Avôs têm papel evolutivo
Folha de São Paulo, terça-feira, 15 de
julho de 2003
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Cuidados que os mais velhos dedicam aos indivíduos mais novos
justificam sua existência
Uma nova teoria do envelhecimento pode ajudar a explicar por que muitas
espécies, incluindo humanos, vivem muito além dos seus anos de
fertilidade.
O estudo de Ronald Lee, da Universidade da Califórnia em Berkeley, propõe
que o cuidado que animais velhos e inférteis dedicam aos mais novos é
a razão evolutiva de sua sobrevivência. Lee observou essa tendência
em todos os mamíferos (principalmente primatas), todas as aves, muitos
insetos e alguns peixes.
A teoria evolutiva clássica do envelhecimento diz que os mais velhos
estão mais propensos a morrer porque não têm mais possibilidade de
passar adiante seus genes e, portanto, não teriam nenhuma razão
evolutiva para existir. Lee descobriu uma: o fato de que os mais velhos
contribuem com sua espécie ao alimentar e tomar conta dos mais novos, o
que ele chama de "transferência".
Ou seja, o mimo dos avós com relação a seus netos também é
importante na evolução e demonstra a utilidade dos mais velhos para
sua espécie.
"O valor reprodutivo do indivíduo passa a ser só uma parte da
teoria da evolução. Os investimentos que esses indivíduos fazem nos
mais novos também são importantes e ajudaram essas espécies a
sobreviver", disse à Folha Lee, 61, pai de três filhas entre 25 e
32 anos -e ainda sem netos. "Estou esperando essas crianças para
que eu possa voltar a ser útil do ponto de vista evolutivo",
brinca.
Em seu estudo, Lee, demógrafo de formação, desenvolve modelos matemáticos
para indicar que as principais teorias evolutivas vigentes não
correspondem às taxas de mortalidade humanas observadas em diversos países
do globo. Enquanto isso, sua explicação para a longevidade humana se
encaixa muito bem nos dados demográficos medidos.
A nova teoria, afirma o americano, é um marco para os estudos da evolução,
e, para Lee, reescreverá livros de antropologia.
"A comunidade científica reagiu muito
positivamente. Até Richard Hamilton, que participou do desenvolvimento
da teoria clássica da evolução, se lesse minha pesquisa, creio que se
convenceria de que tem tudo a ver com a dele", afirma Lee.
Linguagem e cérebro
Segundo Lee, em muitas espécies os animais mais velhos, fora da idade fértil,
cuidam dos filhotes. É o exemplo de várias espécies de golfinho e
baleia, de todas as aves e até de alguns insetos e peixes. Mas, entre
todos esses animais, os primatas são os que mais dependem da
"transferência" de recursos, especialmente o homem e o
chimpanzé.
"A evolução do nosso cérebro tem muito
a ver com a alta transferência. A coordenação da captação de
recursos dos humanos dependeu essencialmente da linguagem e da
capacidade cognitiva, e também por causa dessa coordenação os
recursos puderam ser distribuídos", diz Lee. "Apesar disso,
é inegável que a capacidade cognitiva não é o único fator
envolvido, já que até alguns insetos velhos cuidam dos mais
novos."
Para o psicólogo evolutivo Marc Hauser, da Universidade Harvard noa
EUA, o estudo é importante "porque muitos antropólogos dizem que
os cuidados dos avós são um traço exclusivamente humano, e não são".
Segundo Lee, uma das principais implicações
de sua nova teoria tem a ver com a previsão da evolução da
expectativa de vida nos países desenvolvidos.
"Muitos dizem que a expectativa de vida não deve crescer daqui
para frente nos países industrializados por causa das velhas teorias, já
que evolutivamente não haveria razão para a existência dos mais
velhos. Acho que, em países como os EUA, a vida média das pessoas pode
continuar aumentando, desde que os anos de trabalho dessas pessoas também
aumentem e elas possam contribuir com a vida dos mais novos."
Pelo mesmo motivo, Lee não vê problemas nos métodos tecnológicos de
aumentar a longevidade dos homens. "Se a vida útil aumentar, se os
anos que essa pessoa viver a mais não forem de doença, não vejo
problema. E, pelo pouco que temos visto, a taxa de doenças tem caído
com a de mortalidade dos idosos."
Para o autor essa longevidade terá de ser levada em conta daqui para
frente para estipular as idades de aposentadoria.
O trabalho de Lee está na edição de hoje da revista científica
americana "PNAS" (www.pnas.org).
Gênio e bandido atingem topo da carreira aos 30
Gênios e criminosos podem parecer não ter muito em comum, mas ambos
fazem seu melhor trabalho quando estão na faixa dos 30 anos -e
principalmente para impressionar o sexo oposto.
Ao estudar as biografias de proeminentes cientistas, Satoshi Kanazawa,
da Universidade de Canterbury, Nova Zelândia, constatou que eles
fizeram sua principal descoberta antes dos 35 anos, aproximadamente a
mesma idade em que o comportamento criminoso atinge o pico.
Ele acredita que a competitividade masculina para atrair fêmeas é a
força impulsora para os sucessos científicos e criminosos, segundo a
revista britânica "New Scientist".
O pesquisador aponta que o impulso competitivo diminui com a idade,
conforme a prioridade dos homens passa a ser menos a de competir por
mulheres e mais a de cuidar dos filhos. Kanazawa também constatou que o
casamento amortece o impulso em criminosos e cientistas. (DA REUTERS)