Iremos neste artigo abordar as estreitas ligações entre comportamento político e sexual, utilizando como bases teóricas das novas ciências cognitivas, em especial, sua vertente evolutiva. Mais do que isso, iremos procurar por uma teoria que unifique e fundamente o comportamento social destas atividades. A explicação da teoria evolutiva foge à proposta deste artigo. Aqui basta dizer que o principal “objetivo” de qualquer ser vivo é deixar uma prole numerosa e/ou bem sucedida. Mas para abordarmos o assunto teremos que compreender um pouco das bases teóricas do comportamento político e sexual. Como esta área apresenta algumas das mais sofisticadas teorias biossociais, não iremos abordar suas inúmeras ramificações. Iremos apenas nos deter sobre alguns aspectos que serão importantes para compreendermos as amplas transformações por que passa a sexualidade das sociedades desenvolvidas. Para isto, no entanto, devemos antes nos voltar para as sociedades tribais de caçadores e coletores nômades; aquelas para as quais os humanos foram “feitos” para funcionar. Qualquer teoria do homem deve partir deste ponto. As grandes civilizações são anomalias que ocorreram nesses últimos dez mil anos — um segundo para a existência de nossa espécie — e não devem ser levadas em consideração quando tratamos do processo da evolução genética.
Já existem evidências para refutar as comuns teorias do século XX que diziam não existir uma natureza feminina e masculina, e não iremos aqui perder tempo relatando os inúmeros exemplos que evidenciam isto. Ao invés disso, procuraremos enfocar os aspectos evolutivos do sexo. Os seres vivos morrem rapidamente, e a única forma deles continuarem a “sobreviver” é transmitindo sua informação genética para outros seres vivos que continuarão a carregá-la. Ou seja, eles têm que atravessar o portão do sexo. Muitos não conseguiram atravessá-lo, mas os ancestrais de todos os seres vivos complexos que existem no mundo de hoje foram bem sucedidos nesta atividade, e desde que eles se originaram sobre a terra eles têm conseguido transmitir sua informação genética para outros seres vivos. Assim, as pressões seletivas nesta atividade estão ente as mais fortes nos organismos biológicos, e grade parte de seus esforços estão canalizados para ela. Não que esta atividade seja sagrada ou algo assim, mas simplesmente os organismos que não canalizaram seus esforços para ela tiveram suas linhagens extintas em algum momento passado da história evolutiva, portanto, não iremos encontrar nenhum deles aqui, no mundo de hoje.
Muitos dos especialistas em sexo são liberais relativistas que se recusam a aceitar (ou simplesmente ignoram) os novos resultados da ciência. Desta forma eles se privam desta poderosa ferramenta para entendermos este importante aspecto do comportamento humano. É muito comum a afirmação de que sexo não é apenas instinto de reprodução. Tal argumento, no entanto, é uma grande ingenuidade. Evidentemente nenhum ser vivo faz sexo com o intuito de se reproduzir, assim como nenhuma mãe cuida de seus filhos com o intuito de preservar sua linhagem genética. Os seres vivos simplesmente sentem uma grande vontade de fazer sexo e de cuidar de seus filhos. A evolução já “percebeu” que fazer estas coisas resulta em aptidão evolutiva, e a maneira dela nos dizer isso não é através de uma explicação racional das conseqüências evolutivas destas atividades, e sim através de vontades que nos leva a querer satisfação.
O mesmo argumento pode ser aplicado ao comportamento político. Um macho dominante não quer assegurar sua posição porque ela lhe possibilitará acesso às melhores fêmeas, ou às fêmeas em geral em seu período mais fértil, e, desta forma, aumentar sua aptidão evolutiva ao produzir uma prole mais numerosa ou de melhor qualidade. Ele simplesmente se sente muito bem em ser o macho dominante. Dois jovens machos que estejam dispostos a depor um velho macho dominante e se unem formando uma “coalizão política” que terá mais eficiência neste empreendimento também não estão pensando em nada disso. Eles simplesmente sentem um sentimento de camaradagem entre si que os leva a agir como um único grupo político.
É importante ressaltar que machos dominantes têm acesso a melhores ou mais férteis fêmeas, pois este é o fator que une a política ao sexo. Tal conexão já foi percebida pelo senso comum de forma intuitiva em frases como “Faça amor, não faça a guerra”, ou, “O sexo é o poder dos jovens, o poder é o sexo dos velhos.” Mas agora a ligação fica clara diante do paradigma biossocial.
Voltando ao sexo, Darwin já havia percebido que em todas as espécies são os machos que procuram as fêmeas, fazem a corte, e demonstram um maior interesse por sexo. As fêmeas, por sua vez, passam algum tempo evitando os machos antes de acasalar. Tal comportamento é universal entre os animais. Sua lógica, no entanto, passou despercebida por mais de cem anos. Foi apenas nas últimas décadas que ela foi entendida, o que abriu caminho para a elaboração de um modelo do comportamento sexual que representa talvez a mais importante realização teórica em todo o estudo da sexualidade.
A assimetria de comportamento que existe entre machos e fêmeas decorre do fato de que a fêmea investe mais na prole que o macho. Em mamíferos essa diferença é bastante acentuada pelo fato da fêmea carregar o embrião em seu interior durante um longo estágio de seu desenvolvimento. No caso dos humanos, sexo para os machos representa um investimento de um pouco de esperma e alguns minutos de corte e acasalamento. Para as fêmeas, representa nove meses com um incomodo parasita em seu interior se alimentando de seus recursos e excretando em seu sangue, mais três anos de amamentação (no ambiente ancestral) e mais uns cinco ou dez de outros cuidados pós-natais. A diferença é enorme.
Assim, podemos chegar à diferença fundamental entre os sexos: A fêmea é aquela para a qual os custos da reprodução são mais altos; ou seja, ela é o fator limitante da reprodução.
A partir dessa premissa podemos concluir que a melhor estratégia reprodutiva para um macho será diferente da melhor estratégia reprodutiva para uma fêmea. Já que o investimento do macho é muito pequeno, ele deve procurar acasalar o maior número possível de vezes, e desta forma deixar uma prole muito grande. Tal estratégia não faz sentido para uma fêmea, pois seu desempenho reprodutivo é determinado pelos ciclos naturais de seu corpo. No ambiente ancestral uma fêmea humana pode gerar um filho a cada três anos, aproximadamente, independente do número de vezes que ela acasale. Nessas condições ela deve se preocupar mais com a qualidade de sua prole, e aceitará acasalar apenas com os melhores machos. Machos também querem qualidade, evidentemente, mas como seu investimento é mínimo, não há nenhum problema em produzir alguma prole da baixa qualidade.
Isso explica a grande dicotomia do comportamento sexual entre os animais. A estratégia de maximização da quantidade dos machos se reflete em uma enorme obsessão por sexo, como também em uma enorme competitividade sexual. Machos tentam inseminar todas as fêmeas com quem eles entram em contato. A estratégia das fêmeas de maximização da qualidade se reflete em uma indecisão em relação ao acasalamento. As fêmeas se mostram interessadas, mas por algum tempo evitam o sexo. Antes de acasalar elas fazem múltiplas exigências com o objetivo de avaliar melhor as qualidades do pretendente ou fazer os machos investirem algo mais do que um punhado de espermatozóides na criação da prole.
Esse padrão de comportamento se reflete em praticamente todas as espécies animais. As poucas exceções confirmam a regra. De acordo com a teoria, em uma espécie na qual o macho investe mais que a fêmea na prole, os padrões de comportamento deveriam se inverter. É justamente isso que se observa. No cavalo marinho, por exemplo, a fêmea transfere seus óvulos para o interior do macho, que os fecunda e os cria integrados à corrente sangüínea. O nascimento ocorre algumas semanas depois no único caso conhecido no qual um macho dá a luz. Justamente nesta espécie é a fêmea que procura e corteja o macho em uma longa dança nupcial. Em certos pássaros nos quais o macho choca os ovos, esse padrão invertido também é observado. As fêmeas são grandes e vistosas e brigam pelos machos.
Aqui esbarramos em um ponto polêmico. Muitas mulheres têm se manifestado contra a idéia de que elas gostem menos de sexo que os homens. Mas a teoria não chega a dizer isto; muito pelo contrário, como no mito de Teiresias,1 penso que ela diz o oposto. Devido ao alto custo da reprodução feminina, devemos pensar que o sexo é mais importante para elas que para os homens (de fato, como iremos sustentar posteriormente, o sexo parece ser uma atividade mais ligada ao feminino que ao masculino). O que a teoria sugere é que as mulheres tenderão a demonstrar menos interesse e se mostrarão menos ativas sexualmente — não só para os outros como para si próprias. É um fato evidente que os homens demonstram mais abertamente uma preocupação com sexo e mulheres tendem a ser mais sutis e recatadas.
Desta assimetria decorre uma importante conseqüência no mercado sexual. É uma regra básica em economia que quando se tem um produto escasso e outro abundante necessários para um produto final, o escasso valerá mais. O mesmo é válido para o sexo. Por ser o fator limitante da reprodução, a moeda sexual feminina vale mais que a masculina. “Numerosas metáforas”, observou Steven Pinker, “tratam o sexo com uma mulher como um bem precioso, seja da perspectiva feminina (guardar-se, entregar-se, sentir-se usada), seja da masculina (possuir, favores sexuais, faturar).”2 Por isso que os machos buscam as fêmeas, brigam por elas, e fazem ampla utilização de corte e pagamento em recursos em suas negociações sexuais. Fosse o valor dos machos alto, eles poderiam simplesmente esperar que as fêmeas fossem até eles, mas dificilmente isso ocorre.
Esta assimetria também abre a possibilidade de que uma pequena parte dos machos possa inseminar todas as fêmeas, e que a maioria fique sem acasalar. Disso decorrem duas conseqüências importantes: A primeira é o papel das fêmeas na escolha de quais machos irão acasalar. Os genomas dos organismos são constantemente infiltrados por mutações ao acaso, e por conseqüência apresentam uma série de defeitos que, quando acumulados ao longo de gerações, acabam resultando em problemas. Como interessa às fêmeas que sua prole tenha bons genes, elas ficam atentas a indicadores que possam ser usados para avaliar a qualidade genética dos machos, e apenas aceitarão acasalar com aqueles que apresentam indicadores de boa qualidade genética. Alguns biólogos sugerem que a cauda do pavão seja um indicador deste tipo, e outros propõem que a corte, presente em inúmeros animais, possa ter a mesma função. Através destas exibições os machos anunciam suas qualidades genéticas para as fêmeas tentando convencê-las de que são boas opções de acasalamento. Um outro importante indicador de qualidade genética é a beleza. Pesquisas revelaram que quanto mais dentro da média estiver um rosto — o que reflete um correto desenvolvimento embrionário, portanto, um genoma livre de mutações — mais bonito ele será. Assim, a beleza pode ser usada pelas fêmeas para a avaliação da qualidade genética de seus parceiros em suas escolhas sexuais.
A segunda conseqüência da assimetria sexual é a brutal competição entre machos para determinar quais deles irão acasalar. Um macho pode conseguir acesso exclusivo às fêmeas simplesmente subjugando os outros machos à força, ou subjugando as fêmeas impedindo-as de acasalar com outros machos. Embora as fêmeas procurem dar importância aos fatores discutidos acima em suas escolhas de parceiros sexuais, mesmo um macho dominante que não lhe dê chance de escolha pode ser uma boa opção de acasalamento, assumindo que a força bruta seja pelo menos em parte herdada geneticamente. Estes dois modos de negociação sexual — entre dois machos que lutam para determinar qual deles irá acasalar, e entre um macho e uma fêmea, no qual o macho exibe suas qualidades genéticas para a fêmea avaliar e escolher — serão importantes elementos quando apresentarmos posteriormente a teoria político-sexual.
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O que descrevemos até agora é o relacionamento sexual como presente na maioria das espécies. Machos lutam por fêmeas para definir quem irá acasalar, e fêmeas escolhem machos de acordo suas qualidades genéticas. Na espécie humana, porém, esse padrão básico sofreu interferência de outros fatores, fazendo a questão do relacionamento sexual ficar muito mais complicada. Entre esses fatores está o investimento que os machos humanos fazem na prole. A lógica evolutiva deste comportamento é que se o pai ajuda a mãe a criar os filhos, estes terão muito mais chances de se saírem bem. Essa estratégia ocorre em muitos pássaros e pode estar relacionada ao fato que seus filhotes nascem incapacitados de voar. Sem a ajuda de um macho, uma mãe pássaro teria que deixar os filhotes sozinhos e vulneráveis nos ninhos quando fosse buscar comida. Algo semelhante parece ter ocorrido na linhagem humana. Filhotes humanos nascem “pré-maturos” e durante muitos meses são massas de carne indefesas. Eles também passam por um longo período de aprendizado no qual adquirem a língua, os conceitos e os valores da cultura na qual vivem. Esse período, que dura uns quinze anos, é fortemente dependente da presença de adultos que possam educá-los.
Um outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do investimento masculino na prole foi a inclusão de carne na dieta humana. Os humanos vieram de uma linhagem de herbívoros, mas por algum motivo introduziram a carne como importante elemento em sua dieta. Isso levou a uma divisão de tarefas entre homens e mulheres, na qual os homens caçavam e proviam carne para as mulheres e suas crianças, e estas coletavam e proviam vegetais para os homens. Desta forma, ocorreram pressões seletivas para o desenvolvimento de laços entre o casal de modo a mantê-lo integrado em uma unidade de compartilhamento de recursos.
Um outro importante fator que interferiu no relacionamento sexual foi a tensão que foi colocada sobre a hierarquia primata à medida que as capacidades cognitivas dos hominídeos se desenvolveram. Já comentamos que em animais de inteligência elevada é comum a formação de coalizões políticas, ou seja, um macho dominante não pode governar sozinho; ele tem que saber ceder poder. Mas na linhagem dos hominídeos as tensões podem ter ido muito mais longe com o desenvolvimento de armas, linguagem, e estratégias grupais de combate. Por mais dominante que um macho seja, é fácil esperá-lo dormir ou dar as costas para achatar seu crânio com um machado, situação que pode ter gerado grande instabilidade na hierarquia. O desenvolvimento da linguagem também pode ter sido um elemento significativo neste processo. Através desta habilidade os indivíduos de baixa hierarquia podiam expressar entre si seus ressentimentos pelos de alta hierarquia e organizar encontros secretos para conspirar. Numa espécie desprovida de linguagem seria muito difícil que quatro jovens machos conseguissem se reunir para propor e elaborar planos de como tomar o poder. De acordo com Robin Fox, os mecanismos desenvolvidos para dar conta desta situação envolveram um enfraquecimento da hierarquia e sua substituição por regras e instituições.
Como o principal motivo da hierarquia existir é definir quem irá ter acesso às fêmeas, é de se esperar que as transformações pelas quais ela passou tenham alterado o sistema que regula os acasalamentos. Tais transformações levaram ao desenvolvimento de um novo sistema baseado não na dominância política, mas em contratos de casamento. Política, portanto, no sentido humano do termo, consiste em acordos formados entre os homens sobre como distribuir as mulheres entre eles sem que tenham que se matar para isso. Na maioria das sociedades o casamento é uma relação entre dois homens que trocam mulheres. Em 70% das culturas conhecidas o marido paga aos pais da noiva para se casar (não estamos tratando dos conhecidos dotes, que vão para os recém-casados não constituindo, portanto, um pagamento aos pais da noiva), e em 75% delas a esposa se muda para a casa do marido (contra 10% nas quais ocorre o inverso). Na cultura ocidental é a mulher que muda seu sobrenome para o do marido, e passa a ser tratada como senhora.
É comum a analogia entre casais de animais e o casamento humano, mas este é um grande erro. Se existe um equivalente animal para o casamento, ele corresponde ao monopólio das fêmeas pelos machos dominantes, e não às uniões afetuosas que podemos observar entre casais de passarinhos ou gibões. É possível que exista um equivalente humano para esses laços animais, que seria o namoro — uma união entre um homem e uma mulher mediada por afeto e sexo —, mas isso tem pouco a ver com casamento. O casamento é uma instituição política mediada por regras e contratos e dispensa laços afetuosos, enquanto o namoro é uma relação que apenas diz respeito ao casal envolvido, e por isso conta apenas com sentimentos para garantir sua sustentação. O que parece ocorrer é que existem duas maneiras de se formar casais, uma por contratos sociais, outra por uniões sentimentais, e em alguns casos essas duas formas podem se sobrepor — quando o contrato é acompanhado de laços sentimentais entre o casal. Existe, no entanto, um aspecto econômico, que consiste no compartilhamento de recursos, que parece estar presente nas duas formas de relacionamento, e seu provável motivo é que ambas têm como objetivo a criação conjunta da prole.
Estratégias reprodutivas masculinas
De acordo com a lógica evolutiva, em uma espécie com alto nível de investimento paterno na prole, os machos deveriam ser mais seletivos com suas parceiras sexuais. A espécie humana parece estar de acordo com essa hipótese. Ao mesmo tempo em que os homens estarão dispostos a fazer sexo com todas as mulheres, eles serão muito mais seletivos na hora de procurar um par duradouro, pois seus investimentos nos filhos desta união serão muito maiores.
Para este tipo de união, os homens tenderão a selecionar mulheres com boas qualidades físicas, pois como a reprodução feminina é altamente dependente de fatores corporais, o valor da mulher estará em grande parte calcado nesses fatores. Em todas as partes do mundo os homens demonstram preferência por mulheres saudáveis e jovens, no auge de suas capacidades reprodutivas, e utilizam como alguns dos principais indicadores dessas qualidades os cabelos e a textura da pele. A preferência por quadris largos, que denotam um parto sem problemas, também é universal.
Uma outra preocupação do macho, especialmente em animais de fecundação interna como os humanos, é a garantia de paternidade. Uma fêmea sabe que o filho é seu, mas o macho não pode ter essa certeza. Se um macho investir em filhos de outro, ele terá um duplo prejuízo evolutivo, pois além de desperdiçar grandes recursos estará favorecendo os filhos de um competidor.
Entre os mecanismos que os homens desenvolveram para contornar este problema está a distinção entre prostitutas e madonas — mulheres assanhadas e recatadas —, encontrada em praticamente todas as culturas. As primeiras são boas para fazer sexo, mas são investimentos duvidosos a longo prazo. As segundas podem não ser tão boas no sexo, mas possuem alto valor como esposas. Em suas pesquisas em diferentes culturas ao redor do mundo, o psicólogo David Buss constatou que, entre homens, um dos principais pré-requisitos para uma união com uma mulher é a falta de experiência sexual, o que denota uma baixa atividade sexual. De fato, estudos mostram que o elemento que mais acuradamente prevê o sexo extraconjugal é a promiscuidade antes do casamento.3
Especulo que o hímen possa ser uma estrutura que evoluiu com a esposa como forma dela aumentar seu valor no mercado matrimonial. Embora alguns digam ser a função do hímen anatômica, sua ausência em outros primatas contesta esta hipótese. Esta membrana encontra-se estrategicamente colocada bloqueando a coisa mais desejada em toda a existência, e o portal para as próximas gerações e a imortalidade da linhagem. E dada a importância do recato feminino nas negociações sexuais, é difícil pensar que esta estrutura tenha ficado imune a pressões sociais.
Os homens também procuram controlar suas parceiras afastando-as de situações que possam propiciar sexo extraconjugal. Mas do que isso, “eles afirmam ter um direito sobre as esposas, especialmente sobre sua capacidade reprodutiva, idêntico ao direito de um proprietário de um bem inanimado. Um proprietário pode vender, trocar ou dispor de seus bens, modificá-los sem interferência e exigir ressarcimento por roubo ou danos.”4 Já se observou em varredura cerebral que uma parte do cérebro masculino referente à posse de objetos também é estimulada na esfera do casamento. Na verdade, especula-se que o conceito de posse tenha evoluído para ser aplicado inicialmente às fêmeas (conceito que pode estar presente em outros primatas) e apenas depois tenha sido aplicado aos objetos.
Entre os principais programas que os homens desenvolveram para neutralizar os perigos do investimento em filhos que não são seus está o ciúme, que pode os levar a comportamentos extremamente violentos. É verdade que o ciúme também foi desenvolvido pelas mulheres como forma delas controlarem seus parceiros, mas esta emoção parece se manifestar de forma diferente nelas. Pesquisas mostram que enquanto os homens ficam mais aflitos ao imaginar suas mulheres fazendo sexo com outros homens, as mulheres ficam mais aflitas ao imaginar seus maridos se envolvendo emocionalmente com outras mulheres. O motivo desta preocupação feminina é que o sexo extraconjugal do marido não traz grandes prejuízos para a mulher; o grande perigo está em ser abandonada e ter os recursos e a atenção do marido desviados para outra. Isso não quer dizer que as mulheres tolerem relacionamentos sexuais de seus maridos, nem que os homens tolerem relacionamentos emocionais de suas esposas, mas as mulheres podem reprovar o sexo extraconjugal do marido porque este pode levá-lo ao desvio de atenção, enquanto os homens podem reprovar as ligações emocionais da esposa porque estas podem levá-la ao sexo.
Se todas essas preocupações em preservar a união entre o homens e mulheres existem, é porque poderosas forças atuaram nos humanos corrompendo esta união. Além do sexo casual praticado pelas esposas (que será discutido na próxima seção), existe a explosiva promiscuidade masculina, que faz os homens ficarem atentos a qualquer tipo de sexo que não implique em compromissos. Os filhos destes relacionamentos irão nascer sem pai e poderão ter dificuldades de crescer, mas a seleção natural não está preocupada com isso. O custo de produção desses filhos para o homem é baixíssimo e por esse motivo esta estratégia aumenta sua aptidão evolutiva. Desta forma, mesmo os homens comprometidos estarão atentos ao sexo casual.
Também podem existir forças que atuem nos homens fazendo-os abandonar suas parceiras e filhos, especialmente em condições nas quais existe um grande número de mulheres disponíveis. Mas embora a estratégia do homem sedutor que conquista as mulheres e depois (de inseminá-las) as abandona possa ser eficiente em grandes metrópoles, é difícil acreditar que possa ter sido uma boa estratégia no ambiente ancestral. Nas sociedades nômades as mulheres eram poucas e praticamente toda mulher já estava casada ao entrar na puberdade, portanto, não existiam muitas mulheres disponíveis como alvos para a conquista masculina. Além do que, por serem sociedades pequenas, um homem que agisse dessa forma provavelmente seria perseguido pelos familiares da mulher, ou pelo menos difamado na comunidade. Mas o fato de existir nas mulheres uma especial preocupação com o grau de comprometimento de seus parceiros sugere que em algumas situações, pelo menos, algo assim possa ter acontecido. Talvez devamos não ver as coisas simplesmente como preto ou branco. Um homem poderia manter um casamento, mas não ser um marido dedicado, não alocando muitos recursos para sua esposa. Tal possibilidade é reforçada se considerarmos o fato de que a condição natural do casamento é a poligamia. Isso já seria o suficiente para levantar preocupações de comprometimento nas mulheres; isto é, elas poderiam temer que seus maridos arranjassem uma outra esposa, que por ser uma novidade ou por ser mais jovem, ganharia mais atenções.
Porém, mesmo em sociedades nas quais exista uma rígida ordem que proteja a integridade do casamento, a estratégia do sexo casual poderia evoluir nos homens se seus os alvos fossem as mulheres casadas. Embora seduzir uma solteira e abandoná-la possa trazer problemas (se é que faz sentido abandonar uma mulher no ambiente ancestral), seduzir uma casada não poderia ser melhor, pois como o segredo também interessa à mulher, ela não pode difamar o sedutor, além do fato do marido traído tomar o filho como seu e investir em sua formação. Esta estratégia, o amante, bem representada pelo personagem Don Juan, pode ser muito bem sucedida evolutivamente, muito embora seja o pior pesadelo do marido. Como um parasita, o amante desvia os recursos do marido para a criação de filhos que não são seus. Evidentemente, esta figura não é bem vista em muitas sociedades. Entre os habitantes das ilhas Trobriand estudados por Malinowski, o “grande dançarino, o famoso mágico do amor que encanta com sua própria beleza, é exposto a forte desconfiança e ódio.”5
Embora qualquer homem possa agir tanto como marido quanto como amante, é de se esperar que os mais bonitos e sedutores optem pelo caminho do amante, enquanto aqueles que apresentarem melhores habilidades políticas optem pelo marido. Também é de se esperar que a estratégia do amante seja mais empregada por jovens, e a do marido, por adultos. O motivo é que em geral os indivíduos mais velhos têm o controle do sistema de distribuição de mulheres, não precisando, portanto, recorrer à corte e à sedução para acasalarem com elas. Assim, para um jovem desprovido de posição social, a única chance de fazer sexo é clandestinamente com as esposas dos machos dominantes, convencendo-as através da corte e da sedução de que eles são boas opções de acasalamento. Mas não devemos atribuir este comportamento apenas aos jovens. É possível que qualquer adulto, quando aparecer uma oportunidade, se comporte como amante, pois isto irá aumentar sua aptidão evolutiva.
Estratégias reprodutivas femininas
Na esfera do casamento, em geral as mulheres não têm chance de escolha de seus parceiros sexuais. Mas a grande atração que homens que demonstrem boa performance no mundo e na sociedade, sejam como caçadores, artesões, ou líderes, exercem sobre elas sugere que em alguns casos, pelo menos, elas tiveram liberdade para escolher seus parceiros sexuais.
Se a dicotomia madona/prostituta é tão universal entre os homens, é porque realmente existiram mulheres mais recatadas e mais assanhadas nas sociedades primitivas. Mas embora faça sentido para uma mulher buscar o recato como forma de aumentar seu valor nas negociações matrimonias, qual seria a lógica evolutiva da estratégia da prostituta? A promiscuidade feminina parece desafiar o darwinismo, pois a primeira vista de nada adianta uma mulher fazer sexo com vários homens quando ela só pode ser inseminada por um.
Uma das explicações está no próprio nome que demos à estratégia. Se uma mulher cobra pelos seus favores sexuais, quanto mais homens acasalarem com ela, mais coisas ela ganhará. A grande promiscuidade masculina faz com que a prostituta possa atender muitos “clientes” e ganhar muitos recursos que compensarão a falta de suporte de um marido. Estratégias semelhantes são amplamente disseminadas pelo reino animal. Fêmeas de várias espécies, de joaninhas a chimpanzés, exigem uma oferenda em forma de alimento antes de acasalar.
As negociações de uma prostituta não necessariamente têm que ser feitas de forma consciente. Um homem que sai com uma mulher, paga-lhe um jantar, e depois tem com ela uma noite de sexo, poderia ser visto como um “cliente” de uma “prostituta”, embora nenhum dos dois saiba disso. Uma mulher que faz sexo com o seu chefe de modo a conseguir uma promoção também estaria adotando a mesma estratégia. Mesmo que neste segundo caso exista um elemento racional presente — pois a mulher está conscientemente planejando um salário mais alto —, ela realmente pode se sentir sexualmente atraída por aqueles que podem lhe proporcionar benefícios. Muitas profissionais do sexo de hoje não são autênticas prostitutas, pois elas só estão nessa atividade pelo dinheiro. Essas mulheres exploram um mecanismo que a evolução também descobriu, mas fazem isso de forma racional e planejada. Muitas não gostam do que fazem e chegam mesmo a dizer que a boa profissional é a que não sente prazer. Não é a isso que estamos nos referindo aqui. A autêntica prostituta é a mulher que sente prazer no que faz. Não há nada melhor do que fazer o que gosta e ainda ser pago por isso. Ser prostituta, em nossa definição, também não é apenas gostar de fazer sexo, e não de casar. A prostituta é a mulher que se sente dona de deu próprio corpo (em oposição à esposa, cujo corpo pertence ao marido) e decide como usá-lo da forma que melhor lhe convém.
Embora a evolução tenha moldado as esposas para a pureza e o recato, algumas estratégias de sexo casual se aplicam diretamente a elas. Embora o interesse da esposa pela posição social do homem possa ter finalidades genéticas (assumindo que a posição social possa ser influenciada pelos genes), o seu maior interesse são os benefícios que esse homem pode lhe oferecer. Assim, se elas puderem escolher um marido, elas estarão mais preocupadas com suas perspectivas sociais e com seu grau de comprometimento do que com seus genes.
Já vimos anteriormente que as mulheres, devido a suas limitações reprodutivas, demonstram uma grande preocupação com a qualidade de sua prole, o que pode levá-las a buscar melhores genes para seus filhos do que os apresentados pelo marido. Assim, elas procurarão amantes e farão sexo extraconjugal sem compromisso. É um fato que mulheres gostam de fazer sexo em situações de perigo: no automóvel, no elevador, em um banheiro de uma festa com a porta destrancada e “com o coração aos saltos de tesão e medo de alguém entrar”, como colocou uma menina em uma revista feminina. Estas situações podem ser reflexos da recorrente situação ancestral na qual elas faziam sexo com os amantes escondidas de seus maridos. É nesta situação, e não na esfera do casamento, em que a escolha da fêmea pode se manifestar plena.
São comuns nas estórias eróticas mulheres comprometidas com empresários poderosos que, escondidas, fazem sexo com jardineiros garanhões. Para este tipo de sexo, nenhuma posição social é requerida. O que as mulheres procuram são características que sejam bons indicadores de qualidade genética. Como já colocamos, a beleza e a corte podem ser indicadores deste tipo. Geoffrey Miller também sugere que arte e a dança, que impressionam e seduzem as mulheres, também possam exercer a mesma função. Através desses indicadores as mulheres escolhem os homens mais apropriados para gerar seus filhos.
Uma esposa também pode jogar como prostituta de vez em quando com a finalidade de conseguir mais recursos do que aqueles fornecidos pelo marido. Assim, ela pode contar com um parceiro fixo que lhe forneça recursos com regularidade, e conseguir complementos acasalando com outros homens secretamente.
De acordo com a teoria, as mulheres que apresentam maior propensão ao sexo sem compromisso são as casadas. Uma solteira evitará esse tipo de sexo, pois, a não ser que se trate de uma prostituta, ela estará a procura de um marido e não irá quer engravidar antes disso. Isso é colocado no filme de Stanley Kubrick De olhos bem fechados (Eyes wide shout, 1999). O playboy que corteja a personagem de Nicole Kidman, ao saber que ela é casada, comenta que o casamento serve apenas para as mulheres perderem a virgindade e poderem fazer sexo com aqueles que realmente interessam. Na novela Mansfield Park, de Jane Austen, um amante jovem, bonito e sedutor comenta que uma mulher comprometida “é sempre mais interessante que uma não comprometida. Ela está satisfeita consigo. Suas preocupações acabaram e ela sente que pode exercer todos os seus encantos sem suspeitas. Tudo está seguro quando a dama está comprometida: nenhum mal pode ser feito.”6
O antropólogo Donald Symons propõe que a ocultação do cio possa ter a ver com isto. Se os maridos soubessem quando suas mulheres estão ovulando, eles só precisariam ser ciumentos nesta fase, concentrando todos os seus esforços de controle em um reduzido número de dias, como fazem muitos primatas. Ao ocultarem a ovulação, as esposas despistam o controle dos maridos de modo a terem mais chances de acasalar com os amantes. Pesquisas mostraram que as mulheres tendem a se vestir mais sensualmente durante a ovulação, e é este o período mais propício para elas se engajarem em relações extraconjugais. O cio ainda existe, mas ele está tão oculto que a própria consciência da mulher não o percebe.
Alguns biólogos sustentam que a função do orgasmo feminino seja facilitar a entrada do esperma através de contrações no colo do útero. Desta forma, os homens mais sedutores, que dão prazer sexual às mulheres, podem aumentar suas chances de fecundá-las. As mulheres também podem expelir o sêmen de certos homens e reter o de outros através de contrações vaginais. O aborto natural também pode ser mais uma linha de defesa feminina contra inseminações indesejadas. Todos esses recursos aumentam as chances de uma mulher, seja esposa ou prostituta, selecionar os genes certos que irão fecundá-la, mesmo quando ela faz sexo com muitos homens.
Outra estratégia comum a esposas e prostitutas, a guerra de espermatozóides, foi proposta por Baker e Bellis. Segundo eles, um homem ejacula em média 300 milhões de espermatozóides em uma mulher. Para que tantos? O que se verificou é que a maioria deles não são fecundadores, e sim caçadores de espermatozóides inimigos que patrulham o útero e atacam qualquer intruso que tente alcançar os óvulos. De acordo com a teoria, o motivo de um marido querer fazer sexo regularmente com sua esposa é renovar os exércitos de espermatozóides que a patrulham. Experimentos demonstraram que a quantidade de espermatozóides injetados em uma esposa não varia de acordo com o tempo da última ejaculação, e sim com o tempo em que o marido fica longe dela sem poder controlá-la. A teoria também explica porque muitos homens ficam excitados diante da possibilidade de suas mulheres estarem fazendo sexo com outros homens. A excitação vem da necessidade de injetar na mulher seus próprios exércitos para enfrentar os do oponente. Neste caso, a principal intenção da mulher ao trair seria provocar um conflito entre os exércitos do marido e os do amante para ser então fecundada pelo vencedor. A esposa “interessada” em produzir uma guerra de espermatozóides — perversamente — tenderá a querer fazer sexo com o marido logo após ter acasalado com o amante, ou com o amante logo após ter acasalado com o marido, e, desta forma, colocar os dois exércitos em pé de igualdade no conflito. Por isso, talvez, as mulheres gostem de flertar com outros homens quando seus parceiros estão por perto. É um fato comum que as fêmeas procuram fazer os machos brigarem para assim poderem acasalar com o vencedor. Agora percebemos uma nova dimensão de conflitos que as fêmeas propiciam em sua busca obsessiva pela qualidade de sua prole. Não apenas os homens têm que ser agressivos, como também seus espermatozóides.
Essas estratégias não contrariam o recato da esposa? Não necessariamente. Uma esposa se portará socialmente como recatada de modo a valorizar sua moeda sexual, mas aparecendo uma chance segura ela se portará como assanhada. Um importante ponto a ser observado é que ela não precisa raciocinar nada disso, apenas seguir suas emoções. A esposa realmente irá querer ser recatada diante da sociedade e irá se sentir pertencer ao seu marido; mas, sozinha, com um amante, novas forças se manifestarão em sua mente levando-a a comportamentos que podem até mesmo surpreendê-la. Muitas mulheres não sabem como puderam trair seus maridos e se arrependem profundamente de seus atos. O arrependimento é uma forma de levá-las de volta para o relacionamento seguro com o marido depois que o esperma do amante foi coletado.
Como observou David Buss, se existe uma obsessão tão grande nos homens em relação à fidelidade de suas esposas, é porque existiu algo a ser evitado. Esta obsessão se deve ao fato de que, ao longo da evolução, as esposas traíram tanto que isso ficou fortemente impresso nos homens, não só através do marido ciumento e controlador e dos espermatozóides agressivos, como também do amante sedutor.
Mas não devemos fazer um quadro tão negativo das mulheres em relação ao casamento. Se esta instituição é tão difundida entre os humanos, e se os homens realmente investem em suas proles com dedicação, é porque essa estratégia se valeu evolutivamente. Isso quer dizer que muitas mulheres realmente foram fieis ou traíram muito pouco. Simplesmente, se a fidelidade feminina caísse abaixo de um certo nível, o casamento começaria a ser uma má estratégia para o homem. Nesta situação seria melhor desistir de investir nos filhos e procurar fazer sexo com o maior número de mulheres possível.
Sexo e poder
Muitos psicanalistas e sociólogos criticam a abordagem instintiva do sexo argumentando ser a sexualidade não apenas instinto de reprodução, assumindo também identidades sociais. Mas uma coisa não exclui a outra, pois a própria sociedade é um produto biológico.7 Também é um erro ingênuo acreditar que, por ser um produto biológico, um instinto tem que ser invariante. A política é uma das atividades mais dinâmicas em um grupo de primatas, e os instintos que a regulam estão submetidos a complexos jogos sociais. O mesmo ocorre com a sexualidade.
A competição política, como já vimos, tem como principal objetivo a reprodução. Por isso podemos dizer que sexo e política estão profundamente ligados. Mas este fenômeno difere consideravelmente entre homens e mulheres. A competitividade dos homens por hierarquia vem do fato de que quanto maior for sua posição social, mais e melhores mulheres um homem terá, e maior será a sua aptidão evolutiva (a condição natural da formação de casais é a poligamia, na qual um homem casa com algumas mulheres). Já no sexo feminino a correlação entre poder social e aptidão evolutiva ocorre de forma muito menos acentuada, pois a posição social de uma mulher não pode ser convertida em prole. Esta diferença fica clara quando colocada em números: Moulay Ismail, sultão de Marrocos, devido a sua elevada posição social teve 888 filhos. Já uma mulher, por mais poder e recursos que tenha, não poderá ter mais de 20. Na verdade, para ser prolífica, a melhor estratégia para uma mulher é não se concentrar na busca por poder — pois buscar o poder e criar muitos filhos pode ser difícil. É melhor se unir a um homem e ascender socialmente através dele. A humildade não compromete a aptidão evolutiva de uma mulher, muito pelo contrário, pode aumentá-la.
Por ser a mulher o fator limitante da reprodução, esta atividade é para os homens um típico jogo de soma-zero, pois a reprodução de um homem irá implicar necessariamente na não-reprodução de outros. Já no caso das mulheres isso não ocorre, pois a performance reprodutiva de uma mulher independe da performance reprodutiva das outras. É verdade que as esposas podem competir pelos melhores maridos (se elas tiverem alguma chance de escolha), mas essa competição se reduz após o casamento. A competição feminina se torna mais intensa entre as prostitutas, que disputam os recursos masculinos em um mercado sexual livre, mas em nenhum desses casos ela será tão intensa quanto a competição masculina.
Estas observações mostram a grande fatalidade que paira sobre o masculino: Um homem pode exceder em muito a capacidade reprodutiva de uma mulher, mas apenas se ele for bom. Se não, ele não irá conseguir acasalar com as mulheres e sua linhagem perecerá. Uma mulher provavelmente terá os seus três ou quatro filhos, portanto, seu valor é estável; mas o homem é um investimento de alto risco, pois sobre ele paira tanto a possibilidade de um grande fracasso, como a de um grande sucesso. Embora isso confira fragilidade ao masculino, esta é também a fonte de toda a sua força e ambição. Para o homem sempre existe a possibilidade de ir mais longe.8
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Muitas feministas percebem ser o patriarcado um sistema de relações masculinas de interdependência e solidariedade de modo a facilitar-lhes o controle sobre as mulheres. Esta constatação, no entanto, as leva a conclusão errônea de que existe uma união universal dos homens com o objetivo de subjugar o sexo feminino. Como veremos na próxima sessão, é de se esperar que haja algum conflito entre homens e mulheres quanto à forma de se organizar o sistema reprodutivo, mas, ao que tudo indica, o principal objetivo das alianças masculinas é a competição com outros homens. Como percebeu Robin Fox em seu importante The red lamp of incest, as regras que os homens criam para regular os acasalamentos podem ter como principal objetivo impor um sistema que exclua os jovens homens da competição reprodutiva, de modo que os adultos possam monopolizar as mulheres. Os jovens se vêem em um dilema, pois ao mesmo tempo em que eles querem se livrar dos adultos para ficar com suas mulheres, eles sabem que um dia eles próprios assumirão os postos dominantes, controlando o sistema de distribuição de mulheres e tendo que lidar com vários jovens periféricos cheios de testosterona e ansiosos por acasalar com elas. É provável também, como já tratamos, que a formação de regras de troca de mulheres possa ter como objetivo a redução da competição político-sexual entre os próprios homens adultos. Esta hipótese é sustentada pela sutileza da hierarquia nos grupos humanos. Ao invés dos homens disputarem cada mulher, o que poderia resultar em permanentes conflitos transformando a vida em um inferno hobbesiano, eles elaborariam regras reconhecidas por todos que deveriam regular a distribuição de mulheres, dando, assim, uma maior estabilidade e coesão ao grupo.
Uma outra forma de olhar o controle dos homens sobre as mulheres enfoca a questão da fecundação interna. Uma mulher tem certeza de que os filhos são seus, mas um homem não pode ter essa garantia. Assim, caso pretenda investir em sua prole, ele precisa monitorar cuidadosamente as atividades de sua esposa de modo que possa ter uma maior garantia de paternidade. Alguns liberais acreditam ser este o elemento que está nas bases da dominação masculina. O que eles não concordarão é que não se trata apenas de um produto da evolução cultural, mas também, genética, e está gravada na mente do homem.
Como já vimos, os homens reivindicam posse de suas esposas como um proprietário reivindica posse de seus bens. Esta constatação, no entanto, tende a gerar um certo desconforto na sociedade atual, e mesmo os cientistas procuram formas de atenuá-la. Entre as principais dos últimos tempos está a referência aos chimpanzés bonobos. Para a ideologia atual essa espécie foi um achado em meio às organizações “falocêntricas” dos outros primatas. Juntamente com os chimpanzés, os bonobos são o grupo mais próximo dos humanos e devem partilhar com eles muitas semelhanças. Em sua sociedade as fêmeas são o sexo dominante e as relações sociais são quase todas entre fêmeas. O prestígio de um macho é dado não por suas relações sociais, mas pelo prestígio de sua mãe. Em geral eles permanecem ligados a elas por toda a vida e dependem delas para proteção. Na sociedade dos bonobos o sexo é mais livre e comum que em outras espécies, e o acasalamento é realizado estando a fêmea preferencialmente de frente para o macho (diferente dos outros primatas, nos quais a fêmea se coloca de quatro). Como as humanas, as fêmeas bonobos escondem o cio e permanecem sexualmente atraentes mesmo fora do período de ovulação. Os bonobos também são mais pacíficos, menos competitivos, e procuram canalizar seus impulsos agressivos para o sexo, muitas vezes homossexual. (Em uma situação observada, após uma fêmea agredir um filhote de outra, a mãe avançou sobre ela e logo as duas estavam se engajando em intensa fricção genital.)
Os bonobos não só têm sido citados para justificar o que está ocorrendo na sociedade atual, como têm sido apontados como um modelo a ser seguido e celebrado. Os motivos, no entanto, são mais ideológicos que científicos. Embora o comportamento dos humanos não seja como o dos babuínos, no qual a dominação dos machos é extrema, existem evidências de que ele também não é como o dos bonobos. O sexo entre humanos é menos freqüente que entre bonobos, os laços masculinos são mais fortes, e eles demonstram maior preocupação com hierarquia que as mulheres. Essas últimas características são compartilhadas pelos chimpanzés — o grupo irmão dos bonobos —, que exibem uma ordem social baseada na dominância dos machos. A evidência mais clara, no entanto, pode estar na simples observação de todas as culturas conhecidas, com exceção da ocidental das últimas décadas.
O priomatologista Frans de Waal argumenta que, por permanecerem na floresta, os bonobos se modificaram menos que os chimpanzés e por isso são representantes mais fiéis do ancestral comum entre chimpanzés, bonobos e humanos. Baseando-se neste argumento, de Waal propõe substituir o chimpanzé pelo bonobo como o novo referencial de ancestral dos humanos. Mas este é um argumento bastante frágil. A linhagem humana divergiu destes primatas há cerca de 6 milhões de anos e desde essa época muitas modificações ocorreram. A existência de chimpanzés, cuja dominância é exercida pelos machos, mostra que esta característica “ancestral” pode ter mudado ao longo deste tempo. Podemos até mesmo inverter o argumento e dizer que os chimpanzés, por terem entrado em um ambiente mais aberto e seco — mais semelhante às savanas nas quais o homem evoluiu —, apresentam características mais semelhantes as dos humanos. A vida na floresta é um convite à promiscuidade. Por mais dominante que um macho seja, ele não pode saber o que se passa por trás dos arbustos e a hierarquia perde importância diante do sexo. Em uma savana, onde o macho dominante pode ter controle de tudo ao seu redor, torna-se mais difícil para os machos de baixa hierarquia acasalarem com as fêmeas e a hierarquia é valorizada. Estas observações são reforçadas pelo fato de que tanto chimpanzés quanto babuínos apresentam uma hierarquia mais rígida quando estão na savana, e mais flexível quando estão na floresta.
Após fazer suas observações politicamente corretas, de Waal admite que existem diferenças entre o comportamento dos bonobos e humanos que aproximam esses últimos de um modelo dominado por machos. Sua posição “pró-bonobo” pode ser melhor entendida quando colocada no contexto ideológico atual. “Mesmo que a escolha dos chimpanzés [ao invés dos babuínos] como um marco na evolução dos humanos tenha sido um grande avanço,” escreveu ele, “pelo menos um aspecto do modelo anterior não precisou ser revisado: a superioridade dos machos permaneceu o estado natural das coisas.”9 Situação que para de Waal era um problema que foi resolvido com a descoberta dos bonobos, cuja estrutura social dominada pelas fêmeas parece lhe agradar mais.
Algumas características deste grupo, no entanto, talvez possam ser úteis para entendermos o comportamento social humano, afinal, se os bonobos as adotaram, é porque elas se valeram evolutivamente, e poderiam ter evoluído de forma independente em outros grupos de primatas, entre eles os humanos, como discutiremos em breve. Não quero dizer com isto que a estrutura social dos humanos se assemelhe à dos bonobos, mas estruturas sociais são flexíveis, podendo oscilar entre diferentes estados, sendo um mais semelhante ao dos chimpanzés, ou mesmo dos babuínos, e outro mais semelhante ao dos bonobos, como veremos a seguir.
Em busca de uma teoria político-sexual
Muito do lado “negro” do sexo que foi tratado neste capítulo está relacionado ao fato de que, por ser o principal fator que irá definir quem continuará no jogo na próxima geração, esta é uma área de intensas batalhas. Estas batalhas ocorrem primariamente entre indivíduos de mesmo sexo, que competem por mais e/ou melhores indivíduos do sexo oposto, mas parte delas ocorre entre os sexos. Como existe uma grande assimetria entre homens e mulheres no que diz respeito à reprodução, devemos esperar que os sexos tenham expectativas diferentes quanto à forma de se organizar o sistema reprodutivo. Também é de se esperar que eles procurem manipular este sistema de modo a mantê-lo em uma forma mais condizente com suas preferências. Não existe, portanto, uma moralidade ideal, existem duas, sendo que uma expressa um ponto de vista masculino, e a outra um ponto de vista feminino.10 Os conflitos entre esses diferentes interesses constituem importantes elementos na guerra dos sexos que foi travada nos países desenvolvidos ao longo desses últimos séculos.
Iremos aqui colocar as diferentes estratégias reprodutivas em um modelo explicativo no qual a sociedade oscila entre dois pólos do comportamento político-sexual, sendo um mais ligado ao masculino, e outro ao feminino. Mas devemos deixar claro que estamos tratando apenas de um modelo. As sociedades reais exibem uma complexidade que muitas vezes pode não se encaixar no que iremos descrever.
Ao caracterizarmos esses pólos, não queremos dizer que seja possível que uma sociedade encontre-se em algum deles. Tratam-se de extremos do comportamento político-sexual que raramente, ou nunca, ocorrem em condições naturais. Em geral as sociedades se encontram em um meio termo entre eles, apresentando características de ambos, sendo que algumas estarão mais próximas do pólo feminino (que iremos chamar de “matrifocal”), e outras do masculino (que iremos chamar de “patrifocal”). Assim, para sabermos como seria o comportamento político-sexual nos extremos temos que recorrer a experimentos. Talvez o melhor deles seja os presídios, cuja ausência do sexo oposto nos permite observar os instintos políticos e sexuais de homens e mulheres de forma purificada.
Em presídios para mulheres se observa uma estrutura descentralizada largamente baseada em relações familiares. São formados casais aos quais irmãos, irmãs, tias e avós são tipicamente acrescentados. Essas pseudofamílias fornecem às presidiárias estabilidade, proteção, conselhos e recursos.11 O motivo desta ênfase feminina na família é que como a mulher tem garantia de que os filhos são realmente seus, uma estrutura social feminina tenderá a dar grande importância ao parentesco. Já em presídios masculinos a estrutura social consiste em uma única ordem hierárquica na qual os mais elevados fazem sexo ativo com os seus subordinados em um sistema de castas que engloba toda a sociedade.12 Esta ênfase na política é uma forma de resolver os conflitos masculinos gerados pela competição por mulheres, como também de enquadrar o sexo em uma ordem que dê garantia ao homem de sua paternidade.
Essas observações, no entanto, não querem dizer que as sociedades humanas sejam como as sociedades de presidiários. Isto porque elas implicam, antes de tudo, que sejam formadas por homens e mulheres, estejam elas em um extremo do comportamento político-sexual, ou em um meio-termo. É possível, como veremos, que o extremo matrifocal se assemelhe à estrutura social dos presídios femininos, mas a estrutura formada nos presídios masculinos mais parece a hierarquia de um império agrícola, ou de uma sociedade de chimpanzés, que a política tribal dos humanos. A comparação, no entanto, é útil em nos mostrar que sistemas femininos darão maior ênfase ao parentesco, enquanto sistemas masculinos darão maior ênfase à política.
Ambos os sistemas que estamos aqui caracterizando parecem exibir formação de casais e investimento paterno na prole. A diferença se dá na forma com que isso ocorre. No pólo patrifocal a formação de casais é mediada por uma ordem política, na qual homens adultos trocam mulheres de acordo com regras que especificam quem deve fornecer esposas para quem. Já no pólo matrifocal os principais mediadores dos casais são sentimentos como paixão, amor, afeto e sexo. Embora em ambos os casos possa haver dissolução de casais, é de se esperar que nos sistemas matrifocais, por estar submetida à volatilidade dos sentimentos, e não a contratos sociais, a circulação de parceiros seja mais alta, e o sexo seja mais livre. (A antropóloga Helen Fisher argumenta que a afeição entre o casal dura cerca de quatro anos, o que corresponde ao tempo necessário para se erguer uma criança além do período crítico dos primeiros anos de vida.) Por enquanto, no entanto, é uma questão se este comportamento é uma expressão das preferências femininas, ou se é resultado de interferências masculinas que tendem a tornar as relações mais efêmeras (assunto que discutiremos em breve). Portanto, não iremos agora especular até que ponto no extremo matrifocal os casais são estáveis ou efêmeros. O que sabemos é que nas sociedades reais que se aproximam deste pólo as relações entre casais têm pouco valor e a circulação de parceiros se torna freqüente.
Pelo fato de haver nas sociedades matrifocais maior liberdade sexual, a paternidade, e, por conseqüência, o investimento paterno na prole, podem ficar comprometidos. O suporte econômico é fornecido mais pelos parentes da mãe do que por seu parceiro sexual, e a linhagem e a herança são tipicamente transmitidos pelo lado materno, ou seja, tratam-se de sociedades matrilineares. A figura masculina que se responsabiliza pelas crianças, promove sua educação moral e assume a identidade de pai é o irmão da mãe, cujo parentesco com elas é garantido. As ligações mais importantes se dão entre irmão e irmã e não entre marido e esposa. O parceiro sexual da mulher assume poucas responsabilidades, e está mais para um namorado que para um marido.
As sociedades matrilineares não necessariamente têm que estar próximas do pólo matrifocal. Em geral o irmão da mãe representa a autoridade familiar, utilizando sua irmã ou sobrinha como objeto de troca em suas articulações políticas. Isto implica que ainda exista formação de casais e, conseqüentemente, restrição ao sexo. Mas o que parece ocorrer à medida que a política se torna mais fraca e o sexo se torna mais livre é que tanto a instituição matrimonial quanto a autoridade do irmão vão perdendo importância, até praticamente desaparecerem. Assim, as mulheres — organizadas em famílias compostas por irmãs, mães e tias — passam a ser o centro da vida social, sendo visitadas por vários amantes ou namorados. Os homens, por sua vez, são marginalizados, perdendo os vínculos com a atividade nuclear da espécie. Como observou Lionel Tiger, eles se tornam alienados dos meios de reprodução.
Geoffrey Miller, como forma de respaldar sua teoria que procura explicar a evolução da mente humana como produto da escolha da fêmea, defende que ao longo da evolução humana as sociedades encontravam-se neste extremo. Embora seja improvável que isso tenha ocorrido, suas observações ilustram como poderia ser a situação dos homens em uma sociedade na qual a política não exercesse nenhuma influência na determinação dos acasalamentos:
Como em todos os outros primatas, a unidade social básica entre nossos ancestrais era a mãe e seus filhos. As mulheres agrupavam-se para a obtenção de ajuda e proteção. Os hominídeos masculinos (...) eram provavelmente marginais, admitidos no grupo de mulheres apenas com o consentimento destas. Multidões de jovens homens solteiros provavelmente perambulavam pela terra em suas esquálidas e sexualmente frustradas vidas, esperando que, eventualmente, algum grupo de mulheres os aceitasse.13
O extremo matrifocal implica que não existe sociedade no sentido que Lévi-Strauss definiu o termo, isto é, sistemas de alianças políticas formadas através da troca de mulheres entre famílias. O que temos são famílias independentes, e mulheres praticando sexo casual ou namoro com vários homens, que empregam as mais variadas estratégias, do pagamento de recursos à paixão, para ter acesso a elas. Sendo as mulheres sexualmente livres, é improvável que os homens se arrisquem em lutas políticas pelo monopólio sexual feminino. É melhor investir energia fazendo sexo com o maior número de mulheres possível. Trata se, portanto, de um sistema semelhante ao dos bonobos, no qual as fêmeas são o sexo dominante. (Isso não quer dizer que neste sistema não haja agressividade entre machos, apenas que os conflitos foram transferidos da geração diplóide para a haplóide, ocorrendo no interior das mulheres, onde exércitos de espermatozóides rivais se encontram em grandes batalhas silenciosas.)
Uma outra importante diferença entre os dois sistemas ocorre na negociação do acasalamento. Nas sociedades patrifocais esta negociação é feita entre dois homens que trocam mulheres (filhas, irmãs ou sobrinhas), ou seja, os homens detêm o controle dos acasalamentos e as mulheres são vistas como suas propriedades. Já nos sistemas matrifocais a negociação sexual é feita diretamente com as mulheres, e, devido às vantagens que elas possuem nas negociações sexuais (como já vimos, no sexo a moeda feminina vale mais que a masculina), elas detêm o poder de definir os acasalamentos. Neste sistema as mulheres são donas de seus próprios corpos, utilizando-os como bem entendem em suas negociações sexuais. Elas avaliam as ofertas em recursos materiais, os indicadores de qualidade genética, e o grau de comprometimento dos homens e selecionam os mais interessantes para acasalar.
Em uma ordem patrifocal, a realização de um homem passa por possuir suas mulheres, exibindo-as para os outros homens como uma demonstração de status, portanto, é uma realização mais política que sexual, e mais voltada para o masculino que para o feminino (é comum dizer que o sexo matrimonial é desinteressante e rápido, o que pode refletir sua baixa importância nos sistemas patrifocais). Mesmo a atividade sexual pode estar mais centrada no prazer masculino e ligada a uma relação de dominação, na qual o homem possui sexualmente sua mulher. No sistema matrifocal, por outro lado, o sexo está mais centrado no prazer feminino, e a realização sexual do homem passa por dar prazer à mulher, pois o que determina sua aptidão genética é sua competência sexual, ou o grau de atenção, carinho e paixão que ele oferece a sua parceira.
Uma outra interessante comparação entre os dois pólos diz respeito a infantilização do parceiro sexual. Em direção ao pólo matrifocal parece ocorrer uma progressiva infantilização dos homens à medida que eles deixam de ser autoridades sociais e passam a ser mulherengos, sedutores e apaixonados. Já em direção ao pólo patrifocal parece ocorrer uma progressiva infantilização das mulheres à medida que elas se tornam esposas meigas e submissas.
As coisas, porém, não são tão simples. Isto porque existe um terceiro grupo na sociedade cujos anseios ainda não foram considerados. Trata-se do grupo dos jovens homens. Como vimos, antes de ser uma tentativa de subjugar as mulheres, as alianças políticas patrifocais podem ser uma forma de subjugar os jovens homens, afastando-os do sistema reprodutivo.
Uma ordem política regulando os acasalamentos interessa menos aos jovens que às mulheres, pois embora estas últimas não tenham poder para definir com quem irão acasalar, elas podem pelo menos fazer sexo, e com homens de elevada posição social. O dilema dos jovens, como já vimos, é que apesar deles não terem acesso às mulheres, eles sabem que um dia se tornarão adultos e herdarão o controle do sistema reprodutivo, manipulando-o para seus próprios fins. Este dilema pode atormentá-los, mas na maior parte das sociedades eles acabam demonstrando submissão às regras sociais. Porém, sempre existirão forças tentando-os a subverter o sistema político de modo que tenham acesso direto às mulheres. Um incentivo para isto é que não existe nenhuma garantia de que eles sobreviverão até a idade adulta. Em algumas sociedades os homens recebem suas primeiras esposas aos quarenta anos. Para um jovem de dezesseis, pode ser tempo demais para esperar, até porque a mortalidade entre jovens é grande. Talvez a melhor estratégia seja tentar subverter a ordem política quando jovem, e quando adulto tentar restabelecê-la.
Como seria a sociedade no extremo jovem do comportamento político-sexual? É difícil caracterizar este sistema de uma forma purificada; talvez, para abordá-lo, devamos colocá-lo no contexto dos outros sistemas já discutidos. Como interessa tanto aos jovens quanto às mulheres que a ordem política seja enfraquecida, estes dois pólos são, pelo menos em parte, aliados, e por isso iremos tratar inicialmente da relação entre eles.
Uma forma de interpretar o pólo dos jovens é vê-lo como um sistema sem formação de casais no qual todos são livres para fazer sexo com quem bem entenderem. O problema deste sistema é que dificilmente as mulheres serão receptivas a qualquer homem, e, assumindo se tratar de uma ordem na qual não há formação de casais, não haverá problema em muitas mulheres acasalarem com os poucos homens de melhor qualidade, como fazem muitos animais. Desta forma, este sistema poderia ser ainda mais excludente que o patrifocal, no qual a política existe em parte para conter a competição masculina, distribuindo as mulheres de forma mais equilibrada entre os homens. Os elementos que contestaram as desigualdades patrifocais, como vimos, foram as armas, a linguagem e as estratégias de agressividade grupal, que deram aos mais fracos poder permitindo-os enfrentar os mais fortes. Não existe, no entanto, um equivalente desses elementos quando os quesitos a serem considerados não são a força, e sim a qualidade genética ou as riquezas materiais. Em um sistema de sexo livre, portanto, alguns poucos homens bonitos, sedutores ou ricos teriam acesso a todas as mulheres, deixando a maior parte dos outros — adultos e jovens — sem mulher alguma.
A forma com que os homens de mais baixo valor têm para contornar esse problema é recorrer ao compromisso, expresso através da paixão. Através da demonstração de interesse exclusivo por uma mulher esses homens elevam o valor de suas moedas sexuais podendo assim competir com os melhores amantes e os homens mais bonitos e ricos. Uma mulher pode decidir que acasalar com os homens de mais alto valor não é a melhor opção pelo fato deles estarem muito ocupados acasalando com todas as mulheres, não podendo, portanto, dar atenção especial a ela. Assim, um homem com qualidades um pouco mais baixas, mas que demonstre compromisso, pode ser uma melhor opção de acasalamento.
Quando esta estratégia começa a ser adotada, estamos nos aproximando do pólo matrifocal como descrito inicialmente, o que mostra as estreitas ligações entre esses dois sistemas de acasalamento (por serem ambos dependentes da escolha da fêmea, iremos considerá-los como diferentes aspectos do sistema matrifocal). Assim, podemos entender melhor a questão levantada anteriormente a respeito da estabilidade ou efemeridade dos casais nos sistemas matrifocais. As ligações serão mais efêmeras à medida que o valor do homem for mais alto, e o da mulher, mais baixo, e mais duradouras à medida que ocorrer o oposto. No primeiro caso os homens tenderão ao amante, e as mulheres, à prostituta, enquanto no segundo ambos tenderão ao namoro. Um homem também pode estar apaixonado por uma mulher de modo a aumentar o valor de sua moeda sexual, e depois de uma inseminação bem sucedida perder o interesse e abandoná-la. As tensões entre jovens e mulheres constituem uma segunda frente de batalha na guerra dos sexos — talvez, por ser travada sem regras, mais brutal que a primeira.
Evidentemente, beleza e riqueza são valores relativos, pois dependem de uma comparação com os outros membros da sociedade. O indivíduo procura ajustar seu comportamento sexual para a estratégia mais eficiente dadas as suas qualidades e as condições do ambiente social. O comportamento independente de cada indivíduo tentando otimizar sua aptidão evolutiva leva a sociedade a um ponto de equilíbrio no qual todas as estratégias se compensam, como prevê a teoria das estratégias evolucionárias estáveis, proposta por Maynard Smith. Neste ponto de equilíbrio, as diferentes estratégias de acasalamento atingem proporções estáveis, pois nenhuma delas pode desbancar as outras sem que haja perda de sua própria aptidão evolutiva.14
O ponto de equilíbrio, no entanto, não é um valor estático; ele pode variar de acordo com fatores ambientais. Um desses fatores é a proporção entre homens e mulheres. De acordo com David Buss, quando existe escassez de homens a moeda sexual masculina passa a valer mais. Assim, os homens não precisam recorrer ao compromisso como forma de aumentar o seu valor, e a estratégia do sexo livre prolifera. O valor das mulheres também não estará tão alto quanto estaria em uma sociedade mais balanceada, e elas tenderão a uma maior permissividade sexual. Um outro importante determinante do ponto de equilíbrio é a disponibilidade de recursos. Existem evidências de que em ambientes generosos, onde as mulheres podem conseguir grande parte dos recursos por conta própria, elas tendem ao sexo casual, enquanto que em ambientes inóspitos, onde a alimentação se torna altamente dependente da caça (e, conseqüentemente, do sexo masculino), elas tendem a formar casais. O deslocamento em direção ao pólo matrifocal também parece ocorrer quando a distribuição de recursos independe da posição social que cada indivíduo ocupa (este pode ser um dos fatores que explica a grande independência das mulheres escandinavas). Por outro lado, quando a posição social é um forte determinante na distribuição de recursos, a sociedade se desloca para o pólo patrifocal. Também é possível que em ambientes fechados, onde se pode fazer sexo na clandestinidade, a sociedade se desloque para o pólo matrifocal, enquanto que em ambientes abertos, nos quais é possível ter controle de tudo que ocorre, ela se desloque para o pólo patrifocal.
E como ficam os jovens em um sistema patrifocal? É mais difícil neste sistema admitir a flexibilidade entre compromisso e sexo casual presente nos sistemas matrifocais, pois a formação de casais é regulada por rígidos contratos, e não pela volatilidade dos sentimentos. Mas, como vimos, é possível que os jovens consigam acasalar com as mulheres na clandestinidade. Formalmente os acasalamentos ocorrem apenas entre maridos e esposas, mas secretamente alguns “jovens” podem agir como amantes acasalando com as esposas dos homens adultos (colocamos “jovens” aqui entre aspas porque, em princípio, qualquer homem pode recorrer a esta estratégia). Alguns podem recorrer até mesmo à paixão como forma de obter atenção das esposas, resultando na conhecida relação romântica entre os jovens e seus amores impossíveis pelas mulheres dos machos dominantes.
Assim, podemos pensar que as sociedades reais, embora aparentemente patrifocais, são na verdade uma sobreposição de um sistema público patrifocal, e um clandestino jovem/matrifocal. Devido à conciliação da estabilidade fornecida pelos contratos sociais, e da flexibilidade sentimental das relações clandestinas, este é talvez o sistema no qual os conflitos sejam mais atenuados. Dentro de uma ordem patrifocal pode haver até mesmo espaço para expressões matrifocais legítimas, embora informais. Em muitas culturas, mesmo que os casamentos sejam arranjados pelos patriarcas, os envolvidos podem ser consultados, especialmente sobre quesitos como beleza e compatibilidade sentimental. De um modo geral, quanto mais permeado por afeto e sexo for o casamento, mais influências matrifocais terá o sistema. Muitas culturas também podem recorrer ao divórcio ou circulação de esposas como forma de promover variabilidade sexual.
Como a formação de casais é importante para as mulheres, pode ser interessante para elas ter o casamento assegurado por um contrato social imune às instabilidades dos sentimentos, ainda mais quando elas podem acasalar na clandestinidade com amantes. Por parte dos maridos, pode ser interessante que haja espaço para relações clandestinas, contanto, é claro, que eles sejam os amantes, e que nenhum homem almeje suas esposas como alvo de sedução. Mesmo os anseios dos namorados podem ser satisfeitos neste sistema quando se formam laços afetuosos dentro da instituição matrimonial. Quanto à prostituta, assumindo que haja liberdade para se expressar, ela pode se beneficiar das restrições que são colocadas sobre a sexualidade da maioria das mulheres. Em um sistema matrifocal, como todas as mulheres são livres para negociar no mercado sexual, todas elas podem ser vistas como concorrentes da prostituta, e a competição entre elas se torna elevada.
A organização do sistema reprodutivo como descrita acima, portanto, parece promover uma relativa harmonia entre homens e mulheres, sejam eles maridos, amantes, namorados(as), esposas ou prostitutas. Tal constatação faz sentido quando pensamos ser provavelmente esta a condição da maior parte das sociedades durante a evolução humana. Na verdade, é questionável até que ponto o extremo matrifocal é bom para as mulheres, ou o patrifocal é bom para os homens, e se um ou outro pode ser alcançado, trata-se de uma anomalia social.
Para tudo isso não ficar muito teórico, citamos uma sociedade real como exemplo de como esses diferentes sistemas sociais se misturam. Os mangaianos, na puberdade, entram em atividade sexual com vários parceiros, e “o grau de paixão que eles experimentam está relacionado ao domínio das técnicas sexuais, e não ao envolvimento emocional. Os garotos competem entre si para acasalar com o maior número possível de garotas, e para induzir nelas o maior número de orgasmos.”15 Quanto aos casamentos, eles são arranjados pelos pais, e os fatores a serem considerados dizem respeito à economia e parentesco. Pouca afeição existe entre os casais e o conceito de amor é inexistente na cultura mangaiana. Quanto ao sexo matrimonial, “o homem casado já não dá mais importância ao número de vezes que ele leva sua parceira ao orgasmo, e sim ao fato dele poder fazer sexo todas as noites com ela.”16 Os maridos têm direitos sexuais sobre suas esposas, e caso elas lhes recusem sexo, eles podem “convencê-las” através de agressões físicas.
Embora nesta cultura não exista o envolvimento emocional típico dos sistemas matrifocais, os sistemas jovem e patrifocal não poderiam estar mais bem representados. Jovens se engajam em ampla atividade sexual (não clandestina, porém informal) com um elevado número de parceiros, e, por parte dos garotos, sua satisfação sexual é dada pelo prazer que eles conseguem induzir em suas parceiras. Adultos, por outro lado, se engajam em relações com pouquíssimo envolvimento emocional, e cuja principal ênfase está em seus aspectos econômicos e formais. Por terem o monopólio sexual das esposas legitimado por contratos sociais, os homens adultos não precisam recorrer à sedução como forma de ter acesso sexual às mulheres, podendo fazer sexo com elas quando quiserem. Embora em outras culturas outros padrões sejam verificados, os elementos do modelo aqui apresentado são recorrentes.
Podemos dizer que a agressividade (em geral sob a forma de política) desloca a sociedade para o pólo patrifocal, enquanto o sexo a desloca para o pólo matrifocal; ou, de uma outra forma, que o amante e a esposa adúltera são os agentes que deslocam a sociedade para o pólo matrifocal, enquanto o marido e a esposa fiel são os agentes que a deslocam para o pólo patrifocal.
A presença ou ausência de um pai durante a infância pode ser outro importante fator na determinação do comportamento sexual. No caso das mulheres, a ausência de pai indicaria uma sociedade na qual os homens não assumem compromisso, portanto, não vale a pena se resguardar a espera de um marido. Assim, as meninas tendem à independência e antecipariam a puberdade, pois é melhor entrar desde cedo em atividade sexual de modo a conseguir favores temporários do maior número possível de homens. A contrapartida também é verdadeira: Meninas que crescem com a presença de um pai podem formar laços com ele que serão transferidos na idade adulta para um marido. Essas meninas tendem ao recato e adiam a puberdade de modo a se resguardarem para os mais interessantes. Suas ligações com o pai também podem contribuir para a infantilização de seus relacionamentos na idade adulta.
No caso dos homens, um pai enfraquecido ou ausente pode levar o menino a estabelecer laços mais fortes com a mãe, que na idade adulta seriam transferidos para outras mulheres levando-o a se tornar um amante mulherengo ou namorado. Estas figuras, como vimos, não se realizam através de relações políticas masculinas, e sim através de relações sexuais e afetuosas com as mulheres. O motivo é que em uma ordem matrifocal os homens obtêm poucas vantagens formando coalizões políticas com outros homens. Assim, é melhor ir direto ao que interessa: as mulheres. Já a presença de um pai poderia fazer o menino estabelecer laços tipicamente masculinos com esta figura levando-o na idade adulta a se integrar em uma ordem política, na qual os laços sociais são essencialmente masculinos. A forte misoginia que ocorre em muitas culturas pode ser uma forma dos homens se protegerem das influências femininas, que tenderiam a levar a sociedade em direção ao pólo matrifocal.
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Esta teoria foi apresentada inicialmente no livro Em busca de uma nova ordem, de 2003. Seu objetivo era servir como ferramenta para uma análise das sociedades desenvolvidas, que, segundo as idéias apresentadas no livro, estão se aproximando perigosamente do extremo jovem/matrifocal, situação que pode gerar muito desentendimento, conflito e frustração em ambos os sexos. As notas bibliográficas podem ser consultadas na bibliografia do livro, que se encontra aqui.
NOTAS
1. Para resolver uma discussão entre Hera e Zeus sobre qual dos dois sexos sente mais prazer durante o ato sexual, Teiresias teve que viver durante anos como mulher, e depois relatar os resultados de sua experiência. Sua conclusão foi que a mulher sente mais prazer.
2. Pinker, p. 497.
3. Buss, p. 69.
4. Pinker, p. 514.
5. Symons, p. 231.
6. Austen, Vol. 1, Cap. 5.
7. Este assunto é discutido em um outro ensaio que disponibilizei na web, Ensaio sobre o cultural, o social e o biológico.
8. Este assunto é discutido em outro ensaio que disponibilizei na web, A condição masculina.
9. de Waal.
10. Tiger, 1987, p. 40-3.
11. Wilson, 1978, p. 137.
12. Idem.
13. Miller, p. 209.
14. A teoria das estratégias evolucionárias estáveis pode ser exemplificada utilizando a dinâmica entre namoradas e prostitutas. Devido às amplas vantagens do investimento paterno na prole, a maior parte das mulheres irá optar por fazer sexo dentro de uma relação com compromisso. Porém, em uma sociedade na qual todas as mulheres estão comprometidas, uma prostituta vale muito, pois a promiscuidade masculina irá assegurar que os homens pagarão altos preços pelos favores sexuais de uma mulher livre. Assim, as mulheres começarão a adotar a estratégia da prostituta como forma de explorar esse rico nicho do mercado sexual. Mas à medida que esta estratégia prolifera, a competição entre prostitutas aumenta e o valor delas cai. Assim, a estratégia da namorada passa a ser mais interessante. De acordo com a teoria, essas duas estratégias tendem a convergir para um ponto estável no qual nenhuma pode avançar sobre a outra sem que haja perda sua própria aptidão evolutiva. Em O gene egoísta, utilizando valores arbitrários, Richard Dawkins calculou que 1/6 das mulheres de uma sociedade optariam pela estratégia da prostituta, e 5/6 pela namorada. (Na verdade, ele considerou a segunda estratégia como a da esposa, e não da namorada. Estamos aqui tomando uma visão ligeiramente diferente. Falar de esposas implica em falar de casamento, o que implica em falar de política, algo que não está sendo considerado neste modelo.)
15. Symons, p. 110-1.
16. Symons, p. 113.
http://novaordem2003.googlepages.com/politico-sexual.htm