A
Base Material dos Sentimentos
Por Argos de Arruda Pinto
Você está ansioso. Uma angústia
profunda o faz sentir-se como quem perdera um membro familiar. Tudo,
menos feliz é o estado em que se encontra. É recomendado tomar um
ansiolítico pelo seu médico e pronto: você, feito mágica, volta a
sorrir, suas emoções se estabilizam e a vontade de viver se torna
intensa. E o que ingeriu? Substâncias químicas!
Outro está deprimido. Pior: a tristeza, a autocomiseração, a
incapacidade momentânea de não achar graça em nada, podem destruir
essa pessoa. Sair, ver amigos, praticar esportes, não surtem efeitos.
Nem vontade para essas coisas ela têm. É indicado adequadamente o uso
de antidepressivos e em pouco tempo a vida dela muda radicalmente. Os
sentimentos negativos cessam em intensidade e a estrutura emocional se
restaura. O humor e a alegria de viver voltam a fazer parte de seu dia a
dia. E o que ela ingeriu? Substâncias químicas!
Esses dois exemplos, em meio a tantos, ilustram de maneira simplificada
o poder curativo de certas substâncias. Elas atuam em nível celular,
nos neurônios, influindo no comportamento visível demonstrado pelas
pessoas através de seus sentimentos e emoções.
Os neurônios são células
cerebrais constituintes do sistema nervoso. Para um impulso nervoso se
deslocar de um neurônio a outro - a sinapse - faz-se necessário a
presença entre eles de substâncias chamadas neurotransmissoras. Nesse
processo podem ocorrer reflexos para determinadas regiões de nosso
corpo, onde temos a sensação de que o que sentimos é produzido no próprio
local. Um aperto em nosso peito devido a uma paixão levava os antigos a
acharem que a sede de nossos sentimentos amorosos era no coração...
A depressão caracteriza-se por uma baixa atividade neurônica devido à
falta de substâncias desse tipo, como, por exemplo, a serotonina. O
ansiolítico atua aumentando o efeito de neurotransmissores inibitórios
da resposta nervosa, como o ácido gama-aminobutírico - GABA. A
ansiedade, então, grosso modo, é um estado emocional no qual os neurônios
têm suas atividades exageradas.
Tudo isso é bem conhecido entre os médicos e pouco pelo público.
Poucas são as reportagens, livros ou informações, relacionando toda
essa química aos nossos sentimentos. Os cientistas, já há décadas, vêm
descobrindo e utilizando para o nosso bem, na forma de medicamentos, as
interligações entre neurotransmissores, condução nervosa,
sentimentos e emoções. Estes dois últimos seriam produzidos no cérebro
devido a estímulos internos ou externos, visando a perpetuação da espécie
segundo a Teoria da Evolução de Darwin. Não formaríamos famílias,
sociedades, etc., se não fosse a imensa variedade de sentimentos a que
nos pertencem, formando
poderosos vínculos entre nós e nossos semelhantes. Como apenas um
exemplo, o amor e o afeto, e consequentemente a dedicação dos pais com
os filhos, mostra de maneira clara esse elo de ligação entre eles.
Nós nascemos completamente indefesos contra as adversidades do mundo
exterior. Não só os humanos, mas os outros mamíferos e as aves são
evoluídos suficientemente para cuidarem, por meses ou anos, de seus
filhotes até atingirem a maturidade necessária para enfrentarem o
mundo que os rodeia. A agressividade e até o medo, em forma de defesa,
são importantes nessa luta pela sobrevivência e também fazem parte da
rede intrincada de reações químicas no cérebro desses seres vivos
que são os mais complexos do planeta.
Os peixes, os répteis, os anfíbios
e os animais inferiores já nascem em condições favoráveis de luta
para sobreviverem, não possuindo, ou pelo menos sendo pouco
desenvolvida, uma região cerebral denominada sistema límbico. É esse
sistema o principal responsável pelas nossas emoções e sentimentos.
Já se conseguiu, através de estimulação natural do sistema límbico,
que pessoas chegassem a sentimentalismos exagerados, achando elas
inexplicável esse tipo de comportamento. Em animais agressivos, a
simples remoção de uma porção límbica chamada amígdala, fez com
que eles se tornassem dóceis e calmos. Em situação oposta, a estimulação
do funcionamento da amígdala levou um animal doméstico a estados de
terror, agitação intensa e anormal, sem quaisquer motivos reais.
Os objetos de estudo das ciências
são aqueles fenômenos percebidos pelos nossos sentidos, algumas vezes
utilizando-se equipamentos específicos de laboratório, e que podemos
depois entendê-los de maneira objetiva e racional. Fenômenos
considerados como manifestações de nossa alma vem sendo
sistematicamente estudados como poderosas interações químicas,
capazes de levarem as pessoas desde a simples estados momentâneos de
alegria ou tristeza, até a paixões avassaladoras e o amor.
Nosso cérebro é composto de um número de combinações sinápticas
que ultrapassa o número de átomos do universo conhecido. O número de
estados mentais, então, é muito grande, mas é evidente que não somos
afetados por todos eles. Mesmo assim o restante é considerável a ponto
do cérebro entrar em estados riquíssimos em complexidade e
singularidade, tornando-o fonte daquelas situações ora negativas, ora
positivas, às quais chamamos de emoções e sentimentos.
Para muitos isto soa como puro materialismo, entretanto, os filósofos
cristãos e teólogos, entre outros, e em épocas nada adiantadas em
Tecnologia, Medicina, Química, e ciências afins, atribuíram a causas
sobrenaturais o que essas disciplinas estão descobrindo agora em termos
de química cerebral. E os resultados dessas atribuições foram
passadas de geração a geração até nós como fatos incontestáveis e
intocáveis.
Se algumas substâncias químicas alteram profundamente os nossos
sentimentos, então tudo aquilo que é sobrenatural, principalmente os
nossos conceitos de alma e espírito, deverá sofrer com o tempo algumas
modificações com respeito às suas influências sobre a nossa mente e
nosso corpo. O futuro da Ciência será em descobrir até que ponto eles
são afetados por tudo que não é sobrenatural. Se é que o
sobrenatural existe...
Uma nova revolução filosófica-religiosa está prestes a acontecer. Não
antes da Ciência ter certeza por onde começar, pois, lidar com
conceitos tão arraigados em nossa civilização é tarefa, no mínimo,
para ser realizada com muita responsabilidade.
Fonte: http://www.epub.org.br/cm/n12/opiniao/sentimentos.html