Quem
vê cara vê tudo
Por: Fernanda Colavitti
Mais do que simples caretas, as expressões faciais
são mecanismos evolutivos essenciais à sobrevivência
de nossa espécie. Demonstrar os sentimentos pode ser útil
Fernanda Colavitti
Você consegue identificar um sorriso forçado,
lágrimas de crocodilo ou qualquer outra emoção
fingida, mesmo em pessoas desconhecidas? Com um pouco de treino isso
é perfeitamente possível. A maioria das nossas emoções
gera sinais característicos involuntários, cuja função
é justamente mostrar aos outros como estamos nos sentindo - mesmo
quando tentamos disfarçá-los. É o que mostra o
psicólogo norte-americano Paul Ekman, considerado o maior especialista
em expressões faciais, no livro "Emotions Revealed"
(Emoções Reveladas), recém-lançado nos Estados
Unidos e ainda sem tradução no Brasil.
Após pesquisar o tema por 40 anos entre culturas
diferentes, como EUA, Japão, Brasil e Nova Guiné, Ekman
endossou a teoria proposta pelo inglês Charles Darwin (1809-1882)
no livro "A Expressão das Emoções no Homem
e nos Animais", publicado em 1872. A obra diz que algumas emoções,
e as expressões relacionadas a elas, são universais, ou
seja, todas as pessoas já nascem capazes de fazê-las e
identificá-las. Por isso são chamadas de primárias.
São elas: raiva, nojo, tristeza, alegria, medo, surpresa e desprezo.
Para cada um desses sentimentos, Ekman listou os movimentos musculares
do rosto e, em alguns casos, até mesmo alterações
fisiológicas que os denunciam.
As representações mentais das situações
que desencadeiam cada emoção também são
inatas. As hipóteses mais aceitas são de que todo ser
humano tem armazenado na memória um esboço geral dos eventos
que estimulam cada emoção. Para causar medo, por exemplo,
o tema seria qualquer tipo de ameaça de ferimento. Para tristeza,
uma perda importante.
Que cara é essa?
Para saber o que uma pessoa está sentindo, basta
prestar atenção aos sinais enviados pela face
1. TRISTEZA
Os cantos internos das sobrancelhas se levantam e
se encostam - um dos mais confiáveis sinais, pois poucos conseguem
fazer o movimento voluntariamente
Surge uma ruga vertical na testa, entre as sobrancelhas
As pálpebras superiores ficam levemente caídas
Os cantos dos lábios se inclinam para baixo
As bochechas se levantam e produzem marcas de expressão que vão
do redor das narinas até os cantos exteriores dos lábios.
O músculo que levanta as bochechas produz essas marcas e levanta
a pele abaixo dos olhos, que ficam mais estreitos
Sinais físicos e fisiológicos: há perda da força
muscular e a postura fica encurvada
2. RAIVA
Os lábios se apertam levemente e ficam mais estreitos - um dos
mais importantes sinais, muito difícil de inibir e denuncia a
raiva mesmo quando não há outros indícios
A boca fica aberta e os lábios em forma de retângulo
As sobrancelhas se aproximam e se abaixam em direção ao
nariz
Os olhos ficam bem abertos e as sobrancelhas se aproximam das pálpebras
superiores
Sinais físicos e fisiológicos: há um impulso de
se aproximar do que ocasionou
a emoção. A circulação sanguínea
nas mãos aumenta, tornando-as mais quentes
e preparando-as para golpear o objeto da raiva. A transpiração
fica intensa e a pessoa ofegante. A sensação inclui sentimento
de pressão, tensão e calor
A freqüência cardíaca e a pressão sanguínea
aumentam. O rosto fica ruborizado
Se a pessoa não está falando, há uma tendência
em ranger os dentes e empurrar o queixo para frente
3. MEDO
As pálpebras superiores se levantam e as inferiores ficam levemente
contraídas
As sobrancelhas se levantam e se juntam
A testa levanta e surgem rugas horizontais
O queixo fica caído e os lábios puxados horizontalmente
Sinais físicos e fisiológicos: a circulação
sanguínea aumenta nas pernas, deixando as mãos geladas.
Os músculos das pernas se preparam para correr
A transpiração aumenta e a pessoa fica ofegante. Há
um impulso de ficar imóvel, para não ser detectado, ou
correr para evitar o ferimento
4. ALEGRIA
Os cantos da boca são puxados para os lados e para cima (sorriso)
A principal diferença entre o riso forçado e o espontâneo
é a contração do músculo ao redor dos olhos,
que forma pés-de-galinha
Os olhos se fecham levemente (ficam entreabertos)
As bochechas se levantam e as sobrancelhas se abaixam levemente
Sinais físicos e fisiológicos: a risada que ocorre durante
um divertimento intenso produz movimentos corporais repetitivos e espasmos
5. NOJO
Há um impulso de se afastar do objeto. As pessoas tendem a virar
a cabeça, se o alvo é visual e vomitar se é olfativo
ou gustativo
O lábio superior se levanta o máximo possível.
O lábio inferior também se ergue e se projeta levemente
para frente. Surge uma fenda, que vai do redor das narinas até
os cantos dos lábios, em forma de "u" invertido
As narinas se levantam e aparecem marcas de expressão do lado
do nariz
Pés-de-galinha ficam visíveis ao redor dos olhos
6. SURPRESA
Os olhos se abrem o máximo possível e as sobrancelhas
se levantam
Surgem rugas horizontais na testa
A boca fica aberta e o queixo caído
Na surpresa e admiração há uma fixação
de atenção no objeto da emoção
7. DESPREZO
O queixo se eleva
A pessoa olha para o alvo da emoção como se estivesse
enxergando-o por baixo do nariz
Os cantos dos lábios se apertam e um dos cantos da boca fica
levemente levantado - essa é a expressão mais típica
de desprezo
Galileu agradece ao ator Daniel Tavares pela participação
no ensaio fotográfico
Outra possibilidade é a de que aquilo que fica
armazenado no cérebro não é tão genérico,
mas um acontecimento específico. Nesse caso, o medo seria desencadeado
por uma situação concreta, como a ameaça de um
objeto vindo em alta velocidade em nossa direção. Para
tristeza, a perda de um ente querido.
Esses temas são inatos. Somente suas variações
são aprendidas. Por exemplo: automóveis não faziam
parte do ambiente dos nossos ancestrais. Um carro vindo em nossa direção
não é um tema universal, mas uma variação.
Ekman descobriu que o aprendizado constante da espécie
não explica, por exemplo, por que expressões faciais exibidas
por crianças que nascem cegas são iguais a de crianças
com visão normal. Também não consegue esclarecer
por que alguns sentimentos provocam diferentes modificações
fisiológicas. Foi o que levou o especialista à conclusão
de que a herança evolutiva é a principal responsável
pela configuração de nossas respostas emocionais.
Os sentimentos sobre os quais a ciência tem mais
conhecimento são a tristeza, o medo e a raiva, pois são
os que podem causar maiores prejuízos ao homem. O objetivo de
sinalizar tristeza, por exemplo, seria atrair o apoio de outras pessoas.
A morte de um filho foi identificada como um tema universal
para o sentimento. Nenhum outro evento causa desalento tão intenso
e prolongado, segundo Ekman.
A raiva adverte os outros de que estamos contrariados.
Se uma pessoa é a causa da fúria, nossa expressão
sinaliza que tudo o que ela fizer será desagradável. A
mensagem é clara: afaste-se. A situação mais efetiva
para desencadear a ira é a interferência física.
A raiva é útil para reduzir o medo e
fornecer energia para lidar com a ameaça. Também pode
ser uma escapatória à depressão. O desapontamento
sobre como as pessoas agem em relação a nós também
pode causar rancor.
E é geralmente no parceiro em quem acabamos
descontando toda nossa ira. Mas não é por implicância.
O motivo é evolutivo: é mais seguro demonstrar nossa raiva
para alguém íntimo, cuja reação será
mais previsível.
O medo nos protege. Sinalizá-lo também
pode servir para alertar os outros do perigo. Ekman explica que nossa
vida pode ser salva porque somos capazes de responder instintivamente
a ameaças de ferimento. Esse é o tema que desencadeia
todos os "gatilhos" do medo. As variações podem
ser qualquer coisa que aprendemos que pode nos machucar. Estudos sugerem
que a evolução favoreceu duas ações diferentes
para os momentos de temor: fugir ou reagir. A ameaça imediata
leva a uma ação rápida, como "congelar-se"
ou fugir, enquanto a iminente aumenta a vigilância e a tensão
muscular.
Caretas vitais
Pode parecer frescura, mas achar algo asqueroso é
uma proteção evolutiva. É o que nos mantém
longe de atividades perigosas, como comer algo podre, ou de comportamentos
socialmente reprováveis.
O mecanismo central do nojo envolve a ingestão
de algo considerado ofensivo e infectado - contaminação
oral. Esse provavelmente é o tema universal do sentimento, ainda
que haja grandes diferenças culturais sobre o que é uma
comida repulsiva - não há nenhum problema em comer cachorro
e insetos na China, por exemplo.
O mais potente gatilho para o nojo são excreções
corporais. O sentimento se desenvolve entre 4 e 8 anos de idade. Ekman
cita uma pesquisa que distinguiu o nojo pessoal, ou aprendido, do central.
Foram listados quatro grupos de temas aprendidos: o estranho, a doença,
a tragédia e a moral.
Para saber qual o mais recorrente, o psicólogo
pediu para estudantes descreverem a experiência mais nojenta que
alguém poderia vivenciar.
A contaminação oral foi descrita somente
por 11% dos entrevistados. O tema mais citado (62%) foi o moral - a
maioria referente a ações sexuais reprováveis,
como transar com crianças.
Os outros exemplos (citados por 18%) foram de repulsão
física, como ver um corpo repleto de vermes. Os resultados sugerem
que, para os adultos, a repulsa moral é mais forte do que o tema
central da incorporação oral.
As emoções, portanto, estão longe
de ser meros chiliques, ou acessórios, que poderíamos
remover a qualquer momento, sem maiores prejuízos. São
mecanismos evolutivos fundamentais à sobrevivência da nossa
espécie."As pessoas não comeriam se achassem nojento
o único alimento disponível. Não fariam sexo sentindo
medo ou raiva. O desespero e a falta de alegria podem levar as pessoas
até mesmo a tirar as próprias vidas", resume Ekman.
Macacos também reconhecem expressões
divulgação
Herança
Macacos resus exibem fisionomia amigável (acima) e de ameaça
Os homens não são os únicos capazes de relacionar
sons a expressões faciais. Um estudo publicado em junho na revista
científica "Nature" mostra que macacos resus têm
a mesma habilidade.
A descoberta sugere que herdamos a aptidão de
nossos ancestrais primatas. Os pesquisadores perceberam que esses macacos
produzem uma variedade de sons em resposta a diferentes situações.
Cada um com uma expressão facial relacionada.
Animais em perigo, por exemplo, emitem um som agudo, ao mesmo tempo
em que abrem bem os olhos e a boca e abaixam as orelhas.
Participaram do experimento 11 primatas adultos. Primeiro
foram exibidos aos animais vídeos silenciosos com macacos em
situações amigáveis e de ameaça. Depois,
diante das imagens, eles ouviram uma pista sonora correspondente a uma
das expressões. Ao escutar o som, os símios identificaram
a expressão facial correspondente. Crianças que ainda
não aprenderam a falar reagem de forma similar.
Para ler
"Emotions Revealed", Paul Ekman. Weidenfeld
& Nicolson. 2003