"Gene mestre" determina a preferência sexual
Elisabeth Rosenthal / Herald Tribune 03/06/2005

Estudo serve para tirar a sexualidade do campo moral, diz cientista

Elisabeth Rosenthal
Em Paris

Quando uma mosca de frutas (Drosophila) geneticamente modificada foi liberada em uma câmara de observação, fez o que fazem reprodutores por excelência: perseguiu uma fêmea virgem. Tocou gentilmente na moça com a perna, fez uma música para ela (usando as asas como instrumento) e, apenas então, ousou lamber sua genitália --tudo parte do padrão de sedução das moscas.

Descrentes, os cientistas observavam. Neste caso, o sedutor não era um macho, mas uma fêmea que os pesquisadores tinham dotado artificialmente com um único gene masculino.

O gene aparentemente é suficiente para criar padrões de comportamento sexual --um tipo de gene sexual mestre, que normalmente existe em duas variantes distintas, masculina e feminina, segundo explicam os pesquisadores na revista "Cell" desta sexta-feira (3/6).

Em uma série de experimentos, os pesquisadores descobriram que as fêmeas que recebiam a variante masculina do gene agiam exatamente como os machos, buscando outras fêmeas de forma ensandecida. Os machos que recebiam artificialmente a versão feminina do gene tornavam-se mais passivos e voltavam sua atenção sexual para outros machos.

"Mostramos que um único gene na mosca das frutas é suficiente para determinar todos os aspectos da orientação sexual e comportamento. É surpreendente", disse o principal autor do estudo, Barry Dickson, pesquisador do Instituto de Biologia Molecular da Academia Austríaca de Ciências de Viena.

"O que isso nos diz é que comportamentos instintivos podem ser especificados por programas genéticos, como o desenvolvimento morfológico de um órgão ou nariz."

Os resultados certamente influenciarão os debates sobre o que determina quem nós somos, como agimos e, especialmente nossa orientação sexual, se são os genes ou o ambiente.

Os especialistas ficaram impressionados e chocados com as descobertas. "Os resultados são tão claros e convincentes que fizeram avançar tremendamente todo o campo de raízes genéticas do comportamento. Esperamos que isso tire a discussão sobre preferência sexual do âmbito da moralidade e a coloque no âmbito da ciência", disse o Dr. Michael Weiss, diretor do departamento de bioquímica da Universidade Case Western Reserve.

Ele acrescentou: "Nunca escolhi ser heterossexual; aconteceu. Mas humanos são complicados. Com as moscas podemos ver, de uma forma simples e elegante, como um gene pode influenciar e determinar o comportamento."

A descoberta confirma evidências científicas que vêm se acumulando na última década sobre a programação da orientação sexual nos cérebros de homens e mulheres desde o nascimento.

Igualmente intrigante, dizem os pesquisadores, é a possibilidade de vários comportamentos --da fuga diante do medo, do riso diante da diversão, da agressão diante da ameaça-- serem programados no cérebro humano, produtos da herança genética.

"Esta é a primeira e maravilhosa demonstração de que um único gene pode servir para ativar comportamentos complexos", disse o Dr. Gero Miesenboeck, professor de biologia celular de Yale.

Disckson, disse que correu para o laboratório quando um assistente lhe telefonou em uma noite de domingo contando os resultados. "Isso realmente faz você pensar sobre qual proporção de nosso comportamento, talvez especialmente o comportamento sexual, tem um forte componente genético", disse ele.

Todos os pesquisadores advertiram que qualquer comportamento estabelecido geneticamente provavelmente poderia ser modificado pela experiência. Apesar de os machos das moscas serem programados para procurar as fêmeas, os que são rejeitados freqüentemente se tornam menos agressivos em seus comportamentos sexuais, disse Dickson.

Quando uma mosca macho é apresentada a uma fêmea virgem, quase imediatamente começa a corte e copula por 20 minutos. De fato, Dickson e seu co-autor, Ebru Demir do Instituto de Biotecnologia Molecular, escolheram procurar especificamente a base genética do comportamento sexual das moscas precisamente porque parecia ser tão forte e instintivo, portando, previsível.

Os pesquisadores sabiam há muitos anos que o gene sexual mestre, conhecido como fru, era central no acasalamento, coordenando uma rede de neurônios envolvidos no ritual de corte da mosca.

No ano passado, Bruce Baker da Universidade de Stanford descobriu que o circuito de acasalamento controlado pelo gene envolvia 60 células nervosas e que, se qualquer uma dessas fosse danificada ou destruída pelos pesquisadores, o animal não conseguia cruzar de forma adequada.

Tanto machos quanto fêmeas têm o mesmo material genético e o circuito neural necessário para o ritual de acasalamento, mas diferentes partes dos genes são ativas nos dois sexos.

Ninguém, entretanto, sonhava que o simples fato de ativar a porção dormente masculina do gene em uma mosca fêmea poderia levá-la a apresentar todo o comportamento elaborado da corte do macho.

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2005/06/03/ult2680u94.jhtm

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