AS BASES EVOLUTIVAS DO COMPORTAMENTO HUMANO
Por: Antonio Carlos do Amaral Maia(*)

 

Palavras de ocasião e agradecimentos. É realmente um prazer estar presente neste simpósio de Biologia Humana. É especialmente esperançoso para mim, por conta das minhas circunstâncias muito peculiares, perceber que as pessoas aqui nesta conceituada escola valorizam, além dos aspectos mais óbvios e debatidos da biologia, outros menos evidentes como o comportamento social e individual dos animas em geral e do homem, em particular. A conexão entre os genes e o comportamento humano vem cada vez mais ocupando espaço no pensamento da genética, a ponto de um geneticista, da estatura de James Watson, dizer que seria esse seu tema de trabalho caso estivesse iniciando sua carreira agora. Mas de alguma forma, ainda existe uma certa resistência na Biologia.

De fato, os biólogos estão acostumados a lidar com células, músculos, etc e nelas reconhecem, da maneira mais ou menos complicada, atuar os princípios da seleção natural e conseguem inferir quais processos levaram a uma determinada estrutura física, considerados os fatores ambientais e as pressões seletivas. O mesmo não se dá com o comportamento animal, que lamentavelmente ainda não obteve dos próprios biólogos o pleno reconhecimento de sua potencialidade científica e incomensurável riqueza teórica. Talvez se eu puder dar um conselho a vocês, estudantes de biologia, é que prestem atenção e, mais que isso, que considerem dedicar suas vidas profissionais a estudar o comportamento dos nossos animais. Esse seria um trabalho mais barato até que os estudos tradicionais de biologia e com grande possibilidade de reconhecimento internacional, pelo detalhe simples de que as populações estão por aqui. A singularidade de cada população fornece a cada vez mais rara, valiosa e valorizada originalidade dos trabalhos acadêmicos. Em Antropologia Física se fala do fóssil power para significar a vantagem do cientista que descobriu o fóssil. Aqui teremos o bicho power.

Esse convite é uma demonstração inequívoca que aqui, no Instituto de Biociências de Botucatu, existe a consciência da importância do estudo do comportamento animal e humano, como uma disciplina da biologia. A partir de um movimento genuíno, os próprios envolvidos no processo de aprendizagem em biologia, os alunos e os professores, notam a necessidade de se compreender o comportamento humano, também sob a ótica da Teoria da Evolução.

Vamos aqui tentar fazer uma pequena história das idéias filosóficas e científicas dos séculos XIX e XX, desde as origens da teoria da evolução, a partir da obra inaugural da Charles Darwin, até sua aplicação ao comportamento animal e humano. Além dessa história das idéias, vamos apresentar os conceitos principais nos quais hoje se funda a biologia do comportamento, uma ciência amplíssima que lança mão de uma série de outras ciências dentro e fora da biologia.

Depois, vamos recapitular alguns trabalhos publicados a partir de uma realidade da vida cotidiana e entender o comportamento das pessoas, através dos conceitos da Biologia do Comportamento. Vamos mostrar como tendências inconscientes guiam nossas atitudes e opções conscientes, tornando-as ao, mesmo tempo, previsíveis e compreensíveis segundo leis universais. Com efeito, poderemos constatar que é possível aplicar o método hipotético dedutivo ao comportamento humano, fazendo previsões e testando-as com métodos criativos e muitas vezes até engraçados, embora rigorosos e confiáveis.

História das Idéias Científicas. Basicamente duas são as maneiras de compreender o comportamento social e individual humano. A primeira é dualista, isto é, corpo e mente são coisas separadas, com origens e lógicas diferentes. O corpo é formado por processos naturais; a mente é formada por processos mágicos. Pressupõe que a mente humana é uma tabula rasa, uma folha me branco, que será preenchida pelo aprendizado que a educação na vida em cultura fornece.

Esta forma de compreender o ser humano está ainda hoje na moda, atendendo pelo nome de hermenêutica, que sustenta que as atitudes humanas somente podem ser interpretadas. Jamais as atitudes humanas podem ser explicadas por relações causais. Muito menos podem ser feitas e testadas hipóteses, tendo em conta que o ser humano vive suspenso numa teia de significado, que não segue outra lógica que não a arbitrariedade dos signos. Por serem arbitrários, não podem ser previsíveis.

Charles Darwin empurrou o pensamento científico numa direção oposta. Duas foram as suas postulações no livro A Expressão da Emoção nos Homens e nos Animais: 1) os seres humanos foram dotados com expressões emocionais (sorriso, p.ex.) pelo processo evolutivo; 2) face à universalidade das maneiras pelas quais as emoções se exprimem, Darwin assumiu – de maneira radical para um homem de sua época – que todas as raças humanas haviam divergido, muito recentemente, de um ancestral comum.

Willian James, psicólogo e amigo de Darwin, deduziu, então, que o comportamento humano não é possível, sem que existam rudimentos de um conhecimento inato. Era o início de um movimento que ficou conhecido como darwinismo social, a primeira tentativa sistemática de aplicação direta da idéia de seleção natural, agindo sobre as atitudes e motivações humanas. Esta escola foi liderada por Herbert Spencer. Esse último sustentou que as diferenças entre os indivíduos, no nível da vida social, eram baseadas em desigualdades biológicas. Chegou a alcançar grande prestigio. No Brasil do final do século XIX, início do século XX, foi representado por eminentes figuras como Sílvio Romero e Tobias Barreto, por exemplo.

Por razões religiosas e políticas, biologia e comportamento se afastaram. O darwinismo em geral contraria a própria razão de ser das religiões, porque tira o homem da espiritualidade que as fundamenta, colocando-o como descendente de macacos. Politicamente, os biólogos do comportamento são acusados de uma associação com a direita, em razão da simpatia dos barões da industria americana pelo darwinismo social e também dos movimentos eugênicos da primeira metade do século XX, que pretensamente utilizaram conhecimentos advindos da genética, para escolher os que seriam esterilizados. Esse é um raciocínio tão válido como culpar Santos Dumont pelos bombardeios aéreos ou de culpar o casal Curie pelas vítimas de Hiroshima e Nagasaki.

No fundo, mais até que os problemas políticos, o movimento foi a pique por causa de fragilidades do próprio trabalho de Darwin.

A Teoria da Evolução está baseada na idéia de seleção natural. Dentro de uma espécie, os indivíduos não são geneticamente idênticos. Portanto, a sobrevivência e a reprodução dependem, em grande parte, das características herdadas. Isto quer dizer que sobrevivência e reprodução não ocorrem aleatoriamente. As características de um indivíduo poderão ser vantajosas ou não.

Se forem, esse indivíduo deixará mais descendentes do que aqueles que não as têm e terá um diferencial de reprodução. Um traço somente se firma na espécie, se apresentar uma vantagem para o seu detentor, não havendo espaço para caprichos na natureza. Para ir bem na batalha pela sobrevivência, nada de traços inúteis.

Por outro lado, a competição gerada pela diferença de sucesso reprodutivo faz com que os indivíduos invistam seus dotes neles mesmos e não em quaisquer outros, num processo chamado de luta pela sobrevivência. Cada indivíduo age de forma a maximizar o seu sucesso ecológico.

Essas afirmações, embora corretas a maior parte do tempo, levantam alguns problemas, já percebidos como fraquezas pelo próprio pai da Teoria da Evolução. Esses problemas podem ser simbolizados pelas metáforas do pavão e da formiga. Darwin dizia sentir fortes calafrios, quando via as penas da cauda do pavão. Não é para menos! A exuberância delas aparentemente contrariava o postulado da modéstia, que cerca a idéia de seleção natural, incapaz de explicar esse e outros tantos exageros da natureza: os enormes chifres dos alces ou mesmo cantos e rituais altamente refinados de alguns pássaros.

Darwin propôs que ao lado da seleção natural, havia outra força que chamou de seleção sexual. Tais indivíduos exibiam traços exagerados apenas porque as fêmeas os preferiam assim ou porque eles tinham melhores armas para competir com outros indivíduos da mesma espécie, por maiores oportunidades de acasalamento. Em outras palavras, era a escolha da fêmea, o motor por trás da seleção sexual. A despeito do acerto dessa teoria, os contemporâneos de Darwin não conseguiram compreende-la, centrados que estavam na idéia restrita de seleção natural, que conseguia explicar dentes e chifres, mas não sons ou caudas elaboradas, ficando essa teoria quase que esquecida por praticamente um século.

Outra dor de cabeça para Darwin eram as formigas. A observação do comportamento desses insetos, em particular das formigas operárias, mostra que elas abdicam do potencial reprodutivo em favor da reprodução da rainha, de quem são irmãs. Isto de fato é um problema para uma teoria baseada no extremo egoísmo dos indivíduos, pois o altruísmo não se explica pela ótica da seleção natural. Altruísta, em sentido biológico, é todo ato que piora as chances reprodutivas do agente, ao mesmo tempo em que melhora as chances de sucesso reprodutivo de quem recebe.

A cooperação entre os humanos não poderia ter sido selecionada, posto que não é capaz de trazer qualquer vantagem para o indivíduo que a adota; antes pelo contrário, caso seguida a lógica estritamente darwinista de seleção natural, o indivíduo seria selecionado para desaparecer, ou parafraseando Stanislaw Pontepreta, esse indivíduo despontaria para o anonimato.

Segundo Helena Cronin, o altruísmo não era percebido por Darwin como um problema. Ele explicava a esterilidade das fêmeas por ser benéfica para toda a espécie, já que a seleção natural algumas vezes age indiretamente sobre o indivíduo. Sem embargo dessa altivez, a falta de explicação para o altruísmo isolou o darwinismo social do mainstream das ciências sociais.

A cooperação está no centro do comportamento social humano e sem uma explicação para ela, isto é, sem que o altruísmo biológico pudesse fazer sentido para o indivíduo que o adotasse, não há conciliação entre evolucionismo e comportamento social. Além do ostracismo dos darwinistas sociais, ficou uma espécie de maldição que transformam todos os que tentam estudar biologia e comportamento humano em conjunto, como baluartes do egoísmo anti-social de direita.

No início do século XX, já estavam lançadas as bases para um tipo de acordo entre a biologia e as ciências sociais. Os biólogos evolutivos ficariam fora do comportamento social humano. Naquele tempo, enquanto Morgan estava iniciando a sala das moscas, a evolução, como teoria compreensiva, ainda não havia se firmado, com problemas sérios para explicar convenientemente a hereditariedade. A explicação da transmissão das características entre as gerações, proposta por Darwin (as gêmulas espalhadas pelo corpo), era tão ruim que a sua rejeição lançou sombras sobre toda a teoria.

Por outro lado, os cientistas sociais estavam mais interessados em se colocar a serviço de ideologias políticas, do que em compreender cientificamente o comportamento humano. Esse adesismo impunha a eles o dever de que deveriam, ao invés de aceitar o homem como ele é, basear suas especulações num ser humano idealizado e que pudesse absorver as pretensões de mudança de comportamento que os novos tempos bafejavam.

O homem solidário, o companheiro, indispensável para a implementação de um programa político de esquerda ou até anarquista; ou mesmo o homem caridoso e com bom coração, um filho de Deus, como queria o pensamento religioso, deveria ser idealizado como um “bom selvagem”, que nasce livre e puro.

Esse homem ainda deveria ser permeável a qualquer forma nova, revolucionária, de relacionamento econômico-social e organização política. A racionalidade humana faria com que logo os homens percebessem as vantagens de uma sociedade igualitária, justa e solidária que as tais ideologias pregavam.

Mais do que isso, a idéia de que o homem nascia livre e bom e que a vida em sociedade o corrompia era perfeita em termos de marketing político, porque garantia que os erros políticos, que deformavam o homem, ficassem com a gestão anterior. Com isso, os homens cheios de defeitos ficavam isentos de qualquer culpa A culpa era do sistema político. . Por volta da década de 1930, a sorte da Teoria da Evolução estava para mudar. Graças aos avanços ocorridos na genética, foi possível conciliar a evolução com as regras mendelianas de transmissão hereditária, criando-se a disciplina da Genética de Populações. A mutação foi devidamente compreendida e estava também de acordo com os postulados darwinianos, que indicavam papel mais importante para a recombinação, fruto da reprodução sexuada, como forma de criar e consolidar traços novos. Essa conciliação ficou conhecida como Síntese ou Segunda Revolução Darwiniana e inegavelmente abriu a possibilidade para que estudos avançassem em direção à Etologia.

Do lado das ciências sociais, as coisas estavam caminhando no sentido oposto ao da interlocução com a Biologia, cumprindo com a parte no acordo. Ganhava corpo, nos idos de 1930, a idéia de cultura como fonte do comportamento social humano. Franz Boas, em trabalho clássico, afirmou que a mente dos chamados primitivos não difere, em termos de capacidade, da mente dos povos ditos civilizados.

Então, as diferenças – conhecidas em genética como variabilidade – não eram biologicamente explicadas, devendo-se a fatores locais. Até mesmo as diferenças de gênero foram imputadas a causas histórico-culturais. Margaret Mead, conhecida por alardear que as mulheres da Ilha de Samoa não conheciam o ciúme, justificava-o como construção da sociedade ocidental machista e patriarcal, que inferiorizava as mulheres. Mais tarde, descobriu-se que as informantes, adolescentes à época, por pilhéria, mentiram para a pobre senhora Mead. Isso, evidentemente, é contado como anedota na Antropologia.

Mas toda forma de explicar o conhecimento humano é fundada numa explicação, mínima que seja, do funcionamento da mente, pois é ela quem processa as informações que vêem do ambiente funcionando como uma esponja, que absorve o input cultural e devolve reação. Para os culturalistas, o funcionamento da mente depende, exclusivamente, dos estímulos ambientais e não de rudimentos de um conhecimento inato.

De acordo com esse postulado que valoriza o impulso ambiental, foi construído por psicólogos um outro modelo de causação para o comportamento humano: o behaviorismo. A despeito da sua inspiração positivista, que impunha a experimentação, é um tipo de culturalismo, na medida em que valoriza o ambiente, como fonte do comportamento. B.F.Skinner, o grande nome dessa escola, concebia os organismos como caixas vazias e o comportamento se resumia a um estímulo – uma resposta: input output.

Skinner, no livro Verbal Behavior, tentou aplicar sua teoria, obviamente mais rica e mais complexa do que minha tradução informa, para explicar a aquisição da fala. A fala era uma espécie de Batalha de Waterloo para os culturalistas, porque era evidente para eles que as pessoas falavam em razão (e na medida do) ensinamento recebido na educação, a despeito de estar presente em todas as populações conhecidas. Explicar a fala, um fenômeno universal, em razão do input recebido da cultura, significava desmentir a relação entre a idéia de universalidade e inatismo: se um comportamento ocorre em todas as populações é inato.

Justamente de uma resenha crítica desse livro, escrita por Noam Chomsky, se íniciou uma revolução nas ciências sociais. Para continuar com a metáfora das batalhas, o trabalho de Chomsky foi o Dia D, dos imanentistas. Chomsky chamou a atenção para dois detalhes importantes sobre a fala: 1) cada frase que uma pessoa enuncia ou compreende é virtualmente uma nova combinação de palavras, que aparece pela primeira vez no universo. O cérebro deve conter uma receita ou programa que consegue construir um conjunto ilimitado de frases, a partir de um número finito de palavras. Esse programa foi chamado de gramática mental; 2) as crianças desenvolvem essas gramáticas complexas rapidamente e sem qualquer instrução formal e conferem interpretações coerentes a frases que nunca escutaram.

O argumento de Chomsky era baseado na pobreza do input. A riqueza da fala nas crianças é um resultado muito complexo para o input recebido por elas.

O que justifica esse gap é um mecanismo inato, algo como um plano comum às gramáticas de todas as línguas, uma Gramática Universal, que lhes diz como extrair padrões sintáticos da fala de seus pais.

Chomsky testou seu argumento a partir de perguntas feitas a crianças, cujas respostas não poderiam ter sido ensinadas por seus pais. Todos sabemos que, na língua inglesa, as perguntas em que seja usado o verbo to be, como principal ou auxiliar, são feitas, com a troca do verbo de lugar. A afirmação seguinte pode ser usada como exemplo de onde queremos chegar: an unicorn that is eating a flower is in the garden (um unicórnio que está comendo uma flor está no jardim). Um dos is faz parte do sujeito (an unicorn that is eating) e o outro is é o verbo do qual a frase anterior é sujeito. Se as crianças, de fato, têm um mecanismo inato de organização da frase (sintaxe), elas vão deslocar o verbo is de maneira correta quando se depararem com essa situação pela primeira vez. Ou seja, elas vão saber é o verbo com função de verbo que deve ser deslocado e não o verbo que compõe o sujeito. O cérebro da criança sabe que verbo é verbo e sujeito é sujeito.

Pesquisas atuais, em duas direções surpreendentes, corroboram o trabalho de Chomsky. Estudos com pacientes acidentados ou com deficiências neurológicas mostram que lesões parciais do cérebro alteram algumas funções especificas, enquanto que mantém outras preservadas. No caso específico da fala, há casos de doentes em quem a inteligência fica preservada e a capacidade de falar corretamente fica comprometida, não por incapacidade física de emitir sons, mas por deficiência na articulação sintática e gramatical das palavras.

O inatismo da capacidade gramatical ficou mais evidente a partir da descoberta da Síndrome de Willians, que decorre do mau funcionamento de um gene envolvido com a regulação do cálcio, durante a fase de desenvolvimento do cérebro, do crânio e de outros órgãos internos, causando graves sintomas, como o retardo mental significativo, p. ex. As pessoas afetadas, no entanto, são capazes de conversar e contar histórias que não aconteceram, com impressionante riqueza de detalhes e não cometem erros gramaticais significativos, mesmo em orações extensas e complexas.

Essas conclusões sinalizam uma ligação entre genes e a capacidade gramatical, corroborando estudos de famílias que apresentam Transtornos Específicos de Linguagem (SLI), que causa incapacidades gramaticais localizadas.

Geneticistas têm ligado o SLI a um determinado gene, que é transmitido de geração a geração de maneira muito parecida com as síndromes genéticas.

Nos anos de 1950, além do trabalho de Chomsky, outros importantes fatos científicos ocorreram de maneira a permitir a reaproximação da Biologia com o comportamento humano. Conta E. O. Wilson que em 1956 estava iniciando a carreira de professor na Universidade de Harvard e lhe foi oferecido orientar Stuart Altman, numa tese sobre o comportamento social de macacos rhesus de Porto Rico em condições naturais e não em laboratórios.

Naquela época, estudos com populações de primatas em condições naturais era algo raro. Ao chegar a Porto Rico e observar a vida dos rhesus, Wilson se impressionou com a complexidade da vida social deles. Concluiu que o comportamento social de todos os animais gregários, de insetos a primatas, poderia ser estudado sob uma única disciplina, projeto que concluiu em 1975, com a publicação do livro Sociobiologia, a nova Síntese, que unia Genética de Populações, resultado da primeira síntese entre Darwin e Mendel nos anos 1930, ao estudo do comportamento social de todos os animas que vivem agrupados.

A partir dos anos 1960, os estudos de comportamento animal em condições naturais cresceram significativamente. Jane Goodall ficou famosa com a observação de Chimpanzés na Tanzânia. Goodall os descrevia como vivendo em sociedades complexas e sutis como as nossas. Fazia uso de termos humanos para descrever as coisas incríveis que tinha observado em Gombi. Foi inevitável perceber as semelhanças dos chimpanzés conosco, porque fazem uso de instrumentos, transmitem hábitos adquiridos numa geração para a outra por mecanismos de imitação, como na vida em cultura e também matam seus competidores, usando elaborados ataques etc

A vida dos chimpanzés lembra as nossas próprias vidas, também pelo clima de novela: ambição, alianças, ciúmes, traições, enganos, vinganças, afeição, etc. etc. Hoje sabemos que essa semelhança tem como causa o fato de que compartilhamos com eles cerca de 98% do nosso genoma. Os canais físicos e bioquímicos pelos quais emoções e sentimentos se expressam têm uma base muito parecida em ambas as espécies, motivo porque suas reações e estratégias ecológicas são tão parecidas com as nossas.

Todos esses progressos no estudo do comportamento animal ainda eram insuficientes para o estabelecimento de um novo paradigma científico baseado na Teoria da Evolução. As formigas ainda eram um tabu no início dos anos 1960.

Gene Egoísta. Vamos lembrar que Darwin justificou o altruísmo como selecionado para o bem da espécie, porque a seleção natural, às vezes, age indiretamente sobre o indivíduo. Sabemos que nem mesmo ele acreditava em sua resposta, quando confessou que os insetos sociais eram de longe a dificuldade maior que a sua teoria tinha encontrado.

Nos anos 1960, estava ganhando força na biologia a idéia de que a seleção natural opera no nível dos genes, e não no nível da espécie, indiretamente sobre o indivíduo como pensava Darwin. Mas esse raciocínio não resiste a uma aplicação cuidadosa de princípios matemáticos da Genética de Populações. Se o altruísmo existe para o bem da espécie, devemos esperar que todos os membros sejam altruístas. Se o ato altruísta é aquele que diminui o sucesso reprodutivo (custo para a fitness) do donatário em benefício do sucesso reprodutivo (benefício para a fitness) do recebedor, não é difícil concluir que os não altruístas terão mais sucesso reprodutivo que os altruístas, nas sucessivas gerações. Ao longo do tempo a freqüência de genes altruístas diminuirá até ser praticamente eliminado do pool gênico.

George Willians é celebrado como pioneiro na revolução conhecida como gene egoísta, embora esse termo tenha sido cunhado por Richard Dawkins, em 1976. Willians percebeu que fenômenos que não faziam bem para a sobrevivência do indivíduo (o salmão que morre quando põe os ovos, o louva-a-deus, cujo macho serve de refeição para a fêmea, durante a cópula e mesmo o altruísmo destinado aos parentes) tinham sido selecionados.

Notou também que embora não fizesse sentido para os indivíduos, que literalmente morriam, ou se prejudicavam com estratégias altruístas, que esses comportamentos fariam mais sentido se os beneficiados fossem os genes. Por gene, aqui, trazendo a lição de Richard Dawkins (2001 [1976]), deve-se entender a entidade irredutível que persiste por longo período de tempo e é capaz de fazer cópias de si mesmo e sobre eles (os genes) que a seleção natural pode agir em pequenos movimentos. A sobrevivência é do gene mais apto.

Os organismos, em razão da reprodução sexual, não conseguem fazer cópias idênticas de si mesmos e a prole, não raramente, apresenta diferenças marcantes dos parentais. Os processos de meiose e recombinação servem como métodos de embaralhar os genes a cada geração. Além disso, as mudanças que ocorrem durante a vida do organismo não são herdadas pela prole.

É necessária que seja utilizada uma unidade na qual as mudanças que têm o efeito na reprodução dos indivíduos sejam herdadas. Esta unidade passa a ser também a moeda da seleção natural. A fim de facilitar a compreensão da idéia de unidade de seleção, Dawkins fez uma distinção entre veículos e replicadores. Os genes não estão expostos diretamente às forças seletivas; apenas os indivíduos estão. O meio ambiente interage apenas com fenótipo que é uma projeção do trabalho conjunto de muitos genes. O organismo é o veículo do gene. As propriedades dos organismos lhe são conferidas pelos genes e essas propriedades influenciam as possibilidades de sobrevivência e reprodução dos indivíduos e, em última análise, dos seus genes.

O indivíduo, é, na verdade, uma máquina de sobrevivência para os genes, genes esses que controlam as decisões do organismo. Muito freqüentemente, os genes, em beneficio próprio, fazem com que os indivíduos ajam no interesse da prole; às vezes em beneficio de outros parentes; às vezes até mesmo no interesse de grupos maiores compostos por não aparentados e às vezes de maneira suicida, apenas para a continuidade dos genes em outros veículos.

Porém, sempre, sem exceção, os seres vivos são projetados para agir de forma a aumentar a probabilidade de que seus genes ou cópias de seus genes, sobrevivam e se reproduzam, ainda que o façam através dos indivíduos-veículo.

Como regra geral, quando um biólogo constata que um animal está agindo a favor de outro, de duas uma: ou está sendo manipulado ou está agindo com um egoísmo sutil.

O egoísmo dos genes pode ser percebido pelo raciocínio de custo e benefício. O altruísmo impõe um custo e o indivíduo somente incorrerá nesse custo, caso haja algum benefício em vista, ainda que não seja imediato. Se as cópias dos genes são a moeda da seleção natural, devem prosperar os genes causadores de um tipo de comportamento que aumenta a probabilidade de sobrevivência de tais genes.

Com o perdão do antropomorfismo, os genes estabelecem armistícios entre si, no interesse maior da sobrevivência do veículo, porque somente através dos organismos é que eles conseguem multiplicar-se. Os genes estabelecem aquilo que Matt Ridley chamou de comitê de genes interesseiros. Eles (os genes) não vivem pacificamente dentro do genoma de um indivíduo, como inertes receitas de bolo. Recentemente, alguns biólogos têm prestado atenção ao que vem sendo chamado de conflito intragenômico, que pode ser descrito como de genes dentro de um indivíduo que estejam sendo selecionados em sentidos opostos.

De fato, alguns dos estranhos fenômenos ocorridos dentro do núcleo da célula podem ser entendidos como batalhas entre genes. Todos sabemos que herdamos um jogo de cromossomos do pai e outro da mãe. Quando um gene alelo se expressa, normalmente o outro não se expressa. Do ponto de vista do gene egoísta, um gene está ativo, influenciando o comportamento do indivíduo e sua sobrevivência futura e o outro não está. É de se esperar então que o egoísmo, na expressão dos genes e na seleção de cópias que vão para o próximo veículo, transforme os genes egoístas em genes estrategistas e genes guerreiros.

Vamos pensar no imprinting. As fêmeas recebem um cromossomo X que vem de sua mãe e outro X que vem do seu pai. Sabemos que estes cromossomos têm o sinistro hábito de enviar grupos de Metila (CH3) para se juntarem ao cromossomo do cônjuge amado, fazendo com que esse fique quieto, inviável pelas armas químicas que seu alelo querido lhe remeteu. Ele se transforma no corpúsculo de Barr.

O cromossomo X tem antecedentes violentos, por assim dizer. A ele se imputa o diminuto tamanho do cromossomo Y, nitidamente um resquício daquilo que um dia foi um cromossomo X. Após ser despedaçado em algum bombardeio ocorrido num passado muito remoto, o cromossomo Y é um sobrevivente, um fugitivo que se aproveita de seu pequeno tamanho para se esconder no genoma e evitar as novas investidas do onipresente cromossomo X. Em algumas espécies, o Y não fugiu a tempo e elas são espécies em que o macho é X0.

O drama vivido no genoma, com agressões, silenciamentos, mutilações, infiltrações, sabotagens etc fez com que Willian Hamilton, o outro revolucionário do gene egoísta, dissesse que o genoma não é uma equipe de executivos dedicada ao projeto de manter alguém vivo e procriando, mas uma diretoria de empresa, um palco para disputa de poder para egos e facções. Conclui o triste Willians dizendo que se sentia um embaixador enviado ao exterior por uma frágil coalizão, um portador de ordens conflitantes dos apreensivos senhores de um império dividido.

Agora que vimos que o egoísmo do gene, não somente lança o indivíduo contra o interesse próprio, como pode atingir graus de violência física no palco da cromatina, como essa idéia de gene egoísta pode salvar a Teoria da Evolução da maldição das formigas? Um dia já se disse que ou o Brasil acabava com as formigas ou as formigas acabariam com o Brasil. Mas seria esse também o destino da Evolução?

Seleção pelo Parentesco.

Em 1963, Willian Hamilton estava às voltas com esse problema quando ponderou que as formigas têm um ciclo haplodiplobionte de reprodução, isto é, em uma fase, o ciclo reprodutivo é assexuado, quando nascem fêmeas e em outras é sexuado, nas poucas vezes em que machos são construídos. Este pequeno detalhe do ciclo de vida faz com que as irmãs tenham mais material genético em comum entre si, do que os filhos havidos no ciclo de vida estritamente sexual.

De acordo com o postulado do gene egoísta, os indivíduos são embaixadores, mandatários dos genes que estão no comando. Não fica difícil entender porque a formiga operária, um veículo de seus genes, permanece estéril e ajuda a rainha a lhe dar novas irmãs, ao invés delas investirem em filhos próprios. A formiga operária não age de maneira altruísta para o bem da espécie e indiretamente para ela mesma. Ela age com esse altruísmo, porque a irmã tem mais genes em comum com ela do que teria no caso de ter um filho. Este é um caso típico que os genes manipulam os veículos em nome de seus interesses maiores.

Se a questão do altruísmo pode ser compreendida a partir dos genes egoístas, o comportamento das formigas operárias não é mais um problema. O nome dessa teoria, que vincula o parentesco aos atos altruístas, é justamente Seleção pelo Parentesco ou Kin Selection, ou ainda Inclusive Fitness. O altruísmo biológico não é um altruísmo puro: é egoísmo disfarçado, já que as tendências altruístas no indivíduo se formam em benefício do gene. Esta teoria, dita de outra forma, indica que a sobrevivência e reprodução dos indivíduos podem ser afetadas positivamente pelo comportamento de outros indivíduos.

Hamilton trabalhou da maneira mais admirável que há para construção de explicações cientificas, porque elaborou um modelo simples para resolver um problema pequeno, porém com alto poder para explicar uma série de outros fenômenos além daquele, cuja compreensão se buscou. Ele pretendeu explicar o altruísmo nas formigas e acabou elaborando um modelo que não somente explica o problema das formigas como de todo o altruísmo destinado a parentes, que ocorre na natureza.

A teoria da inclusive fitness esclareceu as condições necessárias para que um gene que codificasse para o comportamento altruísta aumentasse a sua própria freqüência no pool gênico. Dito de outra maneira, o altruísmo na natureza fez sentido a partir da idéia de seleção natural. Isso vai muito além das formigas e insetos sociais. A inclusive fitness é usada não somente para medir o benefício do agente em proveito próprio como também o impacto de sua atividade nos outros indivíduos aparentados e é uma medida de sucesso reprodutivo que não se centra exclusivamente com os descendentes diretos do agente, mas no circulo familiar mais amplo.

Para esclarecer esse conceito fundamental, vamos imaginar dois indivíduos A e B, que são parentes em determinado grau r (coeficiente de parentesco que mede a proporção de genes presente num indivíduo idênticos àqueles presentes no outro indivíduo) varia entre 0 (nenhum parentesco) até 1 (gêmeo monozigótico). Os atos altruístas impõem um custo c ao doador, na medida em que é gerado um beneficio b para quem recebe. Custos e benefícios sempre medidos em termos de sucesso reprodutivo. A condição matemática para que haja a assistência ao outro, de forma a aumentar o spread do gene altruísta é: ajuda se r.b >c (quadro da pg. 77). O exemplo do quadro mostra que embora haja o investimento de A, este é sem dúvida um investimento que rendeu frutos através de mais copias dele mesmo.

O modelo de altruísmo direcionado aos parentes pode servir para explicar grande parte do comportamento social humano, já que a vida em sociedade é baseada em atos altruístas. Antes de prosseguir, devemos fazer um pequeno parêntese em nosso argumento, para apresentar duas rápidas idéias.

A primeira delas é que o cérebro funciona através de estruturas físicas modulares, selecionadas ao longo do processo evolutivo, para resolver problemas específicos (reconhecer rostos, falar, detectar malandros, p.ex). Esses módulos trabalham coordenadamente, sem perder a independência neurofisiológica. Os exemplos lembrados acima, a propósito das Síndromes que afetam a fala, mas não alteram a inteligência e vice-versa, são ótimos indicadores da modularidade da mente.

Se essas estruturas são adaptações voltadas para a solução de problemas específicos, quando esses problemas ocorreram e quais problemas foram esses? Nossa mente se desenvolveu para resolver problemas dos nossos antepassados caçadores e coletores do pleistoceno. Foi o modo de vida deles que forjou grande parte das estruturas mentais que dispomos hoje, porque aquilo que conhecemos como história, em termos biológicos, representa umas poucas gerações, o que não é suficiente para gerar e consolidar as adaptações necessárias à vida social. As características funcionais complexas da mente humana se desenvolveram como respostas às demandas do estilo de vida de caçadores e coletores, mais do que nos dias de hoje. Este tempo é chamado de EEA – Ambiente de Adaptação Evolutiva.

Fixadas essas estacas, agora podemos voltar para o altruísmo direcionado aos parentes, entre os humanos. Já vimos que a regra de Hamilton prediz que o altruísmo entre os parentes dependerá do custo do ato, do coeficiente de parentesco, entendido como a quantidade de genes em comum entre doador e destinatário do altruísmo, e do beneficio obtido pelo destinatário.

Portanto, podemos fazer algumas especulações, isto é, deduzir algumas hipóteses, que podem ajudar á compreensão do comportamento social humano, à luz da inclusive fitness. A primeira dela é que o comportamento altruísta é muito mais comum entre parentes do que em não parentes. Como decorrência lógica, temos que os atos altruístas serão mais comuns quanto maior for o coeficiente de parentesco entre os indivíduos que interagirem: quanto mais distante o parentesco mais improvável a cooperação. Um ditado da sabedoria árabe ilustra a seleção pelo parentesco: eu contra meu irmão; eu e meu irmão contra meu primo; meu irmão, meu primo e eu contra os estranhos.

Quando chegarmos à parte final desta palestra, na parte dedicada ao nosso cotidiano e a sua correlação com os conceitos da Biologia Evolutiva, vamos checar essa hipótese, testando como funciona a distribuição de atos cooperativos entre irmãos gêmeos monozigóticos e dizigóticos. Outro exemplo prático desse maior altruísmo entre aqueles que têm genes em comum é a taxa de homicídios entre aparentados. Um ambientalista, que negasse a existência da natureza humana, poderia dizer que os homicídios cometidos dentro de casa ocorrem por fatores ambientais somente. Com certeza, não consideraria as variáveis parente e agregado como importantes, porque focaria a resposta somente na intensidade e freqüência das interações.

Nessa perspectiva, seria de esperar que os homicídios cometidos dentro de casa ocorressem com a mesma taxa ou taxa parecida nas duas variáveis acima. Mas, comparadas as incidências de homicídios entre pessoas que moram na mesma casa, aparentados ou não, é gritante a maior incidência entre familiares que não compartilham genes ou com baixo coeficiente de parentesco, justamente o que seria de se esperar como resposta de alguém familiar com o conceito de kin selection.

Outra hipótese é que a evolução de algum tipo de altruísmo fora da relação de parentesco é sempre limitada e, basicamente, ocorre quando o custo do ato altruísta é baixo ou quando o vizinho médio não é muito distante do altruísta em termos genéticos. Essa última é uma condição existente no EEA. Os agrupamentos de caçadores e coletores viviam em pequenos grupos, compostos em grande parte por indivíduos aparentados. Na sociedade primitiva, as relações sociais eram determinadas, principalmente, pelas relações de parentesco e a despeito de particularidades de cada uma dessas coletividades pré-históricas, a seleção do altruísmo pelo parentesco é recorrente em todas elas: é um fenômeno universal.

Essa tendência do parente ser altruísta com outro parente pode ser exemplificada por uma série de regras legais. São exemplos do que estamos falando, a proibição da mãe testemunhar a favor do filho, p. ex ou da limitação do dever de prestar alimentos aos parentes diretos e consangüíneos. A ordem dos herdeiros que vão receber a herança segue exatamente o coeficiente de parentesco: primeiro os descendentes, depois os colaterais. Num caso e noutro, a existência de um parente mais próximo geneticamente exclui da herança os mais distantes.

Altruísmo Recíproco. Embora o modelo da kin selection possa ter elevado poder explicativo, ele não basta para explicar o comportamento social dos seres humanos, que envolvem atos cooperativos fora do círculo familiar. Num artigo altamente intuitivo e fundado exclusivamente em trabalho de campo de terceiros, Robert Trivers, explicou, a partir da observação da natureza, como pode evoluir o altruísmo entre não aparentados e até entre indivíduos de espécies diferentes.

Sob certas condições, a seleção natural favorece comportamentos altruístas, porque beneficia os organismos que o praticam. Trivers argumenta que a reciprocidade está no centro do altruísmo. Justamente por isso, chamou seu artigo de A Evolução do Altruísmo Recíproco. Os benefícios da reciprocidade dependem da proporção desigual entre custos e benefícios do ato altruísta, isto é, o beneficio para quem recebe o altruísmo é maior do que o custo do ato para quem o pratica.

Situações de altruísmo são justamente essas situações em que há uma disparidade de custos e benefícios. Consideradas então as situações de altruísmo podem supor que as chances para a seleção do altruísmo recíproco serão maiores quando (1) houver muitas situações de altruísmo durante o tempo de vida dos altruístas; (2) um dado altruísta interage repetidamente com um pequeno número de indivíduos; e (3) pares de altruístas estão simetricamente expostos a situações de altruísmo, de tal maneira que os dois são capazes de propiciar benefícios equivalentes um ao outro, a um custo semelhante. Em outras palavras, deve haver uma baixa hierarquização entre os indivíduos do grupo.

Essas três condições existiam em nosso ambiente ancestral, quando já tínhamos uma vida razoavelmente longa, baixa dispersão populacional e grande dependência mútua entre os indivíduos, na defesa contra predadores p.ex., o que equivale dizer que as situações de altruísmo ocorriam freqüentemente. O cuidado parental é uma forma de altruísmo recíproco. A grande assimetria entre os deveres de pais e filhos indica a força da seleção pelo parentesco, porém esta não explica integralmente o altruísmo em família, porque os pais fazem retaliações contra os filhos, se esses falham no dever de reciprocidade.

Sem dúvida, o modelo de Hamilton se funda no fato de que os custos e benefícios são uma função do coeficiente de parentesco e não cogitou a interrupção do fluxo de altruísmo por ausência de reciprocidade. Aqui, vamos voltar para a minha área de formação, o direito. O pai pode deserdar o filho, quando esse atenta contra a vida paterna, ou faz algo muito grave ao pai. Os pais também podem se exonerar do pagamento de pensão ao filho maior de idade que cursa o nível superior, em casos de seguidas reprovações ou baixo desempenho acadêmico.

O altruísmo recíproco tem óbvia ligação com a idade dos envolvidos. Se os custos e benefícios se medem por novas cópias de genes que são mandados para a geração seguinte, o período de fertilidade influi no valor dos atos altruístas.

Durante a infância, o custo dos atos altruístas para os nossos pais é baixo e os investimentos que recebemos são altamente benéficos, porque ainda não atingimos a maturidade sexual. Nessa hipótese, o altruísmo é bastante provável.

Mas a situação se inverte quando temos que cuidar de nossos pais, pois aí, nós estaremos em nosso auge reprodutivo, enquanto eles já não mais podem se reproduzir. Nessa hipótese, as chances de deserção são imensas, porque o custo gerado no auge do período reprodutivo do altruísta é alto, enquanto que o benefício para quem recebe é muito baixo. Daí o imenso abandono dos idosos ainda hoje.

Os caçadores e coletores viviam em pequenos grupos de cerca de 50 a 150 indivíduos, o que possibilitou, não somente muitas oportunidades para praticar o altruísmo, como também que as relações se circunscrevam a poucos indivíduos.

Nas pequenas comunidades, ainda hoje, há mais altruísmo do que nas grandes cidades onde ninguém se conhece. Com certeza, não é porque as pessoas das cidades pequenas são mais bondosas que as da cidade grande; é porque a chance de haver novas situações de altruísmo é muito mais provável em comunidades menores.

Nesses pequenos bandos dominância hierárquica era baixa. Os combates intragrupos e a união dos parentes na briga, p.ex., minimizaram a assimetria de dominação. A invenção e utilização de instrumentos diminuíram ainda mais a vantagem do mais forte. David venceu Golias usando um bodoque.

Papel relevante no altruísmo humano é desempenhado pelos desertores, aqueles que não retribuem os atos altruístas. Quando nenhum pagamento é feito, ocorre a deserção grosseira e certamente a seleção natural favorecerá a pronta discriminação contra os desertores grosseiros. A traição sutil envolve a reciprocidade, mas sempre em quantidade menor que a devida. Nesse caso, o altruísta ainda se beneficia da relação, mas não o tanto que se beneficiaria se a relação fosse eqüitativa.

O longo tempo de vida gera uma enorme quantidade de situações de altruísmo que envolve a troca de atos com valores diferentes. Essa complexidade dificulta o balanço de cada uma de nossas relações. Se há desequilíbrios, é preciso ver se se devem ao acaso ou se resultam de uma deserção em pequena escala. Feito tudo isso, ainda temos que avaliar custos e benefícios do rompimento, para então decidir fazer alguma coisa.

De qualquer forma, o rompimento vai significar a perda total da reciprocidade. Trivers (1971) sustenta que é a sutileza da discriminação necessária para detectar esta forma de traição e sinuca de bico que essa situação causa ao altruísta que torna a forma sutil de deserção adaptativa (p. 47).

Existe uma tendência humana de fazer pequenos grupos e nesses grupos intensificar os atos altruístas, compensando a perda de outros eventuais parceiros fora do grupo. A tendência a ser mais altruísta com pessoas de nosso subgrupo do que com os membros de outro subgrupo é notória. Torcidas uniformizadas, escolas de samba, universidades etc. são provas suficientes. Dentro de um pequeno grupo, fica mais fácil lidar com a traição sutil, tentando direcioná-la para o caminho do equilíbrio ou simplesmente juntar-se a outro subgrupo.

Trivers imaginou que o altruísmo era fundado num complexo sistema psicológico. Para ele a mente humana funciona através da atuação conjugada de módulos com funções específicas. A despeito da ausência de evidências genéticas ou de provas diretas do grau de altruísmo recíproco, a universalidade e a importância cotidiana do altruísmo hoje fizeram com que Trivers achasse razoável que o altruísmo fosse importante na evolução humana recente e que as disposições emocionais, que afetam o comportamento altruísta têm importantes componentes genéticos. Esse argumento, uma vez adotado, permite previsões:

a) um sistema de regulação complexo – a deserção sutil se traduz em vantagens reprodutivas para quem a adota, gerando instabilidade no sistema de altruísmo. A dificuldade de detectar o desertor sutil cria uma corrida armamentista entre a malandragem cada vez mais sutil e um sistema cada vez mais apurado para detectar malandro. Dadas essas condições, a seleção natural favorecerá no indivíduo um complexo mecanismo psicológico para regular as próprias tendências egoístas e altruístas e responder à essas tendências nos outros. O sistema deverá permitir colher os benefícios do altruísmo recíproco e, ao mesmo tempo, proteger o indivíduo contra a traição e faze-lo adotar as formas de traição que forem adaptativas. Por isso, os indivíduos não se dividem entre altruístas e desertores, mas no grau de altruísmo que exibem e sob quais condições eles trairão. Basta que a gente faça uma breve reflexão para sabermos o quão verdadeira é essa constatação;

b) amizade e emoções de gostar e não gostar dos outros – a tendência de gostar dos outros, formar amizades e agir altruisticamente em relação aos nossos amigos e a quem gostamos serão selecionados, porque fornecem recompensas imediatas, motivando os atos altruístas e a formação de parcerias. A seleção favorecerá um sistema no qual essas tendências são sensíveis às tendências altruístas do indivíduo de quem se gosta. Em outras palavras, a seleção favorecerá gostar daqueles que são altruístas. Evidencias indicam que em todos os grupos é mais comum o altruísmo entre amigos que entre neutros. A tendência de altruísmo entre amigos é tão poderosa que a lei não aceita o testemunho de amigos do acusado;

c) agressão moralista – se somos selecionados para sermos altruístas e muitas vezes essa tendência nos fragiliza diante da seletividade da deserção sutil, pressões seletivas para um mecanismo de proteção podem ser esperadas. Nesse contexto, esse mecanismo foi selecionado para: i) conter a tendência de altruísmo na ausência de reciprocidade; ii) educar o desertor, mostrando-lhe os prejuízos potenciais da ausência de reciprocidade e iii) em casos extremos, machucar, matar ou ostracizar o faltoso.

Muitos dos conflitos humanos surgem da ausência de reciprocidade. A necessidade de sinalização faz com que muitas vezes a agressão seja desproporcional à ofensa. Criamos um sistema complexo de justiça, para canalizar a tendência agredir por falta de reciprocidade;

d)gratidão, simpatia, e a proporção de custos e benefícios de um ato altruísta – se a relação custo e benefício de um ato altruísta é importante para determinar a adaptatividade do altruísmo recíproco, nossas emoções farão com que haja uma sensibilidade para essa proporção quando dermos ínicio ao altruísmo ou decidimos se e em que medida vamos retribuir. A gratidão foi selecionada para modular a resposta aos atos altruístas, enquanto que a simpatia foi selecionada para darmos o primeiro passo nas relações altruístas;

e)culpa e altruísmo reparativo – como a traição tem uma alta probabilidade de ser descoberta, um mecanismo psicológico de culpa pode ter sido selecionado para evitar que novas traições ocorram no futuro e para motivar o traidor sutil a reparar o mal causado por sua conduta, o que evidentemente dificulta a interrupção do fluxo de atos altruístas para ele, significando uma vantagem;

f) traição sutil: a evolução da mímica – todo esse complexo sistema de regulação de altruísmo pode ser manipulado a favor do desertor sutil, tornando a mímica dos traços acima uma vantagem. De fato, podem ser simuladas a gratidão, a simpatia, a amizade, a agressão moralista etc de forma a obter altruísmo verdadeiro sem reciprocidade proporcional e justa;

g) Mecanismos de defesa contra a traição sutil – a seleção, na corrida armamentista contra o traidor sutil, deve ter operado a favor daqueles indivíduos mais desconfiados, com elevada capacidade de suspeição dos comportamentos fakes adotados pelos traidores sutis. É importante considerar os motivos dos atos altruístas, como a culpa reparativa feita sem um profundo arrependimento, que coloca em suspeita o “altruísta arrependido”. A reputação dos indivíduos que iniciam os atos altruístas influi na maneira como esses atos são recebidos e como serão retribuídos;

h) Estabelecimento de parcerias altruístas – a seleção natural pode ter agido para nos dotar de mecanismos dedicados a iniciar novas parcerias. Se respondermos aos gestos de altruísmo inicial com amizade, a força agiu para selecionar altruísmo entre desconhecidos, o que se verifica da vivência diária, quando tratamos bem as pessoas estranhas para sermos bem atendidos p. ex. Muitas vezes, como o altruísmo dos amigos já é garantido, somos mais legais com estranhos, com a pronta resposta do ciúme e da agressão moralista do amigo;

i) Interações multilaterais – a seleção pode ter favorecido também as relações com muitos atores, agindo fortemente para favorecer o aprendizado das tendências altruístas, através de informações de terceiros e contando com outros membros do grupo para agir contra o desertor. Esta combinação permite um altruísmo generalizado entre dois indivíduos de um grupo, que agirá contra o faltoso. A evolução também parece ter favorecido regras de reciprocidade porque as muitas interações de cada indivíduo tornam difícil uma contabilidade individualizada e confiável das relações com cada interlocutor.

Conflito de Parentela. Trivers, a partir da idéia de mútua dependência e de altruísmo recíproco, escreveu um artigo em 1974, que chamou de conflito de parentela, que abarca todas as instabilidades pressupostas na relação de sustento da prole, decorrentes das diversas interações entre os atores envolvidos no referido empreendimento, em especial dos geneficamente vinculados.

Os conflitos ocorrem, fundamentalmente, porque cada um dos indivíduos está interessado antes da mais nada no seu próprio sucesso reprodutivo e age para maximizar seus ganhos genéticos individuais, ainda que mediante a cooperação em alguns momentos. Para Trivers uma vez que se imagina os filhos como atores nesta interação, então o conflito deve ser presumido(...) o filho tentando desde muito cedo maximizar seu sucesso reprodutivo presumivelmente quereria mais investimento do que o parental é selecionado para dar. (1974, p. 249).

Em espécies como a nossa, existe a necessidade de intenso e duradouro cuidado dos pais com a prole, chamado de investimento parental, definido como qualquer coisa feita pelo parental que aumente a chance de sobrevivência de um filho, em detrimento de sua condição de investir em outro filho.

Embora os interesses dos indivíduos geneticamente próximos sejam em grande parte coincidentes, é inegável que as posições são antagônicas: de um lado, os pais (ou quem os substituem, desde que geneticamente próximos) querendo dar o mínimo possível, a fim de maximizar o interesse reprodutivo deles próprios, consistente na possibilidade de terem mais filhos, com os recursos que dispõem. De outro lado, o filho ou filhos que individualmente pretendem maximizar as suas próprias chances de reprodução, obtendo o máximo de recursos possível, tentando oferecer o mínimo de obrigações em troca, O conflito parental não se circunscreve à quantidade rotineira de investimento parental; estende-se à efetiva duração. O conflito é mais provável no final da série, quando o filho já pode se virar sozinho e deseja investimento, a fim de ver minguados os recursos disponíveis para os irmãos, enquanto que os parentais querem encerrar o quanto antes.

A criação dos filhos humanos gera ainda uma dependência mútua, que propiciou o surgimento do altruísmo recíproco em nossa espécie, como vimos acima. Mas a instabilidade natural do altruísmo recíproco, do qual o investimento parental é um exemplo (Trivers 1971, pág. 45), gera conflitos psicológicos para seus participantes. Os atos altruístas que os pais (ou quem lhes façam as vezes) praticam em direção aos filhos (ou quem lhes tome as vezes) devem ser retribuídos sob pena de despertarem a agressão moralista e o controle de reciprocidade com a ajuda de outras pessoas do grupo.

O sistema resultante pode ser visto nas pesquisas de etnografia que apontam tabus e rituais que impõem uma série de comportamentos esperados e severamente exigidos do filho ao longo do tempo, a fim de que se compense o fluxo dos atos altruístas dos pais. O tempo que medeia o fim do período de investimento parental e o início de retorno do altruísmo para os investidores torna o conflito particularmente provável, quer porque os juros são altos, quer pela ausência de possibilidade de retaliação do idoso, que em breve vai morrer, quer pelo pequeno benefício que experimenta em face do final do período reprodutivo.

As reverências são exigidas justamente perto da maturidade sexual de quem as deve e já no final da fase reprodutiva de quem é credor, ao contrário do que sucede inicialmente com o investimento, quando importa em um baixo custo para os pais e em alto benefício para os filhos (Trivers, 1971). Podemos concluir que o pagamento da reciprocidade deve ser feito, portanto, quando o beneficio do investimento parental já diminuiu para o destinatário e quando o custo da reciprocidade tende a aumentar, na medida em que a maturidade sexual se aproxima.

Além de encarecer relativamente o custo dos atos de reciprocidade altruísta, para quem os presta, a situação não melhora grande coisa para quem recebe, em termos de benefício, porque chega quando já não mais existe chance de aumento do sucesso reprodutivo. Dada nossa suscetibilidade à proporção de custos e benefícios, o prognóstico é bastante desfavorável para um bom desfecho da relação.

Também estão embutidos no conflito de parental a discórdia entre os sócios, responsáveis pelo investimento, na medida em que esses também têm interesses antagônicos, que decorrem da assimetria das estratégias sexuais dos homens e das mulheres. O sócio quer ter o máximo de filhos possíveis, investindo em cada um (com a mesma mulher ou com outras) o mínimo indispensável para assegurar a si próprio o máximo de sucesso reprodutivo. A mulher, por outro lado, quer que o marido invista o máximo nos filhos que tem com ela, diminuindo os recursos disponíveis para incursões extraconjugais, que afastam recursos dos filhos que carregam os genes dela.

Seleção Sexual.

Darwin identificou que a escolha das fêmeas, de alguma forma influenciou a evolução de características nos machos, como a cauda do pavão ou o canto dos pássaros, p.ex. Também creditou alguns dos exageros nos machos a um conflito de força entre eles, para garantir oportunidades de acasalamento: the winner takes it all. Seleção sexual e seleção natural formam os motores do paradigma darwiniano. Isso equivale dizer que também na seleção sexual as estratégias são maximizadoras de fitness, isto é, serão adotadas aquelas estratégias mais eficientes para a eterna tarefa de passar genes adiante.

Mas a seleção sexual não opera somente no corpo e no comportamento dos machos. Sem dúvida, a reprodução sexual propicia uma força seletiva que opera em ambos os sexos, influenciando a morfologia e o comportamento dos animas. A seleção sexual envolve as operações de encontrar um cônjuge, julgar sua adequação e influenciar o julgamento no mesmo sentido.

A seleção sexual opera efeitos intra-sexuais e extra-sexuais. No primeiro caso, as forças seletivas agirão de forma a priorizar algumas vantagens entre os membros do mesmo sexo e no segundo, os fatores de escolha de um sexo exercem força seletiva em características ostentadas pelos membros do outro sexo.

A seleção intra-sexual provoca as famosas corridas armamentistas entre os exageros das características. Se a força física é um fator decisivo no resultado da luta pelo sexo, é de se esperar que os machos maiores se reproduzirão mais que os menores e o tamanho nos machos aumentará muito mais que nas fêmeas, que não conflitam fisicamente pelas oportunidades de reprodução. Daí que o fenômeno do dimorfismo sexual existente entre muitos animais – nós inclusive – em que os machos são mais de vinte por cento maiores que as fêmeas. O conflito entre os machos também levou ao desenvolvimento de enormes equipamentos de guerra, como os enormes chifres de alce.

A idéia de que, ao longo do tempo, as escolhas das fêmeas causaram grandes modificações nos machos é a idéia básica de seleção inter-sexual. De fato, uma observação cuidadosa da natureza tem mostrado que os exageros dos machos, sem um mínimo de função prática, devem-se às escolhas das fêmeas. O processo é interativo. Mais desejo das fêmeas causa mais traços procurados. A cada geração um pouco mais de exagero ou energia nesse traço pode significar ser mais valorizado pela fêmea, que leva a novo incremento de energia no macho e assim sucessivamente.

É uma disputa foge do controle e somente é limitada por mecanismos de seleção natural. Chega um momento em que o traço aumenta tanto que os indivíduos que o trazem não conseguem boas chances de se reproduzir, porque não conseguem sobreviver. As características exageradas ou os tornam presas fáceis e preferidas (o tigre, como as fêmeas, prefere o pavão com a maior cauda) ou porque o custo energético para manter os adornos é impagável.

Geoffrey Miller credita o desproporcional aumento do cérebro humano à seleção sexual das fêmeas. Os machos que o detinham maior cérebro eram mais bem sucedidos, ecologicamente falando, porque eram criativos, sabiam usar melhor as ferramentas, conseguiam entender melhor as complexas relações sociais e por isso adquiriam melhor status, permitindo mais acasalamentos e herdeiros. As fêmeas desejam nos machos, aquilo que acham que outras fêmeas vão desejar em seus filhos. Mas se nosso cérebro fosse maior, a seleção natural passaria a agir para reduzir o seu tamanho.

As fêmeas não escolhem por escolher. De alguma forma, elas estão avaliando os genes que formam o indivíduo eleito. A reprodução sexual impõe que o indivíduo escolhido para a reprodução ostente uma boa qualidade genética.

Quando as mulheres escolhem, buscam qualidades no homem que acredita poder significar uma vantagem para a prole, significando, pois uma vantagem para ela.

Quando as fêmeas valorizam dadas características físicas nos machos, como a cauda do pavão ou a qualidade da pelo no rosto de um homem; ou quando valorizam determinados comportamentos custosos, como os cantos extremamente elaborados, exibições perigosas, ou ainda o lek é que essas características indicam bons genes.

Dito de outra forma, mulheres procuram bons fenótipos porque estes indicam bons genótipos. No caso da cauda do pavão e da qualidade da pele no rosto é que estes traços indicam a ausência de parasitas ou infecções. Alguns estudos indicam que em populações mais infestadas de parasitas é que surgem os indivíduos com maiores caudas. O bom gosto esconde o bom senso.

Os comportamentos custosos, cantos e exibições sexuais, indicam que há excedente de recursos ou energia. Se os recursos são limitados, é uma indicação confiável de bons genes se um indivíduo possui mais que os outros.

Quando os homens ostentam castelos e carros caríssimos e entram em competições malucas por status, eles estão sinalizando para as mulheres que seus recursos são tamanhos que mesmo desperdiçando ainda há muito para todas.

Ainda como comportamento indicador de bons genes está o lek. Alguns machos dominam certos tipos de territórios que são os locais preferidos pelas fêmeas para reprodução. O simples fato de deter um território abençoado pelas fêmeas já é uma sinalização de bons genes, porque se esses points são os que pegam, evidentemente que haverá disputa por eles. Os leões marinhos se reproduzem quando as fêmeas vão às poucas praias disponíveis, durante o curtíssimo verão do pólo norte. Os machos, pouco antes da chegada das fêmeas promovem sangrentas disputas para dominar o pedaço, mas o vencedor terá todas as fêmeas só para ele. Entre os humanos, os ricos praticam o lek em seus iates, nightclubs com espaços prive (todo mafioso que se preza tem o seu) e haréns. A lógica é exatamente a mesma. . O grau de escolha exibido por um indivíduo tem a ver basicamente com a assimetria da célula sexual. Enquanto os óvulos são mais raros e imensamente maiores que os espermatozóides, estes são muito mais numerosos. Darwin já havia notado que as fêmeas são, em geral, mais seletivas que os machos. Nos mamíferos, a situação se agrava, porque a fêmea, além do esforço celular, gasta enorme energia e tempo com a gestação e com o período da infância, quando os filhotes dependem quase que exclusivamente da atenção e do leite materno. Nos primatas em geral e nos humanos em particular, o período de investimento parental é longo e este fato tem grandes conseqüências para os critérios de escolha de parceiros entre os sexos.

Desta assimetria, em termos de investimento parental, decorrem as diferentes estratégias sexuais de homens e mulheres. Os homens que não precisam investir mais do que um espermatozóide e as mulheres que precisam ficar espertas com os easy riders. Os homens que topam qualquer parada e as mulheres que precisam ser restritivas. A seleção agiu de forma a tornar as mulheres cada vez mais seletivas e os homens cada vez mais desertores sutis.

Com certeza, em face do longo período de investimento parental, as mulheres que não notaram os traidores sutis tiveram menos sucesso reprodutivo do que aquelas que souberam escolher melhor. Do ponto de vista do homem, a deserção, em muitas hipóteses, é uma vantagem reprodutiva para o indivíduo, ainda que às custas da pobre moça ingênua.

A dinâmica da evolução das estratégias sexuais é a mesma da evolução da traição sutil, quando o malando imita o altruísta e o altruísta usa todas as armas possíveis para conter as tendências egoístas do recebedor. De fato, se a maioria dos homens delatasse suas verdadeiras intenções, a noite acabaria cedo para eles.

Ao invés de falar a verdade, a melhor estratégia é imitar o que fazem os altruístas. Por isso, ser gentil, abrir a porta do carro, pagar um jantar, sinalizar com relacionamento futuro são estratégias que imitam aquelas do bom moço.

O altruísta traído, em interações multilaterais, pode lançar mão da ajuda dos outros membros do grupo para conter as tendências individuais de deserção e até para praticar a agressão moralista. Nossa lei penal, mecanismo normativo comum nas interações multilaterais, pune o homem adulto que usando de sua maior experiência obtém sexo de moça honesta, com a promessa de casamento, tentando conter essa tendência de imitação dos malandros. Uma das formas de evitar a cadeia é justamente casando-se com a moça, com o que se restabelece o altruísmo recíproco.

Por outro lado, a seleção favoreceu as mulheres que souberam escolher melhor seus parceiros, aquelas mais recatadas e que impunham aos pretendentes verdadeiras gincanas para obter o sexo, que somente era liberado quando as amarras do grupo já se fechavam sobre o pretendente, em forma de casamento. Também aquelas que avaliaram o caráter e o comportamento social antes da aparência e de outros sinais de bons genes também tiveram maior sucesso reprodutivo.

Somos herdeiros dessa gente!

A desproporção de custos no investimento necessário ao sucesso da prole se agrava para as mulheres quando colocamos como custo a diferença de tempo reprodutivo. Isso faz com que os homens valorizem mais fatores físicos das mulheres, porque estarão sempre à procura de traços que indiquem uma idade baixa, com um longo caminho reprodutivo e que as mulheres valorizem mais nos homens, características como o status e o potencial verdadeiro de investimento, capacidade financeira e moral.

Os caracteres físicos nos fornecem as informações necessárias para a escolha da mãe de nossos filhos, porque indicam a idade, fator crucial na reprodução, a saúde, as condições de amamentar e carregar coisas, a possível facilidade do parto etc. Padrões inconscientes e universais guiam as escolhas de casamento e o fazem de uma maneira estruturada, sistemática.

Os homens valorizam os traços neotênicos nas mulheres: cabelos macios, olhos enormes, pupilas grandes, bochechas roliças, nariz pequeno, olhos azuis e cabelo louro. Neotenia é a retenção, na fase adulta, de características de bebe. É, digamos com uma liberdade poética, um truque da evolução, que por ser um processo sempre econômico procura não inventar nada; apenas modificar o que já existe. Basta uma pequena mutação no gene que controla o desenvolvimento da característica para ele não se manifestar e pronto, a característica infantil se mantém.

Retardar características é biologicamente mais simples que fazer de novo e pode significar uma vantagem para os mutantes, que na fase adulta conservam os traços de crianças, despertando o mesmo interesse e simpatia que os infantes.

Porque o investimento parental é algo longo e difícil, os bebês (não somente humanos) são equipados com características que os tornam irresistíveis e que nos provocam sensações ternas. Jane Goodall diz que os chimpanzés bebês ficam a salvo de agressões, enquanto conservam um tufo de pelos brancos no rabo, sugerindo que funcionam como uma etiqueta para os adultos não machucá-los.

Como a idade da mulher é importante fator de seleção de esposas, ela será tanto mais atraente quanto lembrar feições infantis. As mulheres bonitas, então, são aquelas que conservam os traços neotênicos. Mas se a neotenia resolve a beleza do rosto, o que a seleção sexual valorizou para o corpo feminino.

Aqui tamanho e proporção falam alto. Seios fartos indicam boas possibilidades de amamentação. Pernas fortes e bem torneadas sinalizam força para carregar a criança, enquanto que uma boa proporção entre cintura e quadril facilita o trabalho de parto. Resumindo, os homens avaliam positivamente uma mulher 90X60X90. 90 cm de busto, 60 cm de cintura e 90 cm de quadril.

Se os homens selecionam priorizando os sinais físicos de uma época fértil e de uma facilidade na gravidez e na amamentação, as mulheres valorizam intensamente os homens bem posicionados na hierarquia social. Os primatas sociais normalmente apresentam ordem hierárquica que acaba por se refletir no domínio de territórios, recursos, uso de ferramentas etc. Aqueles machos que detiverem maior nível de recursos ou mais força física serão mais valorizados, por aumentar as chances de sobrevivência e reprodução da prole.

De posse dessas informações, vale a pena mencionar algumas palavras sobre as formas de casamento. As formas mais comuns de casamentos existentes entre os humanos são a monogamia e a poligamia. A poliandria, embora exista, está restrita a um número tão pequeno que somente serve para confirmar a regra.

Num regime de baixa dispersão de fêmeas e agudas assimetrias de recursos entre os machos, exatamente como ocorreu com nossos antepassados caçadores e coletores do pleistoceno, as forças seletivas passam a favorecer a acumulação de esposas.

O limiar de poligamia pode ser explicado de maneira simples. Imagine uma população com 60 homens, hierarquizados em grau de unidades de recurso suficientes para criar um filho. O mais rico tem 60 unidades, o segundo mais rico 59 unidades e assim por diante até que o 60º mais pobre tem uma unidade. Pode interessar para uma mulher qualquer ser a segunda de homem que tem 60, dispondo de 30, se essa mulher tem à sua disposição homens com 15 recursos ou menos.

Mas uma sociedade assim organizada, não interessa aos homens do grupo. Aos mais pobres não interessa porque eles se condenam ao apagamento genético. Aos mais ricos não interessa a insegurança social causada por jovens machos em busca de sexo. Como já dissemos ali atrás, podem ser formadas coalizões de combate para minimizar a assimetria de poder. Um dos tabus freudianos mostra como em algum lugar do passado era normal que os primatas mais jovens matassem os mais velhos para ficar com as mulheres, como ainda hoje fazem os babuínos, quando os solteirões conspiram para depor o macho alfa.

A monogamia não surgiu de uma imposição das mulheres que se emanciparam do jugo masculino e puderam lhes impor, finalmente, a condenação a ter uma só mulher. Não! Se dependesse das mulheres, os haréns seriam mais comuns do que se imagina. Num estudo recentíssimo, da última Evolution and Human Behavior, duas antropólogas americanas demonstraram que, em sociedades primitivas, as mulheres têm mais controle de recursos e mais força política, justamente quando há poligamia. As co esposas, face ao número elevado de situações de altruísmo, acabam por desenvolver interessantes relações cooperativas, ampliando o poder das mulheres. Devemos lembrar que em regimes de poligamia, irmãs podem ser co esposas são irmãs, operando-se aqui o mecanismo da seleção pelo parentesco.

Se a evolução dos traços sexuais dos homens direciona os traços das mulheres e vice-versa, seria de se esperar que os homens estivessem mais preocupados com a obtenção de melhores posições na hierarquia social, através da obtenção de riqueza, ou dominar recursos do tipo lek ou através da força física, enquanto que as mulheres procurassem obter uma melhor aparência física.

Uma leitura atenta de consumidores de cirurgias plásticas, cosméticos, dietas etc aponta para uma participação muito maior das mulheres nesse mercado. Como as mulheres competem com outras mulheres por beleza, é justamente isso que deveríamos esperar.

Vamos checar os homens. Como as mulheres valorizam os detentores de melhores posições sociais e recursos, podemos esperar que os homens disputem mais arduamente suas posições sociais e possam exibir mais suas condições de riqueza. Isso, de fato, acontece. Os homens se envolvem muito mais em competições de toda sorte e se envolvem em áreas mais competitivas, como cirurgia, esportes de luta, mercado financeiro etc...

Encerrada essa fase, vamos tentar mostrar alguns trabalhos que têm sido feitos no ramo. Uma das características principais da analise biológica do comportamento humano é estabelecer as universalidades, isto é, comportamentos que ocorrem em praticamente todos os agrupamentos humanos. Também deve ser estabelecido um mínimo de relação de causalidade entre as propensões humanas e os comportamentos observados e testados.

Dilema do Prisioneiro e Altruísmo Recíproco em gêmeos MZ e DZ.

Podemos deduzir dos modelos de Hamilton e Trivers que os parentes receberão mais atos cooperativos do que os não parentes e que quanto maior o coeficiente de parentesco, maior será a probabilidade de serem adotados os atos altruístas.

O estudo que vamos apresentar se refere à cooperação, deserção e exploração entre gêmeos MZ e DZ em jogos de Dilema do Prisioneiro, uma proposição científica feita para demonstrar como o homem conduz e conduziu sua existência em termos de comportamento altruísta. Faz parte do que se convencionou chamar de teoria dos jogos, instrumento matemático de análise de interações estratégicas. Os jogos são uma tradução de complexas situações sociais para conversa de salão.

Para identificar um jogo, são necessários três elementos: 1) osjogadores, personagens das diversas interações; 2) a estratégia, atitudes possíveis de cada jogador, em cada uma das diversas situações que exigem a tomada de decisões, e 3) a recompensa que é a retribuição que o jogador tem em cada uma das estratégias.

Dois comparsas presos por um crime de pouca gravidade, embora ambos tenham cometido deslizes muito mais sérios do que aqueles que a polícia tem provas conclusivas. Se ambos ficarem quietos, cada um deles pode ser condenado a um ano de prisão. Se apenas um acusa o outro, o acusador sai livre.

O outro, condenado em cinco anos. Mas aquele que foi traído pode trair também e neste caso ambos pegam três anos. As decisões são simultâneas e em cada uma delas, pode haver uma cooperação ou deserção.

Assim: tentação>recompensa>punição>pagamento do trouxa. Desertar é sempre a única opção racional, porque o homem é um egoísta incorrigível, porque já vem dos genes e é lógica a tática mais afinada com o interesse pessoal.

O Dilema do Prisioneiro tem relevância para o comportamento humano, porque muitos problemas no passado tomaram essa forma.

Estudos com irmãos gêmeos têm fornecido importantes caminhos para separar o que no comportamento humano é influenciado diretamente por genes e o quanto depende das circunstâncias ambientais. Quando são comparados os comportamentos de gêmeos monozigóticos MZ com dizigóticos DZ em relação ao altruísmo, poderemos constatar quando do altruísmo se deve à convivência (igual em ambos os casos) e quanto se deve à similaridade genética, porque os MZ tem praticamente 100% enquanto os DZ têm 50% do genoma em comum.

O paper de Nancy Segal e Scott L. Hershberger chamado “Cooperação e Competição entre Gêmeos: Descobertas a partir do Dilema do Prisioneiro” propõe que em tais jogos, haverá comportamento cooperativo mais freqüente entre os gêmeos MZ do que os gêmeos DZ, considerando a importância do parentesco tanto na hipótese da seleção pelo parentesco quanto na hipótese de altruísmo recíproco.

A cooperação será mais esperada em MZ do que em DZ, caso os genes e não o local tenham influência do que o ambiente. O quadro abaixo mostra que há muito mais cooperação nos jogos entre os MZ e os DZ e isso pode ser interpretado como um fator genético predispondo mais altruísmo

Seleção Sexual – a competição física é comum nas sociedades humanas.

Particularmente, lutas rituais ocorrem em muitas culturas. A prática de esportes se assimila a essas lutas primitivas, porque demanda, no final das contas, os mesmos recursos físicos: força, habilidade, boa noção espacial etc...O nível alcançado por alguém na prática de um determinado esporte pode funcionar como um indicador da qualidade do fenótipo.O envolvimento em esportes competitivos pode ser entendido num contexto de seleção sexual, porque envolve a escolha de parceiros pelo sexo oposto (ser escolhido) e a luta por acesso a parceiras (escolher).

Os autores franceses Charlotte Faurie, Dominique Pontier, Michel Raymond resolveram quantificar a atratividade, isto é, o poder de atrair parceiros do sexo oposto, decorrente da prática de esportes competitivos, considerando inclusive o grau de competitividade, isto é, se o atleta era filiado à liga local, regional, estadual, nacional ou internacional e a previsão dos autores foi clara: nós prevemos que competidores esportivos deveriam ter mais parceiros sexuais do que outras pessoas e que o número de parceiros deveria aumentar de acordo com o nível de performance e que esses efeitos seriam mais pronunciados nos homens que nas mulheres.

Eles distribuíram dois tipos de questionários para 605 alunos de três universidades francesas, que foram divididos em dois grupos: 1) alunos de educação física que eram envolvidos em práticas esportivas como parte da formação profissional ou envolvidos em competições de alto nível e 2) alunos matriculados em ciências biológicas que não estavam envolvidos com práticas esportivas. Os pesquisados receberam questionários com perguntas sobre idade, altura, peso, nível acadêmico e número de parceiras (os) do sexo oposto. Vamos ver o que deu nos gráficos da pág 4.

Como previsto, os autores concluíram que atletas competitivos de ambos os sexos reportaram significativamente mais parceiros sexuais do que outros estudantes e este efeito foi maior em homens do que em mulheres. De certa forma, a prática de esportes altera a morfologia do corpo, que pode ser traduzida em maior atratividade. Embora outras explicações pudessem concorrer com a seleção sexual (mais viagens, mais concentrações, maior intensidade do desejo etc...), os resultados claramente indicaram que os estudantes de educação física tinham mais acesso a parceiros que o grupo de estudantes de biologia.

Os resultados também indicaram que os atletas com melhor performance tinham mais parceiras que os atletas mais modestos em termos de rendimento atlético, talvez porque o destaque obtido intensifica a atratividade. Em outras palavras, o status elevado potencializa a atratividade física dos atletas, como vemos a todo o momento com os jogadores profissionais de futebol. Quanto mais ricos e famosos eles são, mais mulheres (loiras) eles têm.

Opções de Casamento – quando tratamos de seleção sexual, linhas atrás, fomos assertivos em dizer que indivíduos de ambos os sexos adotam estratégias sexuais de forma a maximizar o próprio sucesso reprodutivo. Também dissemos que a assimetria de investimento parental e do tempo de vida reprodutiva de ambos os sexos influencia os gostos e opções de homens e mulheres, com os primeiros valorizando as condições físicas, a beleza, das mulheres e com essas valorizando a boa colocação social do homem e seus recursos para atender ao longo e custoso cuidado com a prole.

Também dissemos que as características exibidas pelos indivíduos eram em grande parte moldadas por aquilo que os indivíduos do outro sexo valorizam.

Logo se os homens buscam melhores posições sociais e melhores recursos e devotam grande tempo e esforço nesse tópico é porque as mulheres o valorizam.

Também se as mulheres se sacrificam pela beleza física, sofrendo com cirurgias, cabeleireiros, dermatologistas é porque os homens valorizam esse quesito.

Se essas afirmações são corretas, então as mulheres mais atraentes serão disputadas e arrebatadas pelos homens que tiverem mais recursos e, por conseguinte melhor posição social e esses serão naturalmente destinados para aquelas mulheres que forem mais bonitas.

Dois psicólogos americanos resolveram fazer um teste muito criativo, a partir daquele hábito de fazer álbuns de fotografias e questionários detalhados dos alunos, quando terminam o colegial. Eles selecionaram as pessoas de 42 escolas, quinze anos após a formatura, quando os pesquisados estavam com 32, 33 anos de idade. Classificaram essas pessoas em 7 graus de atratividade e fizeram hipóteses, tais como: as mulheres mais atrativas (graus 6 e 7) haviam se casado, com maior freqüência, que as outras mulheres e que tinham conseguido maridos com maior grau de instrução acadêmica e mais ricos que as menos atraentes (graus 1 e 2). Também previram que a beleza masculina não era tão relevante para o destino dos homens, isto é, não prediziam suas condições econômicas, nem o grau de instrução de suas esposas.

De certa forma essa hipótese testa a seleção de parceiras pelos homens e de parceiros pelas mulheres, porque o melhor dos mundos para os homens são as mulheres bonitas e o melhor dos mundos para as mulheres são os homens bem situados sócio-economicamente falando. Como num conto de fadas verdadeiro, essa previsão se confirmou.

A pesquisa mostrou que a educação, ocupação e renda pessoal das mulheres não são afetadas pelo grau de atratividade. Entretanto, a renda familiar foi afetada pelo grau de atratividade, indicando que a parte que cabe aos maridos é relacionada com o grau de atratividade, isto é, as mais atraentes obtiveram maridos mais bem colocados socialmente e com renda maior. Segundo os autores, esta relação é clara e quase linear: quando mais atrativa é a mulher maior a renda familiar, com as mulheres mais atraentes tendo uma renda cerca de um terço mais alta que as menos atraentes. (...) nós tomamos isso como uma evidência que a atratividade das fêmeas afeta o status que elas têm quando adultas através dos casamentos com homens mais ricos.

O padrão masculino é diferente. O grau de atratividade afetou o desempenho educacional: os menos atraentes têm mais educação. Não há relação entre a atratividade e a renda familiar ou pessoal, embora os homens excepcionalmente bonitos, a despeito do desempenho educacional modesto, conseguem atingir o mesmo grau de prestígio profissional que os mais feios com melhor desempenho acadêmico. Os homens mais atraentes têm mais relações sexuais na adolescência que os menos atraentes e não há relação entre a atratividade e o sexo adolescente para mulheres.

O contraste entre os efeitos da atratividade entre homens e mulheres ficou mais evidente do nível educacional das esposas. Para as mulheres, quanto mais atraentes eram, maior o nível educacional do marido e para os homens era exatamente o contrário, ou seja, quanto mais atraente era o homem, menos educada era a sua mulher.

Por fim, os autores compararam as chances de casamento. Para os homens não havia correlação entre o grau de atratividade e o estado de nunca casado. Para as mulheres, como dizia Vinicius de Moraes, beleza é mesmo fundamental: as menos atraentes têm dez vezes mais chances de não se casar do que as mais bonitas.

Os testes aplicados, sem embargo da limitação, acabam por comprovar quais as forças seletivas que agiram sobre a formação dos gostos e motivações humanas em questões de casamento, como já havíamos discutido acima.

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(*)Sobre o Autor:

ANTONIO CARLOS DO AMARAL MAIA

Advogado na cidade de São Paulo.

1) FORMAÇÃO ACADÊMICA

Mestre (em andamento) em Genética pela Universidade de São Paulo (USP)

Especialista em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,

1989

Graduação em Direito pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo (PUC-SP), 1987

2) PRODUÇÃO CIENTÍFICA

Artigos relevantes:

“O Ostracismo e os contratos administrativos. Direito e Biologia Evolutiva” in Revista de

Informação Legislativa, set. 2003, nº 159, Subsecretaria de Serviços Técnicos do Senado Federal,

Brasília (DF).

“Darwinistas do Mundo: Uni-vos” in Diário da Região, 07/03/2002, São José do Rio Preto (SP).

“Racionar é racional?” in Diário da Região, 13/06/2001, São José do Rio Preto (SP).

3) ATIVIDADES RELEVANTES

Presidente e membro fundador do Instituto Comportamento, Evolução e Direito, 2003

Cooperation in Contracts na Conferência “Investigating Justice: Applying

evolutionary biology to right and wrong in the law” promovido pelo Gruter Institute for

Law and Behavioral Research, junho 2002, Califórnia (EUA).

Esta é a versão em html do arquivo http://www.iced.org.br/artigos/AntonioMaia.PDF .

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