Tudo
por Sexo
Por: Geoffrey Miller, Revista Super Interessante
O psicólogo evolutivo Geoffrey Miller diz que
a cultura humana surgiu da nossa necessidade de atrair parceiros sexuais
O que há em comum no desejo de ganhar um salário
maior ou de escrever uma poesia? Para Geoffrey Miller, especialista
em psicologia evolutiva e autor do livro A Mente Seletiva, a resposta
está no sexo. Isso mesmo. A necessidade de tornar-se mais atrativo
sexualmente seria a chave para compreender até o surgimento da
sofisticada cultura humana.
Partindo do princípio básico de que
a reprodução é o instinto básico em todos
os seres, Miller acredita que a mente desenvolveu, durante a evolução,
diferentes “estratégias reprodutivas”. Se os homens
pré-históricos precisavam caçar animais para atrair
suas parceiras, os modernos Homo sapiens compram iates ou escrevem sinfonias.
A evolução também explicaria, por exemplo, por
que os homens seriam mais promíscuos que as mulheres quanto ao
sexo. “São diferentes estratégias reprodutivas”,
diz Miller, “enquanto as mulheres normalmente estão mais
interessadas na qualidade de seus parceiros (segundo ele, pela necessidade
de criar seus filhos), os homens geralmente são menos exigentes
na escolha de quem levar para a cama.” Antes de ser acusado de
usar a ciência em prol do machismo, ele diz que essa situação
muda quando o homem escolhe a mãe de seus filhos. “Aí
ele se torna tão exigente quanto as mulheres”, diz Miller,
que conversou com a Super sobre seu trabalho.
O que é a psicologia evolutiva?
Ela tenta entender a natureza humana perguntando como
nossos ancestrais sobreviveram e se reproduziram. Quanto melhor nós
entendermos nossa evolução, melhor nós entenderemos
nossos cérebros, nossas mentes e o comportamento moderno. A psicologia
evolutiva procura compreender, por exemplo, por que buscamos status,
achamos alguém sexualmente atraente, fazemos amigos, fofocamos
e outras respostas para perguntas que tradicionalmente foram negligenciadas
pela psicologia. O que estamos compreendendo agora é que boa
parte do nosso comportamento é produzido por circuitos do cérebro
que evoluíram, originalmente, para que os nossos ancestrais se
tornassem sexualmente atrativos.
Ou seja, tudo tem uma base sexual?
Os comportamentos humanos evoluíram, sim, devido
ao sexo. Mas isso não significa que hoje eles tenham uma conotação
sexual. Os pássaros não cantam apenas para o acasalamento,
mesmo porque essa habilidade tenha tido originalmente essa função.
Não deve ser à toa que nos interessamos por música,
dança e humor depois da puberdade, no momento exato em que começamos
a estar predispostos a atrair parceiros sexuais.
Em seu livro A Mente Seletiva, o senhor também
trata das diferenças entre homens e mulheres quanto ao comportamento
sexual.
Enfoco as semelhanças entre homens e mulheres,
enquanto outros psicólogos evolucionistas normalmente prestam
atenção nas diferenças. As diferenças são
importantes, mas podem ser exageradas. Homens podem potencialmente ter
muitos filhos com muitas mulheres. Mulheres podem somente ter, no máximo,
cerca de uma dezena de filhos. Isso faria, portanto, que elas sejam
mais interessadas na qualidade dos seus parceiros que na quantidade.
Mas apesar de os homens, em geral, serem menos exigentes na escolha
de suas parceiras, isso muda quando ele tem que escolher alguém
com quem viver por muito tempo. Tornam-se quase tão exigentes
quanto as mulheres. Isso não é comum na natureza, onde
apenas a fêmea costuma ser exigente e o macho acasala com todas
as fêmeas que pode conseguir.
O que torna uma pessoa interessante ou sexualmente
atrativa?
Quando se trata de apaixonar-se, há muitas
evidências de que nós nos importamos muito com a inteligência,
a amabilidade, a criatividade e o senso de humor. Enquanto os animais
focam basicamente a aparência física e um ritual de cortejo
simples, estamos interessados também nos pensamentos e sentimentos
do nosso parceiro. É por isso que a seleção sexual
gerou os pensamentos e sentimentos humanos. Preocupa-nos muito, por
exemplo, se alguém é interessante para conversar. A maioria
do cortejo humano é verbal, e eu calculo que os amantes trocam,
em média, cerca de 1 milhão de palavras antes de manter
relações sexuais que acabem em gravidez. Isso deu à
seleção sexual enorme poder para formar a linguagem humana
e qualquer outro meio para expressar emoções.
Além da linguagem, “seleção
sexual” também teria importante papel no desenvolvimento
das artes plásticas, da música e da literatura?
Foi por isso que escrevi A Mente Seletiva. Acho que
é importante reconhecer que todas essas manifestações
do comportamento são relacionadas com exibir-se, como formas
de conquistar status social e de atrair parceiros. Daí meu argumento
de que tudo isso evoluiu, em parte, por conta da seleção
sexual. Isso parece razoável porque a maioria das características
mais bonitas e impressionantes dos seres vivos – as flores, a
cauda do pavão, o som dos rouxinóis – é também
fruto da seleção sexual. A teoria da seleção
sexual diz que somos atraídos pelos trabalhos artísticos
mais difíceis e custosos de fazer, em termos de tempo, energia
e capacidade. Acredito que isso define boa parte das nossas preferências
estéticas. Nosso senso de belo na arte evoluiu para que pudéssemos
escolher os artistas mais talentosos como parceiros sexuais. Há
exemplos disso acontecendo em outras espécies. Há pássaros
na Austrália que constroem ninhos com pedras e conchas. As fêmeas
passam, fazem uma inspeção de cada ninho e acasalam com
o macho que construiu o ninho mais bonito. Assim, os genes para construir
ninhos bonitos espalharam-se através dessa espécie de
pássaros. Meu livro tenta entender como algumas das aptidões
que mais valorizamos, como arte, surgirem de maneira similar
O que, no comportamento humano, poderia ser determinado
pela seleção sexual?
A seleção sexual determinou nossa necessidade
de status, prestígio e respeito social. Status não é
tão útil para a sobrevivência, mas é muito
importante para a reprodução. Quando competimos no local
de trabalho, nós estamos buscando status do mesmo jeito que nossos
ancestrais tentaram alcançar status sendo bons caçadores
ou contadores de histórias. Ou seja: estamos sempre atuando para
impressionar e atrair parceiros sexuais. Nossa cultura não está
separada da nossa evolução biológica.
O senhor acredita que sua teoria poderia ajudar outras
ciências humanas. Para a economia, por exemplo, qual seria a contribuição
dela?
Muitos aspectos importantes da economia não
são explicados muito bem pelos economistas. Eles não conseguiram
explicar, por exemplo, por que compramos artigos de luxo ou por que
trabalhamos para ganhar mais do que precisamos para sobreviver. Todos
esses fenômenos são resultado da seleção
sexual. Em economias modernas, nós não adquirimos status
caçando animais ou alegando ter poderes espirituais, mas por
meio da ascensão profissional. Isso explica, também, por
que os homens são mais ambiciosos financeiramente do que as mulheres
– afinal, eles são propensos a ter mais parceiras. Nós
não somos conscientes de tudo isso, claro, mas a maioria de nós
se comporta exatamente de acordo com a teoria de Darwin.
Se sua teoria baseia-se no instinto de reprodução,
como o senhor explicaria a homossexualidade?
Eu não tenho uma explicação para
a homossexualidade. Ela ainda é um mistério do ponto de
vista evolutivo e, até onde eu sei, ninguém tem uma explicação
satisfatória.
Sobre Geoffrey Miller: Professor Assistente de Psicologia
Evolutiva da Universidade do Novo México, em Albuquerque, Estados
Unidos. Tem 37 anos, é autor do livro A Mente Seletiva, em que
propõe que a cultura humana surgiu da necessidade que temos de
atrair parceiros sexuais. Quando não está ensinando, gosta
de pintar, esquiar e andar de bicicleta