Buda - O Iluminado
Por Caco de Paula, Super-Interessante
marco/2002
Há 3 000 anos começaram a se formar as principais filosofias e religiões
que organizaram as visões de mundo do homem contemporâneo. Alguns filósofos,
como o alemão Karl Jaspers, dão a essa época o nome de Era Axial.
Axial diz respeito a eixo. Foi, portanto, quando o homem começou a
buscar o seu eixo. Ou, segundo Jaspers, quando passamos a prestar atenção
em nós mesmos. A Era Axial estende-se entre os séculos VIII e II a.C.
“Nessa época, as pessoas discutiam sobre espiritualidade com o mesmo
entusiasmo com que hoje se discute futebol”, diz a escritora inglesa
Karen Armstrong, uma das mais respeitadas estudiosas de religião,
autora de best-sellers como Maomé e Buda. Os historiadores ainda não
sabem o que causou esse despertar para a religião e para a filosofia,
nem por que ele se concentrou na China, no Mediterrâneo Oriental, na Índia
e no Irã.
Acredita-se que com as
sociedades agrícolas, mais estáveis, o homem ganhou tempo extra para
dedicar-se à contemplação. O certo é que todos os sábios desse período
parecem seguir um caminho comum quando conclamam seus contemporâneos a
radicais mudanças em suas vidas. Do século VIII ao VI a.C. os profetas
de Israel reformaram o antigo paganismo hebreu. Na China dos séculos VI
e V a.C., Confúcio e Lao-Tsé chacoalhavam as velhas tradições
religiosas. Na Pérsia, o monoteísmo desenvolvido por Zoroastro
expandiu-se e influenciou outras religiões. No século V a.C., Sócrates
e Platão encorajavam os gregos a questionar até mesmo as verdades que
pareciam mais evidentes. Tudo acontecendo mais ou menos junto. E é bem
no meio dessa era, no século VI a.C., que surge o criador do Budismo,
uma das mais influentes religiões do mundo, hoje com quase 400 milhões
de adeptos.
No caldo da primeva Era Axial, a Índia também passou por grandes
transformações. Sua cultura foi dominada pelos arianos, antigos povos
nômades que teriam migrado da Ásia Central 4 000 anos antes. A
sociedade ariana dividia-se em castas: brahmins, os sacerdotes;
ksatriyas, os guerreiros e governantes; vaisyas, os camponeses e
criadores de gado; e sudras, os escravos ou marginais. O que determina a
inclusão em uma dessas classes é a hereditariedade – ou seja,
somente aquele que nasceu
de mãe da casta bramânica podia realizar rituais e curas. Para os brâmanes,
a essência do universo está em Brahman, deus primordial que se
expressa em uma infinidade de outras deidades. Sua rígida
espiritualidade é expressa nas escrituras sagradas conhecidas como
Vedas. Na Índia dessa época, os sacerdotes tinham uma espécie de
reserva de mercado. E, assim como acontecia em outras regiões, surgiu
uma revolta contra esses sacerdotes e seus rituais – que incluíam
sangrentos sacrifícios de animais.
Mas novos movimentos
reinterpretavam as antigas tradições, procurando afastar-se desses
rituais e buscar outro tipo de sacrifício, mais interno, de renúncia
às coisas do mundo – aquela atenção a si mesmo descrita por
Jaspers.
É nessa Índia em ebulição espiritual que surge Sidarta Gautama, o
Buda. Ele nasceu
em 563 a.C. em Lumbini, aos pés do Himalaia, em uma região que hoje
pertence ao Nepal. Era um aristocrata, da casta ksatrya, a dos
guerreiros e governantes. Seu pai, Shudodhana, era o rei do clã dos
sakyas. Vem daí o outro nome pelo qual Sidarta se tornaria conhecido:
Sakyamuni, ou “o sábio silencioso dos sakyas”. O pai de Sidarta,
temendo que se cumprisse uma profecia segundo a qual ele se tornaria um
homem santo, cercou-o de luxos e prazeres, acreditando que se o
mantivesse ignorante sobre o sofrimento do mundo, iria afastá-lo do
caminho espiritual.
Sidarta tinha um palácio
para o inverno, outro para o verão e um terceiro para a época das
chuvas. Na adolescência, vivia cercado por belas moças, ocupadas em
diverti-lo em seus aposentos decorados com sugestiva arte erótica. Aos
16 anos, escolheu-se uma noiva para ele, a bela Yashodhara, com quem
teria um filho, Rahula.
Pouca coisa mudaria na sua vida até os 29 anos. Apesar de todo o luxo,
Sidarta sentia-se infeliz. Certo dia, contra a vontade do pai, saiu para
passear fora do palácio e se surpreendeu com quatro cenas que o
tirariam para sempre daquela vida de prazeres. Primeiro, viu um velho
arqueado, de pele enrugada, movendo-se com dificuldade. Depois, avistou
um doente que sofria dores terríveis. Mais tarde, cruzou seu caminho um
cortejo fúnebre. Um morto era carregado por amigos e parentes que
choravam sua perda. Foi um choque e tanto para alguém que sempre vivera
protegido, sem se dar conta de que tudo que nasce também se degenera,
envelhece e morre. “A imagem que temos de Sidarta Gautama pelas
antigas escrituras é a de um jovem às voltas com problemas
existenciais, angustiado por questões ligadas ao mistério da vida”,
diz o monge brasileiro Nissin Cohen, que traduziu para o português o
Dhammapada, uma das mais importantes escrituras budistas. A quarta visão
do passeio de Sidarta foi um mendigo errante, esmolando por comida.
Apesar da sua pobreza, tinha porte ereto, feições radiantes e expressão
de profunda serenidade.
Sidarta determinou-se a também abraçar uma vida santa e a buscar uma
resposta para o sofrimento que viu no mundo. Uma decisão como essa não
era tão incomum na Índia daquela época. Acreditava-se que somente
quando se abandona a vida doméstica e os laços afetivos para tornar-se
um eremita ou andarilho é que se conseguem as respostas para a busca
espiritual. Essa busca tinha um objetivo específico. A maioria da
população indiana acreditava em alguma forma de renascimento ou
transmigração, em um ciclo interminável que começa no nascimento,
passa para a velhice, a morte e recomeça em novo nascimento. O ideal
que todos desejavam era algo capaz de pôr fim a esse ciclo, que pudesse
libertar o espírito desse movimento circular.
Sidarta abandonou o palácio enquanto todos dormiam. Saiu de fininho,
sem ao menos se despedir da mulher e do seu pequeno filho. O príncipe
logo aprendeu a dormir no chão e a esmolar por comida. Além da mendicância,
a vida de filósofo-andarilho (ou sramana) incluía práticas de meditação.
Na sua busca, ele se aproximou de dois famosos mestres e rapidamente
chegou aos últimos estágios de absorção contemplativa propostos por
eles. Mas ainda não atingira a suprema realização que buscava.
Dedicou-se então à automortificação. As práticas ascéticas são
comuns às formas primitivas da maior parte das religiões, inclusive no
Judaísmo, Cristianismo e
Islamismo. O que está por trás da autoflagelação é a idéia de que
um rígido controle dos sentidos desenvolve a autodisciplina e transfere
o máximo de
energia corporal para a atividade mental.
Durante seis anos,
Sidarta experimentou privações e dores. Mudou radicalmente a alimentação,
ampliando o período entre as refeições. De uma por dia, passou a uma
a cada dois dias, três, quatro, até alimentar-se somente a cada 15
dias. Depois, diminuiu a quantidade até chegar à ração diária de um
único grão de arroz. Simultaneamente, fazia experiências psicológicas,
analisando em si mesmo certas emoções que, acreditava, só poderia
eliminar completamente se as observasse em profundidade. Para analisar o
medo e meditar sobre a impermanência, passava noites deitado entre cadáveres
e esqueletos num cemitério. Ainda assim, não alcançara sua realização
final. O próprio Sidarta descreve os efeitos dos jejuns:
“Quando eu pensava
estar tocando a pele do meu abdomem, era a minha coluna que eu
segurava”. Abandonou essas práticas quando já era quase só pele e
ossos. Sua experiência provou que a autoflagelação embota a mente em
vez de favorecê-la. Ele intuiu, então, que o caminho para a libertação
não estava nos excessos de ascetismo, nem nos da sensualidade, mas em
um ponto de equilíbrio entre eles. Vem daí a expressão “caminho do
meio”, um dos pilares do Budismo.
Sidarta voltou a comer. Segundo conta-se, uma porção de arroz e leite
oferecida por uma jovem que o encontrou quase morto à beira de um rio.
Dias depois, recuperado, preparou um assento de capim sob uma figueira
– que ficaria conhecida como a árvore bodhi, ou árvore da iluminação
– na região de Bodhgaya, no norte da Índia. Decidiu então que ou
atingiria a iluminação ali ou morreria. Mesmo para um alto praticante
como ele, surgiram obstáculos. Alguns relatos os descrevem na forma de
tentações e
demônios, como Mara, deus indiano da morte. São imagens que simbolizam
os obscuros medos reprimidos, fragmentos de memória, dúvidas,
fantasias e outros conteúdos mentais tão persistentes e familiares a
quem já tenha tentado alguma prática meditativa. Sidarta transpôs
esses obstáculos e, serenamente, dominou todos os estágios de meditação.
Como fez isso? As escrituras dizem apenas que ele permaneceu imóvel
diante das investidas de Mara. Mas há uma pista nas técnicas para
lidar com esses conteúdos mentais. Uma delas é a meditação de ponto
único. Nela, a observação concentra-se em um objeto específico (a
respiração, por exemplo), controlando ou suspendendo temporariamente o
fluxo dispersivo de pensamentos.
Assim, Sidarta tornou-se um Buda numa noite de lua cheia no mês de
maio, quando tinha 35 anos. Buda não é um nome próprio, mas uma
palavra em sânscrito que significa “o Desperto” ou “o
Iluminado”. Esse título passou a definir a condição de Sidarta
Gautama e ficou ligado ao seu nome, da mesma maneira como o título de
Cristo (“Salvador”) associou-se ao nome de Jesus.
O detalhamento dessa experiência sob a figueira tornou-se o corpo dos
seus ensinamentos, cuja essência é não fazer o mal, praticar o bem e
purificar a mente. Buda ampliou o conhecimento sobre a mente humana e
acreditava ter descoberto uma verdade profunda que lhe permitiu viver
grande transformação interior e conquistar a imunidade ao sofrimento.
Depois da sua iluminação, passou 45 anos ensinando outras pessoas a fazer
o mesmo e organizou comunidades de monges só homens. No início, o próprio
Buda não era favorável à admissão de mulheres em sua ordem. Parece
que sua preocupação era com a dispersão que a presença delas pudesse
representar em uma comunidade que tinha como um de seus pilares o total
controle dos desejos. Mas acabou mudando de idéia.
A grande novidade
trazida por Buda em sua época foi a idéia de que a vida espiritual,
como capacidade de conhecer a si mesmo, não tem nada a ver com as
restrições de casta impostas pelos brâmanes. Foi um salto e tanto
para a estrutura social da Índia, que aceitou prontamente essa religião
tolerante. Buda diz que todos os seres humanos têm vislumbres de
iluminação. Isso acontece nos momentos em que aquele insistente e
auto-referente “eu” não interfere, quando a mente não se prende ao
passado, não sonha com o futuro e se envolve apenas com o momento
presente. Esses vívidos momentos de ligação com o aqui-e-agora
contrastam com a mente habitual. Eles surgem como relances fugidios, mas
podem também ser voluntariamente induzidos pelo processo meditativo. Aí
está o fim do sofrimento, a iluminação, o nirvana.
A essência dos ensinamentos budistas está nas práticas meditativas,
que se fundam em tradições anteriores ao próprio Buda. Na meditação
busca-se cessar a atividade mental ininterrupta, na qual pensamentos e
fantasias bloqueiam a experiência direta e intuitiva. Na maior parte do
tempo alimentamos pensamentos que podem nos deixar ansiosos, frustrados,
com mágoa, raiva, ressentimento ou medo. Tragada por esse vórtice de
sensações, nossa atenção perde o foco. É por isso que, muitas
vezes, comemos sem sentir o sabor do alimento, olhamos uma pessoa sem vê-la
de fato. Por quase meio século, Buda viveu cercado de multidões às
quais receitava antídotos para essa dispersão, como a chamada “atenção
plena”, prática que consiste em dispensar o máximo de atenção a
tudo o que se faz – e que está na base de várias técnicas
meditativas.
Buda morreu por volta de
483 a.C., depois de um acesso de disenteria que teria sido causado pela
ingestão de carne de porco. Há algo menos divino – ou tão
demasiadamente humano – do que morrer de dor de barriga? Sua doutrina
foi transmitida através de numerosas linhagens de mestres que se
espalharam por vários países. Quando morreu, seus ensinamentos estavam
bem estabelecidos na região central da Índia. Havia muitos seguidores
leigos, mas o coração da comunidade eram os monges mendicantes, os
bhiksus. Sua doutrina se espalhou por uma poderosa rede de mosteiros e
tomou diversas formas, adaptando-se a diferentes situações históricas
e culturais. Essa característica flexível do Budismo seria
determinante
para sua difusão. Por ser ele mesmo mutável e impermanente, o Budismo
tem um mecanismo interno que barra o fundamentalismo – risco presente
em outras
religiões, cuja história está manchada de sangue. “Não deveis
aceitar nada
por ouvir falar, tampouco porque está nas escrituras”, disse Buda em
um discurso. Como sua ênfase é a compaixão, o Budismo não define a
si mesmo como solução melhor que qualquer outra. O Budismo primitivo,
a rigor, nem era uma religião, mas um conjunto de práticas morais e
mentais.
No que diz respeito à
meditação, essas práticas podem ser vistas como simples técnicas,
que não implicam em compromisso com nenhum tipo de religiosidade.
Como resultado da sua expansão, cerca de 300 anos depois da morte de
Buda, o Budismo já se dividia em 18 escolas. Seus ensinamentos,
mantidos por transmissão oral, agora estavam escritos. Vários concílios
foram organizados para dar homogeneidade às escrituras das diversas
escolas. Cada um deles, realizado no século III a.C., resultou no
chamado Cânone Páli, o registro mais antigo dos ensinamentos budistas.
Pouco depois, o Budismo dividiu-se em duas tradições, cada uma delas
afirmando-se como possuidora do verdadeiro sentido da palavra de Buda. A
tradição Theravada, ou “à maneira dos antigos”, que se baseava
exclusivamente nos textos escritos na língua páli, espalhou-se pelo
sudeste da Ásia. Para o praticante Theravada, Buda não era um deus,
mas sim um grande sábio. O objetivo do caminho Theravada é iluminação
individual.
A outra tradição é a Mahayana (literalmente “Grande Veículo”),
que se instalou sobretudo na China, Coréia e Japão. A base de seus
ensinamentos também está na prática da meditação. No Budismo
Mahayana, porém, Buda já não é apenas um sábio, mas uma divindade
reverenciada. Assim como os chamados bodhisatvas, seres considerados
iluminados, que adiam sua entrada no nirvana para poder ajudar na
iluminação de outros. Foi no âmbito das escolas Mahayana que mais se
desenvolveram os aspectos sobrenaturais e imaginários do Budismo.
Sidarta, ou Buda Sakiyamuni, jamais se apresentou como um enviado,
salvador ou reencarnação de quem quer que fosse. Nos seus discursos não
há referência sequer ao fato de que existe reencarnação. Ele não
disse palavra a favor ou contra a idéia de Deus.
O conceito de buda já não se restringia a Sidarta, o Buda Sakyamuni.
Passou a definir um princípio fundamental de iluminação espiritual.
Sakyamuni já não era mais “o” buda, mas sim “um” buda. As
tradições orientais sustentam que houve muitos budas no passado e que
ainda haverá muitos outros no futuro. Ampliando o conceito de que há
tantos budas quanto grãos de areia, esse Budismo pop expandiu-se
amigavelmente pelo Oriente, incorporando uma infinidade de arquétipos
ou divindades locais. (Ao contrário das religiões abraâmicas, que
demonizaram os deuses das culturas dominadas.) Isso explica por que
existem tantas imagens diferentes do Iluminado. Quando ele é
representado como um asceta esquelético, refere-se ao Sidarta da fase
pré-Buda. Quando mostrado como um meditador sereno, é o Buda
Sakyamuni. Se a figura for a de um sujeito gorducho e sorridente, quase
sempre trata-se de uma divindade local, geralmente símbolo de
prosperidade, na China e no Japão. O mesmo ocorre com os dhianybudas,
ou budas da meditação, aos quais se atribuem significados ocultos. Ou
com as 21 belas figuras da jovem Tara – representação do aspecto
feminino e compassivo de Buda, cultuada na tradição tibetana. Também
vêm do Tibete as famosas imagens de budas em abraços sexuais com suas
consortes, um símbolo da unidade entre iluminação e sabedoria.
Apesar do grande florescimento que teve em sua terra natal, o Budismo
foi varrido da Índia em decorrência das invasões dos hunos no século
V d.C. e dos islâmicos nos séculos XII e XIII. A corrente que mais se
expandiu foi a Mahayana, por ser menos ortodoxa que a Theravada. O maior
desenvolvimento do Budismo aconteceu na China, onde chegou no século I
d.C., e, depois, na Coréia e no Japão. Seu encontro com as tradições
chinesas deu origem à escola de meditação Ch’an e, mais tarde, no
Japão,
ao Zen Budismo. “Zen” é uma palavra japonesa derivada do chinês
ch’an, que vem do sânscrito dhyana – técnica que, segundo a
psicologia do yoga, conduz a um elevado estado de consciência em que o
homem une-se com o universo. Os chineses preferiram encontrar essa união
no trabalho cotidiano, em vez de na meditação solitária numa
floresta, como o próprio Sidarta.
O Zen é um dos mais importantes herdeiros da vertente Mahayana -– só
equiparado pela corrente Vajrayana, que se desenvolveu no Tibete.
Chamado de “Caminho do Diamante”, o Vajrayana tem suas origens
encravadas em textos budistas do século II, registrados nos chamados
tantras, escrituras esotéricas sobre a transformação da mente através
de meditações, visualizações e ritos. Essa linha surgiu no norte da
Índia há cerca de 2 000 anos e hoje é seguida pela tradição
tibetana.
O Budismo só penetraria
no Ocidente a partir do século XIX, com o estudo das culturas da Índia
e a publicação de O Mundo como Vontade e Idéia. Nesse livro, o alemão
Arthur Schopenhauer (1788-1860), que influenciaria muitos outros filósofos,
como Friedrich Nietzsche, mergulha nos ensinamentos budistas. O Budismo
também chegou à Europa e à América junto com os imigrantes chineses
e, depois, japoneses. Mas foi somente com a chegada de mestres Zen, nos
anos 30 do século XX, que algumas das principais idéias budistas começariam
a ter maior difusão ocidental. Para a mentalidade judaico-cristã, que
tem sua solução religiosa na pessoa externa de um pai divino, um
grande motivo de estranhamento – e de fascínio – causado pelo
Budismo talvez seja a idéia de um caminho espiritual que depende, em última
instância, apenas do esforço de cada pessoa. O Budismo sustenta que o
mundo é uma projeção da mente e que, portanto, o homem não poderá
encontrar no exterior aquilo que não possua dentro de si mesmo.
Nos anos 40 e 50, os livros sobre Zen escritos pelo inglês Alan W.
Watts (1915-1973) influenciaram os escritores da geração beat, como
Jack
Kerouac e Allen Ginsberg, gurus dos movimentos que iriam chacoalhar os
anos 60, como a contracultura e os hippies. Com a invasão do Tibete
pela China, em 1959, e a Guerra do Vietnã, nos anos 60, mestres
budistas desses países migraram para o Ocidente, onde abriram vários
centros de meditação. Estava traçado o caminho que levaria o Budismo
para a Califórnia e os estúdios de Hollywood, atraindo adeptos de
classe média alta, além de muitos artistas e terapeutas.
Diferentemente do que aconteceu na primeira metade do século XX, quando
Zen era sinônimo de Budismo no Ocidente, nas últimas décadas o ramo
que mais se difundiu foi o Budismo tântrico do Tibete. Algo que ajudou
muito nessa divulgação foi a figura sorridente do Dalai Lama, líder
do Tibete no exílio, que já era famoso bem antes de ganhar o Prêmio
Nobel da Paz em 1989, de dançar no palco com a banda de punk-rap
Beastie Boys em shows pela libertação do Tibete, ou de percorrer o
mundo falando de espiritualidade. Inclusive no Brasil, onde um dos
organizadores de suas visitas é o gaúcho Alfredo Aveline, ou lama
Padma Santem (lama é a palavra em tibetano para “mestre
espiritual”). Aveline dá uma pista de como essa linha espiritual pode
ajudar o homem do século XXI, ao falar da importância do desapego como
uma forma de evitar o sofrimento: “A impermanência paira sobre sua
cabeça nas relações, no emprego, na sua saúde, no seu endereço, no
seu celular, na sua aparência, nas suas aptidões, no afeto. Essa é a
vida a que todos estão submetidos. No Budismo, o objetivo é
ultrapassar essas limitações. Não estamos dizendo que buscamos distância
dessa experiência limitada, mas nosso objetivo é libertarmo-nos dos
processos sutis que a criam para ajudar os outros seres a fazer o mesmo
e superar as frustrações inevitáveis do processo”.
Dizem que Buda previu que sua ordem duraria muito menos se tivesse a
participação de mulheres. Se realmente fez isso, talvez esteja aí um
raro equívoco cometido pelo Iluminado. Hoje o que se vê é uma presença
cada vez maior de mulheres na pregação da sua doutrina. Às vezes,
numa mesma semana na capital paulista, quatro mulheres budistas de
diferentes escolas e linhagens costumam atrair grande público para suas
palestras: a inglesa Lama Caroline, da escola tibetana Gelupa; a
americana Lama Tsering, da escola tibetana Ningma; a monja chinesa Chueh
Chen, da escola Ch’an; e a brasileira monja Coen, formada nas tradições
japonesas do Soto Zen. Quem quiser entender por que o Budismo exerce
tanta atração no Ocidente precisa ver como elas consquistam sua audiência,
geralmente de jovens, em torno da idéia da compaixão.
“Houve uma geração
que quebrou todos os seus valores e hoje mergulha na busca
espiritual”, diz a monja Cláudia Coen, que todos os dias orienta
grupos de meditação em São Paulo. “Como as técnicas funcionam
independentemente da religião de quem as pratica, tem despertado o
interesse também de judeus, cristãos e muçulmanos.”
Mas, afinal, o que fez o Budismo ser tão bem-aceito no Ocidente? Numa
palavra, poder-se-ia dizer que é seu caráter de auto-ajuda, conceito
que, nesse caso, nada tem a ver com manuais de comportamento, mas sim
com a certeza de que todas as respostas para os problemas do homem estão
dentro dele mesmo.
PARA SABER MAIS
Na livraria
Buda,
Karen Armstrong,
Objetiva, Rio de Janeiro, 2001
Buda,
Jorge Luiz Borges e Alicia Jurado, Difel,
Rio de Janeiro, 1977
O Pequeno Buda: Entrando na Correnteza,
Samuel Bercholz e Sherab Chodzin Kohn,
Siciliano, São Paulo, 1994
Introducing Buddha,
Jane Hope e Borin Van Loon, Icon Books,
Cambridge, 1999
A Essência dos Ensinamentos de Buda,
Trich Nhat Hanh, Rocco,
Rio de Janeiro, 1998
O Espírito do Zen,
Alan W. Watts, Cultrix,
São Paulo, 1995
O Livro Tibetano do Viver e do Morrer,
Sogyal Rinpoche, Talento-Palas Athena,
São Paulo, 1999
The Story of Buddhism: A Concise Guide
to Its History and Teachings,
Donald S. Lopez Jr., Harper
San Francisco, 2001
Dhammapada, a Senda da Virtude,
Palas Athena, 2000
Na Internet
http://www.buddhanet.net/budnetp.htm
http://www.dharmanet.com.br/index.html