Natureza x Criação
Por: Kristin Ohlson da "New Scientist"

Mais de 2.000 gêmeos e milhares de espectadores curiosos participaram dos Dias dos Gêmeos deste ano, o maior encontro de gêmeos do mundo, realizado anualmente em Twinsburg, Ohio. A cidade teve a idéia de criar o evento, ótimo para atrair turistas, 27 anos atrás, para comemorar os gêmeos famosos que lhe deram seu nome: os irmãos Wilcox, mortos há muitos anos, que se casaram com irmãs e morreram no mesmo dia, da mesma causa. Este ano, como em outros, pares de gêmeos vieram de longe e de perto para ostentar sua semelhança. Havia desde menininhas vestidas como pirulitos do mesmo sabor até senhores de cabelos grisalhos, passeando numa bicicleta feita para duas pessoas.

Onde se vêem grupos de gêmeos, também se vêem pesquisadores médicos. No final da parada, os gêmeos formaram fila para entrar numa área repleta de barracas de comida, entretenimento -e cientistas. Algumas das barracas de pesquisa ofereciam brindes a quem topasse participar; outras chegavam a oferecer dinheiro. De qualquer maneira, os gêmeos se mostravam ansiosos por participar, e havia longas filas para entrar e sair das barracas. Dez equipes montaram estandes para registrar os nomes de voluntários para participar de estudos sobre gêmeos, a maneira clássica de investigar se uma característica médica ou psicológica específica é determinada pela natureza ou pela criação.

É uma ferramenta de pesquisa que está vivendo uma explosão de popularidade. Hoje em dia, os estudos de gêmeos são usados para calcular até que ponto pode ser herdado tudo, do câncer de mama às posições políticas. No ano passado, por exemplo, pesquisadores do hospital St. Thomas, em Londres, declararam que um aspecto chave da facilidade para a música, a percepção tonal, se deve em 76% a nossos genes. Jornalistas tiraram disso a conclusão de que as aulas de música são perda de tempo para certas crianças.

Um sinal da popularidade do campo é a existência de cerca de 20 importantes registros de gêmeos em todo o mundo, incluindo um que abrange 150 mil pares de gêmeos. Em março, a Comissão Européia e outros organismos receberam uma verba de US$ 18 milhões para unir sete bancos europeus de gêmeos num megarregistro composto de 600 pares, que será usado para estudar a obesidade, os acidentes vasculares cerebrais e a enxaqueca, entre outras doenças.

Mas nem todos vêem os estudos de gêmeos com bons olhos, e algumas pessoas são abertamente hostis a eles. Os críticos afirmam que toda a discussão de natureza versus criação é equivocada e seria motivada por pessoas que querem provar que as desigualdades sociais se devem a nossos genes, não a nossa cultura. E eles a desafiam também por motivos mais fundamentais. Indagar se uma característica se deve à natureza ou à criação não faz sentido, dizem, já que quase todas as características são afetadas por ambos os fatores. Seriam os estudos de gêmeos, uma invenção do século 19, suficientemente sofisticados para pesquisar tais interações na era da biologia molecular e do projeto Genoma Humano?

Afinal, o esquema clássico do estudo de gêmeos ainda é muito básico. Os cientistas analisam dois grupos: os gêmeos idênticos (ou univitelinos), que vêm do mesmo óvulo fertilizado e compartilham todos os genes, e os fraternos (ou bivitelinos), que nascem de dois óvulos diferentes e têm em comum só metade de seus genes.

Se os gêmeos idênticos forem mais semelhantes entre si do que os fraternos, os pesquisadores concluem que a hereditariedade exerce um papel na característica estudada, papel esse cuja magnitude eles podem estimar. O cientista britânico Francis Galton deu início aos estudos de gêmeos, há mais de cem anos. Seus estudos o levaram à conveniente conclusão de que, por trás da hegemonia das classes altas britânicas, havia inteligência herdada, e tomaram um rumo mais sinistro quando ele pediu a criação de programas governamentais para incentivar pessoas de talento a se reproduzirem como coelhos e dissuadir os indivíduos sem dons de ter filhos. Depois da 2ª Guerra Mundial, o psicólogo londrino Cyril Burt estudou gêmeos idênticos criados separadamente e constatou que seus QIs eram muito semelhantes, apesar das diferenças entre eles em termos dos ambientes socioeconômicos nos quais tinham sido criados. Durante algum tempo, a natureza ficou por cima na discussão ente natureza e criação -até que o psicólogo americano Leon Kamin declarou fraudulento o trabalho de Burt. Descobriu-se que, independentemente do número de grupos de gêmeos que Burt afirmasse ter estudado, as cifras que ele apresentava em favor da influência genética se mantinham iguais -resultado altamente improvável, em termos estatísticos. Kamin mantém até hoje sua postura crítica em relação aos estudos de gêmeos, embora outros pesquisadores tenham voltado a endossá-los. ""O consenso atual não é tanto uma função do "poder" dos estudos, quanto da ideologia prevalecente", diz Kamin. Ele receia que as estimativas quanto ao grau em que a inteligência é herdada sejam exploradas para difundir a idéia de que investir em educação para pessoas de QI baixo é uma perda de dinheiro público.

Colegas de útero

Outra crítica feita aos estudos de gêmeos é que as semelhanças entre gêmeos idênticos podem ser causadas pelo ambiente que compartilharam no útero, alem dos genes que eles possuem em comum. A chamada ""hipótese de Barker", apresentada nos anos 1980, diz que a dieta seguida pela mulher grávida ""ensina" a seu filho sobre o ambiente que ele pode encontrar fora do útero, e, desse modo, afeta seu metabolismo e sua saúde posterior. Se uma mulher tem uma dieta deficiente, por exemplo, seu filho que ainda não nasceu passa a achar que a vida é dura e, assim, terá tendência maior a armazenar calorias sob a forma de gordura. A teoria foi ganhando corpo porque se observou que crianças com baixo peso ao nascer apresentam probabilidade maior de tornar-se adultos com sobrepeso, sofrendo de diabete e problemas cardíacos. Mas os pesquisadores de gêmeos defendem seus métodos com vigor. Os gêmeos idênticos muitas vezes apresentam diferenças de saúde geral e de peso ao nascer, mas, mesmo assim, têm índices semelhantes de ataques cardíacos e diabete, o que sugere que a hipótese de Barker não seja tão importante assim, afirmam. Em vista de tais diferenças pré-natais, é surpreendente que os gêmeos idênticos sejam tão parecidos, diz Nancy Segal, diretora do Centro para Estudos de Gêmeos na California State University, em Fullerton. Quando o assunto é ideologia, os defensores dos estudos de gêmeos afirmam que enxergar esse modelo de pesquisas como ferramenta para pessoas com visões políticas suspeitas já é superado. Robert Plomin, do Instituto de Psicologia de Londres, diz: ""As pessoas se preocupam com a genética, mas duvido que a genética fosse capaz de causar tanto dano quanto causou a mania de atribuir a culpa pelo autismo à mãe do autista", fazendo referência à hoje desacreditada teoria da ""mãe geladeira". Na verdade, é graças a estudos de gêmeos que os cientistas hoje pensam que o autismo é geneticamente determinado em cerca de 90% dos casos. ""Os estudos com gêmeos se tornaram muito importantes para modificar as percepções das pessoas quanto às causas das variações humanas e para criar agendas sociais e de pesquisas mais racionais", disse Nick Martin, diretor de epidemiologia genética do Instituto Queensland de Pesquisas Médicas, na Austrália, e editor do periódico ""Twin Research". E os estudos com gêmeos têm sido extraordinariamente úteis nas pesquisas de doenças que, de outro modo, teriam sido enigmas genéticos. Desordens de genes únicos, tais como a fibrose cística e a anemia falciforme, podem ser estudadas com relativa facilidade. Mas desordens mais comuns, tais como osteoporose, obesidade e a condição maníaco-depressiva, surgem quando as pessoas herdam vários genes ""de vulnerabilidade". Os estudos simples feitos com famílias comuns não revelam o grau de envolvimento dos genes, já que não é possível distinguir os efeitos genéticos do meio ambiente familiar. Mas os gêmeos idênticos herdam todos os mesmos conjuntos de genes, de modo que os estudos feitos com gêmeos podem revelar até que ponto essas doenças complexas se devem a fatores genéticos.

A chegada em cena de novas técnicas moleculares de estudo da genética não quer dizer que os estudos com gêmeos tenham sido superados. Na verdade, estão se mostrando mais úteis do que nunca. Agora os cientistas podem usar novas formas de estudos de gêmeos para decifrar os mecanismos precisos existentes por trás das diferenças individuais.

A dimensão do DNA

Uma técnica investiga os gêmeos idênticos que diferem numa doença ou característica específica, usando sofisticadas técnicas de disposição de DNA, com as quais é possível examinar milhares de genes com rapidez e eficácia. Os pesquisadores procuram disparidades na expressão dos genes dos gêmeos, esperando encontrar um gatilho ambiental ou uma única mutação nova que provocou a condição. Os estudos com gêmeos estão se mostrando uma ferramenta poderosa para a pesquisa de cada gene expresso, em um único par de gêmeos, quando só um deles tem determinada doença. No mês passado, por exemplo, Jeff Murray, da Universidade do Iowa, descobriu uma das causas genéticas do lábio leporino ao estudar dois gêmeos idênticos, dos quais só um tinha o problema.

A aplicação de técnicas de biologia molecular à pesquisa com gêmeos pode lançar luz sobre uma das áreas menos conhecidas da genética. Os críticos dos estudos com gêmeos às vezes acham que não faz sentido estimar o grau em que qualquer característica dada pode ser herdada, já que isso pode variar com o ambiente.

Por exemplo, calcula-se que as variações de obesidade se devam em cerca de 70% a fatores genéticos e 30% a fatores ambientais. No entanto, em regiões em que os humanos têm dificuldade para garantir sua subsistência, é muito mais provável que as pessoas sejam magras, seja qual for sua herança genética. Nesse caso, a contribuição do ambiente seria superior a 30%. E uma pessoa que tivesse sofrido uma mutação genética incomum talvez nunca engordasse, por mais que comesse. Para ela, a contribuição ambiental seria menor.

Mas os pesquisadores de gêmeos respondem que ainda é possível fazer generalizações úteis sobre o grau em que a maioria das características pode ser herdada ou não, dado o ambiente médio de uma população e seu pano de fundo genético típico. E os gêmeos estão emergindo como a ferramenta ideal para pesquisar essas interações complexas entre genes e meio ambiente.

A razão é que, sem gêmeos, é difícil separar os efeitos de genes ""normais" que afetariam diretamente o nível de uma característica dos ""genes de sensibilidade ambiental", que modificam o grau em que uma característica é sensível a influências externas. Os gêmeos idênticos quase sempre têm todos seus genes iguais, de modo que, quando um é mais gordo do que outro, isso deve ser atribuído exclusivamente a efeitos do ambiente. Se determinadas versões (""alelos") do gene X estiverem ligados a uma discordância de peso grande ou pequena, então você terá encontrado o que procura.

Um dos primeiros exemplos conhecidos desse fenômeno é a relação entre os níveis de colesterol e os grupos sanguíneos MN -uma classificação diferente do sistema mais conhecido de tipos sanguíneos ABO. Por meio de estudos com gêmeos, a equipe de Martin mostrou que pessoas do grupo sanguíneo N têm níveis de colesterol muito mais variáveis do que as do grupo M. Para as pessoas do grupo N, mudar de dieta, adotando um regime
com baixo teor de gordura -em outras palavras, uma mudança em seu ambiente- era mais eficaz para reduzir os níveis de colesterol presentes no sangue do que era para as pessoas do grupo M.

Esse trabalho parece estar a anos-luz do estudo de gêmeos clássico de Galton. Mas quem sabe se e quando todos os enigmas serão decifrados? Quando um par de gêmeas jovens em Twinsburg começou a seguir as instruções de pesquisadores que estudavam diferenças de paladar, a mãe deles, Joanie Cuff, de Buffalo, Nova York, riu enquanto as via engolir frascos de líquido e fazer caretas. Até um estudo de DNA mostrar que suas filhas eram gêmeas idênticas, ela imaginara que fossem fraternas. ""Uma delas é perfeccionista, a outra é bagunceira", ela contou. "Uma delas estuda muito, enquanto a outra não faz o dever de casa. Mas, nas provas, elas tiram as mesmas notas." E isso, como se explica?

Kristin Ohlson é jornalista free-lancer de Cleveland, Ohio
Tradução de Clara Allain

 

home : : voltar