Entendendo o Amor
Extraído da revista Superinteressante
Entender o sentimento
mais misterioso que existe. A tarefa pode parecer ingrata, mas há uma
porção de cientistas empenhados em cumpri-la. Eles já mapearam parte
do estrago que ele causa ao nosso cérebro e até encontraram um hormônio
que seria um verdadeiro elixir do amor.
Quando Martin encontrou Robin pela primeira vez, sentiu uma atração tão
forte que lhe parecia um enorme sacrifício ficar longe dela, mesmo que
por apenas alguns minutos. Foi recíproco. Robin mudou toda a hierarquia
de suas prioridades: tudo o que lhe parecia importantíssimo tornou-se
banal. O único assunto que lhe interessava passou a ser Martin. Ela
engravidou logo depois da primeira relação sexual e ele se empenhou
brilhantemente em ajudá-la a cuidar da família. Hoje, passados alguns
anos, os dois ainda estão juntos. E qualquer um que os conheça de perto
tem absoluta certeza de que eles nem concebem a idéia de viver
separados. Podemos afirmar que Martin e Robin se amam.
Robin e Martin são ratos. Sem ofensa. Os dois são arganazes-do-campo,
um simpático roedor do centro-oeste americano. Eles pertencem a uma das
espécies mais românticas do mundo, uma das poucas nas quais há
monogamia e macho e fêmea criam juntos seus filhotes (95% dos mamíferos
têm hábitos bem mais promíscuos). Robin e Martin podem não ser um casal
tão famoso quanto Romeu e Julieta ou Brad Pitt e Jennifer Aniston, mas
seu romantismo, que tem sido cuidadosamente estudado num laboratório da
Universidade de Illinois, Estados Unidos, tem trazido grandes avanços para
a ciência na tentativa de explicar o amor.
Por serem monogâmicos, os arganazes-do-campo são as cobaias perfeitas
para os experimentos que vêm sendo desenvolvidos com um hormônio chamado
ocitocina. Para os cientistas, a ocitocina é uma proteína produzida no
sistema límbico cerebral a estrutura do cérebro envolvida no
processamento de sentimentos e sensações. Ela age especificamente na
região que comanda o mecanismo de recompensa. Mas poderíamos
simplificar a definição e dizer que a ocitocina é um "elixir do
amor". Veja o caso de Martin e Robin. Os dois receberam injeções
de ocitocina logo antes de se "apaixonarem" um pelo outro.
O ELIXIR DO AMOR
Até recentemente, quase todos os estudos sobre ocitocina se limitavam
ao seu papel durante a fase de lactação, mostrando como ele é responsável
pelo que normalmente vemos como o amor genuíno entre mães e filhos. O
trabalho de parto e o toque do filhote nas glândulas mamárias da mãe
estimulam a produção do hormônio no cérebro em vários mamíferos,
inclusive em humanos. E, pelo jeito, é isso que faz com que as
progenitoras se sintam conectadas a suas crias o que é imprescindível
para a sobrevivência delas. Em outras palavras, aquilo que chamamos de
instinto maternal, que leva uma fêmea a proteger seus filhotes ainda
que isso lhe custe a vida, é conseqüência desse detalhe químico.
O que pesquisas como as que envolvem Martin e Robin estão mostrando é
que não é só a conexão entre mães e filhos que é facilitada pela
liberação de ocitocina. Cientistas acreditam que o hormônio seja
responsável por quase toda ligação social e formação de laços
entre mamíferos. E não há razão para duvidar de que isso inclua o
amor entre nós, humanos. "Tanto o amor quanto as ligações
sociais servem para facilitar a reprodução, nos dar um senso de
segurança e reduzir a ansiedade e o estresse", diz a
neuroendocrinologista Sue Carter, dona de Robin e Martin. Isso quer
dizer que, por menos romântico que possa parecer, o amor é um artifício
da natureza para manter a espécie humana procriando.
Sue e seus colegas desvendaram nos últimos anos parte do mecanismo de
funcionamento desse hormônio. Pelas suas pesquisas, a ocitocina não é
liberada apenas durante o parto e a amamentação. Outras ocasiões
induzem sua produção: calor, toque, carinho, palavras, cheiros agradáveis
e... o orgasmo. Em outras palavras: pelo menos nos roedores,
comportamentos típicos de casais enamorados palavras, carícias e sexo
provocam a criação de laços muito semelhantes àqueles entre mães e
filhos. É algo de que o senso comum já desconfiava muito antes de
haver qualquer pesquisa sobre o assunto. Tanto que esses dois tipos tão
diferentes de laços têm na maioria das línguas o mesmo nome: amor.
Os estudos de Sue trazem indícios de que nas relações humanas o
objeto mais desejado sexualmente será também o alvo do sentimento de
ligação mais forte. Em alguma medida, isso provaria que fazer sexo
pode enfatizar a sensação de amor que temos por alguém mais ainda se
forem relações sexuais satisfatórias, já que a liberação de
ocitocina parece estar ligada ao prazer. "Preferências por um
parceiro podem se desenvolver depois de um período de coabitação sem
atividade sexual. No entanto, as preferências ocorrem muito mais
rapidamente quando um macho e uma fêmea mantêm relações
sexuais", escreveu Sue, sem a menor poesia, como convém a um texto
numa publicação científica. "A maior evidência do papel da
ocitocina na formação de casais é simplesmente o fato de que, quando
nós bloqueamos os receptores desse hormônio, os animais não conseguem
formar casais", disse a cientista à Super.
As pesquisas com roedores parecem explicar também por que buscamos tão
incansavelmente o amor. O presidente do Instituto Americano de Saúde
Mental, Tom Insel, estudou um parente próximo dos arganazes-do-campo,
os arganazes-montanheses. Esses bichos têm uma diferença básica em
relação aos seus românticos primos: eles não são nem um pouco dados
à monogamia. Insel acha que descobriu a razão para as puladas de
cerca. Ele percebeu que, nesses ratinhos infiéis, ao contrário do que
acontece nos arganazes-do-campo, a ocitocina não tem ação numa área
especial do cérebro: o centro de recompensa, responsável pela maior
parte das sensações prazerosas do corpo. Essa área é ativada quando
um sujeito come chocolate ou quando toma alguns tipos de droga, por
exemplo, e nos faz ter vontade de repetir a experiência agradável.
Assim, os comportamentos que estimulam a liberação da ocitocina são
reconhecidos como prazerosos para os do campo, mas não afetam os
montanheses. Tudo indica que a maior parte dos humanos seja parecida com
os arganazes-do-campo nesse aspecto nós também adoramos nos apaixonar.
Mas, quando se trata de humanos, não dá para fazer afirmações
definitivas. Os estudos sobre a ação do hormônio em gente ainda estão
engatinhando. Em parte, porque não há tecnologia suficiente para
investigar o cérebro humano sem esbarrar em barreiras éticas. "Não
poderíamos bloquear os receptores de ocitocina em uma mulher prestes a
dar à luz para descobrir se isso atrapalharia a formação de laços
com o bebê", diz Sue. Da mesma forma, ninguém cogita fazer com
gente o que Sue fez com ratinhos " cientistas não têm o direito
de fazer o papel de Cupido injetando hormônios em pessoas. Mas algumas
semelhanças entre o comportamento de humanos apaixonados com os ratos
sob o efeito da ocitocina são difíceis de ignorar.
CARA DE BOBO
Lembre-se da última vez em que você ficou completamente apaixonado.
Você não achou que as atividades normalmente insuportáveis ¿ lavar
louça, colocar o lixo para fora, estudar, trabalhar ¿ tornaram-se
toleráveis, até prazerosas? Você não parou de se irritar com os
outros motoristas no trânsito e não perdeu a pressa descabida de
chegar em cinco minutos a qualquer lugar? Outros sintomas: sorrir sem
explicação, tratar as pessoas melhor, sentir-se feliz por pequenas
coisas, ficar mais saudável, mais bonito até. E, óbvio, a indefectível
"cara de bobo".
Em um estudo com ratos, o neuroendocrinologista sueco Kerstin Uvnäs-Moberg
descreveu as reações corporais das cobaias depois da injeção do hormônio.
As mais comuns foram: calma, falta de estresse, maior tolerância a
situações repetitivas e tediosas e maior disposição para interação
social. Os estudo comprovaram que houve queda da pressão arterial dos
ratos, liberação de doses de insulina natural e aumento da capacidade
de cicatrização. Outra conseqüência percebida pelo cientista foi um
efeito sedativo nos ratos que receberam doses de ocitocina. Talvez o
mesmo efeito responsável pela cara de bobo.
A ocitocina parece explicar também uma idéia nunca comprovada, mas
extremamente difundida: a de que mulheres amam mais que homens. As
pesquisas usando animais provaram que, combinado com estrogênio (hormônio
encontrado em ambos os sexos, mas bem mais comum nas fêmeas), os
efeitos da ocitocina de diminuição da ansiedade e do estresse são
enfatizados. Em compensação, a testosterona (que é mais abundante nos
organismos masculinos) diminui os efeitos da proteína. A testosterona
é responsável pelo instinto de "lutar ou fugir", uma reação
comum diante do perigo. "Basicamente, isso significa que, diante do
perigo, machos estão mais sujeitos à reação instintiva de revidar ao
ataque ou correr dele", afirma a psiquiatra Rebecca Turner, da
Universidade da Califórnia. Já as fêmeas, mais influenciadas pela
ocitocina e pelos laços que ela constrói, agem de forma bem diferente.
"Elas procuram por aqueles que amam, seja porque esses lhes passam
segurança ou porque sentem que precisam de sua proteção."
COISA DA SUA CABEÇA
Mas, se a liberação de ocitocina acontece por causa do toque, por que
não nos apaixonamos pelo massagista? Por que ônibus lotados não são
os lugares mais românticos da Terra? E por que é possível continuar
apaixonado pela mesma pessoa ainda que ela viva a quilômetros de distância?
Os estudos de Uvnäs-Moberg mostraram que a liberação de ocitocina
pode estar condicionada a estados emocionais e imagens mentais. Mais que
isso, os testes revelaram que a liberação sistemática do hormônio
durante um período de alguns dias pode "fixar" os efeitos,
transformando a sensação de amor em uma constante. O
neuroendocrinologista sueco injetou ocitocina em roedores por cinco dias
seguidos, deixando-os "apaixonados". No sexto, os efeitos
apareciam sem a injeção do hormônio. O cientista acha que a mera
lembrança das sensações agradáveis causadas pela ocitocina, ainda
que na ausência dela, são suficientes para ativar o amor.
No livro A General Theory of Love ("Uma Teoria Geral do Amor",
sem tradução brasileira), três psiquiatras da Universidade da Califórnia
tentam explicar os mecanismos cerebrais do amor e dedicam um capítulo
à memória humana. Eles demonstram que nossas referências sobre o amor
são armazenadas em nossa memória "implícita" ¿ a mesma que
nos permite dirigir um carro sem nem nos darmos conta de todas as operações
envolvidas no processo ¿ e não na "explícita", onde ficam
registradas lembranças conscientes. "Isso explica de que maneira
as pessoas aprendem o gosto discriminatório que diz a elas quem devem
amar", diz Richard Lannon, co-autor do livro. Ou seja, características
que tendemos a procurar nas pessoas ficam escondidas, alheias à consciência.
É por isso que algumas pessoas se inclinam a escolher namorados(as)
sempre com os mesmos defeitos, por mais que saibam racionalmente o
quanto devem evitar isso.
Para Lannon, a divisão dos três cérebros, feita em 1971 pelo
neuroanatomista Paul MacLean, é o primeiro passo para entender por que
a lógica racional não explica nossas preferências sobre parceiros românticos.
MacLean dividiu o cérebro humano em três partes: reptiliano, límbico
e neocórtex. Em linhas gerais, o primeiro é aquele presente em quase
todos os animais, que meramente reage às situações de risco e
armazena informações instintivas. É ele a única parte viva em um ser
humano em estado vegetativo. O segundo é responsável por nossas emoções
e sentimentos. O terceiro, o neocórtex, é responsável pelo que
chamamos de razão ¿ dele dependem funções como escrever, falar,
planejar e racionalizar. Isso não quer dizer que razão e emoção
sejam a tal ponto distintas que podemos separá-las perfeitamente. Mas
mostra por que algumas de nossas reações emocionais ¿ e,
principalmente, nossa capacidade de interação social ¿ independe de
nossas habilidades intelectuais.
O autismo, causado por um dano no sistema límbico, ou a síndrome de
Asperger, algo como um autismo bem mais brando, seriam provas dessa
divisão do cérebro. Pessoas que apresentam essas doenças podem ser
brilhantes ¿ vários grandes matemáticos sofrem de Asperger ¿, mas têm
dificuldade de interagir. "A maior parte de nós entende que flores
expressam romantismo, enquanto pirulitos são presentes para crianças,
mesmo que não saiba explicar por quê. Um autista não saberia qual dos
dois escolher na hora de convidar uma garota para sair", escreveram
os autores de A General Theory of Love. Por outro lado, uma criança
cega sabe como sorrir, mesmo que nunca tenha visto um sorriso em toda a
sua vida, porque a sensação de alegria está armazenada no seu sistema
límbico e essa sensação faz com que determinados músculos sejam
contraídos provocando um sorriso.
Apesar de os sentimentos terem origem no sistema límbico, falar sobre
eles é função do neocórtex. Isso explica por que nem sempre é fácil
expressar em palavras aquilo que estamos sentindo e talvez seja o motivo
pelo qual poetas sejam tão populares entre pessoas apaixonadas.
"Poesia é a ponte entre os cérebros neocortical e límbico",
diz Lannon.
PAIXÃO NAS ENTRANHAS
A expressão "eu te amo do fundo do coração" não faz muito
sentido. Não há nada no peito que provoque a sensação de amarmos
alguém embora haja indícios de que o músculo cardíaco produza
pequenas quantidades de ocitocina, sabe-se lá para quê. Mas a expressão,
tão popular, encontra sua justificativa na sensação de aceleração
do coração que está associada a qualquer paixão que se preze. As
deliciosas reações corporais que sentimos por todo o corpo como
resultados dos fenômenos cerebrais são as responsáveis pela sensação
de que nossos sentimentos são verdadeiros.
Pense na pessoa por quem você está (ou esteve) apaixonado. Agora tente
explicar os motivos pelos quais tem tanta certeza de que a ama (ou
amou). Você possivelmente vai recorrer a exemplos sobre seu estado de
espírito ou suas reações físicas na presença ou simples lembrança
do ser amado. "Vem um frio na barriga toda vez que o vejo" ou
"eu sinto uma alegria inexplicável ao fazer as atividades mais
banais ao lado dela" são algumas das explicações mais
recorrentes na tentativa de provar que amamos alguém.
"Se imaginarmos uma emoção forte e depois tentarmos abstrair da
consciência que temos dela todos os sentimentos dos seus sintomas
corporais, veremos que nada resta", escreveu o filósofo inglês
William James. "Tudo o que fica é um estado frio e neutro de
percepção intelectual", afirmou. Por exemplo, o que chamamos medo
nada mais é do que a aceleração cardíaca, as pernas enfraquecidas
etc. E amor, na prática, não passa de uma condição física
caracterizada pelo rosto ruborizado, o frio no estômago, o coração
acelerado. O neurocirurgião português António Damásio vai além. Ele
acha que a explicação de James "funciona bem para as primeiras
emoções que sentimos na vida. Mas, como seres sociais, sabemos que
muitas das nossas emoções só são desencadeadas após um processo de
avaliação mental que é voluntário, e não automático",
escreveu em sua obra O Erro de Descartes. Indício disso é o fato de
que pessoas cujas características físicas sejam distantes do padrão
de beleza da sociedade em que vivem tendem a ter dificuldade para
encontrar um parceiro romântico. Ou seja: é mais fácil se apaixonar
por alguém que tenha características valorizadas em seu tempo e em sua
cultura, uma prova de que o amor tem pelo menos um componente racional.
SOFRER POR AMOR
Infelizmente, um dos subtemas mais presentes em discussões científicas
ou não sobre o amor é o sofrimento que ele causa. Qualquer um que já
tenha sido obrigado a se separar de alguém que ama ¿ pela morte deste
ou por um rompimento com o qual não concordava ¿ sabe exatamente
disso. Talvez sirva como consolo para os corações partidos saber que
esse sofrimento não é exclusividade humana. Diante da perda, vários
mamíferos apresentam duas fases de reação: "protesto" e
"desespero". Na primeira, o sujeito se contorce, grita, chora,
implora por uma nova chance (se, por sorte, você nunca experimentou
algo assim, separe um cachorro recém-nascido de sua mãe e veja o que
acontece). Já na segunda fase, a reação será muito parecida com a de
pacientes em depressão: falta de vontade de interagir socialmente,
perda de apetite, insônia e desinteresse por qualquer atividade.
"Uma separação pode afetar o corpo de tal forma que o rompimento
de um relacionamento muitas vezes ocasiona doenças", diz o
psiquiatra Thomas Lewis, outro dos autores de A General Theory of Love.
Esses efeitos são sentidos em qualquer idade, mas muitas vezes causam
danos permanentes em seres muito jovens. "Amor, ou a falta dele,
pode mudar seu cérebro para o resto da vida", diz Lewis. "Nós
costumávamos acreditar que o sistema nervoso chegaria à maturidade
seguindo apenas as instruções contidas no DNA", diz o psiquiatra.
"Hoje sabemos que as experiências são cruciais para um
desenvolvimento saudável do sistema nervoso", afirma. E o amor está
com toda a certeza entre as mais significativas das experiências.
AFINAL, PARA QUÊ?
Mas será o amor
realmente um tema para discussões e experiências científicas? Alguns
cientistas têm a resposta na ponta da língua e ela não é nem
um pouco romântica. "O amor emana do cérebro e o cérebro é algo
físico. Portanto o amor é tema para o discurso científico da mesma
forma que pepinos ou eventos químicos", escreveram os autores de A
General Theory of Love. Eles ainda argumentam que é preciso entender os
fenômenos para que eles façam sentido nas nossas vidas e para que a
ignorância não traga conseqüências amargas. "Pessoas que não
conhecem nem respeitam as leis da aceleração acabam quebrando
ossos."
O problema agora é descobrir que métodos usar para chegar à
verdadeira essência do amor. "A ciência opera a partir de uma
premissa crua mas eficiente: para entender um mundo, pegue um pedaço
dele. Acontece que o amor é indivisível", diz Lewis, mostrando o
tamanho do problema. O psiquiatra acredita que ainda estamos longe de
mapear todos os mistérios do amor e "assim como Sue Carter e seus
colegas empenhados nos estudos neurobiológicos sobre o tema" não
consegue fazer previsão sobre quando será possível entender
exatamente o que se passa pelo corpo humano que provoca a sensação
mais festejada de todos os tempos. Enquanto isso, sigamos tentando
entender o tema do jeito tradicional: a velha e boa tentativa e erro. Há
quem jure que vale a pena.
-------------------------------
A Paixão sem Mistérios? A Anatomia, a Química e a Biologia do Amor
Então de repente, no bar, na festa, na praia, na fila do banco - não importa -, os olhos se encontram. Primeiro uma ansiedade, um calor no peito que logo se espalha em calafrios que procuramos disfarçar. Um leve suor nas mãos. No primeiro encontro, os lábios ressecam um pouco antes do primeiro beijo, as palavras tremem embaraçadas em pensamentos confusos. Joelhos que mal sustentam o peso do corpo. Esquecemos do mundo lá fora em eternas horas de silenciosa saudade ao telefone, perfumadas com aquela inquietude própria dos amantes...
Quem nunca sentiu coisa parecida? Pois os cientistas - sempre eles! - querem nos convencer que toda esta áurea sedutora de mistério que envolve os assuntos do coração não passa de uma meia dúzia de manifestações anatômicas e equações bioquímicas. Até onde a ciência pode realmente traduzir em números e estatísticas aquilo que para muitos de nós é a verdadeira essência dos céus na Terra: o Amor?
Primeiro, definindo o amor.
O amor é uma experiência consumptiva. Mergulhamos euforicamente nesta deliciosa tortura e não comemos ou dormimos direito. Freqüentemente, é difícil manter a concentração. A Dra. Donatella Marazziti, psiquiatra da Universidade de Pisa, acredita que pessoas "doentes de amor" estejam realmente doentes: sofrem de um distúrbio obsessivo-compulsivo. Inegavelmente, paixão e psicose obsessiva-compulsiva compartilham diversos aspectos comuns. E isto não é meramente uma teoria sem fundamentos: "ambos estados associam-se a baixos níveis cerebrais de serotonina, uma substância química fabricada pelo corpo que nos ajuda a lidar com situações estressantes", afirma a médica.
Uma segunda descoberta do trabalho da Dra. Marazziti e não menos importante merece ser mencionada: bebidas alcoólicas também diminuem os níveis de serotonina no cérebro, criando a ilusão de que a pessoa do outro lado do bar é o amor da sua vida. Portanto, cuidado com as noitadas.
Que seja eterno enquanto dure.
Existe um limite de tempo para homens e mulheres sentirem os arroubos da paixão? Segundo a professora Cindy Hazan, da Universidade Cornell de Nova Iorque, sim. Ela diz: "seres humanos são biologicamente programados para se sentirem apaixonados durante 18 a 30 meses". Ela entrevistou e testou 5.000 pessoas de 37 culturas diferentes e descobriu que o amor possui um "tempo de vida" longo o suficiente para que o casal se conheça, copule e produza uma criança. "Em termos evolucionários," - ela completa - "não necessitamos de corações palpitantes e suores frios nas mãos".
A pesquisadora identificou algumas substâncias responsáveis pelo Amor: dopamina, feniletilamina e ocitocina. Estes produtos químicos são todos relativamente comuns no corpo humano, mas são encontrados juntos apenas durante as fases iniciais do flerte. Ainda assim, com o tempo, o organismo vai se tornando resistente aos seus efeitos - e toda a "loucura" da paixão desvanece gradualmente - a fase de atração não dura para sempre. O casal, então, se vê frente a uma dicotomia: ou se separa ou habitua-se a manifestações mais brandas de amor - companheirismo, afeto e tolerância -, e permanece junto. "Isto é especialmente verdadeiro quando filhos estão envolvidos na relação", diz a Dra. Hazan.
Os homens parecem ser mais susceptíveis à ação das substâncias responsáveis pelas manifestações associadas ao Amor. Eles se apaixonam mais rápida e facilmente que as mulheres. E a Dra. Hazan é categórica quanto ao que leva um casal a se apaixonar e reproduzir: "graças à intensidade da ilusão romanceada que temos do Amor, achamos que escolhemos nossos parceiros, mas a verdade é conhecida até mesmo pelos zeladores dos zoológicos: a maneira mais confiável de se fazer com que um casal de qualquer espécie reproduza é mantê-los em um mesmo espaço durante algum tempo" - que o digam os processos de assédio sexual no local de trabalho...
Com base em pesquisas da Dra. Helen Fisher, antropologista da Universidade Rutgers e autora do livro The Anatomy of Love, pode-se fazer um quadro com as várias manifestações e fases do amor e suas relações com diferentes substâncias químicas no corpo:
Manifestação
Conceito
Substância mais associada
Luxúria
Desejo ardente por sexo
Ÿ Testosterona
Atração
Amor no estágio de euforia, envolvimento emocional e romance
Ÿ Altos níveis de Dopamina e norepinefrina
Ÿ Baixos níveis de serotonina
Ligação
Atração que evolui para uma relação calma, duradoura e segura.
Ÿ Ocitocina e vasopressina
Fórmulas do Amor: a paixão é uma reação química?
Os cientistas conhecem a Feniletilamina (um dos mais simples neurotransmissores) há cerca de 100 anos, mas só recentemente começaram a associá-la ao sentimento de Amor. Ela é uma molécula natural semelhante à anfetamina e suspeita-se que sua produção no cérebro possa ser desencadeada por eventos tão simples como uma troca de olhares ou um aperto de mãos.
O affair da feniletilamina com o Amor teve início com uma teoria proposta pelos médicos Donald F. Klein e Michael Lebowitz, do Instituto Psiquiátrico Estadual de Nova Iorque. Eles sugeriram que o cérebro de uma pessoa apaixonada continha grandes quantidades de feniletilamina e que esta substância poderia responder, em grande parte, pelas sensações e modificações fisiológicas que experimentamos quando estamos apaixonados.
A Dra. Helen Fisher demonstrou que a inconstância, a exaltação, a euforia, e a falta de sono e de apetite associam-se a altos níveis de dopamina e norepinefrina, estimulantes naturais do cérebro.
Alguns pesquisadores afirmam que exalamos continuamente, pelos bilhões de poros na pele e até mesmo pelo hálito, produtos químicos voláteis chamados Feromônios. Atualmente, existem evidências intrigantes e controvertidas de que os seres humanos podem se comunicar com sinais bioquímicos inconscientes. Os que defendem a existência dos feromônios baseiam-se em evidências mostrando a presença e a utilização de feromônios por espécies tão diversas como borboletas, formigas, lobos, elefantes e pequenos símios. Os feromônios podem sinalizar interesses sexuais, situações de perigo e outros. Se realmente existirem na espécie humana e sua percepção se der de maneira inconsciente, estaríamos permanentemente emitindo informações acerca de nossas preferências sexuais e desejos mais obscuros sem saber?
Os defensores da Teoria dos Feromônios vão ainda mais longe: dizem que o "amor à primeira vista" é a maior prova da existência destas substâncias controvertidas. Os feromônios – atestam – produzem reações químicas que resultam em sensações prazerosas. À medida em que vamos nos tornando dependentes, a cada ausência mais prolongada nos dizemos "apaixonados" – a ansiedade da paixão, então, seria o sintoma mais pertinente da Síndrome de Abstinência de Feromônios.
Com ou sem feromônios, é fato que a sensação de "amor à primeira vista" relaciona-se significativamente a grandes quantidades de feniletilamina, dopamina e norepinefrina no organismo. E voltamos à questão inicial: até que ponto a paixão é simplesmente uma reação química ?
O amor por cima das teorias
Apesar de todas as pesquisas e descobertas, existe no ar uma sensação de que a evolução, por algum motivo, modificou nossos genes permitindo que o amor não-associado à procriação surgisse – calcula-se que isto se deu há aproximadamente 10.000 anos. Os homens passaram realmente a amar as mulheres, e algumas destas passaram a olhar os homens como algo mais além de máquinas de proteção.
A despeito de todos os tubos de ensaio de sofisticados laboratórios e reações químicas e moléculas citoplasmáticas, afinal, deve haver algo mais entre o céu e a terra...
Referências:
1. The Anatomy of Love, Helen Fischer, Norton, New York, 1992.
2. The Smell of Love, F. Bryant Furlow, Psychology Today, 3-4/95, pp. 38-45.
3. What's love got to do with it? The Evolution of Human Mating, Meredith F. Small, New York: Anchor Books, 1995
4. McEwen BS. Meeting report - is there a neurobiology of love? Mol Psychiatry. 1997 Jan;2(1):15-6.
5. Keller L. Evolutionary biology. All's fair when love is war. Nature. 1995 Jan 19;373(6511):190-1.
6. Mosher SV. A fool for love.
7. Spink G. Monash University - The Chemistry of Love.
8. Chemistry of Love. Niazi Archive Essays.
9. Radio National - The Health Report. Biology of love.
http://boasaude.uol.com.br/Lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3218&ReturnCatID=1781
====================================================================