A possibilidade de prever decisões e o livre arbítrio
Fernando Reinach

Em todos os voluntários, a seqüência de eventos era: primeiro se detecta a atividade cerebral, 0,7 segundo depois a pessoa decide mover a mão e 0,3 segundo depois do ato consciente de mover a mão ela se move

Fernando Reinach (fernando@reinach.com) é biólogo. Artigo publicado no “Estado de SP”:

Faz milhares de anos que a humanidade se preocupa em saber se possuímos livre arbítrio.

Será que quando decidimos conscientemente praticar um ato essa decisão se origina unicamente em nossa consciência e portanto é impossível de prever ou será que as leis da natureza e os fatos que ocorreram no passado determinam cada um de nossos atos e a impressão de liberdade é só uma ilusão?

Há alguns anos um neurologista chamado Benjamin Libet realizou um experimento que coloca mais lenha na fogueira desse debate.

Libet pediu para voluntários se sentarem e colocarem a mão sobre uma mesa. Depois pediu a eles que em algum momento (eles poderiam decidir quando) movessem a mão.

Nenhum sinal externo sinalizava quando a mão deveria ser movida. A decisão de movê-la deveria ser totalmente voluntária. Além disso, em frente desses voluntários Libet colocou um relógio em que o ponteiro de segundos ficava girando constantemente.

No momento que o voluntário decidia mover a mão, ele deveria observar onde estava o ponteiro do relógio e comunicar essa posição aos pesquisadores. Além disso, Libet instalou sensores na mão dos voluntários que permitiam saber exatamente quando a mão se mexia e eletrodos na cabeça que permitiam medir a atividade cerebral. Feito tudo isso, as pessoas ficavam ali e mexiam a mão quando quisessem.

O que Libet observou foi que era possível detectar atividade cerebral quase um segundo antes de a mão se mexer. Isso era esperado, pois o comando vindo do cérebro demora um tempo para chegar aos músculos da mão.

O inesperado foi a observação de que os momentos em que a pessoa conscientemente decidia mexer a mão (determinada pela posição do ponteiro do relógio que ela comunicava ao pesquisador) ocorriam sempre 0,3 segundo antes de a mão mexer, mas 0,7 segundo depois da atividade cerebral.

Em todos os voluntários, a seqüência de eventos era: primeiro se detecta a atividade cerebral, 0,7 segundo depois a pessoa decide mover a mão e 0,3 segundo depois do ato consciente de mover a mão ela se move.

O fato de a atividade cerebral ocorrer antes da decisão 'aparecer' na consciência indica que a primeira parte da decisão de mover a mão ocorre de maneira inconsciente (durante o primeiro 0,7 segundo) e somente depois a consciência toma 'conhecimento' de que vai mover a mão.

Durante os últimos 8 anos, uma série enorme de testes foi feita para verificar possíveis erros nesse experimento, mas nenhum foi detectado. Tudo indica que realmente cada uma de nossas decisões se inicia de forma inconsciente.

Mas se isso é verdade, então existe um intervalo de 0,7 segundo no qual um observador que esteja monitorando nossa atividade cerebral já sabe o que vamos decidir antes de nossa consciência ter acesso a essa decisão.

O resultado claramente não exclui a possibilidade de o livre arbítrio existir, mas sua interpretação tem provocado muita discussão entre filósofos e cientistas.

Por outro lado, demonstra claramente que a consciência é o resultado da atividade cerebral, tornando improvável a hipótese, ainda defendida por muitos, de que cérebro e mente são entes distintos.

Mais informações em: B. Libet, Do We Have Free Will? J. Consc. Studies volume 6, página 47, 1999.
(O Estado de SP, 16/8)

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