Livros
Os genes falam mais alto
As ciências sociais têm de aprender com o darwinismo e a genética.
É o que propõe o cientista Steven Pinker
Jerônimo Teixeira
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O zoólogo Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, costuma dizer que o darwinismo é uma teoria boa demais para ficar restrita apenas à biologia. A idéia foi levada a sério pelo psicólogo evolucionista Steven Pinker, da prestigiosa Universidade Harvard. Seu livro Tábula Rasa (tradução de Laura Teixeira Motta; Companhia das Letras; 670 páginas; 57 reais) é um extenso apanhado das contribuições da biologia darwinista a campos como a antropologia, a sociologia, a ciência política e até a crítica de arte. Na verdade, "contribuição" é uma palavra modesta demais para as ambições do autor. No horizonte talvez não tão longínquo vislumbrado por Pinker, as ciências humanas deverão todas se converter ao darwinismo.
Com um senso formidável para a provocação e uma juba digna de um ídolo pop dos anos 80, Pinker é uma estrela ascendente da divulgação científica. Sua fama deve-se principalmente a Como a Mente Funciona, livro que explica o funcionamento do cérebro humano de uma perspectiva darwinista. O objetivo declarado de Tábula Rasa é nada mais nada menos do que propor uma nova idéia de natureza humana.
A palavra "natureza" deve ser entendida literalmente. Diz respeito à nossa biologia, às determinações inescapáveis que a seleção natural depositou em nosso código genético. Impressas em nosso DNA estariam não apenas as instruções para fazer cinco dedos em cada mão e um nariz no meio dos olhos. Todos nascemos com uma programação básica que nos habilita à condição humana, da capacidade de aprender uma língua ao senso de justiça em trocas comerciais. O apêndice de Tábula Rasa traz uma lista de "universais humanos" compilada pelo antropólogo Donald Brown. Seriam características comuns a todas as culturas do planeta – uma lista de cinco páginas com itens que vão do óbvio ao curioso: medo de cobras, poesia, sorriso, linguagem.
O estudo dessas características comuns do comportamento humano faz parte do programa da psicologia evolucionista, ramo científico relativamente novo, que ganhou força no final do século XX. De certo modo, a psicologia sempre esteve no cardápio darwinista. Afinal, a idéia de que a seleção natural conduz a evolução dos seres vivos, tal como formulada pelo naturalista inglês Charles Darwin no clássico A Origem das Espécies, de 1859, tem um atributo fundamental a toda grande teoria científica: o poder de generalização. Quando geneticistas e biólogos evolucionistas tecem considerações remotamente políticas, porém, há quem ouça velhos esqueletos sacudir no armário. Os críticos lembram do "darwinismo social" de teóricos do século XIX como Herbert Spencer, que consideravam a pobreza um sintoma de inferioridade evolutiva. E, por conta da pseudociência de nazistas e apaniguados, a suspeita de racismo está sempre nas redondezas da pesquisa genética. Pinker desqualifica esses receios como mera paranóia. A nova psicologia evolucionista não deve nada a Spencer ou a Hitler.
Ostensivamente polêmico, Tábula Rasa mete a mão em vários vespeiros (veja quadro na pág. ao lado) e ataca inclusive egrégios darwinistas como o paleontólogo Stephen Jay Gould. Mas o principal alvo é o relativismo cultural que ainda grassa em muitos departamentos de ciências sociais. Antropólogos culturalistas, sociólogos pós-modernos e críticos literários feministas – todos professariam a idéia de que o ser humano é uma tábula rasa, uma folha em branco na qual a família, a sociedade ou a cultura irá imprimir suas marcas. Pinker demonstra muito cabalmente, e com ironia arrasadora, que os fatos não corroboram idéias como a de que as características sexuais masculinas ou femininas, para ficar num exemplo extremo, são meras "construções culturais". Nem todos os argumentos de Tábula Rasa são tão bem arquitetados. No seu ímpeto de introduzir Darwin nas ciências humanas, o livro às vezes força a mão. Especialmente frágil é o capítulo sobre as artes. Depois de sucessivos ataques ao marxismo, Pinker quase evoca, na sua crítica à arte contemporânea, a estúpida pecha de "degeneração burguesa" com que a esclerosada crítica marxista rotulou os modernistas. Mas é empolgante seu esforço em provar que a compreensão dos nossos imperativos biológicos não limita nossa liberdade – pelo contrário, pode aprofundá-la. De certo modo, o cientista canadense retoma o velho humanismo da Renascença – mas um "humanismo realista e fundamentado na biologia". No lugar da divina proporção explorada por Leonardo da Vinci e seus contemporâneos, está a dupla hélice do DNA.
VESPEIRO ACADÊMICO Quatro áreas nas quais as descobertas da biologia evolucionista têm gerado polêmica: POLÍTICA – A teoria da evolução afirma que as adaptações complexas pelas quais passou a espécie humana visavam ao bem do indivíduo, não ao da sociedade. A idéia de que o homem é um ser bom por natureza e de que a violência é uma perversão das sociedades modernas tampouco tem sustentação na antropologia evolucionista, que encontrou evidências de guerra entre tribos primitivas. Essas descobertas contrariam muitas ilusões políticas da esquerda.
SEXUALIDADE – Certas correntes radicais do feminismo negam qualquer diferença na psicologia de homens e mulheres. Mas a neurociência já mostrou que o cérebro feminino e o masculino têm configurações diferentes.
EDUCAÇÃO – Pesquisadores têm procurado demonstrar que a influência da educação paterna na personalidade das crianças é pequena. Os genes contam mais.
ARTES – Pinker diz que nosso gosto estético foi configurado pela evolução, com a função primária de nos atrair para ambientes e parceiros sexuais desejáveis. Gostamos instintivamente da harmonia. Artistas que fazem uma arte chocante e reclamam da "incompreensão do público" estão enganados. Eles é que não compreenderam o funcionamento da mente humana.
Leia trecho de A Tábula Rasa, de Steven Pinker
PARTE I
A tábula rasa, o bom selvagem e o fantasma na máquina
Todo mundo tem uma teoria da natureza humana. Todo mundo precisa prever o comportamento dos outros, e isso significa que todos nós necessitamos de teorias sobre o que motiva as pessoas. Uma teoria tácita da natureza humana - a de que o comportamento é causado por pensamentos e sentimentos - está embutida no próprio modo como pensamos sobre as pessoas. Encorpamos essa teoria perscrutando nossa própria mente e supondo que a outra pessoa é como nós, observando o comportamento das pessoas e arquivando na mente as generalizações. Outras idéias absorvemos de nosso clima intelectual: de opiniões de especialistas e da sabedoria convencional de nossa época. Nossa teoria da natureza humana é o manancial de muita coisa em nossa vida. Nós a consultamos quando queremos persuadir ou ameaçar, informar ou enganar. Ela nos aconselha sobre o modo de manter nosso casamento, criar nossos filhos e controlar nosso comportamento.
Suas suposições sobre o aprendizado gerem nossa política educacional; suas suposições sobre motivação gerem nossas políticas para a economia, o direito e o crime. E porque ela delineia o que as pessoas podem conseguir facilmente, o que podem conseguir somente com sacrifício ou dor e o que não podem conseguir de jeito nenhum, ela afeta nossos valores: os objetivos que julgamos racionalmente possíveis de atingir como indivíduos e como sociedade. Teorias rivais da natureza humana entrelaçam-se em diferentes modos de vida e em diferentes sistemas políticos, e têm sido fonte de muito conflito ao longo da história. Por milênios as principais teorias da natureza humana vieram da religião. A tradição judaico-cristã, por exemplo, oferece explicações para boa parte dos assuntos hoje em estudo pela biologia e psicologia. Os seres humanos são feitos à imagem de Deus e não têm parentesco com os animais. As mulheres derivam dos homens e destinam-se a ser governadas por eles. A mente é uma substância imaterial; tem poderes que nenhuma estrutura puramente física possui, e pode continuar a existir quando o corpo morre. A mente é constituída por diversos componentes, incluindo senso moral, capacidade para amar, capacidade de raciocínio que reconhece se um ato condiz com ideais de bondade, e faculdade de decisão que escolhe o modo de se comportar. Embora a faculdade de decisão não seja limitada pelas leis de causa e efeito, possui tendência inata a escolher o pecado. Nossas faculdades cognitivas e perceptivas funcionam com precisão porque Deus implantou nelas ideais que correspondem à realidade e porque ele coordena seu funcionamento com o mundo exterior. A saúde mental provém de reconhecer o propósito de Deus, escolhendo o bem e arrependendo-se do pecado, e amando a Deus e aos semelhantes em consideração a Deus.
A teoria judaico-cristã baseia-se em eventos narrados na Bíblia. Sabemos que a mente humana nada tem em comum com a dos animais porque a Bíblia afirma que os humanos foram criados separadamente. Sabemos que a constituição da mulher baseia-se na do homem porque, no brevíssimo relato da criação da mulher, Eva foi moldada a partir de uma costela de Adão. As decisões humanas não podem ser os efeitos inevitáveis de alguma causa, podemos inferir, pois Deus responsabilizou Adão e Eva por comerem o fruto da árvore do conhecimento, e isso implica que eles poderiam ter escolhido não fazê-lo. As mulheres são dominadas pelos homens como castigo pela desobediência de Eva, e homens e mulheres herdam o pecado do primeiro casal.
A concepção judaico-cristã ainda é a mais popular teoria da natureza humana nos Estados Unidos. Segundo levantamentos recentes, 76% dos americanos acreditam no relato bíblico da criação, 79% acreditam que os milagres descritos na Bíblia realmente aconteceram, 76% acreditam em anjos, no diabo e em outras almas imateriais, 67% acreditam que existirão sob alguma forma depois de morrer e apenas 15% acreditam que a teoria da evolução de Darwin é a melhor explicação para a origem da vida humana na Terra. Políticos de direita acolhem explicitamente a teoria religiosa, e nenhum político influente ousaria contradizê-la em público. Mas as ciências modernas da cosmologia, geologia, biologia e arqueologia tornaram impossível que uma pessoa com conhecimentos científicos elementares acredite que a história bíblica da criação aconteceu de fato. Em conseqüência, a teoria judaico-cristã da natureza humana não é mais explicitamente sustentada pela maioria dos acadêmicos, jornalistas, analistas sociais e outros integrantes da intelectualidade.
Apesar disso, toda sociedade precisa operar com uma teoria da natureza humana, e nossa corrente intelectual dominante está comprometida com outra. Essa teoria raramente é enunciada ou abertamente defendida, mas está no cerne de numerosas crenças e políticas. Bertrand Russell escreveu: "Todo homem, aonde quer que vá, está envolto por uma nuvem de convicções confortadoras, que se deslocam com ele como moscas em um dia de verão". Para os intelectuais de hoje, muitas dessas convicções estão no campo da psicologia e das relações sociais. Chamarei essas convicções de tábula rasa: a idéia de que a mente humana não possui estrutura inerente e de que a sociedade, ou nós mesmos, podemos escrever nela à vontade.
Essa teoria da natureza humana - ou seja, a de que ela praticamente inexiste - é o tema deste livro. Assim como a religião contém uma teoria da natureza humana, também as teorias da natureza humana assumem algumas das funções da religião, e a tábula rasa tornou-se a religião secular da vida intelectual moderna. É vista como uma fonte de valores, e por isso o fato de que se baseia em um milagre - uma mente complexa surgindo do nada - não é usado para questioná-la. Contestações da doutrina por céticos e cientistas mergulharam alguns crentes em uma crise de fé e levaram outros a desferir os tipos de ataques ferozes comumente destinados a hereges e infiéis. E assim como muitas tradições religiosas acabaram por conciliar-se com aparentes ameaças da ciência (como as revoluções de Copérnico e Darwin), também nossos valores, procurarei mostrar, sobreviverão à extinção da tábula rasa.
Os capítulos desta parte do livro (Parte I) tratam da ascendência da tábula rasa na vida intelectual moderna e da nova visão da natureza e cultura humanas que está começando a contestá-la. Em partes subseqüentes mencionaremos a preocupação provocada por essa contestação (Parte II) e veremos como essa preocupação pode ser abrandada (Parte III). Em seguida, mostrarei como uma concepção mais rica da natureza humana pode nos proporcionar vislumbres esclarecedores da linguagem, pensamento, vida social e moralidade (Parte IV) e esclarecer controvérsias sobre política, violência, gênero, criação dos filhos e artes (Parte V). Finalmente, mostrarei que a extinção da tábula rasa é menos inquietante, e em alguns aspectos menos revolucionária, do que parece à primeira vista (Parte VI).
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LEITURA DO MÊS - JUNHO 2004
TÁBULA RASA: A NEGAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA NATUREZA HUMANA
PINKER, Steven. Companhia das Letras: São Paulo, 2004.
Um novo olhar sobre a teoria da 'tábula rasa' Steven Pinker, psicólogo evolucionista e professor de Harvard, defende no livro 'Tábula Rasa' que os genes afetam a personalidade humana, questão negada por acadêmicos Outro livro sobre natureza e criação! Ainda existe gente que acredita que a mente é uma tábula rasa? As frases iniciais do novo livro do psicólogo evolucionista Steven Pinker, Tábula Rasa (Companhia das Letras, R$ 57), (...) parecem a forma menos adequada de se começar um catatau de mais de 600 páginas. Mas não é. Pinker é um unificador que já havia juntado várias grandes idéias em seus livros anteriores - O Instinto da Linguagem e Como a Mente Funciona. Em entrevista por telefone ao Estado, Pinker, que leciona na Universidade de Harvard, une aquilo que chama de mitos sobre a natureza humana e coloca-os na parede, do bom selvagem - " é um mito" - à existência da alma - "uma atividade de processamento de informações no cérebro".
Estado - Em seu livro Tábula Rasa, o senhor afirma que os genes afetam a forma como as pessoas pensam e sentem. Essa não é uma idéia bem estabelecida hoje? Por que escrever mais um livro sobre o tema?
Steven Pinker - O livro é muito mais sobre explorar as implicações morais, políticas e sociais dessa descoberta. Muitas pessoas ficam irritadas com essa idéia e até para alguns cientistas esse não é um conceito do qual eles se lembram com freqüência. Muitas pesquisas em psicologia, por exemplo, ignoram o fato de que os genes afetam a personalidade. Um exemplo são pesquisas que relacionam a forma como os pais tratam uma criança e o que elas se tornam depois. Nelas, uma criança que foi espancada por seus pais irá criar um adulto mais violento. Eles assumem que a relação de "correlação" é uma relação "causal" e concluem automaticamente que foi o comportamento dos pais que moldou a criança. Eles não chegam nem a testar a possibilidade de que pode haver genes que predispõem as pessoas para a violência. Como pais dão para seus filhos genes e um ambiente, essa "correlação" pode estar simplesmente dizendo que pessoas violentas espancam seus filhos e estes filhos, que herdam os genes violentos, são também violentos.
Estado - Mas por que é tão difícil para as pessoas aceitar o fato de que a natureza humana é, ao menos parcialmente, biológica?
Pinker - Há pelo menos quatro razões. Primeiro, há a teoria da diferença, que é a tábula rasa. Ela diz que todos devemos ser iguais, pois zero igual a zero, igual a zero. Se algumas pessoas tiveram algo diferente escrito ou mais coisas escritas na tábula do que outras, elas seriam diferentes. A teoria é que isso justificaria a discriminação e opressão, que isso poderia ser usado para justificar a discriminação de mulheres ou grupos étnicos com base na idéia de que elas são psicologicamente diferentes por causa de seus genes.
Estado - Mas essas diferenças genéticas existem...
Pinker - Muitos estudiosos acham que as diferenças entre mulheres são socialmente construídas ou que as diferenças entre as pessoas são simplesmente produto da forma como eles são tratados pelo mundo. As diferenças entre os sexos certamente não vêm somente da socialização ou cultura, mas esses fatos ainda são negados por muitos acadêmicos. Há muitos que ainda acreditam que todas as diferenças entre os sexos vêm da forma como se educa meninos e meninas. A segunda teoria é de que todos os traços indesejáveis nos seres humanos são inatos, como egoísmo, sexismo ou agressividade; são imutáveis e que qualquer tentativa de mudá-lo é uma perda de tempo. A terceira teoria é a do determinismo, na qual todo o comportamento deve ser atribuído aos genes, então ninguém seria responsável por seus atos. E não poderíamos punir as pessoas por seus comportamentos, pois eles vêm dos genes. A quarta é a teoria do niilismo, a teoria de que tudo que temos de mais sagrado - amor, beleza, moral - é somente pedaços de genes tentando se transmitir para a próxima geração.
Estado - Então não somos intrinsecamente bons?
Pinker - O bom selvagem é um mito. Todos os estudos quantitativos existentes mostram que o homicídio existia antes das sociedades organizadas por leis e que a taxa de violência nessas sociedades mais antigas é bem maior do que as das sociedades industriais modernas. Apesar da idéia muito divulgada de que os caçadores-coletores viviam em paz e harmonia e que a violência é uma criação das instituições modernas. E, também, há estudos que mostram que pessoas, especialmente homens, têm fantasias homicidas. Algumas vezes eles pensam em matar pessoas de que não gostam.
Estado - A violência faz parte da natureza humana?
Pinker - Os pensamentos violentos, sim, mas o que vamos fazer com eles depende do ambiente em que estamos.
Estado - E os relatos de Margaret Mead sobre tribos que não conheciam a violência?
Pinker - As descrições dela sobre os nativos da Nova Guiné, amantes da paz e dos sexualmente displicentes samoanos, basearam-se em pesquisas superficiais e se revelaram quase perversamente erradas. Como documentou posteriormente o antropólogo Derek Freeman, os samoanos podem espancar ou matar as filhas se elas não forem virgens na noite de núpcias.
Estado - E a idéia de que temos algo dentro de nós, que comanda o nosso cérebro, as nossas ações?
Pinker - Todas as emoções e pensamentos podem ser relacionados a uma atividade fisiológica do cérebro e não há nenhuma razão para acreditar que seja necessário uma substância extra, chamada alma, para gerar os comportamentos que temos.
Estado - E o que é alma, então?
Pinker - Acho que é a atividade de processamento de informações no cérebro.
Estado - E quando morremos é o fim?
Pinker - Sim. No século 19, muitos cientistas sérios tentaram se comunicar com os mortos. Tenho de dizer que as experiências foram um fracasso.
Estado - Por que, na opinião do senhor, ainda se acredita no bom selvagem e na alma?
Pinker - Houve boas razões históricas para as pessoas tirarem a ênfase da genética na evolução. Uma delas foi o mau uso delas pelos eugenistas, que há cem anos diziam que a reprodução humana deveria ser controlada para melhorar a adaptação da nossa espécie ao ambiente em que vivemos. Ela foi invocada também para dizer que as mulheres eram biologicamente não adaptadas para pensar e tomar decisões. E mais terrivelmente foram usadas pelos nazistas para justificar o genocídio de judeus e ciganos. Acho que houve uma enorme revolta contra qualquer tentativa de conectar biologia a comportamentos humanos.
Estado - E qual o papel do acaso na nossa vida?
Pinker - Muita da variação de inteligência e personalidade existente entre nós não pode ser atribuída nem a genes nem ao ambiente. Se você olhar gêmeos idênticos que foram criados na mesma família, mesmo local, mesma cultura, mesma casa, você verá que eles são muitos mais parecidos do que outros pares de pessoas, mas eles estão longe de ser idênticos. As similaridades entre suas personalidades e inteligências talvez seja de 50% em média. Isso mostra que as diferenças não podem vir dos genes, pois eles têm genes iguais, e também não pode vir diretamente do ambiente, pois tiveram os mesmos pais, vizinhos, casa. Essas diferenças vêm simplesmente de um processo randômico, do acaso, e têm uma grande influência naquilo que somos. Acasos como um bebê que cai de cabeça no chão, um vírus que ele pega, um pensamento que deixe uma impressão permanente. Esses fatores podem ter uma influência tão grande quanto os genes no que somos, uma influência muito maior do que os pais exercem numa pessoa.
Estado - Boa parte do que somos é, então, produto do acaso?
Pinker - Ao menos boa parte daquilo que nos faz diferentes uns dos outros em uma mesma cultura é o acaso.
Estado - O senhor também afirma no livro que o pós-modernismo é baseado na tábula rasa e que ele destrói toda a graça das artes.
Pinker - O pós-modernismo certamente nega que exista algo como a natureza humana. Para eles, toda nossa experiência, amor romântico, ciúmes, diferença entre os sexos são construções sociais que poderiam ser diferentes se a história tivesse se desenvolvido de outra forma. No caso da arte, o pós-modernismo nega que temos a capacidade de ter prazer com ela. Eles vêem a arte como um produto de forças econômicas e políticas. Ao negar a possibilidade de as pessoas terem uma habilidade inata em ter prazer com a beleza, a melodia, histórias e outras leva à criação de uma arte à qual falta sensibilidade.
Entrevista ao Estado de S. Paulo por ALESSANDRO GRECO