Caro Teólogo
Por: Dan Barker

Caro Teólogo,

Tenho algumas perguntas e acho que você é a pessoa certa para responder. Tenho passado por momentos difíceis sentado aqui em cima no céu, sem ter com quem falar. Eu falo conversar, realmente. Na verdade, posso conversar com um destes muitos anjos, mas já que eles não têm livre arbítrio, e já que fui eu mesmo que criei todos os pensamentos contidos nas suas mentes submissas, eles não são parceiros muito interessantes. Claro que eu poderia falar com Jesus ou a "terceira pessoa" da nossa "Santíssima Trindade", o Espírito Santo, mas já que somos a mesma pessoa, não há nada o que aprender um com o outro. Nós não poderíamos nem jogar xadrez. Às vezes Jesus me chama de Pai e isto me faz bem, mas desde que somos a mesma pessoa e temos o mesmo poder, não faz muita diferença.

Você é uma pessoa educada. Estudou filosofia e as religiões do mundo, e você tem um preparo intelectual que lhe permite travar um diálogo com alguém do meu nível - não que eu não possa dialogar com qualquer um, mesmo com um crente não educado desses que enchem as igrejas e me aborrecem com intermináveis solicitações, você sabe como é. Às vezes temos interessantes interações com um colega. Você leu os clássicos. Escreveu artigos e livros sobre mim. Conhece-me como ninguém mais.

Você poderá estar surpreso em saber como posso ter dúvidas. Não, não são dúvidas retóricas, vindas de ensinamentos espirituais, mais dúvidas reais, provenientes de um Deus honesto. Sua curiosidade é herança minha. Você pode dizer, por exemplo, que o amor é um reflexo da minha natureza em você, não é verdade? Já que questionar é saudável, isto veio de mim. Alguém certa vez disse que deveríamos provar tudo, e sustentar firme o que há de bom. Minha primeira pergunta é esta:

De Onde Eu Vim?
Eu me vejo sentado aqui no céu, olho ao redor e percebo que nada há além de mim e dos objetos criados por mim. Não tenho conhecimento de nenhuma outra criatura que seja minha rival, e não vejo ninguém acima de mim que me tenha criado, a não ser que esta criatura esteja brincando de esconde-esconde. Em qualquer evento, até onde eu saiba (e até onde eu saiba, eu sei tudo), não há ninguém além de mim em três pessoas e a criação. Eu sempre existi, diz você. Eu não posso ter criado a mim mesmo, porque se fosse assim, eu seria maior que eu mesmo.

Então, de onde eu vim?

Sei como você aborda esta questão de acordo com sua própria existência. Você afirma que a natureza, como a mente humana, demonstra a evidência da criação. Você nunca observou uma criação separadamente do criador. Você alega que o ser humano tem que ter um criador, e você não encontrará nenhuma discordância de mim.

Então, e eu? Como você, percebo que minha mente é intrincada e complexa. É muito mais intrincada e complexa que a sua, do contrário eu não a conseguiria criar. Minha personalidade exibe características de organização e propósito. Às vezes eu me surpreendo até, de o quanto eu sou inteligente. Se você afirma que sua existência é fruto de uma criação, o que devo pensar de mim? Não sou maravilhoso? Não funciono de modo ordenado? Minha mente não é uma mistura caótica de pensamentos confusos. Ela demonstra o que você chama de evidências de criação. Se você tem de ter um criador, por que eu também não?

Você pode até achar esta pergunta uma blasfêmia, mas para mim não existe este crime. Posso perguntar o que quiser e acho isto justo. Se você alega que tudo tem de ter um criador e ao mesmo tempo afirma que nem tudo (Eu) tem um criador, não está você se contradizendo? Excluindo minha pessoa do seu argumento, não estará você trazendo sua conclusão para o seu argumento? Isto não é raciocínio circular? Não estou afirmando que discordo do seu argumento. Como eu poderia? Estou apenas questionando por que é natural que você tenha um criador, e impróprio que eu tenha um.

Se você está dizendo que eu não preciso de fazer estas indagações por que eu sou perfeito e onisciente, enquanto humanos são falíveis, então você não precisa mais do argumento da criação, não é? Você já admitiu que eu existo. Você pode afirmar isto e eu respeito sua liberdade. Este argumento a priori e circular pode ser útil e reconfortante para você, mas isto adianta muito pouco. Isto não me ajuda a saber de onde vim.

Você diz que existo eternamente e acho que não faço qualquer objeção, se eu soubesse o que isto quer dizer. É difícil para mim conceber algo de eterno. Simplesmente não dá para me lembrar tão distante. Eu levaria toda a eternidade para me lembrar de toda a eternidade, não deixando tempo para mais nada, portanto, é impossível para mim, confirmar se sou eterno. E mesmo se for verdade, por que o eterno seria maior que o temporário? Um longo sermão é maior que um pequeno sermão? O que significa "grande"? São pessoas gordas maiores que as pequenas, ou as velhas maiores que as novas?

Você diz que é importante que eu tenha sempre existido. Vou considerar o que diz, por enquanto. Minha questão não é a duração da minha existência, mas a origem da minha existência. Não vejo como ser eterno resolva o problema. Quero saber de onde vim.

Só posso imaginar uma única resposta e gostaria de saber sua opinião. Sei que existo. Sei que não poderia criar a mim mesmo. Sei também que não há um deus superior que me criou. Já que não posso olhar para cima procurando um criador, acho que devo olhar aí para baixo para procurar um. Talvez - isto é só especulação, não se aborreça comigo - talvez você tenha me criado.

Não fique chocado. Isto seria um elogio. Já que demonstro evidência de criação, e já que não vejo nenhum lugar de onde esta criação exista, sou forçado a procurar um criador na própria natureza. Você é uma parte da natureza. Você é inteligente - isto é o que seus leitores dizem. Por que não encontraria a resposta da minha pergunta em você? Ajude-me nisto.

Se você me fez, claro que eu não poderia ter feito você, acredito eu. A razão que me faz acreditar que você me fez é o fato de você me fazer acreditar que eu fiz você. Você já disse muitas vezes que um criador pusera uma mente em você. Não seria possível que você tenha colocado uma mente em mim, e agora estamos nós especulando de onde cada um veio?

Alguns de vocês têm afirmado que essas questões são mistérios que só um Deus compreende. Bem, só tenho a agradecer. A questão está justo aí. De um lado, você usa a lógica para provar minha existência, mas por outro lado, quando a lógica chega ao fim, você a abandona e invoca a "fé" e o "mistério". Estas palavras deveriam ser usadas como tábuas de salvação para fatos e verdades, mas elas não traduzem nada de significativo, até onde eu saiba. Você pode fingir que "mistério" envolve algo de terrivelmente importante, mas para mim só significa que você não sabe.

Alguns de vocês afirmam que não vim de lugar algum. Eu apenas existo. Entretanto, vejo vocês afirmando que nada vem de nada. Você não pode usar ambos os argumentos. Ou eu existo ou não. O que foi isto que me fez existir, em oposição a não existir de modo algum? Se eu não preciso de uma causa, por que então você precisa? Já que não me contento em dizer que isto é um mistério, só tenho de aceitar a única explicação que faz sentido. Você me criou.

Acha esta uma idéia terrível? Eu sei que você sabe que muitos outros deuses foram criados pelo homem: Zeus, Tor, Mercúrio, Elvis. Você reconhece que essas divindades nasceram dos desejos, medos e necessidades humanas. Se as crenças abençoadas de bilhões de indivíduos podem ser explicadas como produto da sua cultura, por que não a sua? Os persas criaram Mitra, os judeus criaram Javé, e você me criou. Se eu estiver errado sobre isto, por favor, explique-me.

Minha segunda pergunta é esta:

Para Que Tudo Isso?
Talvez eu mesmo me fiz, talvez algum outro deus me fez, talvez você me fez--vamos colocar esta questão de lado, por enquanto. Estou aqui, agora. Por que estou aqui? Muitos olham para mim como um propósito para a vida, mas tenho verificado que para muitos, o propósito da vida é me agradar. (leia Revelações 4:11). Se seu propósito é me agradar, qual é então meu propósito? Agradar a mim mesmo? Será este o propósito da vida?

Se existo para meu próprio prazer, então, isto é egoísmo. Fica parecendo que eu o fiz como uma espécie de brinquedo para mim. Haverá alguma coisa que eu possa reverenciar? Algo para adorar, homenagear, amar? Estaria eu projetado para ficar aqui sentado por toda a eternidade, divertindo-me com a adoração dos outros? Ou adorar a mim mesmo? Como é que fica?

Tenho lido seus trabalhos sobre o significado da vida e, não me entenda mal, eles fazem sentido num contexto teológico de objetivos humanos religiosos, mesmo considerando que não têm utilidade no mundo prático. Muitos de vocês acreditam que o objetivo da vida é atingir a perfeição. Já que vocês humanos estão longe da perfeição e isto vocês mesmos admitem (e eu concordo), então, o progresso deixa vocês com uma missão. Dá a vocês algo a fazer. Algum dia, vocês pensam que são tão perfeitos como acham que eu sou. Mas desde que sou, por definição, perfeito, não necessito deste objetivo. Estou apenas como observador, penso eu.

Mas eu ainda pergunto por que estou aqui. É bom existir. É ótimo ser perfeito. Mas isto não deixa para mim nada para fazer. Criei o universo com todas as suas leis naturais, que governam tudo o que há, de quarks a aglomerados de galáxias, e tudo parece correr bem por si só. Tive que criar todas essas leis a fim de evitar que minha vida se transformasse numa sucessão infindável de atividades aborrecidas e repetitivas, como guiando raios de luz no espaço, empurrando objetos para cair na superfície da terra, agregar átomos para construir moléculas, e trilhões de outras atividades mais condizentes com um escravo que com um mestre. Você já deve estar familiarizado com muitas dessas leis, de modo que deverá ter chegado à mesma conclusão que eu: que não há nada no universo para que eu fazer. É um tédio aqui em cima.

Eu poderia criar outros universos e outras leis, mas o que adiantaria? Já fiz universos. Criar é como espirrar ou escrever pequenas histórias. Isto brota de mim. Eu poderia fazer uma orgia de criações. Criar, criar, criar. Depois de um tempo a gente enche o saco de fazer sempre a mesma coisa, como quando a gente come uma caixa de chocolate e depois, quando vai morder o último, nota que este já não tem mais o mesmo sabor que tinha o primeiro. Depois de já ter tido dez filhos, para que ter vinte? Estou perguntando a você e não ao papa. Se tanto mais, melhor, então eu estaria obrigado a fazer um número infinito de filhos, e um número sem fim de universos. Se me sentir obrigado a isto, eu já seria um escravo.

Muitos de vocês asseguram que é inapropriado procurar um propósito dentro de vocês mesmos, e que isto tem de vir de fora. Eu acho o mesmo. Não posso achar propósito em mim mesmo. Se achasse, teria que procurar meus motivos. Teria de descobrir por que eu escolhi uma razão e não uma outra, e se essas razões vieram de dentro de mim, ou se as peguei numa sucessão de auto-racionalizações. Já que não possuo nenhuma força poderosa dentro de mim mesmo, então, não tenho nenhum propósito. Nenhuma razão para viver. É tudo sem sentido.

Certamente estou tentando dar sentido a você - agradar-me, atingir a perfeição, o que quer que seja - e talvez seja tudo que lhe diga respeito; mas será que não o aborrece, só um pouco, que a fonte do sentido para a sua vida não tenha nenhum sentido ela própria? E que se isto for verdade, talvez você mesmo não tenha seu próprio sentido? Se o faz feliz esperar de uma fonte de referência externa na qual encontre significado, por que negar o mesmo a mim? Também quero ser feliz, e gostaria de encontrar esta felicidade em outro lugar fora de mim. Seria isto um pecado?

Por outro lado, se você acha que eu tenho o direito e a liberdade de encontrar a felicidade em mim mesmo e nas coisas que criei, então por que você não teria o mesmo direito? Logo você, que eu criei à minha imagem.

Sei que alguns de vocês propuseram uma solução para este problema. Chamam isto de "amor". Acham que estou sozinho aqui em cima e crêem que fiz a humanidade para satisfazer minha necessidade de um relacionamento com alguém que não eu mesmo. Claro, isto nunca funcionaria, porque seria impossível criar algo que não seja parte de mim mesmo, mas digamos que eu tentasse mesmo assim. Suponhamos que eu tenha criado isto que se chama "livre-arbítrio" que seria correspondente à escolha de cada um. Se eu desse a liberdade (e isto seria forçar a palavra, porque não há nada fora do meu poder), de não me amar, então, se alguns de vocês alguns poucos, se só um, escolher me amar, eu não ganharia nada além do que já tinha. Ganhei um relacionamento com alguém que teria escolhido de qualquer forma. Isto é o que se chama amor, vocês dizem.

Isto é uma grande idéia, no papel. Na vida real, entretanto, ocorre que bilhões de pessoas tenham escolhido não me amar e eu tenho que fazer algo contra esses infiéis. Não poderia simplesmente descriá-los. Se eu simplesmente destruísse todos os não crentes, eu poderia ter criado apenas crentes, logo no princípio. Já que sou onisciente, saberia de antemão quais aqueles que me amariam, e isto não causaria qualquer conflito com o "livre arbítrio", já que aqueles que não me quereriam já estariam eliminados previamente, simplesmente não tendo a chance de ser criados. Eu chamaria isto seleção supernatural. Isto me parece muito mais humano que o inferno.

Você não pode ter uma relação de amor com alguém que não é seu semelhante. Se vocês humanos não têm uma alma eterna, como eu, então são inúteis como companhia. Se não posso respeitar seus direitos de viver independentemente, e seu direito de escolher algo que não seja eu, então eu não poderia amar aqueles de vocês que escolheram a mim. Eu teria de escolher um lugar para aqueles bilhões de almas que não me escolheram, quaisquer que fossem suas razões. Chamemos de "inferno" aquele lugar que é não-Deus, ou não-eu. Eu teria de criar esse inferno, se não nem eu nem o descrente poderia escapar um do outro. Deixemos de lado os detalhes de como eu criaria esse lugar. E separemos esse inferno de mim, longe de quem nada existe. (Não seria como se eu criasse algo e depois jogasse fora - não há lixeira cósmica). O ponto é que, já que sou perfeito, este lugar no exílio seria tudo que é oposto. Seria o último mal, dor, escuridão e tormento.

Se eu criei o inferno, então não gosto de mim mesmo.

Se criei um inferno, então não seria inteligente admitir isso. Como poderia saber se alguém declara me amar por meus próprios méritos, ou simplesmente teme a punição? Como posso esperar que alguém me ame e ao mesmo tempo me tema antes de mais nada? O medo da punição eterna poderia assustar as pessoas até a obediência, mas isto não é nada que inspire amor. Se você me trata com ameaças e intimidações, eu teria de reconsiderar minha admiração pelo seu caráter.

O que acharia de alguém que criou seus filhos tendo o conhecimento de que alguns deles iriam ser atormentados eternamente num lugar projetado especialmente para eles? Não seria melhor nem ter nascido?

Sei que alguns de vocês acham que o inferno é só uma metáfora. Você acha o mesmo do céu?

De qualquer forma, este argumento do amor completo está errado. Se sou perfeito, não me falta nada. Não posso estar só. Não posso necessitar ser amado. Nem sequer posso querer ser amado, porque querer é sentir falta de algo. Submeter-me à questão de dar ou receber amor é admitir que posso ficar magoado com alguém que decide não me amar. Se você pode me magoar, então não posso ser perfeito. Se não posso ser magoado, não posso também amar. Se ignoro ou desprezo aqueles que não me amam, mandando-os para o inferno, então meu amor não é sincero. Se tudo o que estou fazendo é jogar os dados do livre arbítrio, e escolhendo aqueles que casualmente resolvem me escolher, então sou um monstro egoísta. Se você joga dessa maneira com as vidas dos outros, eu chamaria você de insensível, convencido, inseguro, egoísta e manipulador.

Eu sei que você tem tentado livrar a minha barra. Você explica que não sou responsável pelo sofrimento de não crentes porque a rejeição a Deus é escolha deles, e não minha. Eles têm uma natureza humana corrupta, você explica. Ora, quem deu a eles a natureza humana? Se alguns decidem não fazer o bem, quem lhes deu esse impulso? Se acha que foi Satã, quem criou Satã? E por que alguns homens se submeteriam a Satã a princípio? Quem criou essa susceptibilidade? Se Satã foi criado perfeito e depois decaiu, de onde veio o erro da perdição? Se sou perfeito, como, em nome de Deus terminei criando algo não perfeito? Alguém já disse que uma árvore boa não pode dar frutos ruins.

Aqui está o título para seu próximo texto teológico: Eva era perfeita? Se era, não teria comido o fruto. Se não era, então criei algo imperfeito. Talvez você ache que tudo isso tenha um propósito. Mas isto me dá é dor de cabeça (se você não permite a mim uma simples dor de cabeça, então como pode dar a mim a dor de um amor perdido?) Eu não conseguiria suportar saber que algum ato meu fez algum mal a alguém. Bem, eu não deveria dizer isto. Já que eu acho que você me criou, acho que você é quem deveria dizer com quem eu deveria viver. Se acha que é consistente com meu caráter tolerar amor e vingança ao mesmo tempo, então não tenho escolha. Se você é meu criador, eu posso cuspir amor por um lado da boca e brutalidade do outro. Eu poderia dançar com minha amante sobre os ossos dos filhos desencaminhados e fingir que estou gostando. Seria muito humano, na verdade.

Teria milhares de outras perguntas, mas permita-me mais uma só:

Como Decido o Que É Certo e o Que É Errado?
Não sei como cheguei aqui, mas estou aqui. Digamos que meu propósito é escolher as boas pessoas na minha criação. Suponha que estou aqui para ensiná-lo a ser perfeito como eu, ou como eu quero que seja. O objetivo de vocês seria serem pequenos espelhos de mim. Não seria esplêndido? Eu lhe daria regras e princípios e você tenta segui-los. Isto pode ser ou não significativo, mas pelo menos nos manteria ocupados. Suponho que sob seu ponto de vista, seria terrivelmente significativo, já que eu tenho o poder de recompensar e castigar.

Sei que alguns teólogos protestantes acham que recompenso não por boas ações mas apenas por crer em meu filho Jesus que pagou a punição por suas más ações. Bem, Jesus passou apenas trinta e seis horas de uma sentença de vida eterna no inferno e agora está de volta aqui comigo, no aconchego do lar. Ele não foi libertado por bom comportamento. Ele foi simplesmente liberado. (Ele tinha relacionamentos). Se meu julgamento justo exige satisfação, Jesus deveria pagar o preço total, não acha?

Além disso, fica incompreensível para mim como eu aceitaria o sangue de um indivíduo como pagamento pelos crimes de outro. Isto é justo? Isto é justiça? Se você comete um crime, pode a justiça aceitar que seu irmão pague em seu lugar? Se alguém arromba sua casa, você acha que foi feita justiça se um amigo compra nova mobília igual à roubada? Você acha que sou um ditador sanguinário que me contento com a morte de alguém pelo crime de um outro? Você é tão desrespeitador da justiça a ponto de aceitar um substituto para ser punido por seus crimes? E a responsabilidade pessoal? É duro abrir meus braços e acolher os crédulos no céu que evitaram a culpa de suas próprias ações. Algo está bastante fora do normal aqui.

Mas vamos ignorar estas objeções. Vamos supor que Jesus e eu resolvemos tudo isso, e que o mal será punido e o bem recompensado. Como saberei a diferença? Você insiste que não consulto qualquer manual. Você pede para que eu seja o Juiz Final. Eu devo simplesmente decidir e você deve aceitar minha decisão. Estarei livre para decidir o que quiser?

Suponha que eu queira que você me honre com um dia meu. Gosto do número sete, não sei porque, talvez por ser o primeiro número inútil. Dividamos o calendário com grupos de sete dias e vamos dar o nome desses grupos de semanas. Por harmonia, suponha que divida grosseiramente cada fase lunar por sete dias. O último dia da semana - ou talvez o primeiro, não importa - vou reservar para mim mesmo. Vamos chamá-lo de sábado. Isto parece certo e acho que é o melhor a fazer. Farei uma ordem para que você guarde os sábados, e se você respeitar, eu o considerarei boa pessoa. De fato, farei desta lei um dos meus dez grandes mandamentos e o condenarei à morte se desobedecer. Isto tudo faz perfeito sentido, não sei por que.

Ajude-me agora. Como posso escolher o que é moral? Já que não posso consultar nenhuma autoridade, a coisa a fazer, me parece, deve ser escolhida aleatoriamente. Coisas serão boas ou más apenas porque eu decido como tal. Se eu, apenas por cisma, decido que você não fará imagens de "qualquer coisa que está no céu acima, ou the está abaixo da terra, ou que está na água sob a terra," então assim o será. Se eu decidir que assassinato é bom e compaixão é ruim, você terá de aceitar.

Será tudo assim? Eu apenas decido como der na veneta o que é certo e errado? Claro! Decido baseado no que me faz sentir bem. Mas já li em sua literatura que você considera esse tipo de atitude como sendo autoritárias.

Alguns de vocês dizem que sou perfeito, que não posso errar nunca. Tudo que escolho para ser certo ou errado, é de acordo com minha natureza, e já que sou perfeito, então, minha escolhas são sempre perfeitas. Em qualquer situação, minha escolha será sempre melhor que a sua, você sabe. Mas o que significa "perfeito"? Se minha natureza é perfeita (qualquer que seja seu significado), então eu estou me baseando num padrão, então não sou Deus. Se perfeição significa algo por si só, diferente de mim, então sou constrangido a seguir seu caminho. E se, por outro lado, perfeição é algo inerente a mim, então não significa nada. Minha natureza poderá ser o que quiser, e a perfeição poderá ser definida de acordo. Vê o problema aqui? Se "perfeição" é "Deus", seria apenas um sinônimo de mim mesmo, e poderíamos fazer o que quiséssemos com a palavra. Poderíamos usar qualquer das duas palavras. Faça sua escolha.

Se sou perfeito, então há certas coisas que não posso fazer. Se não tenho liberdade para invejar, ter cobiça ou malícia, por exemplo, então não sou onipotente. Não posso ser mais poderoso do que você, que pode fazer e sentir coisas que não posso.

Além disso, se você acha que Deus é perfeito, por natureza, então o que significa "natureza"? A palavra é usada para descrever o modo como coisas acontecem na natureza, mas já que você me considera acima dela, talvez você esteja considerando outra coisa, talvez "caráter" ou "atributos". Ter uma natureza ou um caráter, significa ser uma coisa em vez de outra. Significa que há limites. Como posso ser uma coisa e não outra? Como é decidido que minha natureza é esta ou aquela outra? Se minha "natureza" é claramente definida, então tenho limites. Não sou Deus. Se minha natureza não tem limites, como muitos de vocês sugerem, então não tenho nenhuma natureza, na verdade, e dizer que Deus tem esta ou aquela natureza não tem significado nenhum. De fato, se não tenho limites, não tenho identidade; se não tenho identidade, não existo.

Quem sou eu?

Isto me leva de volta à questão: Se não sei quem sou eu, então quem decide o que é certo? Devo cutucar a mim mesmo para ver em que dá?

Há algo que devo perseguir e uns de vocês já sugeriram. Devo fazer um pronunciamento sobre o que é melhor para a humanidade. Vocês têm um corpo físico e circulam num meio físico. Eu deveria determinar aquelas ações que são saudáveis e benéficas para seres materiais num ambiente material. Deveria fazer da moralidade algo de material: algo relativo à vida humana, e não aos meus desejos. Eu deveria declarar (por conclusão, e não por decreto) que destruir a vida humana é ruim, e que ajudar os outros humanos é bom. Seria como elaborar um manual de instruções para um produto por mim elaborado e fabricado. Seria necessário que eu soubesse tudo sobre a natureza humana e o ambiente no qual os humanos vivem, e comunicar essas idéias a você.

Isto faz muito sentido, mas muda meus desafios quanto a determinar a moralidade e comunicar a moralidade. Se a moralidade está na natureza, então você não precisa de mim, a não ser talvez, para provocá-lo. Já vi que vocês têm mentes capazes e a habilidade de usar a razão e a ciência. Há algo de misterioso quando estudamos a maneira como os humanos interagem entre si e com a natureza, e você precisa contar sempre com seu conjunto de regras. Alguns de vocês tentaram, alguns milênios antes de Moisés. Mesmo que suas leis sejam contrárias às minhas, eu não poderia querer suplantá-las. Pelo menos você deveria ser apto a dar razão às suas leis, o que eu só poderia fazer submetendo-me à ciência.

Se moralidade é definida como os homens se relacionam com a natureza, então vocês não precisam na verdade de mim. Estou fora do jogo! Até onde eu saiba, a maioria de vocês têm os pés no chão e não necessitam da minha ajuda. Eu poderia entregar algumas tábuas contendo coisas que acho certo e errado, mas duvido se iam adiantar alguma coisa aí no mundo real. Acho que devemos concordar que razão é mais importante do que um capricho de uma divindade.

Esta é uma ótima abordagem, mas o que me aborrece é que isto pode ajudá-lo a entender que moralidade está no seu próprio ambiente, mas para mim, pouco vai ajudar. Não tenho um ambiente. Estou aqui ao sabor da brisa. Invejo você.

Nem a abordagem humanista ajuda a vocês quererem que a moralidade seja dependente de algo absoluto, fora de vocês. Deve ser assustador para aqueles que precisam de uma âncora para descobrir que não existe fundo no oceano. Bem, para mim é assustador também. Não tenho minha própria âncora. É por isto que lhe peço ajuda.

Obrigado por ter lido minha carta, e por ter atrapalhado sua vida muito ocupada. Por favor responda de acordo com sua conveniência. Tenho todo o tempo do mundo.

Sinceramente,

Todo seu.

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