Por que mulher vive mais ?
Por: Jocax , Fevereiro/2002

Durante alguns anos de minha vida passei analisando o comportamento, hábitos e peculiaridades humanas sob o ponto de vista da psicologia-evolutiva que busca através do neodarwinismo ( a teoria sintética da evolução ) as razõees de todas as particularidades comportamentais humanas.

Uma das intrigantes perguntas que eu costumava me fazer era de qual seria a razão das mulheres, em média, viverem mais que os homens.

Claro que nem todas mulheres vivem mais que os homens e que o fator estresse que os homens passavam ( e passam ) para sustentar suas familias em seu ambiente competitivo deve influenciar para diminir seu tempo de vida em relacao aas mulheres.

Mas, mesmo considerando estes fatores, o tempo de vida media da mulher me parece tao superior ao do homem que eu achava ( e acho ) que deve haver uma outra razao biologica-evolutiva que explicaria tal discrepancia. Nao tenho aqui, agora, estatisticas sobre tempo de vida em funcao do sexo, mas minha experiencia pessoal tem me mostrado que tal discrepancia eh tao gritante que resolvi esbocar uma analise a respeito.

Para entendermos as razoes da maior longevidade feminina devemos, primeiramente, entender o que significa o termo "Pressao Seletiva". Pressao Seletiva (PS) eh o termo cunhado por biologos, e evolucionistas de modo geral, para designar como a "forca ambiental" faz favorecer certas mutacoes e nao outras.

Um exemplo ilustrara o conceito: Em ambiente aquatico, mutacoes que favorecam a locomocao na agua , como membranas entre os dedos, por exemplo, faz com que estes portadores apresentem uma vantagem, chamade de vantagem seletiva, em relacao aos demais individuos que nao possuam tais genes. Fazendo com que tais individuos apresentem esta vantagem seletiva este genes apresentarao maior probabilidade de sobreviver e, em decorrencia, se disseminar pela populacao.

Por esta razao muitos animais que nao apresentam nenhum parentesco proximo com outros, podem possuir os mesmos tracos fenotipicos pois, tais tracos, foram frutos de uma mesma Pressao Seletiva que favorecia determinadas mutacoes, no nosso exemplo, membranas entre os dedos.

Eu costumo imaginar a PS como a pressao de uma mao agindo sobre uma massa de argila para modelar uma estatua: A mao eh a forca do ambiente e a argila seria o pool genetico. Assim, a pressao ambiental molda os genes selecionando aqueles que mais se adaptem ao seu ambiente.

Recuando um pouco no tempo evolutivo poderia se observar que a medida que a complexidade cerebral dos primatas crescia maior tornava-se o tempo de aprendizagem e, como decorrencia, maior o tempo que a cria ficava dependente dos seus pais. Esta dependencia entre a cria e seus pais, principalmente a mae, fez surgir uma pressao evolutiva para que o instinto materno se tornasse mais forte: Maes que nao cuidassem bem de seus filhos, nao os amassem, fariam com que estes tivessem menos chances de sobreviver levando junto com eles seus proprios genes. O oposto tambem deveria ocorrer: pais que propiciassem filhos com maior chances de sobrevivencia fariam com que seus proprios genes tivessem maiores chances de sobreviver e se perpetuar.

A pressao evolutiva para o instinto materno foi tao forte que todos os primatas, o homem inclusive, os possuem hoje em um grau muito elevado.

Devemos observar que eh na femea, muito mais que no macho, que o instinto de protecao ao filho se manifesta forte. Esse comportamento eh devido ao fato que femeas podem ter muito menos filhos que machos e que portanto, do ponto de vista evolutivo, eh mais vantagem para o macho desviar parte do seu tempo e energia, dos cuidados com seu filho, para engravidar outras femeas, que levarao seus genes, do que gasta-lo todo em uma unica familia, alem do mais, em geral, eh tarefa do macho prover alimentacao abrigo e protecao diminuindo o tempo disponivel para cuidar diretamente da prole.

Assim vemos que a PS para o instinto maternal incide muito mais fortemente sobre a femea, razao provavel do "maternal" no nome deste instinto.

O Tempo de vida fertil da femea eh quase a metade de um macho. Este fato poderia nos fazer,erroneamente, concluir, que do ponto de vista biologico, a mullher deveria ter uma vida bem mais curta que a do homem ja que ela nao poderia mais disseminar seus genes apos sua relativamente curta vida fertil e se tornaria portanto "inutil" do ponto de vista evolutivo, nao havendo razao para que continuasse vivendo.

O erro do raciocinio esta em pensar que a natureza "objetiva" apenas a disseminacao dos genes o que nao eh verdade. O paradigma correto que a vida parece "ojetivar" eh a perpetuacao genetica, ou seja, a sobrevivencia dos genes atraves do tempo e, embora a disseminacao dos genes seja um importante fator de perpetuacao genetica, nao eh o unico.

No caso, a mulher tem um portante papel biologico que eh cuidar para que seus genes sobrevivam, atraves de seus parentes, principalmente atraves de seus descendentes: filhos, netos etc.. Entao podemos perceber uma outra Pressao Seletiva agindo sobre as femeas alem do instinto maternal : A pressao para maior longevidade.

A pressao seletiva para uma maior longevidade feminina decorre diretamente do instinto maternal. O mecanismo seria o seguinte : Existe uma grande variabilidade em todas as caracteristicas humanas inclusive no tempo de vida. Mulheres que mantem seu instinto maternal para cuidar inclusive dos filhos de seus filhos, ajudando assim a perpetuar seus genes, que estao nos seus netos, farao melhor para seus genes quanto maior o tempo de vida que elas tiverem.

Portanto existe uma pressao seletiva para o aumento no tempo de vida da mulher, ja que este tempo auxilia a perpetuacao genetica via instinto maternal.

Esta teoria poderia ser corroborada, ou refutada atraves de uma analise no tempo medio de vida fertil da femea (TF) sobre o tempo medio de vida ( TV ), para diversas especies de animais. Se a razao (TF/TV) for grande, proximo de 1, entao isto deveria indicar que esta especie tem pouco instinto maternal e, uma vez acabado o periodo fertil nao haveria razao para a femea continuar sobrevivendo. Caso contrario, se a razao eh baixa, proximo de zero, indicaria um alto instinto maternal. Caso isso nao se verifique na pratica esta teoria estaria refutada.

Concluindo: a longevidade da mulher eh decorrencia da pressao evolutiva que surge, mais do que pelo instinto maternal, do que pelo seu derivado direto : o "INSTINTO DE VÓ". Gostaria de colocar, como adendo, que a mulher, como acontece hoje em dia, nao precisaria cuidar diretamente ( fisicamente) dos netos, para que seus genes se beneficiassem de sua maior longevidade.

Se a mulher continuar sendo Util aa familia seja cuidando fisicamente de seus descendentes ou trabalhando e acumulando riqueza, recursos ou qualquer outra maneira de se bebeficiar os seus genes isso tambem mantera uma pressao seletiva a favor da maior longevidade. Mas, fora o homem, isso nao acontece na natureza e a pressao seletiva soh se manteria a favor da longevidade feminina se a femea tiver uma relacao direta de cuidados com seus descendentes.

Assim a minha teoria preve que em especies sociais, como por exemplo os primatas, a razao TF/TV ( Idade media fertil / Idade media Total ) seja baixo e, em especies nao sociais e individualistas, ( peixes/tartatugas etc) esta razao seja proxima da unidade.


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Folha de São Paulo, quarta-feira, 24 de março de 2004

EVOLUÇÃO

Maior longevidade feminina teria função biológica

Avós que vivem muito aumentam a chance de sobrevivência de netos

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pesquisa com populações da Finlândia e do Canadá comprovou a existência do chamado "efeito avó": quanto maior a expectativa de vida de mulheres além da idade reprodutiva, maior é o número de netos que deixam.

A ajuda das avós permite que suas filhas se reproduzam mais cedo, com mais sucesso e com maior freqüência. Em média, a cada dez anos que sobrevivem além dos 50, as avós ganharam dois netos extras.

Ou seja, as avós têm um papel evolutivo importante para o ser humano. Elas não se reproduzem mais, mas são fundamentais para o sucesso reprodutivo das filhas ao ajudar a tomar conta das crianças. E, com isso, deixam mais descendentes e mais genes.

Outra descoberta foi sobre a idade da morte da avó. É mais provável que a avó morra por volta do momento em que suas filhas entram na menopausa, tornando-se elas próprias "avós" e cuidando depois dos bisnetos de suas mães.

O estudo foi feito comparando dados de registros históricos de nascimentos e mortes preservados por igrejas, a luterana na Finlândia e a católica no caso de Québec, Província canadense de fala francesa.

A pesquisa de Mirkka Lahdenperä, da Universidade de Turku, e mais três colegas no Canadá e Reino Unido, foi publicada pela revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).

A maioria dos animais continua se reproduzindo até morrer, mas as fêmeas humanas podem sobreviver por muito tempo depois da menopausa, lembram os autores. Isso sempre foi algo misterioso para a biologia.

Segundo a hipótese, a explicação estaria justamente na ajuda que a mãe daria à filha para facilitar que ela tenha seus próprios filhos, indiretamente aumentando seu sucesso reprodutivo.

Um dos traços que distinguem o homem, mesmo de parentes próximos como os chimpanzés, é a grande proporção de fêmeas além da idade reprodutiva. Apenas 3% dos chimpanzés têm mais de 45 anos de idade. Mas mesmo em sociedades humanas em que a expectativa de vida está em torno de 40 anos, cerca de um terço das mulheres têm mais que 45 anos.

Comentando o trabalho de Lahdenperä, Kristen Hawkes, da Universidade de Utah (EUA), lembra que, ao contrário do que possa parecer, o aumento da proporção de pessoas idosas na população não é tanto conseqüência de melhores cuidados em relação a elas, mas sim de redução da mortalidade infanto-juvenil.

A conclusão é extremamente favorável ao papel dos idosos na sociedade: "Em vez de ajuda para os membros mais velhos da população, é a ajuda das avós pós-menopausa que explica a estrutura de idades das sociedades humanas", diz a pesquisadora.

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