Sentindo e Agindo
Por: Antonio M. O. Castro
Não sei dizer em
que momento exato de meus estudos passei a dar a devida atenção aos
sentimentos. Na verdade, nestes 20 e poucos anos que me dedico ao tema
eu não posso dizer que estudei sistematicamente
o comportamento humano. Ora estava mais
atento, chegava a ficar obsessivo, ora até me desinteressava do tema.
Na ausência de textos que
reunissem biologia e
comportamento, ia recolhendo um fragmento aqui, outro ali. Normalmente
guardava as descobertas na memória. Em outras ocasiões escrevia
pequenos textos, às vezes só um punhado de frases, e jogava tudo num
saco para uso futuro. Não posso fazer as citações bibliográficas
devidas porque simplesmente não me lembro de todas as fontes de que
lancei mão. Eu não tinha a intenção de um dia escrever sobre o
assunto. Assim, não fichava artigos e reportagens que lia.
De algumas leituras e da
convivência com os cientistas da área da genética, eu já tinha
certeza desde de meados da década dos 80 que a base dos sentimentos era
química. Todos os sentimentos estão associados a uma ou mais
substâncias químicas fabricadas pelo organismo. O sentimento pode vir
da presença dela(s), ou da sua supressão. Li, por exemplo, que a dor
de cotovelo se origina de um corte súbito de fenilalanina do organismo.
Já a alegria vem da presença da oscitocina. A paixão e o amor podem
deflagrar a produção de todo um complexo de substâncias, pois nestas
situações sentimos também insegurança, o desejo, o ciúme, etc.
Eu sabia, então, que os
sentimentos tinham uma função biológica, mas só me interessava pelos
chamados grandes sentimentos, como o amor, o desejo, o ódio e outros. O
amor e o desejo induzem ao acasalamento e à reprodução, preservando a
espécie. O ódio estimula a defesa de indivíduos e grupos. Assim
concluía e por aí ficava satisfeito.
Foi possivelmente depois
de ver o vídeo que mencionei no capítulo anterior onde um cientista
dizia que o cérebro parecia funcionar por um mecanismo de castigo e
recompensa que a função primária dos sentimentos veio mais claramente
à minha mente.
Passei a reparar mais na
minha própria forma de sentir. Usei meu organismo como laboratório de
pesquisa. Refletia e tentava elaborar sobre tudo o que sentia, mesmo os
sentimentos mais elementares. Daí constatei que não passava um minuto
sequer sem sentir alguma coisa.
Neste exato momento em
que escrevo, por exemplo, estou com um certo frio (um desconforto ou
castigo - c) por estar sem camisa e estar ventando. Tenho duas opções
de ação: ou visto uma camisa ou fecho a janela. A vista da janela é
bela (uma recompensa - r). Ficaria triste se não mais a visse (c).
Apesar da preguiça, prefiro levantar e vestir uma camisa (ação - a).
Visto a camisa e tenho uma sensação gostosa por ter anulado o frio
(r). Quando levantei senti uma pequena dor nas nádegas (c). A cadeira
está um pouco dura (c). Troco a almofada (a). Sentei. Não adiantou
nada. Continua a dor (c). Irrito-me (c mais intenso) e levanto para
buscar outra cadeira (a). Ao caminhar senti a dor passar (r). Aproveito
e aviso à cozinheira que jantarei na cidade (a). Estou um pouco triste
(c) por estar isolado já há alguns dias. Preciso encontrar outros
humanos (a). Ouço um ruído que parece telefone. Irrito-me
profundamente (c forte), pois recordo do estresse do escritório onde
trabalho no Rio. Lembro que aqui não tem telefone. Alívio (r). Depois
que vesti a camisa não sinto mais frio ou calor. Neste aspecto estou
neutro (n). Nada tenho mais a fazer em relação a isto. Esqueci o
assunto. Ao voltar da cozinha sinto uma pressão para
urinar (c). Passo no
banheiro (a). Alívio (r). Fico neutro também neste aspecto e o
esqueço.
Isso tudo se passou em
menos de 15 minutos. Somos uma verdadeira máquina de sentir que
funciona incessantemente. E por que sentimos? Qual a razão biológica
do sentimento
ou por que fomos
dotados da capacidade de sentir diversos sentimentos diferentes? A
resposta a que cheguei é para podermos agir de uma forma adequada aos
diferentes estímulos recebidos. O
sentimento é a forma pela qual nosso organismo nos induz a uma ação
que ele julga adequada para sua própria integridade, ou a do grupo ao
qual pertencemos, no curto, médio ou longo prazos.
As ações que descrevi
acima foram todas de curto ou curtíssimo prazos. No máximo de algumas
horas à frente, como no caso do ir jantar na cidade por sentir falta de
companhia.
Tiveram também um
início e um fim bem definidos. Mas poderíamos ter outros tipos de
indução de ação de maior prazo e de duração indefinida. Por
exemplo, eu não estou satisfeito com o meu peso. Se subo na balança,
olho minhas fotos ou vejo um daqueles anúncios estrelados por Apolos e
Vênus sinto-me mal (c). Comecei a fazer ginástica (a). Preciso perder
uns 10 kg. Já perdi 2 em duas semanas. Olho a balança e sinto-me feliz
(r).
Naqueles cerca de 15
minutos que descrevi acima, que mensagens - via sentimentos - recebi e
tive que dar uma ação em resposta?
- a
temperatura do corpo não está adequada (o organismo está gastando
muita energia para mantê-la na faixa ideal);
- -
não se feche para a beleza da paisagem (sobre a função da beleza
falaremos em um capítulo especial mais adiante);
- os
tecidos de suas nádegas estão sendo agredidos (a irrigação dos
tecidos não está sendo feita em alguns locais);
- -
não se afaste tanto do seu grupo: lembre-se que você é um ser
gregário;
- fuja
de situações estressantes;
- sua
bexiga está carregada;
Quanto mais me
aprofundava no estudo dos sentimentos, mais entendia a extraordinária
funcionalidade de todos eles. Nada existia por acaso. Nada parecia
destinado apenas ao nosso deleite cultural. Consegui, afinal, desvendar
o binômio do sentir – agir:
agimos movidos por
sentimentos; todo o sentimento é provocado pela presença ou ausência
de substâncias químicas; estas, para serem autofabricadas ou
autossuprimidas
exigem um aparato
interno orgânico; se é orgânico, tem base genética; se é genético,
tem função biológica, ou seja, o mecanismo é fruto da adaptação a
um estímulo contínuo e permanente do meio ambiente ao qual os
organismos dos seres vivos responderam em bilhões de anos de
evolução; logo, todos os sentimentos, no fundo, são mera parte do
nosso equipamento de sobrevivência.
Nada mais simples! Nada
mais lógico! Quantas bobagens filosófico-românticas se escreveram e
se dizem sobre os sentimentos! Afinal a luz veio ao meu pensamento.
Caberia, então, detalhar o modelo e assim fiz.
O esquema a seguir
apresentado eu desenhei em 1993 a partir de uma conversa que tive com
minha amiga P., a bela, que além de bela é também bióloga e gosta de
discutir essas
coisas do comportamento
humano comigo. Foi meio por acaso. Eu levei um esboço de modelo para
discutir com ela e, durante a conversa, a coisa foi tomando a forma em
que se encontra até hoje. Nem P. ou eu somos fisiologistas. O modelo
utiliza, portanto, categorias que criei, assim como os psiquiatras
criaram o Id, o Ego etc. Eu observei como agimos, li sobre as
descobertas científicas relacionadas com o comportamento e, com base
nisso tudo, criei o modelo.
Estímulos internos.
Comecemos pela parte que
chamo de realidade interna, que está relacionada com o controle das
funções mais evidentemente fisiológicas do organismo (o comer, o
respirar, o defecar, etc.). Para elas temos um mecanismo de leitura
"on line", permanentemente ligado, mesmo quando dormimos. O
nível de sustentação energética do organismo, por exemplo, está
sempre sendo lido e passado ao "Setor de Valoração". Se o
nível cai abaixo do que seria o normal ou adequado para a boa
sustentação do organismo, o "Setor de Valoração" passa uma
instrução à "Central de Controle e Produção de Drogas"
para que produza ou suprima uma substância que será lida na
"Central de Sensações" como fome (veja figura adiante). A
quantidade da substância e, portanto, a intensidade da sensação são
inversamente proporcionais ao nível de leitura, ou seja, quanto mais
baixo o nível, mais alta a dosagem da substância e mais forte a
sensação de fome.
Entremos na "Central
de Sensações". É ela que gera a sensação de castigo ou
recompensa (C/R). Sempre que o organismo se sente agredido, o sentimento
é ruim (castigo), o que induz a uma ação de busca de recompensa. No
nosso exemplo, a ação seria a de buscar se alimentar. Quanto maior a
fome, maior será a motivação para agir em busca do alimento e maior o
prazer (a recompensa) ao ingerir o alimento. O gosto dos alimentos pode
até ficar muito melhor quando estamos com uma fome canina. Em se
alimentando a contagem da reserva de energia disponível no organismo começa
a subir. Nova droga é produzida (ou a droga causadora da sensação de
fome vai sendo suprimida), causando a sensação de prazer e bem estar.
A contagem sobe. Ao nível "satisfeito", ou seja, normal ou
suficiente, o mecanismo dará quimicamente o sinal "chega",
"pare de comer". Se continuamos a comer, a leitura, via
"Setor de Valoração", indicará excesso: nova agressão ao
organismo. Instrução à CPCD: produza a droga XYZ e envie-a à
"Central de Sensações", que produzirá um sentimento de fastio
ou enjôo. Se a ação de ingestão prosseguir, o mecanismo poderá
comandar o estômago para que "devolva" o alimento.
Quanto maior o potencial
de perigo para o organismo da privação a que está sendo submetido,
mais intenso é o sentimento de castigo, o que induz a ações mais rápidas
ou até agressivas de resposta. Assim, a sensação negativa de falta de
ar é muito mais intensa do que a de sede, que, por seu turno, é mais
forte do que a de fome. Isto é naturalmente lógico, já que resistimos
poucos minutos à ausência de ar, pouquíssimos dias à falta de água,
mas a alguns dias à privação de alimentos. Há, assim, uma hierarquia
natural na intensidade dos castigos.
A leitura interna do
funcionamento e da situação geral dos nossos órgãos é, como
mencionei, constante e em tempo real. Há 3 leituras possíveis:
a) Um sentimento de castigo
causado pelo mal funcionamento de um órgão por qualquer razão ou situação
de privação ou excesso de um elemento essencial. Por exemplo, a fome,
sede ou falta de ar citados acima, ou o mal funcionamento do estômago
dando a sensação de enjôo. Outros exemplos poderiam ser a falta de açúcar,
gerando sensação de extrema fraqueza, ou o excesso de exercícios,
causando a sensação de fadiga.
b) O sentimento de
recompensa pela correção das situações acima. Nada melhor, por
exemplo, para uma pessoa com sede que beber água; para o exausto, o
descansar; para o faminto, o comer; para
o hipoglicêmico, o açúcar; para o nauseado, o sal de fruta.
c) A normalidade, que não gera
sensações. Corrigido o desvio, a leitura volta à contagem considerada
normal pelo organismo e nada mais se sentirá. Nem castigo, nem
recompensa. Nada mais se sente e, em conseqüência, não mais se tem
estímulo para agir no que diz respeito as anormalidades corrigidas.
Esquecemos do assunto, em outras palavras.
O monitoramento do estado
geral do organismo e as conseqüentes ordens de ação se dão mesmo quando
dormimos. Por exemplo, sentimos um desconforto muscular e nos viramos na
cama sem acordar, ou, se estamos com excesso de urina na bexiga, a
contagem indica, sentimos o desconforto ou castigo e somos acordados
para exercer a ação corretiva.
Estímulos externos.
Bem, passemos agora à
explicação do nosso esquema quando estímulos externos ou ambientais
estão presentes. A captação desses estímulos se dá através dos
nossos 5 sentidos. A visão, o tato, o olfato, o paladar e a audição
são portas de entrada ("inputs") que agem em conjunto com a
dimensão cerebral do O QUE. A ação imediata dos sentidos é
simplesmente fazer um reconhecimento objetivo de objetos, seres, fatos
ou fenômenos que nos cercam (O QUE é isto?). Para que uma resposta
instantânea possa ser dada, é necessário que já haja uma referência
anterior sobre o objeto ou coisa percebida nas nossas memórias. No caso
são memórias visuais, tácteis, olfativas, palatativas ou auditivas.
Não havendo tais registros, procuraremos a resposta através de
analogias com outros registros disponíveis na memória. Ainda assim,
não obtendo resposta, iremos nos socorrer com terceiros ou pesquisar o
assunto. É importante lembrar que, como dissemos no capítulo anterior,
a falta de resposta ao O QUE pode nos causar um desconforto ou castigo,
que nos induzirá à ação busca da resposta.
O QUEM é também
acionado de imediato, ou seja, identifica- se o que é aquilo que se
está vendo, cheirando etc., e, se possível ou aplicável, QUEM é ele.
Mas a natureza dotou-nos de um mecanismo de valoração da informação
recebida. É um mecanismo sofisticado e utilíssimo para a nossa sobrevivência,
na medida em que nos permite medir a importância daquela informação.
Fazemos isso o tempo todo sem perceber. Por exemplo, vejo algo. O QUE? Um
cachorro. É o Baco, o meu cachorro que gosto. Fico feliz. Ele também.
Trocamos carinhos. Aprofundamos nossa amizade. Mas se é o cachorro
Doberman do vizinho, sinto medo. Eu o conheço. Ele é bravo. Meu medo
é controlado e me faz agir com certa tranqüilidade apenas para
controlar minha integridade física. Mas poderia ser outra pessoa que tivesse
um medo pânico de cães por alguma experiência passada negativa ou
assustadora que foi memorizada como tal. Sua reação poderia ser
completamente descontrolada.
Na representação
esquemática do modelo de sentir-agir, a avaliação da importância daquela
informação objetiva é feita no "Setor de Valoração", que,
para tal, se apoiará em referências existentes no que chamamos de
parte RAM desse setor. Esta parte, por sua vez, é gerenciada pela parte
ROM do mesmo setor.
Expliquemos melhor o que
estamos chamando de ROM e RAM. Faço aqui mais uma analogia com
computadores, que têm a memória ROM ("read-only memory") e a
memória RAM ("random access memory"). A primeira vem pronta
do fabricante e não pode ser apagada ou modificada sem danos para o bom
funcionamento do equipamento.
Já a segunda, pode ser
gravada, alterada e apagada pelo usuário da máquina. No entanto, a
parte ROM estabelece regras gerais para o funcionamento da parte RAM.
Em nosso modelo, a parte
ROM abriga os valores que trazemos geneticamente determinados. Os mesmos
valores ROM, que são apenas 3, estão presentes em todos os seres
humanos (e nos outros animais), pois constituem os pressupostos básicos
para a vida na Terra. É o que poderíamos chamar de Leis da Vida ou
instintos básicos. Os valores RAM, que podem ser milhares em uma só
pessoa, obedecem necessariamente a esses pressupostos, mas podem variar
tremendamente de pessoa a pessoa, em gênero e grau.
Durante as nossas vidas
criaremos, modificaremos e extinguiremos valores RAM. ROM E RAM estão
relacionados com os nossos sentimentos. ROM determina o que o organismo
animal, o Homem, por exemplo, é biologicamente capaz de sentir. A parte
RAM, em função da experiência de cada um, vai determinar em que
situações sentiremos o que sentimos. Vejamos ROM e RAM mais em detalhe
a seguir.
Valores ROM.
As leis da Natureza
determinam que os animais lutem para manter-se vivos, que formem grupos
e que procriem. Para tal eles devem empreender uma série de ações na
vida. E para que eles se sintam estimulados a empreender tais ações o
organismo nos dotou da capacidade de sentir. Os sentimentos são uma
ilusão química que orientam o nosso comportamento para atender essas
leis. Todos os nossos sentimentos são assim relacionados com esses
três mandamentos da Natureza, que eu chamo de valores ROM, sobre os
quais não temos controle. Assim, para que nos mantenhamos vivos, há o
PROTEJA-SE/SOBREVIVA; para que procuremos formar grupos, temos o PROTEJA
A FAMÍLIA, O GRUPO, A ESPÉCIE; e para que procriemos, há o
MULTIPLIQUE.
Em todas as nossas
ações e sentimentos encontraremos fundamento em um ou mais desses
valores. Eles são, portanto, a chave para se compreender e explicar os
atos e atitudes dos humanos e dos outros animais. Durante algum tempo
dediquei-me a mapear tudo o que nós chamamos de sentimentos, como o
amor, o ódio, a amizade, o nacionalismo, o bairrismo, a vergonha, o
nojo, a ambição, a inveja, o egoísmo, o racismo e muitos outros.
Todos eu conseguia classificar nas 3 chaves ROM. Descobri os fundamentos
materiais em coisas consideradas meros conceitos culturais, como a
beleza, por exemplo. Sente-se beleza e não apenas tem-se a idéia dela.
Experimente. Olhe para algo muito belo, como uma linda mulher, por
exemplo, e veja como você sente beleza.
Todos os sentimentos darão a sensação de castigo ou de recompensa,
como forma de induzir-nos a agir em consonância com os 3 valores ROM,
ou seja, os sentimentos são o meio que a natureza desenvolveu para
operacionalizar esses valores em nós e em outros animais. O amor e o
desejo sexual, por exemplo, estão relacionados com MULTIPLIQUE, a
amizade, o amor maternal ou fraternal, com PROTEJA O GRUPO, A FAMÍLIA,
A ESPÉCIE, o medo e o nojo com PROTEJA-SE/SOBREVIVA. No Apêndice I há
uma tabela que onde relaciono algumas dezenas de sentimentos com o valor
ROM a que estão subordinados e a sua função natural ou biológica.
Hierarquia de valores ROM.
Em um indivíduo normal e
saudável os valores ROM são indeletáveis. Mas há uma hierarquia
entre eles, que pode variar de pessoa para pessoa e, numa mesma pessoa,
ao longo de sua vida. Há situações também de conflito entre os
valores ROM. Vejamos exemplos. Uma criança é extremamente egoísta, o
que faz todo o sentido, pois ela precisa de muita atenção dos adultos
para sobreviver. E ela sabe como ninguém atrair as atenções para si.
O valor PROTEJA-SE/SOBREVIVA é o preponderante e quase único até
cerca de 2 anos. O valor PROTEJA O GRUPO se manifesta em relação a um
grupo muito pequeno nessa fase, que é o da família, a mãe
principalmente.
O MULTIPLIQUE só aparece
com intensidade na puberdade e se sobrepõe aos demais nas tomadas de
decisão, secundado pelo PROTEJA-SE/SOBREVIVA. Somos egoístas,
narcisistas e tarados. Faz-se qualquer coisa pelo outro sexo nessa
idade. Lá pelos vinte e poucos anos o valor PROTEJA O GRUPO - um grupo
mais ampliado - toma uma força considerável. Uma fase idealista pode
se iniciar. As grandes causas da humanidade tendem a ser abraçadas.
Podemos colocar nossas vidas em risco por elas.
Pelo que consideramos ser
o bem do grupo, da nação ou de uma causa coletiva qualquer,
enfrentamos a repressão dos poderosos ou o fogo do inimigo, num claro
conflito entre PROTEJA-SE/SOBREVIVA e PROTEJA O GRUPO, A FAMÍLIA, A
ESPÉCIE. Com o avançar dos anos o nosso MULTIPLIQUE vai enfraquecendo
junto com a nossa capacidade orgânica de reproduzir. O enfraquecimento
geral do organismo faz também aumentar o nosso sentimento de risco
individual. O PROTEJA-SE/SOBREVIVA volta a preponderar. As causas
humanitárias tendem a ser abandonadas e nos tornamos novamente mais
egoístas. Falamos frases do tipo "já pensei muito nos outros:
agora preciso pensar em mim e nos filhos", "preciso fazer meu
pé de meia para a velhice", etc.
Assim, ao longo da
vida, a hierarquia dos valores ROM que presidem as nossas decisões vai
se transformando. Mas há ainda as variações individuais. Há aqueles
que, embora sofram essa transformação na hierarquia dos valores, são
notadamente mais do
que os outros. São mais valentes, ou mais egoístas, ou mais tarados,
ou mais altruístas que os demais. Um dos valores ROM daquele indivíduo
é muito mais forte do que os dois demais, o que faz com que o conjunto
de sentimentos relacionados com aquele ROM tenham uma intensidade maior.
Um Ghandi ou uma Madre Teresa de Calcutá, por exemplo, foram pessoas
que dedicaram quase todo o tempo de suas vidas ao grupo, não temendo
arriscar a vida. O PROTEJA O GRUPO, A FAMÍLIA, A ESPÉCIE de ambos era
bem mais forte do que PROTEJA-SE/SOBREVIVA E MULTIPLIQUE. Já a cantora
e atriz Madona parece ter só MULTIPLIQUE na cabeça.
Valores RAM.
Recapitulando o modelo de
leitura de estímulos externos, até aqui temos que:
- o
organismo faz uma leitura do estímulo via os nossos 5 sentidos,
procurando classificá-lo, num primeiro momento, frente a memórias
objetivas de que disponha;
- identificado
o estímulo, imediatamente a informação é passada para o "Setor
de Valoração" que vai valorar ou medir a importância da mesma;
- esta
informação é recebida na parte de valores RAM do "Setor de
Valoração", que procura classificar a mesma buscando referências
em suas memórias disponíveis; achadas as referências, é passada a
informação a "Central de Produção e Controle da Drogas -
CPCD" de qual ou quais os sentimentos que o indivíduo deve sentir
naquela situação;
- a
CPDC imediatamente lançará (ou suprimirá) droga(s) na "Central
de Sensações", produzindo o(s) sentimento(s) determinados;
- tal
ou tais sentimentos irão gerar ações em resposta, que podem ser
imediatas, de curto, médio ou longo prazos.
Vejamos, então, os
valores RAM. Disse que eles são organizados e determinados pelos
valores ROM. Como? Partamos dos 3 valores ROM que são os princípios
básicos dos seres vivos da Terra. Ao longo do processo evolutivo fomos
aperfeiçoando os mecanismos que vêm de encontro a esses valores. Para
que eles sejam atendidos, nosso organismo teve que ser devidamente
aparelhado. Esse aparelhamento se deu de um lado pelo desenvolvimento da
arquitetura cerebral e, de outro, pelo desenvolvimento dos mecanismos de
sentir/agir. A fisiologia dos sentimentos é que nos permite dar a
resposta rápida e adequada aos estímulos internos e externos ao
organismo. Um indivíduo louco, por exemplo, é alguém que teve esse
mecanismo danificado. O louco se caracteriza basicamente pela resposta
inadequada ou completamente desproporcional aos estímulos que recebe.
Ele chora quando deveria rir, ri diante do que seria de chorar, tem
pânicos sem razão aparente e etc.
Sentimos o que estamos
fisiologicamente aparelhados para sentir: não mais, nem menos. É como
os nossos ouvidos que ouvem só os sons que somos capazes de ouvir. O
cachorro escuta outras freqüências, o morcego escuta com um sonar. Mas
nós humanos escutamos todos só sons dentro de determinada faixa de
freqüência. Nesse ponto - o dos sentimentos que somos capazes de
sentir - todos os humanos normais são absolutamente iguais (3).
Geneticamente, fomos
construídos assim e assim somos. Mas isso tudo – digamos - é o nosso
estoque de ser. É estático e sem capacidade de interpretação. É
como o computador em que escrevo sem os softwares. Para a nossa melhor
sobrevivência era necessário que fôssemos dotados de mecanismos da
adaptação ao tempo, ao espaço ou a qualquer situação específica
que vivamos. Muito bem, todos sentimos amor, nojo, amizade, beleza, mas
exatamente em que situações um ou outro sentimento é adequado? Por
que as pessoas não sentem igualmente sob circunstâncias idênticas ou
diante dos mesmos estímulos? A questão é que os genes nos
construíram para sentir as mesmas coisas, sabendo que esse conjunto de
sentimentos constitui um "kit" de sobrevivência adequado para
a espécie. Só que os genes não podem saber previamente em que lugar
ou época viveremos, quais as situações que acontecerão em nossas
vidas, o que ou quem conheceremos, etc. Era necessário que fôssemos
dotados de um mecanismo de avaliação e memorização de nossas
experiências para que sintamos a ajamos de forma adequada e saudável
para o organismo e o grupo. Os genes engenheiraram então um fantástico
mecanismo de adaptação que é o das memórias de
valores RAM.
Como são e funcionam
elas? Da mesma forma que a memória RAM do meu computador é carregada
quando digito essas palavras, a nossa RAM é carregada com as
experiências que vivemos no nosso dia-a-dia. Imagino que a RAM ocupa
uma área de terabites de capacidade de armazenamento. Desde a mais
tenra infância vamos registrando as experiências que nos chegam
através dos 5 sentidos. O setor ROM está vigilante. Se aquela
experiência tem relação com os nossos 3 valores básicos, ele
determina o seu registro da memória RAM, tornando-a um valor ou
memória de emoção, que nos provocará sentimentos no futuro, quando a
experiência for repetida. Caso aquela experiência ou estímulo nos
traga informações sem maior importância para os valores ROM, ela
será gravada apenas como memória objetiva em outro espaço do
cérebro. É o exemplo do cachorro Doberman do vizinho. Se ele não me
ataca, ele estará registrado em minhas memórias objetivas como apenas
mais um cachorro, o do vizinho, não me causando nenhuma emoção. Mas
se o desgraçado é uma ameaça para mim, ele será gravado na RAM e
quando eu o vir, sentirei medo. Se ele já me mordeu, eu posso ter medo
de qualquer cachorro Doberman que encontrar por me lembrar do
desgraçado.
Para efeito
didático, vamos supor que quanto maior o espaço ocupado por um valor
RAM, mais intenso é o sentimento que dele deriva. Se fosse possível
fotografar então a RAM, veríamos milhares de valores que gravamos em
função da nossa vivência e experiências, cada um ocupando um espaço
diferente na memória. Qualquer novo estímulo captado pelos nossos 5
sentidos passará na RAM, que o analisará segundo os critérios dos
valores ROM, e poderá fortalecer ou enfraquecer um valor já existente
(aumentar ou diminuir o espaço ocupado), ou criar um novo. Vamos assim
enriquecendo o nosso mecanismo de sobrevivência, modificando a nossa
forma de sentir – agir, tornando- a mais adequada ao mundo que
vivemos. Esses valores constituem, então, memórias
de emoção. Valores
são memórias de emoção. Vejamos como
são os mecanismos de gravação e deleção dessas memórias.
Gravação dos valores RAM.
A grosso modo, haveria
duas formas de registrarmos as memórias RAM, as memórias de emoção.
Uma é autônoma ou aleatória, a partir das nossas experiências do
dia-a-dia e outra é a induzida por terceiros, ou dirigida.
Para gravações de
memórias RAM induzidas por terceiros damos o nome de educação,
socialização ou aculturamento. Ela se dá pela repetição de idéias,
ideais e comportamentos desejados. A forma utilizada para tal é o já
nosso bastante conhecido mecanismo de castigo e recompensa. No seio da
família somos desde cedo bombardeados com o que nossos pais e
familiares acham o certo e o errado: Seja limpo! Coma tudo para ser
forte! Não brigue com seus irmãos! Não desarrume a casa! Escove os
dentes! O que mais escutamos é nããão! Seu feio! Ah, que lindo! Não
raramente as admoestações e elogios verbais vem acompanhados de
castigos ou recompensas físicas e materiais. Um tapa, as vezes um
presentinho, uma carícia...
Esse processo nos
acompanha toda a vida na escola, no círculo de amizades, no trabalho,
nos templos, na rua, enfim, no cotidiano da vida. As formas variam, mas
o mecanismo básico repete o que o nosso próprio organismo usa conosco:
castigo e recompensa. Qualquer grupo do qual participemos vai tentar nos
impingir padrões de comportamento. Se os adotarmos nos recompensarão e
distinguirão. Se os contrariarmos seremos castigados, podendo chegar
até a nossa exclusão do grupo.
Esse comportamento
é derivado do valor ROM PROTEJA A FAMÍLIA, O GRUPO A ESPÉCIE, visando
o fortalecimento dos grupos. Note que o que essas pessoas querem é nos
passar valores RAM. Mas quando uma mensagem dessas se torna efetivamente
um valor?
Quando nós passamos a senti-la.
Pela repetição e, fundamentalmente, pelo uso do castigo e recompensa,
a partir de um determinado momento nós incorporamos
aquelas mensagens como valores. Ela se
torna orgânica, corpórea pela sua gravação na memória RAM. A partir
desse momento você sente a
coisa. Pode ser um simples "escove os dentes", por exemplo.
Durante um bom tempo - anos, às vezes - o não escovar os dentes não
lhe incomoda realmente. Mas, de repente, você passa a se sentir mal se
não os escova algumas vezes ao dia. Neste momento aquela idéia virou
um valor. E, a partir de então, ele vai acionar todo o mecanismo
biológico de castigo e recompensa descrito anteriormente.
Esse é um mecanismo
essencial para a organização dos grupos, pois as pessoas passam a se
autocontrolar ou autocastigar na medida em que obedeçam ou não aos
mandamentos do grupo. Não fosse assim, teríamos que manter um guarda
atrás de cada indivíduo (e outro guarda atrás dos guardas). O
mecanismo é de uma extraordinária eficiência. Normalmente as
sociedades partem de uns poucos ideais que vão sendo detalhados
através de leis, regulamentos, etiquetas sociais, comportamentos
adequados e isso vai sendo forçado sobre os componentes daquela
sociedade para que eles tudo incorporem como valores. Alguns
determinados valores relacionados com aspectos do comportamento, tais
como conduta sexual, honestidade e outros de fundamental importância
para a organização da família e da sociedade, são por isso exaltados
e reforçados pela cultura, constituindo o que chamamos de princípios
morais ou simplesmente moral. Esses valores ocupam um enorme espaço na
nossa RAM, gerando fortes reações químicas e conseqüentes
sensações de castigo e recompensa, conduzindo o nosso comportamento
para o que os 3 valores ROM consideram ser o certo e o errado, o bem e o
mal. Falar sobre princípios morais me faz lembrar da diferença entre
ética e moral. A ética é a moral sem sentimento. A ética é mais
fruto de raciocínio. Códigos de ética normalmente servem apenas para
defender grupos de outros.
Quando um médico
ou advogado, eticamente não
critica o trabalho de outro colega, o que é isso senão defesa de
classe? Ao não envolver tanto os sentimentos, a ética dá muito mais
liberdade de escolha do que a moral. Contrariar valores morais gera um
terrível castigo que é a vergonha. Em nossas sociedades a elite
determina o que é moral, mas fica com a ética. O desconforto de
contrariar a ética é mais passível de racionalização. A moral é
para o povo. Para a elite, o povo deve se comportar segundo padrões
morais sem muita discussão. As religiões reforçam os valores morais,
pelos quais o povo deve orientar seu comportamento. Pobre aprende
religião. Rico estuda teologia.
Tome-se a constituição
dos Estados Unidos como exemplo. São poucos artigos que falam em
democracia, liberdade, livre iniciativa, etc. O grande desenvolvimento
daquele país/sociedade deve-se fundamentalmente ao fato de que os
americanos incorporaram todo esse ideário como valores e organizaram
sua sociedade em torno deles. A democracia para os americanos é uma
coisa sentida. Quando esse valor é ameaçado, há toda uma reação
contrária fruto de um sentimento coletivo de ameaça àquele valor. Da
mesma forma, os japoneses incorporaram o valor da subordinação
hierárquica e do sacrifício individual pelo coletivo, o que facilita
extremamente a gestão de suas empresas, conferindo-lhe grande vantagem
competitiva sobre as organizações do ocidente. Os suíços são
também grandes amantes da ordem e da organização.
Há até uma piada
ilustrativa da diferença de valores incorporados por nações
distintas, que, no fundo, quer demonstrar a atração do brasileiro pela
bagunça. A história era a de que estavam num hotel hóspedes de
várias nacionalidades e um deles apostou com outro que faria um
francês, um inglês, um alemão e um brasileiro se jogarem à noite na
fria piscina do hotel. Aposta feita e o desafiador chamou o francês e
disse: "Atire-se na piscina que é a coisa mais chique por
aqui!" E o francês mergulhou. Em seguida ele chama o inglês e
diz: "Mergulhe também. É a tradição local!" E lá se foi o
inglês para dentro da piscina. Ele, então, chama o alemão e
determina: "Pule na piscina: é uma ordem!". E o alemão
mergulha sem discussão. Restava o brasileiro que ele chama e sussurra
em seu ouvido: "É proibido mergulhar na piscina." E o
brasileiro mergulha incontinenti. Algumas religiões usam com grande
eficiência esses mecanismos para conquistar e manter os seus fiéis.
Parte-se de uns poucos mandamentos bastante simples e claros. Para
aqueles que os seguem ou não as recompensas e castigos são bastante
extremados: de um lado o paraíso, de outro o fogo do inferno. Os fiéis
incorporam aqueles valores na sua memória RAM e, visivelmente, os
sentem, marcando sua conduta por esses princípios ou valores
religiosos.
Não é difícil
identificar os valores de uma pessoa porque ela os revela através das
emoções que sente diante de uma dada situação. Narro uma
experiência simples que vivi. Durante uma viagem fiz amizade com um
passageiro europeu. Ao chegarmos no aeroporto ofereci carona no meu
carro para o hotel em que ele ia ficar. Dirigindo na avenida Atlântica,
em Copacabana, no Rio de Janeiro, cidade conhecida por motoristas que
desrespeitam as leis do trânsito, parei em um sinal vermelho. O carro
que vinha ao meu lado não tomou conhecimento do sinal: como veio
seguiu, sem ao menos diminuir a velocidade. Meu companheiro tomou um
susto que lhe tirou a respiração! Eu, acostumado, tive uma pequena
reação. A diferença das reações foi uma indicação clara de que
ambos tínhamos o valor RAM de "não desrespeitem as leis de
trânsito", representado ali pelo sinal vermelho. Só que ele tinha
o valor ocupando um espaço de RAM muito maior do que eu, o que lhe fez
ter uma descarga química muito mais intensa e, conseqüentemente, uma
reação muito mais forte. Por que tínhamos essa diferença? Por que
ele estava acostumado a um sistema de punições muito mais rigoroso do
que eu no que toca ao desrespeito às leis de trânsito. Na Europa uma
pessoa que fura um sinal vermelho pode ir preso, eficiente método de
gravação de RAM por terceiros. No Rio de Janeiro um guarda pode
assistir passivamente a transgressão, o que é um método eficaz de
enfraquecer a RAM da obediência às leis.
Esse é um ponto
importante quando refletimos sobre o desenvolvimento das sociedades.
Todas as sociedades mais evoluídas usam e abusam do mecanismo de
castigo e recompensa. Os anglo-saxãos, por exemplo, são notoriamente
rígidos na aplicação de suas leis. Já os países latinos convivem
bem com um grau de transgressão muito maior. No Brasil há uma
expressão fantástica que é a das "leis que não pegam".
São leis que são editadas e que, na prática, ninguém as segue. Se
você quiser admoestar alguém com base nelas, esse alguém lhe dirá:
"Ah, essa lei não pegou!" E tudo fica por isso mesmo (a não
ser pela sua cara de bobo).
No Rio as pessoas pensam
se devem ou não seguir as leis de
trânsito. Se não houver um guarda por perto, vamos em frente. Na
Europa as pessoas sentem que
devem obedecer a lei. Isso faz toda a diferença. Se alguém duvida é
só lembrar de todas as discussões que já teve na vida com alguém
fanático por alguma coisa. Futebol, ideologia política, crenças
religiosas, princípios
morais, lembra? Nós todos temos os nossos personagens na cabeça,
aqueles que já vinham com uma recomendação do tipo "discuta tudo
com ele
menos...". São os
tabus de cada um. Há também os complexos: "Fale de tudo, mas não
mencione o nariz dele." Há pessoas que se especializam em
descobrir os pontos fracos de alguém para espezinhá-lo ou vencê-lo em
uma discussão. Nossos irmãos são mestres nisso. Eles sabem exatamente
onde dói e lançam farpas certeiras. Minha irmã mais velha tinha
problemas sérios de acne. Ela sentava na mesa de almoço e eu soltava:
"Ai, que nojo! Assim não dá para comer". Bastava isso para
ela chorar e eu fazia isso sempre (acho que irmãos vêm com uma
mensagem genética para nos espezinhar: a função biológica deve ser a
de nos tornar mais fortes para enfrentar o mundo fora da família).
No caso de minha irmã o
valor RAM era o de seja bela, seja atraente, mantenha o poder de
sedução, tudo subordinado ao valor ROM MULTIPLIQUE, e que estava sendo
contrariado por sua cara com espinhas (espero que ela não chore de novo
quando ler isso). No meu caso, a implicância com minha irmã tinha base
na eterna disputa de poder entre irmãos, cujo vencedor espera receber
mais atenção dos pais, o que está ligado ao valor PROTEJASE/
SOBREVIVA. Quanto mais eu falava de suas espinhas, mais forte ficava
aquele valor em sua RAM. Mestres na gravação dirigida de memórias RAM
são as organizações militares. Ao lado das organizações religiosas
e do Poder Judiciário, os militares dominam a utilização da linguagem
simbólica como ninguém. Como é o processo educacional dos militares?
Ele começa por submeter o recruta a uma verdadeira lavagem cerebral.
Aquelas sessões intermináveis de ordem unida - esquerda, direita, meia
volta volver! - não fazem muito sentido à primeira vista, já que nas
guerras modernas não se vê ninguém marchando ordenadamente contra o
inimigo. O que na verdade acontece ali é a internalização dos dois
valores RAM mais importantes para o funcionamento das organizações
militares: o valor da obediência aos superiores hierárquicos e o da
submissão do indivíduo ao grupo. Há uma voz a qual os recrutas vão
se acostumando a obedecer cegamente que é a do sargento que ministra a
ordem unida.
Naquele vai e volta
aparentemente sem sentido prático a repetição "ad nausean"
de palavras e movimentos correspondentes, que se não seguidos causam
penalidades graves ao recruta, é um poderoso instrumento de gravação
de RAM. Após algum tempo, o recruta estará com a RAM "obediência
ao superior" muito bem gravada. E como ele reconhece qualquer
superior? Pelos milhares de símbolos visíveis que os militares não
sem razão utilizam. Será que alguém acha que aqueles milhares de
estrelinhas, escudinhos, espadinhas, cordinhas que eles usam em seus
uniformes são meros enfeites culturais?
Da mesma forma a
educação militar exalta o sentimento de grupo. O indivíduo não vale
nada. Vi um filme ("A Few Good Men" ou "Questão de
Honra" no Brasil) em que um "mariner" diz que seus
valores mais importantes eram, em ordem decrescente, seu pelotão, o
regimento, Deus e a pátria.
No combate com o
inimigo o que lhe dará mais chance de sobreviver é realmente o apoio
do seu companheiro do lado. Depois você deve contar com os outros
pelotões de seu regimento que, provavelmente, estarão na mesma área
de combate. Depois disso é contar com Deus, porque a pátria pode estar
muito distante de seus problemas. O sistema de gravação de RAM dos
militares é forte, eficiente e dos mais duráveis, pela sua eterna
repetição em todos os níveis. A partir de um certo ponto de
aculturamento no meio, o militar é
obediente. A obediência ou subordinação
àqueles que ele reconhece como superiores hierárquicos é um sentimento
(há todo um processo químico envolvido,
portanto) para os militares e não só uma idéia ou raciocínio. E por
que esse sistema é tão característico e tão forte?
A razão é simples. O
militar está sendo preparado para a guerra, onde matar e morrer fazem
parte natural do jogo. Ora, não há sentimento mais anti-ROM do que
esses. E o soldado morre por quem? Pelo grupamento de que faz parte e,
mais longinquamente, pela pátria. Os heróis militares são mais os que
morrem pelo grupo do que os que simplesmente vencem o inimigo. Para ser
herói de guerra vivo você deve no mínimo perder um braço. Todo esse
condicionamento à obediência é particularmente importante na chamada
"hora H". Quando o superior ordena: atacar! o comandado tem
que responder instantaneamente ou é o caos para o grupo. É matar ou
morrer. Imaginem se nessa hora os subordinados resolvessem discutir a
ordem ou fazer uma comissão para debater a questão. Um outro sistema
muito rico para estudo da gravação da nossa RAM por terceiros é o do
Poder Judiciário. Como o militar, ele é também extremamente rígido
no cumprimento da ordem e há uma hierarquia claramente definida de
tribunais em instâncias que se sobrepõem. Aqui também há toda uma
linguagem simbólica usada no dia-a-dia do funcionamento dos tribunais.
O juiz não é um homem, mas uma instituição que julga acima dos
homens. Para que isso seja melhor reconhecido e aceito por todos e por
ele próprio, o juiz se veste de forma diferente, muitas vezes com
roupas e apetrechos, como perucas, que fora daquele contexto seriam
consideradas ridículas. Ele senta também de forma a ficar expresso que
ele está investido pelo poder. Sua cadeira está num nível superior a
dos demais, é quase um trono. O réu fica bem abaixo, simbolizando sua
subordinação ao veredicto. O tratamento ao juiz é distinguido:
trata-se-lo de "Excelência". Todos levantam à sua entrada na
sala do julgamento, ao comando do meirinho. Fica bonito nos filmes
americanos...
Todo esse rito e
simbologismo serve, em última instância, para facilitar a gravação
da RAM "obedeça ao juiz/judiciário", relacionada ao valor
ROM PROTEJA O GRUPO, A FAMÍLIA, A ESPÉCIE, já que vem de encontro a
uma melhor organização social. Incorporada a RAM, você sentirá o
poder do juiz, sentirá medo de desobedecê-lo, acatará
melhor suas
determinações, ainda que o contrariem. Um humorista uma vez perguntou:
"Por que juiz e réu não se sentam nus lado a lado no
julgamento?" A imagem é realmente
engraçada, não? Mas o
Judiciário perderia todo o seu poder. A RAM é muito simbólica. Ela
não tem a capacidade de gravar algo abstrato como o poder. Ela busca
coisas que representem o poder. Precisa de coisas concretas para
identificar e gravar, como a cadeira mais alta, a toga, a cabeleira,
etc.
No extremo oposto da
ordem rígida temos a universidade. Não que as universidades sejam uma
bagunça, ainda que por vezes pareçam. Mas a boa universidade, aquela
de vida longa, é rígida onde deve ser e flexível nos pontos certos. A
universidade valoriza a produção do conhecimento, o ensino e o saber.
"Da discussão nasce a luz". A universidade, portanto, não é
lugar para dogmas de conhecimento, muito menos de hierarquia funcional.
Já militares e religiosos vivem dos dogmas. Há métodos, rígidos
até, na atividade de busca do conhecimento. Mas ninguém tem o direito
de determinar aos outros qual é a verdade. A verdade deve ser provada
de uma forma aberta a todos e vale até prova em contrário. Não há
verdades imutáveis na ciência.
A ascensão na hierarquia
se dá pelo mérito do saber (ou assim deve ser, pelo menos). Há
provas, há concursos, enquanto que nas organizações militares e
religiosas a ascensão se dá muito mais pela confiança dos pares e
superiores em que aquela pessoa a ser promovida representa bem os
valores da instituição. Nas universidades os que sabem mais são
distinguidos não só por cargos mas também por títulos e o
reconhecimento dos pares. Há os "papas" em determinados
assuntos, que se tornam referência obrigatória em
todos os trabalhos
científicos sobre aquele tema. Abusa-se também da linguagem
simbólica. Mesmo nas universidades mais modernas há uma sala onde
reitores e decanos sentam-se, vestem-se e discutem de forma solene em
certas ocasiões. A sagração de um doutor "Honoris causa"
parece um rito medieval em algumas universidades, como vi recentemente
pela televisão na de Bolonha, Itália, que concedeu o título ao nosso
presidente.
Para os jovens estudantes
o tratamento é mais rígido. Até hoje um ensina e outros devem repetir
o ensinamento, submetendo-se a provas de verificação do aprendizado.
Os melhores são distinguidos por notas e elogios. Os piores podem até
ser excluídos da instituição. A disciplina existe, é claro, mas nem
se compara com a das organizações anteriormente citadas.
É interessante notar,
por fim, que os membros dessas organizações vão incorporando os
valores RAM correspondentes às mesmas. Mesmo fora de seu
"habitat" natural, normalmente um juiz é um juiz, um militar
é um militar e um professor é um professor, assim como um padre é um
padre. Tais valores acabam por impregnar toda a sua forma de pensar e de
viver. Para aqueles que apenas passaram por tais instituições ou
convivem/conviveram com elas de alguma forma, os valores RAM
correspondentes estão presentes de forma mais branda e se expressam
apenas quando retomamos o contato. Eu, por exemplo, me porto de forma
– digamos - institucionalmente correta quando estou me relacionando
com membros dessas entidades, principalmente quando estou dentro delas.
Nessas horas a minha RAM faz-me sentir mais ou menos a questão
hierárquica, do respeito aos símbolos, da rigidez de postura e
linguajar, da criatividade, etc., de acordo com a situação que estou
vivendo. Eu acabo "dançando com a música" que está tocando.
Gravação aleatória de valores RAM.
Esse tipo de gravação
de valores RAM é aquele que advém das nossas experiências do
dia-a-dia. Nós não as controlamos e nem pedimos por elas. Também não
há ninguém propositadamente tentando nos impingir aquelas idéias,
ideologias, padrões de comportamento, etc., na forma de valores. A
gravação nesses casos vem simplesmente através do registro das nossas
vivências julgadas relevantes pelos valores ROM. Os exemplos são
inúmeros e todos passamos por isso. Um acidente de carro do qual somos
parte nos torna mais cautelosos ao dirigir. Uma RAM específica é
imediatamente formada, ligada ao ROM PROTEJA-SE/SOBREVIVA. Ao sentar na
direção, as primeiras vezes logo após o acidente, nos deixa com medo
(a RAM é estimulada e provoca a reação química). Aos poucos vamos
retomando a confiança (a RAM pode ir diminuindo a sua força). Se o
trauma do acidente é forte podemos nunca mais querer ou poder dirigir
pelo pânico ou pela tristeza que nos causa (uma RAM traumática provoca
reações descompensadas e é muito difícil de apagar). O passar no
local do acidente, o aniversário do acidente, ver um carro igual ao que
nos acidentamos, o simples ver um carro qualquer amassado e mil detalhes
mais do acidente quando relembrados vão nos dar uma sensação de
desconforto ou castigo. É PROTEJA-SE/SOBREVIVA cumprindo o seu papel.
A memória RAM é
extremamente detalhista. Ela grava tudo o que está relacionado ao fato
importante em questão, tudo o que os 5 sentidos estavam captando no
momento. Pode ser o barulho da batida do carro, a música que tocava no
rádio, o cheiro da gasolina que derramou ou do sanduíche que se comia,
a textura da direção e tudo o que se pôde ver então. É uma torrente
de detalhes que serão gravados na RAM em segundos, tudo na forma de
memórias de emoção ou valores, e tudo ordenado e gerenciado, no caso,
pelo
valor ROM
PROTEJA-SE/SOBREVIVA. (Estava exatamente neste ponto do texto quando
chegaram amigos para me visitar e saímos de carro pela estrada da
fazenda onde escrevo. Passei com o carro rente à traseira de um cavalo
e um dos meus amigos disse que um dia ele fez o mesmo com um carro zero
km e o cavalo soltou um par de coices na porta do carro amassando-a.
Perguntei como ele se sentia quando passava de novo atrás de um cavalo.
Ele me respondeu: "tenso". Perguntei há quanto tempo tinha
acontecido o fato. Respondeu-me que tinha sido há 2 anos! PROTEJA-SE!)
O olfato é um dos
rememorizadores de valores RAM que mais me impressiona. Ele vai gravando
as experiências, relacionando cheiro e vivências do dia-a-dia, de uma
forma tão sutil que nós não nos apercebemos do fato. De repente o
cheiro se repete, longe no espaço e no tempo daquela vivência e tudo
volta à mente. Todos já passamos por essa experiência. Morei de 1967
a 1970 em Curitiba, no sul do Brasil, na belíssima casa de minha avó.
A casa abrigava um jardim de estilo francês, considerado o mais lindo
da cidade. Era mais de um hectare de gramados, fruteiras e canteiros de
flores circundados por buchos, pelo qual se passeava por caminhos
cobertos por pequenas pedras brancas redondas, daquelas encontradas nos
leitos dos rios. Ao fundo havia um bosque com árvores frondosas.
Cortava ainda o jardim um riacho que atravessávamos por pontes
côncavas, daquele tipo das pontes japonesas dos quadros de Monet. Nos
dois lados da avenida principal do jardim havia uma fileira de macieiras
e pereiras. Os limites do jardim eram marcados por cercas vivas,
esculpidas em formatos diversos, que exalavam um maravilhoso perfume nas
primeiras horas da manhã. Está claro que meu programa preferido na
casa era o de passear no jardim, cuja estética amava.
Nunca dei maior atenção
aos odores que exalavam das inúmeras espécies de plantas e flores,
daquele jardim, mas, muito tempo depois, percebi que a minha memória
RAM estava vigilante. Voltei a morar no Rio em 70, cidade cujo clima
não permite jardins como aquele. Para meu desgosto a casa de Curitiba
foi vendida e demolida em 1975. Dez anos depois transferi-me para
Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro, cidade de clima semelhante ao
de Curitiba. Fui morar numa casa também cercada por cerca viva com
gramados e flores. Durante todos aqueles anos lembrava-me saudoso do
velho casarão de Curitiba e até sonhava que ele ainda existia. Nada se
comparou, no entanto, ao que senti na manhã seguinte da mudança para a
nova casa em Teresópolis quando saí bem cedo ao jardim. Passando junto
à cerca viva senti o gostoso odor que ela exalava. Naquele exato
momento toda a lembrança dos jardins de minha avó vieram a minha
mente. Não só a lembrança dos detalhes físicos dos jardins: vivi
também, por um segundo, as sensações maravilhosas de meus passeios,
tudo despertado por um simples odor. O cheiro é um poderoso indexador
de memórias RAM.
Contei no início deste
livro a história de um conhecido meu italiano que se lembrou de um fato
ocorrido com ele 50 anos antes, por sentir um cheiro que não sentira
desde então. Eu, todas as vezes que sinto cheiro de cerca viva,
lembro-me dos jardins de minha avó. E lá se vão mais de 30 anos!
A gravação aleatória
de memórias RAM assim procede. Todas as experiências que passamos que
sejam importantes no julgamento dos valores ROM vão sendo gravadas e
indexadas para uso futuro na defesa de nossa sobrevivência. Descrevo a
seguir alguns outros exemplos que vivi de gravação de RAM sem
indução de terceiros.
Um amigo possuía parte
das quotas de um hotel em que os quotistas estavam todos brigando pelo
controle de sua administração. Havia infindáveis reuniões dos
quotistas em
clima de verdadeira
guerra, com grande desgaste emocional para todos. A partir de um certo
momento até anos depois de terminadas as lutas, todas as vezes que esse
meu amigo entrava no hotel ele sofria uma descarga química de
desconforto por estar ali, como se o organismo quisesse afastá-lo
daquele lugar associado em sua RAM a dissabores, que
PROTEJA-SE/SOBREVIVA queria evitar.
Trabalhei em uma empresa
que estava estagnada e nossa perspectiva de progredir profissionalmente
era nenhuma. Fiquei alguns anos nesta situação em que o que ganhava
mal dava para os gastos e sofria do desconforto do sentimento da
inutilidade todos os dias, 8 horas por dia. Naquela época, estar fora
do local de trabalho era o que me aliviava e eu simplesmente não podia
suportar a visão do encontro de qualquer colega fora da empresa. Num
fim de semana, esbarrar com um colega na rua causava-me um terrível
desconforto. A minha RAM já tinha gravado tudo o que se relacionava com
a minha empresa e me castigava para que eu agisse tentando mudar de
emprego. Odeio as segundas feiras! Por extensão odeio as tardes de
domingo, que para mim começam depois do almoço, seja a que horas for.
Almoço nos domingos, o mais tarde que puder, e fico esperando o dia
acabar para dormir, sabendo que vou acordar numa segunda feira. É
demais! E depois do almoço de domingo o que temos? Os programas de
televisão mais chatos do mundo que, vencidos pela inércia, acabamos
assistindo em companhia da sogra e daquela tia meio surda que a sua
mulher tem. A minha RAM associou as músicas, os "jingles", as
chamadas desses programas com essa situação de desespero mental que
vivo nas tardes de domingo. E é só eu ouvir um trechinho delas, mesmo
em outros dias da semana, que eu me arrepio. Aqui no Brasil temos o
Programa do Faustão num dos canais de TV que ocupa toda a tarde dos
domingos. Eu sinto um profundo desconforto só de olhar para a cara do
Faustão. Engraçado é que o programa dele antigamente era transmitido
aos sábados à noite e, naquela época, eu gostava dele! É
interessante também que esse desconforto praticamente desaparece quando
estou de férias. Às vezes nem reparo que é domingo e os programas da
TV e suas musiquinhas até que nem me deprimem tanto.
Do lado das recompensas
da RAM tem a música dos nossos tempos! Que "tempos" são
esses a que todos se referem? As pessoas adoram começar frases por
"no meu tempo...". Invariavelmente esses tempos gostosos são
os da juventude em que começamos a nos sentir mais independentes,
vivemos os nossos primeiros amores, temos a turma de amigos que saem
juntos para "caçar" nos fins de semana e um dos lugares mais
marcantes de tudo isso são os bailes. A RAM grava essas sensações
gostosas associadas às musicas da época e quando elas tocam de novo,
em qualquer época, é aquela descarga de felicidade! Vivi "meu
tempo" marcado pelas músicas dos Beatles. É tocar hoje e vem a
recompensa, como se meu organismo quisesse que eu me mantivesse sempre
jovem ou sempre feliz como naquela época. Cheiro de carro novo
(recompensa) e velho (castigo) são exemplos de gravação RAM
aleatória muito interessantes, associados ao sentimento de progresso
(do ROM PROTEJA- SE/SOBREVIVA) que só não sente quem nunca entrou num
carro.
Terminando os exemplos de
gravação RAM aleatória, me vem a mente o desconforto que sentia
quando passava na frente do banco ao qual devia uma promissória
atrasada.Não precisava ser nem na agência que havia me concedido o
empréstimo. A visão de qualquer agência, anúncio, símbolo do mesmo
banco já me dava o castigo. E que banco danado para ter agências!
Parecia que não tinha uma rua na cidade sem um raio de uma de suas
agências. Paguei a promissória enfim e, algum tempo depois, aquela RAM
desconfortável se apagou.
Rapidez e intensidade de gravação de
valores RAM
Quanto tempo leva a RAM
para gravar uma memória? E como ela decide qual o espaço e memória
que irá ocupar, ou seja, qual a intensidade do castigo ou recompensa
que ela dará quando for especificamente acionada?
Durante algum tempo
dediquei-me a estudar essas questões observando como acontecia em mim e
em pessoas próximas. Meus filhos, amigos e colegas de trabalho foram as
minhas "cobaias" principais. A questão da velocidade e da
intensidade de gravação de memórias RAM é complexa e eu não
pretendo aqui definir regras gerais para ela. Relato apenas as
conclusões a que cheguei. Verifiquei gravações instantâneas, onde a
RAM gravada passava imediatamente a causar desconforto. Um exemplo é
demonstrado por um amigo cuja mulher amada estava com outro. O
"outro" era de origem árabe e ele me disse que tinha deixado
de comer quibe, que ele gostava muito, só porque lhe lembrava o outro.
Ao saber que o carro do "inimigo" era uma van de tal marca e
cor, ele instantaneamente passou a sentir um profundo desconforto sempre
que via um carro igual. Esse castigo só passou quando ele conseguiu
esquecer a sua amada. A gravação foi instantânea ordenada por aquele
valor ROM de castigos e recompensas de enorme intensidade que é o
MULTIPLIQUE. Já a deleção foi lenta, fazendo sofrer bastante, pois
MULTIPLIQUE odeia perder.
Um exemplo oposto - de
gravação extremamente demorada - ocorreu com outro amigo. Ele tinha o
costume quando criança de fazer cocô nas calças sempre que sua mãe
lhe aprontava para sair. Estava de banho tomado, vestido com sua melhor
roupa e, na exata hora de sair de casa, pronto: se sujava todo. Esse
hábito, de gosto duvidoso sem dúvida, exasperava seus pais, que
brigavam muito com ele. Mas o ralhar, por mais veemente que fosse, não
surtia efeito. Isso se repetiu durante meses até que um dia seu pai
perdeu a abeça e lhe deu uma surra com o cinto. Disse-me esse meu amigo
que foi a última vez que ele sujou as calças. Na verdade a gravação
pode ser vista como rápida via trauma. O
convencimento por
argumentos não funcionou e os pais apelaram para o trauma. Esse tipo de
gravação é de grande velocidade - quase sempre instantânea - e de
deleção extremamente lenta (esqueci de perguntar ao meu amigo se ele
ficou com problema de prisão de ventre). O trauma não se dá somente
ou necessariamente por surras, é óbvio. As surras às vezes são
absolutamente inúteis no processo de gravação de valores, todos
sabemos. Os traumas podem se dar das mais variadas formas, como pela
simples visão de uma galinha sendo morta. Uns amigos, quando crianças,
assistiram juntos a morte de sua galinha de estimação, que virou o
jantar da noite. Nunca mais comeram galinha na vida. Pais, aliás,
entendem muito bem de gravação lenta de valores RAM, quando estão na
sua função de educar filhos.
Hábitos de higiene, boa
alimentação e organização dentro do lar parecem que jamais vão se
internalizar como valores nos nossos filhos. Nossa catequese se repete
todos os dias e noites e nada! Fazemos ameaças, prometemos recompensas
e os progressos educacionais são mínimos. Pior de tudo é que na casa
dos outros eles comem de tudo, arrumam a cama, são exemplos de meninos
educados. Por que isso? Para mim o que acontece em primeiro lugar é que
ameaças de pais não são levadas a sério. Por que uma criança há de
comer legumes, como espinafre cozida, se batata frita também lhe mata a
fome? Por que arrumar o quarto se a bagunça não lhe incomoda em
absoluto? Por que tomar banho se ela nem suou durante o dia? Quem acha
que o filho vai morrer desnutrido por não comer legumes somos nós e
não o organismo deles. Quem acha que sem aquela
famosa "última
colher" todo o resto do almoço do filhinho não serviu de nada é
a mãe que o está alimentando.
Nós adultos já
internalizamos na nossa RAM, orientada pelo valor ROM
PROTEJA-SE/SOBREVIVA, que é importante a diversificação dos
alimentos. E o PROTEJA O GRUPO, A FAMÍLIA, A ESPÉCIE leva pais e
mães, estas especialmente, ao desespero nos cuidados com a
alimentação de seus filhos. Mas a verdade, no entanto, é que ninguém
morre por não comer espinafre ou frutas e, mais ainda, jamais vi filho
de família com posses suficientes para comprar alimentos ter sua
integridade física ameaçada por problemas de nutrição (só por
excesso).
Na questão de nutrição
nosso organismo se autocontrola muito bem. Até uma certa idade vivemos
só com o leite da mãe. A partir do momento em que desmamamos,
começamos a comer o que estiver disponível e, dentre estes alimentos,
o que mais o nosso paladar apreciar, como balas e chocolates. Na
adolescência é que os nossos pequenos selvagens
vão começar a se
preocupar mais com o próprio físico, procurando as academias de
ginástica, procurando os chamados alimentos considerados saudáveis e
nutritivos, porque
entraram numa fase da
vida que terão que exercitar o poder de sedução, o que está muito
ligado a aparência física. Ou seja, a gravação da questão da
importância do que nós chamamos de boa alimentação levou anos para
se dar e ocorreu a despeito de todo o nosso esforço para acelerá-la.
Não estou defendendo que os pais devam deixar de lado a
preocupação com a
alimentação dos filhos, até porque isso seria inútil, tão forte é
a nossa RAM que relaciona alimentação e sobrevivência da prole
(PROTEJA A FAMÍLIA, O GRUPO, A ESPÉCIE). Mas, na verdade, nosso
organismo é muito mais inteligente nessa questão que nós pais.
Os valores RAM ligados
às questões de higiene e organização do lar são mais difíceis
ainda de serem internalizados nas crianças. Dado, digamos, um estado
mínimo de higiene e limpeza, o organismo das crianças não vai se
ligar se a cama está arrumada ou não. A partir da adolescência os
cuidados de higiene já são bem mais visíveis, pois chegou a hora da
caça ao sexo oposto. Os meninos nessa idade passam até horas no banho
(o que desconfio que não seja apenas uma questão de higiene). Já
arrumar o quarto, nem pensar. Uma pessoa pode ser bagunçada a vida toda
e não estar nem aí para isso.
Disse que nossas ameaças
não são levadas a sério porque, na verdade, elas não são sérias e
as crianças, que não têm nada de bobas, sabem disso muito bem.
Ameaças de punição física, de que a criança não vai comer mais
nada até o dia seguinte se não comer o legume todo raramente se
cumprem, principalmente pelas mães, cujo amor aos filhos as fazem ficar
com o coração mole. Já na casa dos outros elas se comportam melhor.
Por que? Porque entra em cena um outro valor que é o de ser bem aceito
naquele "território estrangeiro", onde as regras e
personagens não são bem conhecidos. Lá parece que a coisa é mais
séria. Levar bronca do pai ou mãe de um amigo é terrivelmente mais
desconfortável do que dos nossos próprios, velhos, conhecidos e moles
pais.
A questão da seriedade
com que as transgressões às regras serão punidas, jogam um papel
fundamental na efetividade e na velocidade de gravação de uma regra
qualquer como mais um valor RAM. Sabemos como os filhos de pais rígidos
são normalmente mais enquadrados e seguidores das normas. O
"exemplo que vem de cima" é também fundamental. Não se pode
pregar algo e agir de forma contrária à pregação se se quer gravar
um valor RAM em alguém. Nas organizações, por exemplo, as chefias,
principalmente as de
nível mais alto, têm que dar o exemplo, ou a regra não pega. Em
outras palavras, o "exemplo" acelera a velocidade de
gravação da RAM. Aliás, com base em tudo o que vivenciei e estudei,
afirmo sem medo de errar: não há processo educacional, de
socialização ou de aculturamento eficiente que não se baseie em um
bom sistema de castigo e recompensa. Isso é válido para as famílias,
para os grupos sociais maiores, para as empresas, para as cidades,
países, etc.
Intensidade.
A intensidade da
gravação é determinada por uma interpretação dos valores ROM sobre
a importância daquela mensagem que será gravada como RAM. A
intensidade nada tem a ver com a velocidade de gravação. Uma RAM pode
ter levado anos para ser gravada como tal e ser intensa, assim como ter
sido gravada instantaneamente e ser igualmente intensa. Graficamente, a
memória RAM teria o seguinte aspecto no seu espaço de terabites: Os
caracteres representam os vários e distintos valores RAM gravados ao
longo da vida de um ser (os animais também tem RAM), ocupando um maior
ou menor espaço RAM, o que vai determinar se a reação química a um
estímulo recebido gerará um sentimento de maior ou menor intensidade
naquele ser. Graficamente, a memória RAM teria o seguinte aspecto no
seu espaço de terabites:
XXXXXXX A FF RRR
BBBBBBBBBBBBBBBB CC H
MMM OO K YYYYYYYYYYYYYYY
SS L V T
ZZZ WWWWWWW 999999999
IIIII G
JJJJJJJJJ DDDDDDDDDD 4 Q
33333 ###########
666666666666 %%%%%%%%%
********* UUUUUUUUU 000 @@@@@@@@@@@@@@@
^^^^^^^^^^^
$$$$$$$$$$$$$$$ @@@@@@@@@@@@@@@@@@ !!!!!!!!!!!
Vamos imaginar que
estamos olhando a RAM no microscópio. Suponha que aquele grande espaço
ocupado pelo símbolo @ represente a mulher que você ama loucamente
chamada ANA. A visão no microscópio seria a seguinte:
07hkg*&jpb%
rrrANAxhb
#tr i4 96+xyz
No meio do espaço está
a amada Ana propriamente dita. Em volta dela estão os registros das
inúmeras memórias relacionadas diretamente com ela. Pode ser o cheiro
do perfume que ela usa, a imagem da sua casa, aquela música que vocês
costumam escutar juntos, o carro dela, uma blusa que ela tem, o antigo
namorado dela, que você acha que ela ainda gosta um pouco, um cachorro
que a mordeu etc., etc., tudo isso que visto, ouvido, cheirado ou apenas
lembrado vai lhe dar um sentimento de castigo ou recompensa.
Gravado com uma
determinada intensidade, aquele valor RAM poderá ter a sua força
aumentada ou diminuída ao longo do tempo, podendo chegar a ser
deletado, quando se tornará apenas uma memória de informação, ou
seja, aquela que não provoca sentimentos quando estimulada. A
reestimulação constante do valor é uma forma que tanto pode aumentar
como diminuir sua intensidade. Você, que tem um certo medo de
ratos e baratas, por
exemplo, fica preso num local subterrâneo, escuro e úmido, cheio de
ratos e baratas.
Pronto: agora você ficou
com um medo pânico de ratos e baratas. Aí você procura um psicólogo
e começa a tratar esse seu trauma, relembrando-o a cada sessão de
análise de
uma forma mais tranqüila
e o trauma vai diminuindo, até que você deixa de sentir pânico diante
desses bichos nojentos. Mesmo sem a ajuda sistemática de um
profissional você pode diminuir o trauma, como por exemplo falando
sobre ele de forma natural com seus amigos.
O organismo tem um
processo próprio e autônomo de administrar a intensidade das memórias
RAM. Ele processa as informações e sensações que coletamos durante o
dia concluindo pela pertinência de aumentar ou diminuir a intensidade
dessas memórias. Por exemplo, eu era profundamente anti-empresa
multinacional/anti-imperialista nos anos 70 e parte dos 80. Não podia
ver um posto Shell ou um computador IBM sem um sentimento de
desconforto. No meu trabalho em uma instituição governamental de
financiamento éramos todos assim. Nossa equipe tinha como bandeira o
apoio à indústria nacional substituindo importações. Tínhamos todos
incorporado um valor RAM ligado ao ROM PROTEJA A FAMÍLIA, O GRUPO, A
ESPÉCIE, que nos impelia a defender o país contra os estrangeiros,
simbolizados pelas multinacionais. Era o espaço de luta da esquerda
dentro do governo no período da ditadura de direita no Brasil. Acho que
o único produto importado que aceitávamos bem era o whisky escocês.
Com o passar dos anos, a globalização da economia e o fim do
socialismo, fomos naturalmente perdendo esse valor, até que ele
praticamente desapareceu em nossa RAM. Ainda defendemos o país, é
claro. Mas as multinacionais deixaram de se constituir no inimigo da
pátria em nossa RAM. O mesmo ocorreu com o amigo que citei que, traído
por um turco, deixou de comer quibe. Passados alguns meses, esquecida a
mulher em disputa, ele voltou a conseguir saborear o petisco árabe.
A química.
Recapitulando mais uma
vez o modelo de leitura de estímulos externos, temos que:
- o organismo faz uma
leitura do estímulo via os nossos 5 sentidos, procurando
classificá-lo, num primeiro momento, frente a memórias objetivas de
que disponha;
- identificado o
estímulo, imediatamente a informação é passada para o "Setor
de Valoração" que vai avaliar a importância da mesma buscando
referências preexistentes em suas memórias;
- achadas
as referências, a informação é passada à "Central de
Produção e Controle de Drogas - CPCD", determinando qual ou
quais sentimentos o indivíduo deve sentir naquela situação, bem
como sua intensidade;
- a
CPDC imediatamente lançará tal(is) droga(s) (ou as suprimirá) na
"Central de Sensações", produzindo o(s) sentimento(s)
determinados na intensidade adequada;
- tal ou tais
sentimentos irão gerar ações em resposta, que podem ser imediatas,
de curto, médio ou longo prazos.
CPCD – Central de Produção e
Controle de Drogas
Falemos agora da parte do
nosso aparato de sentir-agir que chamei em meu modelo de "Central
de Produção e Controle de Drogas - CPCD". Hoje está mais que
provada a base
química dos sentimentos.
A descoberta da "química do amor" alardeada por toda a
imprensa mundial em 1993 veio dar substância científica a algo que eu
defendia, mas era contestado por quase todos. Contei no início deste
livro das dificuldades que tive quando ousei expor meu modelo a um grupo
de cientistas. Tinha certeza que os sentimentos tinham uma base
(bio)química por ver o que acontecia com o sentir de quem usava drogas
de várias naturezas.
As anfetaminas, que davam
alegria e excitação, a maconha com o seu poder de acalmar e
potencializar a "curtição" das coisas que nos cercam e
tantas outras mais, cujos efeitos sabemos pelo menos de ouvir falar ou
ler. A partir da segunda metade da década dos 80 comecei a ler sobre
resultados de pesquisas científicas que apontavam a presença ou
ausência de substâncias químicas produzidas pelo próprio organismo
diretamente relacionadas com os sentimentos. A convivência com colegas
de trabalho especializados em genética durante alguns anos nos 80
também serviu de fonte de reforço das minhas convicções sobre a
química dos sentimentos. Lembro-me que tentei convencer alguns
cientistas da área a estudarem mais profundamente o assunto, mas não
obtive sucesso algum. Estudar os sentimentos não parecia ser coisa de
cientista sério, principalmente para os próprios cientistas (segundo o
relatodos pesquisadores envolvidos nos estudos sobre a química do amor,
eles foram fortemente desencorajados a iniciar tal empreendimento por
seus colegas).
Bem, acho que hoje
felizmente não precisamos mais perder tempo discutindo se os
sentimentos têm ou não base química. É fato provado. Vejamos,
então, o que podemos agregar de novo nesse campo.
A ciência pouco
sabe sobre o funcionamento completo dessa nossa "fábrica" de
produtos químicos, o que nos força a usar a dedução lógica baseada
nas evidências, como vimos fazendo em nosso modelo. Sabe-se que a
produção não é centralizada em uma só unidade fabril. Há
glândulas espalhadas pelo corpo que se encarregam da fabricação de
algumas das substâncias já conhecidas, demonstram os cientistas. Mas
há de haver um controle central que
avalie em cada situação de estímulo qual a substância que deve ser
empregada para provocar o sentimento requerido pelo organismo. Lembremos
que a resposta de um sentimento a um estímulo é instantânea.
Portanto, há que haver um estoque de
todas as substâncias necessárias a todos os sentimentos sempre
disponível em quantidades adequadas e com a qualidade absolutamente
controlada. Em um indivíduo normal não há falhas. Seja o estímulo
interno ou externo, há instantaneamente um sentimento correspondente,
considerado adequado na qualidade e na intensidade pelo organismo de
acordo com os mandamentos dos valores ROM. Isso vai consumir uma
determinada quantidade das substâncias empregadas. Estas têm que ser
repostas sempre que o estoque baixar do nível de segurança mínimo.
E há falhas? Sim.
Observo falhas em alguns casos. A primeira que notei acontece com
aqueles indivíduos que chamamos de loucos. Um louco é alguém que se
caracteriza justamente por ter sentimentos completamente
desproporcionais ou inadequados aos estímulos que recebe. Ele chora
quando deveria sorrir, gargalha das coisas mais sérias, sofre de um
medo pânico de uma bobagem qualquer. O louco pode ainda não ter
qualquer reação frente a algo que causaria a um indivíduo normal uma
torrente de sensações. Louco é, assim, uma pessoa com a CPCD
lesionada.
Outro caso de falha que
observei ocorre com as pessoas que estão sempre de uma determinada
maneira. Você não tem um conhecido que está sempre rindo e feliz? Ou
um
que está sempre triste?
E aquele sempre de mau humor? No mesmo dia em que estava escrevendo esta
parte do livro me chegou uma revista com uma reportagem sobre o sentir
felicidade, tristeza ou depressão e mau humor de forma crônica. A
Organização Mundial de Saúde, diz a reportagem, desde 1995 incluiu a
distimia (mau humor crônico) no rol das doenças psíquicas. Segundo um
psiquiatra ntrevistado na reportagem a distimia é genética e as
pessoas que sofrem desse mal têm desequilíbrio no processo químico de
duas substâncias, a noradrenalina e a serotonina, responsáveis pela
sensação de prazer e bem-estar do organismo. Afirma o mesmo psiquiatra
que o excesso de bom humor também pode ser classificado como doença,
chamada de euforia, caracterizada por um sentimento exagerado de
otimismo que leva a pessoa a perder o senso de realidade. A distimia
não teria cura, obrigando o paciente a ingerir anti-depressivos toda a
vida.
Vejo os exemplos como
dois lados de uma mesma moeda: o mau humorado crônico tem as duas
substâncias em falta e o eufórico as têm em excesso. Que falhas podem
ter corrido nesses casos? A CPCD, no caso da euforia, abriu a torneira
das substâncias em demasia e não consegue fechála.
No caso da distimia
fechou demais a torneira e não consegue abri-la. A falha pode ter
também ocorrido na Central de Sensações, que pode estar com problema
na parte que vai ser irrigada pelas substâncias em questão, e que
provocaria esses sentimentos. Digo isso por ver casos em que pessoas
necessitam ingerir quantidades crescentes de drogas para obter o mesmo
efeito que a dosagem menor anterior obtinha.
Outro tipo de falha
observo com os chamados maníacodepressivos, que ora estão eufóricos,
ora deprimidíssimos. Nesses casos parece que a torneira desregulou: ora
deixa passar substância demais, ora de menos. Por que as falhas
acontecem? Diz a reportagem citada que a questão é hereditária.
Acredito que sim, mas creio que a CPCD ou a Central de Sensações podem
também sofrer danos ao longo de nossa vida por algum trauma que levou a
uma utilização excessiva do mecanismo ou simples desgaste ocorrido com
o tempo. A depressão nos idosos, por exemplo, é extremamente comum, o
que vejo ser corrigido ou combatido com tratamento químico. Vejamos
agora a questão da reposição do estoque de drogas.
Se todos os dias gastamos
quantidades maiores ou menores de nossas substâncias químicas naturais
e considerando a absoluta improbabilidade de nascermos com estoques para
toda a vida, há que se repor os estoques. Correríamos enorme risco de
vida se ficássemos um dia que fosse sem as nossas drogas produtoras de
sentimentos, pois perderíamos a capacidade de reagir aos estímulos.
Como se dá a reposição? O organismo poderia ir produzindo as
substâncias na medida em que elas fossem sendo consumidas. Por exemplo,
baixou o nível da substância que causa o medo porque o sentimos num
determinado momento do dia, a CPCD poderia imediatamente acionar suas
fábricas para repor o estoque. Considerando, no entanto, a diversidade
das substâncias, necessidade de um perfeito controle de qualidade e de
um preciso controle dos níveis de estoque, creio que o organismo
estaria se expondo a um perigoso risco de erro nesse processo se ele
fizesse tudo isso durante o período em que estamos enfrentando a vida.
Mais apropriado seria
fazê-lo enquanto o organismo estivesse em repouso, ou seja, quando a
"máquina de sentir" que nós somos não estivesse submetida a
tantos estímulos internos e externos, à necessidade de tantas tomadas
de decisão, a tanto desgaste de energia, ou seja, quando estamos
dormindo. Creio firmemente por indícios que colhi estudando o
dormir-sonhar que esse processo se dá quando dormimos, sendo até uma
das razões porque os
animais dormem e sonham. Mas isso fica para o capítulo do livro que
trata dos sonhos.
Durante o tempo em que
vim desenvolvendo essas idéias sobre a química do sentir algumas
coisas loucas vieram a minha mente, mas são loucuras daquelas que fazem
sentido. Por exemplo, é perfeitamente crível que seja possível
fabricar um elixir do amor. Se pensarmos que para sentir basta manipular
as substâncias certas no lugar certo, aquele velho elixir, cuja
fórmula secreta só as bruxas conheciam, hoje poderia ser fabricado e
vendido pela Bayer. Da mesma forma deverá ser possível fabricar num
futuro não muito distante elixires do desejo, do ódio, da amizade, da
cobiça, da bondade e de todos os nossos sentimentos. Tanto será
possível sintetizar a substância que provoca o sentimento como o seu
antídoto. Imagine, então, você saindo com aquela menina que você
está doido para conquistar e com o elixir do amor para colocar no vinho
dela no restaurante. Ela vai sentir amor, a menos que, sabendo de suas
intenções, ela tenha o antídoto na bolsa. O problema é por quem ela
vai sentir amor. E se for pelo freguês da mesa ao lado? Lembremo-nos
que alguns elixires já são fabricados, tais como pílulas com
substâncias que levam à depressão ou à euforia. E o Prozac? Não é
uma pílula de felicidade? A fabricação das substâncias provavelmente
vai se dar por bactérias engenheiradas para produzir determinadas
substâncias, como atualmente já produzem insulina. O projeto GENOMA,
que está mapeando os genes humanos, deverá determinar quais os genes
responsáveis por cada substância que induz cada um dos nossos
sentimentos, facilitando a sua transferência para bactérias que
produzirão as drogas.
Outra possibilidade
maluca é a de se utilizar as substâncias químicas sintetizadas para
obter um comportamento desejado em todo um grupo de pessoas. Por
exemplo, o elixir anti-cobiça seria ingerido por todos os trabalhadores
da Casa da Moeda. O da paciência seria ministrado naqueles que fazem
trabalhos repetitivos (ou que trabalham nos balcões de reclamações
das lojas). Para os que trabalham em hospitais ou asilos, o elixir
adequado seria o da fraternidade. O da criatividade para o pessoal do
departamento de marketing e por aí poderíamos ir exclamando "Oh,
admirável mundo novo", pois estaríamos vivendo no mundo que
Aldous Huxley imaginou nesse seu fantástico livro.
Imagino ainda como será
facilitado o processo de domesticação e criação de animais a partir
do conhecimento da química do comportamento de todo o reino animal. O
Homem ainda não despertou para a questão dos sentimentos dos animais.
Citei no início no capítulo 1 como um livro sobre esse tema virou um
"best-seller", como se o fato dos animais também terem
sentimentos semelhantes aos nossos fosse uma enorme novidade. Veja o que
o grande cientista Carl Sagan dizia em seu livro Os Dragões do Éden
publicado em 1980: Muitas facetas do comportamento dos animais tendem a
referendar a noção de que as emoções intensas são basicamente
privativas dos mamíferos e com menor grau da aves. As similitudes das
reações emotivas dos animais domésticos e das do homem me parecem
óbvias. É de sobra conhecida a notória tristeza que invade as fêmeas
de muitos mamíferos quando se lhes arrebatam as crias. Alguns se
perguntam sobre a intensidade destas emoções. Acaso os cavalos
albergam as vezes sentimentos de fervor patriótico? Experimentam os
cachorros como o Homem um certo arroubo parecido ao êxtase religioso?
Que outra classe de intensas e recôndidas emoções albergam os
animais, que não comunicam (através da linguagem) conosco?"
Central de Sensações
A Central de Sensações
na minha concepção reúne o aparato biológico que nos faz sentir, a
partir do contato ou da supressão das substâncias químicas que
geramos ou ingerimos. O que posso falar dessa parte do nosso organismo,
faço por pura especulação lógica, já que algo muito menos
desvendado pela ciência e também dá poucas evidências de seu
funcionamento. A Central de Sensações seria realmente uma central
localizada no cérebro ou sentimos por todo o organismo? Difícil de
responder, mas os indícios são para a existência de um mecanismo
centralizado no cérebro. Veja, por exemplo, as sensações mais
fisiológicas.
Sentimos dor em todas as
partes do organismo e sabemos exatamente onde está doendo. Mas o
sentimento da dor (ou o castigo que ela provoca para que ajamos para
evitá-la) é produzido no cérebro. A anestesia, por exemplo, bloqueia
a passagem do sentimento da dor do local onde ela está sendo provocada
para o que seria a Central de Sensações. Impulsos elétricos devem vir
pelos feixes de nervos até a CPCD que regulará a dosagem da droga
adequada ao sentimento que deve ser produzido no caso. A droga em
contato com os mecanismos da Central de Sensações irá produzir o
sentimento. Imagino a Central de Sensações como uma central
telefônica das antigas com vários relés que correspondem aos números
dos telefones. Cada sentimento deve ter o seu relé próprio por uma
questão de segurança. Se tivéssemos um só relé produzindo todos os
sentimentos pela variação das múltiplas drogas, em caso de defeito
nesse super relé todo o mecanismo de sentir entraria em pane. É mais
crível que tenhamos na Central de Sensações "n" relés
especializados em cada diferente sentimento.
Sentir – agir.
Seja como for que
funcione ou que se localize o aparato que nos faz sentir, o importante
é que ele existe para nos induzir a uma ação. Não há ação sem
sentimento e, dificilmente, há sentimento sem ação. Você pode
retardar o agir, mas se o sentimento (castigo ou recompensa) é forte,
você muito dificilmente conseguirá bloquear por muito tempo a ação
que o sentimento quer induzir. Algumas pessoas, especialmente aquelas
que trabalham profissionalmente com o comportamento humano, dizem que
uma das coisas que diferenciam o Homem dos outros animais é justamente
a capacidade racional que o Homem tem de não seguir os seus impulsos
para agir. Ou seja o Homem, pelo seu poder de raciocínio, seria capaz
de controlar seus sentimentos e agir racional e adequadamente frente a
múltiplos estímulos, escolhendo o curso de ação mais inteligente ao
caso. Não conheço bobagem maior do que essa afirmação. O quão
racional ou emocional é uma ação? Você pode afirmar que o pegar um
lápis para escrever é uma mera ação racional. Você sabe que se
escreve com um lápis e o pega e começa a escrever, digamos uma receita
de preparação de um remédio e acha que tudo isso é só e
absolutamente racional.
Não é. Na verdade
você tem uma motivação para fazer aquilo, o que é emocional. Você
vive de preparar receitas de remédios e você todos os dias vai ao
local de trabalho e escreve suas receitas porque você sente que tem que
ir. É de lá que você obtém o sustento de sua família e, chateado ou
não nas segundas feiras, você comparece ao trabalho. O que
você faz é sempre emocional, ou seja tem
base nos sentimentos. Como você
faz pode até ser racional. Mas nem sempre. A simples escolha entre um
lápis mais duro ou mais macio para escrever já tem um componente
emocional. Você sabe que escreve mais fácil com o lápis macio e como
o seu organismo sempre te induz via o sentimento de preguiça a
economizar energia você escolhe o mais macio. Por outro lado, naquele
trabalho específico, o lápis duro é mais indicado porque os traços
ficarão mais bem definidos e você quer mais qualidade naquele
trabalho. Você quer mais qualidade
porque quer impressionar
o seu chefe ou os seus colegas, ou simplesmente porque você gosta de
fazer os seus trabalhos com qualidade (está na RAM). Tudo isso é
emocional. Vai lhe gerar castigos ou recompensas, dependendo do
resultado que você conseguir obter. O que seria racional no exemplo é
apenas o fato de você saber que resultados pode obter com um ou outro
lápis e escolher o mais adequado ao caso.
O Homem, na verdade, é o
ser menos racional que conheço. Todas as suas ações são
fundamentalmente baseadas em emoções, ou seja, em sentimentos. A
própria definição de racionalidade que aprendi na escola de
administração, baseada no positivismo que presidiu a formulação das
escolas da "administração científica" tem a sua base em
sentimentos: "racional é a ação que obtém o máximo de produtos
ou resultados com o mínimo de insumos". Se aplicarmos essa
definição nas ações que envolvem esforço físico, estaremos sendo
induzidos pelo sentimento de preguiça no bom sentido da economia de
nossas energias. Aplicada à produção de bens e serviços vemos a
preocupação (emocional) com a acumulação de dinheiro ou poder.
Podemos ter uma boa visão da separação entre o emocional e o racional
nos esportes. Eu jogo tênis. Jogo porque me mantém em forma e porque
sou competitivo e gosto de vencer meus adversários
(PROTEJA-SE/SOBREVIVA).
Já estourei o braço
algumas vezes por forçá-lo demais durante o jogo. O tênis é
interessante pela forma como ele exige cálculos do cérebro. Quando a
bola vem do adversário temos que calcular sua velocidade, sua
trajetória, estudar a colocação do adversário, escolher a melhor
resposta em termos de velocidade/força e local da quadra do adversário
que queremos lançar a bola, escolher a posição do punho da raquete na
mão ("slice" ou "top spin"?), comandar o corpo para
se localizar onde possa bater bem na bola e, finalmente, dar o golpe.
Tudo isso é feito em uma fração de segundo pelo cérebro, dezenas de
vezes durante um "set", o que indiscutivelmente está dentro
do campo do racional, já que não envolve sentimentos no processo. De
outro lado, a cada bela jogada nossa, a cada ponto, a cada game vencido
vem a recompensa. O revés é castigado pela Central de Sensações, nos
levando a tentar jogar melhor, a acertar na próxima vez. Erros
repetidos ou primários faz a Central de Sensações nos castigar com
mais intensidade, podendo levar-nos a um estado de irritação profunda,
que pode até nos induzir a abandonar o jogo (e treinar mais no paredão
no dia seguinte). A motivação para jogar e o esforço para vencer
estão dentro do campo do emocional, envolvendo as necessárias drogas e
sentimentos. Voltamos ao exemplo da escolha do lápis para discutir uma
questão fundamental no entendimento do binômio sentiragir que é o do
conflito de sentimentos. Naquele caso, qual o lápis que escolheríamos?
O que mais nos consumiria energia ou o que melhor qualidade traria ao
trabalho? Na determinação de um curso de ação a seguir nós
normalmente estamos submetidos a mais de um valor e sentimento. A
escolha fácil é aquela em que só um valor/sentimento se impõe. Por
exemplo, estou com fome, vou comer e como. A escolha, no entanto, pode
ser bem mais difícil: - estou com fome e como; - estou com fome, mas
ainda não é hora de comer e espero; - estou com fome, mas na geladeira
só tem alimentos que engordam, o que eu devo evitar, e não como; -
estou com fome e quero comer agora, mas hoje é dia de almoçar com o
chefe e espero porque preciso agradá-lo; - estou com fome, o chefe já
chegou mas não quero ir a restaurantes que sirvam massa, porque
engorda; - estou com fome, estou saindo com o chefe para ir a um
restaurante vegetariano, mas vou tentar ir a um que não seja caro, pois
preciso economizar; - estou com fome, estou saindo com o chefe para ir a
um restaurante vegetariano que não é caro, mas logo aquele que
escolhemos está com uma fila de espera enorme e nós não podemos
atrasar para uma reunião que haverá no início da tarde; - estou com
fome, estou saindo com o chefe para ir a um restaurante vegetariano
que não é caro, não
há fila de espera, mas aquela colega que está me acusando de assédio
sexual (e com razão) está lá dentro e eu arranjo uma desculpa
qualquer para ir ao caríssimo restaurante italiano ao lado (me encho de
massa e ainda pago a conta).
Em cada uma das
hipóteses agregamos mais um valor que influenciava o curso de ação a
seguir. Vários sentimentos foram sendo produzidos em conseqüência,
alguns conflitantes como o de querer comer e ter que esperar ou não
poder comer qualquer tipo de comida (a dieta é o exemplo mais típico
de conflito de valores/sentimentos!). Nesses casos há sempre um vetor
resultante. Várias forças estão influenciando um movimento e todas,
algumas ou só uma podem ser determinantes do sentido e intensidade do
movimento. No exemplo o rapaz que procurava o restaurante mais adequado
a sua dieta, ao seu bolso e ao tempo disponível para almoçar, jogou
tudo isso para o alto quando viu a colega da qual ele tinha receio no
restaurante escolhido. Um sentimento foi muito intenso e fez com que os
outros valores/sentimentos não mais pesassem na escolha do local do
almoço.
Em praticamente todas as
nossas ações há por trás um conjunto de valores que foram acionados
ao mesmo tempo para defini-las. São várias RAM subordinadas a um, dois
ou aos três valores ROM gerando uma variedade de substâncias químicas
que vão, por sua vez, produzir diversos sentimentos e, do complexo de
sentimentos, resultará uma ação ou um curso de ações. Podemos ter
sentimentos reforçando outros ou até diametralmente opostos influindo
na ação. Vejamos alguns exemplos que todos vivemos no nosso dia-a-dia.
Comecemos com uma simples escolha do que vamos vestir. A adequação ao
clima é um dos primeiros valores considerados. No nosso armário as
roupas não adequadas à estação já estão separadas das utilizáveis
naquele momento. Nosso mecanismo regulador da temperatura do corpo é
muito exigente com o que vestimos. Note-se que nossa temperatura está
sempre regulada em torno dos 36,5º C, mais ou menos alguns décimos. Se
expomos o corpo ou partes dele a temperatura que o organismo tenha que
gastar muita energia para manter a temperatura normal, o castigo é
imediato e intenso. Ações corretivas, como colocar ou tirar um casaco,
mudar de ambiente, etc., serão imediatamente empreendidas.
Preventivamente nosso organismo já nos dá um castigo se apenas
considerarmos o uso de uma roupa muito inadequada ao clima: a simples
visão de um casaco felpudo num dia de verão escaldante pode nos dar
uma profunda sensação de desconforto. Continuemos a escolher a roupa
para vestir. Várias roupas adequadas ao clima estão disponíveis em
nosso guarda roupa. E agora? Agora o valor ou valores que vão ser
considerados podem estar relacionados com o local a que vamos nos
dirigir. Trabalho, passeio ou festa? Não usamos gravata para passear (a
menos que você seja um cidadão britânico) nem bermuda para trabalhar
(idem).
Na empresa em que
trabalho tem um posto de serviços bancários. Fica no 5º andar e,
quando vemos um colega de bermuda naquele andar, primeiro temos a
surpresa e a sensação de desconforto, depois vem logo à cabeça que
ele deve estar de férias e só passou lá para ir no banco. Mesmo
sabendo disso, o desconforto continua, embora minorado. Na minha RAM (e
na de meus colegas) estão gravadas as roupas adequadas para uso no
ambiente do trabalho. O ROM PROTEJA- SE/SOBREVIVA orienta-nos para
gravar na RAM as formas adequadas do trajar, para que o comportamento
derivado desses valores nos leve a ser bem aceitos pelos grupos de que
fazemos parte, aumentando as nossas chances de sobrevivência. (Paro de
escrever para ver a largada do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula
Mundial na TV. Dois pilotos brasileiros largam na primeira fila. Torço
pelos meus compatriotas. O valor em questão é o ROM PROTEJA A
FAMÍLIA, O GRUPO, A ESPÉCIE. O sentimento é o do patriotismo. É dada
a largada. É sempre emocionante. Adrenalina. Acidente. Vários carros
envolvidos. Mais adrenalina.
Nossos ídolos estão lá
nos dando exemplos de coragem. Bandeira amarela. Prova suspensa por
alguns minutos. Volto ao livro, mas deixo a TV ligada para escutar o que
está acontecendo na corrida.)
Mas hoje é dia de
passeio. Tenho várias roupas para passeio. Qual escolho? Agora depende
do que vou fazer exatamente e quem vou encontrar. Se vou andar na praia
de Ipanema, onde as pessoas são mais chiques e as mulheres mais
bonitas, os ROM PROTEJA-SE/SOBREVIVA e MULTIPLIQUE vão pesar na
decisão. Quero ser aceito pelo grupo e, se possível, ficar atraente
para as mulheres. A moda lá é moleton e tênis importado. Uso o que
tiver de melhor. O que é o melhor? Na minha RAM estão gravadas as
griffes mais prestigiadas em Ipanema. Uso também algo que se harmonize
entre si, como cores que combinam, e com o clima. Se está muito sol,
cores claras são mais adequadas, pois atraem menos os raios solares, o
que economizará energia despendida pelo meu organismo no controle da
temperatura do corpo. Se está nublado e fresco posso usar cores mais
escuras. Estou pronto. Olho o efeito no espelho. Se os valores foram
atendidos o organismo me recompensa. (Paro de novo. Acidente com 2 dos 6
brasileiros que estão disputando a corrida. Preocupo-me com meus
compatriotas (castigo). Tudo bem com eles. Alívio (recompensa). Estou
com dificuldade de me concentrar no que escrevo. Esse exemplo da roupa
está ficando chato. Estou dividido entre ver a corrida e escrever. Hoje
é domingo, dia de cerveja e esporte na TV. Mas tenho que aproveitar os
fins de semana, pois é quando tenho mais tempo para escrever.
Sentimentos em conflito. Vou buscar uma cerveja na geladeira. Pia cheia
de louça suja deixada pelas crianças que
foram almoçar com a mãe
(hoje é Dia das Mães). Desconforto e lavo a louça. Pego a cerveja e
volto para o computador. Passo pelo banheiro e vejo o piloto do gás
aceso. Desperdício. Castigo. Desligo o piloto. Sento e volto a escrever
com a TV ao fundo.)
Mas, se meu passeio é na
fazenda só com meus cachorros, saio com qualquer roupa. Tenho uma
camisa rasgada que é super confortável. Nem ligo para a aparência.
Chega a namorada, no entanto, e não me deixa usar a camisa rasgada. Ela
se castiga por ver um namorado com sinais de decadência e a ação é
sobre mim. Tenho que mudar a camisa. (Na verdade, na ocasião, ela jogou
minha camisa no lixo!) (Paro de novo. Tem um piloto brasileiro liderando
a corrida. Volto a atenção para a TV. Outra bandeira amarela. A
Fórmula Mundial é muito chata com essas paralisações a toda hora!
Lembro novamente que hoje é domingo e Dia das Mães. Não liguei ainda
para cumprimentar minha mãe. Castiga-me o ROM PROTEJA O GRUPO, A
FAMÍLIA, A ESPÉCIE. Odeio os dias-de-qualquer-coisa! Amanhã é
segunda feira. Minha depressão dos domingos começa a se manifestar
mais fortemente. A TV anuncia para depois da corrida um dos programas
que mais odeio. Mas no programa vai se apresentar um conjunto musical
que tem uma loura que é um sonho. MULTIPLIQUE quer que eu assista.
MULTIPLIQUE é o diabo. Faz-me fazer as coisas mais loucas. Quando penso
em ver o tal programa na TV todos os meus outros valores me dão vontade
de vomitar. Mas MULTIPLIQUE quer ver e eu não sou louco de desafiar
MULTIPLIQUE. Nada provoca dor maior que MULTIPLIQUE contrariado. O
speaker da TV diz que faltam 22 voltas para terminar a corrida. O
brasileiro continua na frente. PROTEJA A FAMÍLIA, O GRUPO, A ESPÉCIE
quer que eu veja a corrida. Já não consigo mais escrever sem pensar na
loura e ouvir a corrida. 20 voltas para o final. Não dá mais para
escrever. Não vou mais falar de roupa nenhuma. Vista o que quiser e
não chateie. 19 voltas e paro.) Voltei a escrever neste ponto algo como
6 meses depois que parei na linha acima. Deu preguiça. Lembro-me que o
brasileiro perdeu nas últimas voltas por falta de combustível. Grande
castigo para mim através do sentimento de decepção. A equipe
vencedora explodiu de alegria como é hábito nessas
ocasiões. O riso é uma
forma de alívio da tensão. A explosão de alegria é o alívio de uma
grande tensão continuada.
Paro de escrever sobre o
assunto das decisões que tomamos baixo a uma situação de conflito de
valores ou escrevo mais? Quero que fique tudo bem explicado mas não
quero cansar o leitor. Parei esse tempo todo de escrever muito em
função desse conflito que estava vivendo. Eu quero que todos me
entendam com facilidade. Por outro lado, fico com esse receio de cansar
o leitor e também sinto uma certa preguiça de escrever tanto. E se
ninguém gostar desta droga de livro? Estou aqui há anos escrevendo e
estudando um assunto que talvez ninguém se interesse. Ou, quando
publicar, não traga mais novidade alguma. Afinal, hoje já temos a
psicologia evolucionária que fala as mesmas coisas que eu, pelo menos
nos aspectos fundamentais, como o fato dos sentimentos terem função
biológica. Depois de refletir sobre esses meus dilemas resolvi abreviar
o final deste livro. Vou escrever sobre alguns sentimentos importantes
para o nosso autoentendimento (amor, preconceito e beleza). Falo depois
sobre o dormir e sonhar. O homossexualismo é também interessante de
abordar baixo uma visão biológica. E, por fim, se eu tiver
inteligência suficiente, tentarei dar alguns caminhos novos para que
possamos evoluir com base numa compreensão melhor dos nossos impulsos
biológicos de comportamento. Let’s go.