários expostos a um barulho de 78 decibéis, durante dez segundos, acharam a experiência mais estressante que a de ser expostos aos mesmos dez segundos com barulho de 78 decibéis, seguidos de oito segundos de um ruído de 66 decibéis, embora a segunda experiência fosse claramente pior.

O processo de comparação com as outras pessoas mina a felicidade

Uma segunda dificuldade é que mesmo uma experiência boa pode perder valor, dependendo do contexto. 'Estudos mostram que uma pessoa que ganha um aumento de R$ 500 para R$ 1.000 pode se sentir infeliz se descobrir que todos os colegas foram aumentados para R$ 1.500 - apesar de seu salário ter dobrado', diz o economista inglês Richard Layard, da London School of Economics. 'O processo de comparação com os outros mina a felicidade.'

Outro problema no estudo da felicidade é que o termo não comporta definições precisas. É bem-estar? É satisfação? É êxtase? É a serenidade da contemplação? Martin Seligman, presidente da Associação de Psicologia Americana (APA), faz distinção entre três tipos de felicidade. A primeira é a vida prazerosa, o modo Hollywood de enxergar a felicidade. A segunda é a 'boa vida', como a que Aristóteles pregava: a contemplação e as boas conversas, estar totalmente imerso em uma experiência - que o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi define como 'flow'. Para Csikszentmihalyi, atividades esportivas, música, leitura, são atividades típicas de 'flow'. Mas o trabalho também pode ser. Ele cita os empreendedores como uma classe especialmente propensa à felicidade, por entregar-se à atividade completamente.

TRABALHO SOCIAL

Flávia Bochernitsan diz ter descoberto a felicidade apenas quando se envolveu com crianças que têm câncer

Paulo Barosi, dono de restaurantes especializados em sushi em São Paulo e no Rio de Janeiro, é um exemplo. 'Sou irrequieto e, quando era criança, isso sempre foi um problema', diz. 'Eu me sentia rejeitado porque não tinha liberdade para fazer nada. Quando tomei o prumo de minha vida, os problemas acabaram. Interferir no mundo de uma maneira positiva me traz uma felicidade incomensurável.'

A terceira forma de felicidade é ter um sentido de vida, a sensação de ligar-se a algo maior que si mesmo. Pode ser religião, pode ser um trabalho voluntário, uma missão. A psicóloga Flávia Bochernitsan afirma que só passou a se sentir feliz quando se envolveu com o Projeto Felicidade, um programa de auxílio a crianças com câncer. 'Eu era superocupada, precisava cumprir uma série de metas impostas por mim mesma', diz. 'Sempre achei que o próximo fosse tarefa do governo. Até que me envolvi sem perceber. Hoje, vejo que fazer uma criança com câncer sorrir é como um milagre. E isso desabrochou em mim um milagre chamado felicidade.'

O acelerado avanço nos estudos sobre felicidade vem ocorrendo por causa de uma revolução no terreno da psicologia. Em 1998, quando Martin Seligman se tornou o presidente da APA, ele assumiu a bandeira de mudar a ênfase dos trabalhos acadêmicos na área. 'Até hoje, a psicologia se preocupou em tratar as doenças', escreveu Seligman no site de ciência Edge (www.edge.org). 'E foi muito bem-sucedida. Catorze grandes doenças mentais são hoje tratáveis.' O custo, afirma ele, é que, ao pôr tanta ênfase no lado negativo, deixa-se de prestar atenção no positivo. 'Como estávamos tentando desfazer as patologias, não desenvolvemos intervenções para tornar as pessoas mais felizes.'

Bebês com maior atividade no lado esquerdo do cérebro choram menos

A metáfora de Seligman é que a psicologia está bem habilitada a levar as pessoas do -5 para o -2 ou 0. O que ele quer é transformar as pessoas de +2 para +5. Sua área de atuação ficou conhecida como 'psicologia positiva'. Com a eleição de Seligman para a APA, os estudos sobre bem-estar, que costumavam ser tachados de fronteiriços com o ramo da auto-ajuda, vêm ganhando o reconhecimento acadêmico necessário para obter verbas, multiplicar-se, tornar-se o centro das discussões.

Por outro lado, os progressos na neurociência têm lançado luz sobre o que ocorre em nosso cérebro quando estamos felizes. Estudos com ressonância magnética (que mapeiam o fluxo de sangue em diversas áreas) e eletroencefalogramas (que detectam a atividade elétrica dos neurônios) apontam para o lado esquerdo do córtex pré-frontal (uma região acima e à frente do ouvido) como o local do cérebro onde as sensações de felicidade se alojam.

De acordo com Richard Davidson, psiquiatra da Universidade de Wisconsin, isso sugere que algumas pessoas sejam predispostas a ser felizes, pela atividade incomum no córtex pré-frontal. Pesquisas com bebês reforçam a hipótese. Aqueles que têm maior atividade nessa região do cérebro tendem a chorar menos quando são separados das mães por alguns instantes.

Outras descobertas podem apontar para alguma droga da felicidade. Estudos com animais demonstraram que o neurotransmissor dopamina é responsável pela transmissão de sinais ligados a emoções positivas. A dopamina estaria associada principalmente à sensação de felicidade que temos quando chegamos perto de um objetivo - enquanto o prazer de usufruir algo está mais ligado ao sistema de opióides.

FELIZ, SEM DINHEIRO - No Agreste paraibano, Severino da Silva, de 63 anos, passa o dia na enxada plantando feijão e milho. Diz ser feliz por ter comida e a mulher, Maria de Lourdes, 'para fazer um dengo de vez em quando'

Tudo isso reforça a tese de que a felicidade tem um grande componente genético. Num estudo de 1998, que já se tornou clássico, o pesquisador David Lykken, da Universidade de Minnesota, concluiu que 50% do grau de felicidade de uma pessoa é determinado pela genética. Apenas 8% são devidos a coisas que normalmente reputamos como essenciais - casamento, emprego, ganhar na loteria etc. O estudo foi feito com base na descoberta de gêmeas idênticas, Daphne Goodship e Barbara Herbert, separadas no nascimento, que se conheceram apenas aos 40 anos de idade. As duas tinham um senso de humor tão parecido que foram apelidadas de irmãs risonhas.

Na época, Lykken afirmou peremptoriamente que a felicidade era genética e que 'tentar ser mais feliz é tão fútil como tentar ser mais alto' - uma afirmação da qual se arrependeu mais tarde.

Talvez ele não estivesse tão errado, ainda que por outros motivos. Csikszentmihalyi diz que pensar sobre felicidade é sair do estado de 'flow', justamente o caminho que ele prega para ser feliz. É a mesma noção de gente como o filósofo Henry Sidgwick, do século XIX. O paradoxo do hedonismo, dizia ele, é que quem tenta maximizar seus prazeres tem mais chances de fracassar que quem se preocupa com outras coisas. É um contra-senso que, na sociedade moderna, que reúne as melhores condições para tornar seus cidadãos felizes, a busca pela felicidade tenha se tornado uma fonte de estresse.


O PRAZER DE EMPREENDER
Desde criança, Paulo Barosi gosta de investir em projetos. Já foi fotógrafo e baterista, agora vende sushi. Está abrindo o quarto restaurante
EM GRUPO
Em um bar de São Paulo, jovens aproveitam o tempo com os amigos. Cultivar amizades é fator fundamental para ser feliz, dizem os especialistas

Ilustrações: Nilson Cardoso e Marco Vergotti
Fotos: Pedro Ugarte/AFP, Maurilo Clareto/ÉPOCA, Gustavo Santos/Ed. Globo,
Thais Antunes/ÉPOCA (2), Léo Caldas, Marcos Serra Lima/ÉPOCA,
Claudio Rossi/ÉPOCA e divulgação

DE BEM COM A VIDA
A maioria dos brasileiros diz estar satisfeita com seu estilo de vida
Muito satisfeito
31%
Satisfeito
21%
insatisfeito
18%
Muito insatisfeito
14%
Neutro
13%
Não sabe
3%

RIQUEZA TRISTE
Os mais ricos são os mais infelizes. A renda média familiar mensal das pessoas que estão totalmente satisfeitas é de R$ 1.694
Entre R$ 600 e R$ 1.499
39%
Até R$ 599
27%
Entre R$ 1.500 e R$ 2.999
16%
Entre R$ 3.000 e R$ 8.999
10%
Não declarou
6%
R$ 9.000 ou mais
2%

SUA VIDA ESTÁ MELHOR DO QUE
NO PASSADO?
Separados e viúvos têm índices de satisfação menor
Casados
67%
Solteiros
66%
Casados
67%
Separados
58%
Viúvos
49%
Fonte: Ipsos

#Q:Alegria, aconteça o que acontecer :#

Valério Carceles reconstruiu a vida depois de perder a mulher e os três filhos
VIDA NOVA
Aos 49 anos, Valério encara como um prêmio ter conhecido Fabrízia. Cria os filhos dela como se fossem seus

'Em novembro de 1994, um caminhão perdeu o freio e matou minha mulher, Marisa, e meus três filhos: Diego, de 12 anos, Luíza, de 6, e Rafael, de 4. As pessoas têm dificuldade de entender que eu possa ser feliz apesar disso. Uma coisa que ajudou foi o fato de, na época, estar vivendo um ótimo momento familiar. Não havia pendências, não havia culpas. Na noite anterior, tinha dado de comer às crianças, colocado meus filhos para dormir. Marisa tinha ido buscá-los na escola e não voltou. Desde então, tenho plena consciência de que posso sair de manhã de casa e, quando voltar, não encontrar mais nada nem ninguém.

Quando cheguei ao local do acidente e vi aquela cena dantesca, não sei se foi o choque, imediatamente entrei em outro estágio de consciência. Sigo a filosofia do guru indiano Maharaji Prem Rawat, que ensina a buscar Deus, a paz, o divino, seja lá como se chama isso, dentro de nós mesmos.

Quando vi aquele horror, fui para dentro de mim no mesmo instante. Não houve desespero. Senti que estava com Deus. Até hoje, quando penso no acidente - porque a cabeça da gente parece que quer nos fazer sofrer -, repito: seja feita a Vossa vontade. É como um mantra que me acalma.

Felicidade para mim é estar em paz com a família e no trabalho. Isso eu consigo totalmente. A tragédia me trouxe um sentido de urgência, da importância de não deixar problemas para resolver depois. Por isso, não perco tempo de cara amarrada.

Tenho uma nova família. Quando conheci Fabrízia, ela era separada e tinha dois filhos. Acabei criando os dois como se fossem meus.

Tive de me cuidar para não deixar a vaidade subir à cabeça. Todos diziam o tanto que eu era forte, corajoso. Mas não demorou muito para descobrir que a vida não seria mais condescendente comigo por causa disso. Antes do acidente, estávamos com passagem comprada para os Estados Unidos para ver o Maharaji. Fui sozinho. Esperava que ele ficasse sabendo da minha história e me pegasse no colo. Que nada! Fui sorteado com uma cadeira na última fila de um estádio e vi a palestra sozinho, chorando. Foi bom para eu não pensar que receberia um prêmio por ser forte. O prêmio foi continuar a vida, logo encontrar Fabrízia, os meninos e levar a vida interessante que tenho hoje.'

#Q:13 fatos sobre felicidade:#

1 - A felicidade cura
Pessoas que pontuam bem nos testes de bem-estar desenvolvem 50% a mais de anticorpos contra a gripe do que a média, segundo um estudo do psiquiatra Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin. Uma pesquisa holandesa concluiu que pessoas felizes têm risco de morte reduzido em 50%. A psicóloga Laura Kubzansky, de Harvard, estudou 1.300 homens durante dez anos e concluiu que os que se consideram otimistas tinham metade das taxas de doenças cardíacas.

2 - Viver num país rico é melhor que ser rico
Quando os níveis de satisfação são medidos dentro de um país, as pessoas mais ricas tendem a ser muito pouco mais felizes que as demais. Mas as comparações internacionais mostram que os efeitos de viver num país rico são mais fortes. Uma possível explicação é que os países ricos não têm apenas mais dinheiro. Têm trânsito melhor, menos corrupção, sistemas de saúde mais equipados etc.

3 - Gente feliz tem boa saúde e bons relacionamentos
Um estudo recente feito pelos psicólogos americanos Edward Diener e Martin Seligman analisou os 10% mais felizes entre uma amostra de alunos na Universidade de Illinois. As características comuns à maioria dos que se sobressaíam foram os fortes laços com amigos e família e a boa saúde, especialmente mental.

4 - Imersão numa atividade traz bem-estar
Há uma corrente milenar do budismo, o zen, que fala no poder da concentração. É o campo de trabalho do psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (pronuncia-se Txic-sent-mirrái-i), que cunhou o termo 'flow' (fluir). 'Flow é um forma particular de experiência que as pessoas dizem ter quando estão totalmente envolvidas em uma atividade. A concentração profunda resulta na exclusão de pensamentos e emoções irrelevantes - esquecer do passado e do futuro, do tempo e de si.

5 - A expectativa gera mais prazer que a conquista
O professor de Psicologia e Neurociência Brian Knutson, da Universidade de Stanford, pôs voluntários para jogar um videogame. Em caso de vitória, eles recebiam uma pequena quantidade de dinheiro. Monitorando a atividade cerebral deles por meio de ressonância magnética, Knutson concluiu que a excitação era maior quando estavam prestes a ganhar do que quando efetivamente recebiam o dinheiro.

6 - Quanto mais escolhas, pior o resultado
Num estudo citado pelo psicólogo Barry Schwarz, autor do livro The Paradox of Choice (O Paradoxo da Escolha), um grupo de alunos tinha de dar nota a seis chocolates finos. Um segundo grupo tinha de dar nota a 30 chocolates finos. Os que tinham mais escolha acharam os chocolates piores (deram notas mais baixas, em média). Segundo Schwarz, quando temos de fazer muitas escolhas, tendemos a ficar confusos e desvalorizar a experiência como um todo. Ele sugere, como método para ser feliz, limitar propositalmente as opções de vida.

7 - Quem tem controle vive mais
Num outro estudo relatado por Schwarz, um grupo de idosos foi aconselhado a tomar a responsabilidade sobre sua vida em casa, recebendo pequenas tarefas e cuidando de uma planta, enquanto um segundo grupo foi deixado totalmente a cargo dos enfermeiros. Os pacientes que exerciam maior controle sobre a própria vida viveram, em média, vários anos a mais.

8 - O quase é o pior fracasso
Uma teoria bem estabelecida é de que a nossa satisfação varia de acordo com nossa avaliação do que poderia ter acontecido. Perder um avião por um atraso de 5 minutos, por exemplo, causa muito mais irritação que perdê-lo por um de uma hora. Embora o resultado seja o mesmo (não voar), no primeiro caso ficamos remoendo os detalhes que nos fizeram perder um ou dois minutinhos. Essa sensação pode durar muito tempo. Abel Kiviat, medalha de prata nos 1.500 metros nas Olimpíadas de Estocolmo, em 1912, relatou ao Los Angeles Times que costumava acordar à noite pensando de onde surgiu o britânico Arnold Jackson para arrancar-lhe a vitória por um décimo de segundo. 'É como um pesadelo', afirmou. Tinha 91 anos quando deu a entrevista.

9 - Os prazeres duram pouco
Uma famoso estudo do final da década de 70, dos psicólogos Philip Brickman e Donald Campbell, concluiu que ganhadores de loteria voltavam aos níveis de satisfação anteriores em menos de um ano. E paraplégicos também. Cunharam o termo 'esteira hedonista', com o significado de que não importa quanto corremos na direção dos prazeres (ou quanto sofremos), ficamos sempre mais ou menos no mesmo lugar. Vários anos depois, esse estudo é citado como evidência de que o nível de felicidade é individual, em boa parte determinado geneticamente.

10 - É melhor guardar o vinho
Uma maneira de escapar dessa 'esteira hedonista' é evitar se acostumar aos prazeres, diz o psicólogo Barry Schwarz. 'Não importa quanto você possa gastar, não abra o melhor vinho a não ser em ocasiões muito especiais', diz ele.

11 - Abalo duradouro: desemprego e divórcio
Se ganhar na loteria tem pouca influência no nível de satisfação das pessoas, perder o emprego é algo que, especialmente para os homens, abala a sensação de bem-estar durante anos, segundo vári os estudos. O mesmo ocorre com o divórcio - dessa vez, afetando mais as mulheres.

12 - Os extremos e o fim valem mais
Um grupo de voluntários escutou durante dez segundos um barulho de 78 decibéis, e depois o mesmo barulho, acrescido de oito segundos a 66 decibéis. Relataram como menos irritante o segundo barulho. A experiência, do prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, confirma que nossa memória afetiva costuma ser enganada. Em geral, a impressão que temos de uma experiência é marcada pelos picos de prazer ou desprazer e pela sensação dos últimos momentos. Como o barulho diminuiu no final, os voluntários preferiram a irritação mais longa.

13 - Gratidão traz paz de espírito
Uma das técnicas de auto-ajuda para elevar o moral que vem passando em testes científicos é escrever num diário as coisas que deixaram a pessoa feliz naquele dia. Estudos da psicóloga Sonja Lyubomirsky indicam que a satisfação das pessoas que agradecem permanece melhor por um período de seis semanas.

Fontes: Ipsos

 

#Q:Entrevista - Em busca de sentido:#

Psicólogo lança livro sobre as várias teorias da felicidade
ESTUDO - Sem dar fórmulas, Haidt identifica o que ajuda a ser feliz

Em The Happiness Hyphotesis (A Hipótese da Felicidade), Jonathan Haidt, professor de Psicologia da Universidade de Virgínia, fez um apanhado de estudos sobre o que leva uma pessoa a ser feliz. Ele conclui que é preciso equilibrar-se entre dois mundos: yin e yang.

ÉPOCA - O que é a hipótese da felicidade?
Jonathan Haidt - É a idéia que as pessoas alimentam do que as faz felizes. Elas acham que, se encontrarem um namorado, arranjarem um bom emprego, comprarem uma casa e um carro, serão felizes. Quanta gente tem isso e não é feliz?

ÉPOCA - Então o que nos faz feliz?
Haidt - Não é simples. Os filósofos antigos argumentavam que a felicidade nunca poderia vir do mundo externo. Seria algo que vem do interior. Há alguma verdade nisso, mas descobri que não dá para ser feliz só olhando para dentro de si. É preciso construir uma boa relação entre você e as outras pessoas, entre você e a sociedade. É fundamental ter desafios, mas dentro de suas capacidades e sem estressar. E é importante fazer parte de algo maior, que dê um sentido, um propósito à vida.

ÉPOCA - O senhor afirma que pessoas infelizes devem usar antidepressivos...
Haidt - Estudos mostram que 50% da capacidade de uma pessoa ser feliz é determinada pela genética. Se alguém herda uma configuração para ser infeliz, ansioso, por que não corrigir esse 'defeito'? Por mais que tente, quem nasceu com o termostato da felicidade virado para baixo vai tender sempre a ver o mundo com olhos pessimistas.

ÉPOCA - O senhor tomou antidepressivos porque se sentia infeliz?
Haidt - Quis experimentar e não me decepcionei. Tomei em dois momentos. A vida ficou mais bonita, eu me criticava menos pelos meus erros. Mas tive efeitos colaterais, como perder a memória, e resolvi parar.

ÉPOCA - Existem outros métodos que podem ajudar a virar esse termostato?
Haidt - Meditação e terapia cognitiva. Eventos externos afetam a forma como entendemos o mundo. Se conseguimos controlar nossas interpretações, podemos controlar nosso mundo. Estudos mostram que meditar diminui a ansiedade e a depressão, aumenta a auto-estima, o nível de contentamento com o mundo e a confiança nos outros. Já a terapia cognitiva treina as pessoas para que entendam seus pensamentos, vejam o que está distorcido e encontrem opções para encarar e resolver essas distorções.

ÉPOCA - O senhor fez um estudo sobre moral e esteve em vários países, inclusive no Brasil, pesquisando a respeito. O que descobriu?
Haidt - Descobri que todo mundo nasce para ser hipócrita. No Novo Testamento, Jesus já falava disso. Nós somos muito bons em criticar os outros e em defender a nós mesmos. Para ser felizes, precisamos ser mais tolerantes, entender as motivações do outro para agir dessa ou daquela maneira. Mas ninguém consegue ser mais tolerante simplesmente porque quer. O que ajuda é conversar com gente diferente, ler sobre outras culturas, conviver com um mundo que não é o nosso.

 

#Q:Entrevista - Um termo indefinível:#

Foto: divulgação
FRUSTRAÇÃO
McMahon pesquisou a história da felicidade, mas não descobriu como ser feliz

Historiador explica os diferentes conceitos de felicidade

Frustração. Esse foi o sentimento de Darrin McMahon, professor de História da Universidade da Flórida, depois de escrever Happiness: a History (Felicidade: uma História). Apesar de ser seu objetivo, McMahon achou que, investigando a felicidade, encontraria um consenso. Não encontrou.

ÉPOCA - Faz sentido falar sobre felicidade, algo que mudou de conceito tantas vezes?
Darrin McMahon - O filósofo alemão Kant dizia que o conceito de felicidade é tão indeterminado que, embora todo mundo queira ser feliz, nunca pode falar definitivamente que vai ser feliz. Brinco, no prefácio, sobre a frustração de escrever um livro sobre algo que ninguém consegue definir.

ÉPOCA - Quais são as principais diferenças no conceito de felicidade?
McMahon - Para os gregos antigos, felicidade era sorte. No século IV a.C., Aristóteles dizia que tudo no Universo tinha um objetivo. Para ele, felicidade era o produto de uma vida bem vivida, virtuosa. A tradição cristã é complicada. No começo, felicidade era Deus, merecer estar no céu com Ele. No século XVII, a reforma protestante trouxe a idéia de que Deus criou o mundo bom porque queria que fôssemos felizes. No século seguinte, o iluminismo reforçou essa visão ao pregar que felicidade é um direito. A partir daí, discute-se mais como chegar à felicidade.

ÉPOCA - E o que mudou nessa busca?
McMahon - Desde o século XVIII, a felicidade é encarada como um sentimento de bem-estar. Thomas Jefferson escreveu que felicidade é o objetivo da vida, mas virtude é a origem da felicidade. Para ele, felicidade significa realizar os desejos, ter prazeres, mas também fazer o bem, pensar no outro. Freud dizia que o objetivo da psicanálise era criar a infelicidade comum. Segundo ele, a terapia pode acabar com as neuroses, os sofrimentos que não precisam existir, mas não pode dar felicidade completa, porque não somos constituídos assim. A terapia contemporânea, em especial a psicologia positiva, tem a felicidade como meta. Os advogados dessa corrente correm o risco de confundir terapia com auto-ajuda.

ÉPOCA - Há uma receita para a felicidade?
McMahon - A mensagem que tiro do livro é que tentar ser feliz é como deitar na cama e dizer: preciso dormir porque tenho um compromisso amanhã. Nunca funciona. Talvez a melhor forma de ser feliz seja colocar o foco em outra coisa. Fazer algo de que você gosta muito, dedicar-se à família, a um hobby, ao grupo a sua volta. Fazendo isso, a felicidade talvez venha indiretamente.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG73787-6014,00.html

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