O poder da oração
Por Judith Hayes, publicado em
Freethought Today
Não apenas os cristãos mas todas as religiões insistem na importância
da oração. A oração é uma prática que não
sobrevive à luz fria da lógica. As três razões citadas com mais
frequência para se orar são adoração, confissão e súplica (há
diferenças; procurem os experts).
A forma mais popular de oração, a súplica, apresenta alguns problemas
complicados. À primeira vista, pedir a um deus para fazer uma coisa
qualquer parece perfeitamente lógico. Quem melhor para se pedir? Mas a
única forma de estes pedidos fazerem sentido é que haja uma chance de
você ser atendido. Qual a finalidade de se ter bilhões de orações
oferecidas esperançosamente a um deus que nunca teve intenção de
responder a nenhuma delas?
É difícil imaginar uma atividade mais sem sentido, um desperdício
maior de tempo, um exercício mais angustiante; um deus que exigisse tal
coisa só poderia ser um sádico. É difícil acreditar em que um deus
seja capaz de alimentar esperanças e ilusões sem nunca realizá-las,
nem mesmo o deus que enviou o Dilúvio.
Por outro lado, se a oração é encorajada porque há uma chance de que
os pedidos serão concedidos, você se confronta com a necessidade
inevitável de explicar a natureza aleatória das graças recebidas.
Por exemplo, um estudante do segundo grau reza para passar na prova de
matemática mesmo sem ter estudado e, quando ele passa, atribui isto à
intervenção de Deus. A maioria dos líderes religiosos concordariam
com ele (mais uma vez, há diferenças; consultem os experts). Mas, se
isto é verdade, estamos diante de um deus que atende a um pedido
isolado de um certo indivíduo referente a uma prova de álgebra da
oitava série mas decide ignorar os milhões de preces para se escapar
dos campos de concentração da Segunda Guerra. Este é um processo de
seleção extremamente difícil de entender.
De acordo com o "Pai Nosso", as pessoas devem pedir "o pão
nosso de cada dia". Por que? Se você pede, será concedido? Se não,
por que pedir? Considerando-se que a guerra e a fome já mataram de
desnutrição muitos dos "verdadeiros crentes", parece inútil
pedir pelo pão de cada dia. Se a desnutrição aflige aqueles que pedem
e também aqueles que não pedem, então a explicação para a fome deve
estar relacionada a fatores sem nenhuma relação com a prece. Em outras
palavras, pedir a Deus pelo seu pão de cada dia não tem nada a ver com
o fato de conseguí-lo ou não. Então por que se espera que você
continue pedindo por ele?
Da mesma forma, preces de ação de graças significam atribuir a Deus o
controle completo sobre nosso bem-estar. Se você agradece a Deus pela
comida na sua mesa, você está dizendo que foi ele que a pôs lá. O
outro lado da moeda, inevitável, é que, se não há comida na sua
mesa, Deus é o responsável por isto também. O poder de dar inclui
necessariamente o poder de negar. Quando você agradece a alguém por um
presente, é porque você entende que a pessoa tinha a escolha de não
dar mas deu assim mesmo. Agradecer a Deus pela refeição, então, é o
mesmo que lhe agradecer por não negá-la. Você está agradecendo a ele
por não permitir que você morra de fome.
Assim como não faria sentido agradecer a seus vizinhos pela chuva tão
esperada, já que eles não tiveram nenhum papel na ocorrência da
chuva, também não faria sentido agradecer a Deus pela comida em sua
mesa, a menos que ele garantidamente tenha um papel em fazer aquela
comida chegar à sua mesa. E, se ele tem, ficamos diante da embaraçosa
pergunta: por que ele escolhe alimentar a uns e deixa os outros morrerem
de fome? Se a escolha de alimentá-lo é de Deus, então a escolha de
matar os outros de fome também é dele. Por que Deus não alimenta a
todos nós?
Falar das crianças morrendo de fome pelo mundo não fica bem no Dia de
Ação de Graças, quando nos sentamos diante de suntuosos perus assados
e uma mesa farta mas, se Deus põe a ceia farta em nossa mesa, ele a
nega a multidões de esfomeados. Por que? Se é porque Deus só alimenta
os que lhe são fiéis, isto significa que ele não se importa se morrem
de fome as crianças dos que têm outras crenças (ou nenhuma), o que
seria algo muito cruel. Também significaria que o "povo de
Deus" nunca passou fome, o que também não é verdade. E também não
se pode dizer que todos os ateus passem fome. Então, como Deus decide a
quem alimentar? A questão das prioridades de Deus não pode ser deixada
de lado se queremos afirmar que ele participa dos acontecimentos diários.
Se Deus tem o poder de alimentar a todos nós mas decide não fazê-lo,
sua relutância tem que ser explicada de uma forma que seja compatível
com sua suposta omnipotência e omnibenevolência. Ninguém até hoje
conseguiu uma explicação.
Explicar a miséria e a fome dizendo que "Deus ajuda a quem se
ajuda" é culpar pelos seus próprios erros, de modo cruel e insensível,
as vítimas de colheitas fracassadas devido a enchentes, secas ou
pragas. E as crianças pequenas? Como é que elas podem "ajudar a
si mesmas"?
Do mesmo modo, tentar explicar a fome dizendo que nós não somos
capazes de entender os desígnios de Deus contradiz o resto da doutrina
cristã. Cristão afirmam que sabem exatamente como Deus quer que seus
"filhos" o adorem, como eles devem orar, como eles devem se
vestir, o que devem comer e quando e assim por diante, o que implica em
que a vontade de Deus é muito clara. Mas perguntas sobre a terrível
realidade de bebês morrendo de fome são respondidas com um vago
dar-de-ombros, como se tais ninharias não precisassem ser
compreendidas.
Mas alguém tem que aceitar a responsabilidade pelo espectro da fome que
ronda grande parte da humanidade. Se a produção e distribuição de
alimentos são o resultado apenas das atividades humanas, sem participação
de Deus, então dar graças a Deus por uma refeição é um gesto impróprio
e sem sentido. Ele não fez nada para merecer agradecimentos e a culpa
pelas injustiças e desigualdades é apenas nossa. Se, por outro lado,
Deus participa do processo, então agradeça a ele pelos seus chocolates
e queijos importados, mas Deus terá que responder pelas crianças
morrendo de fome.
Só discutimos a fome até agora mas o mesmo se aplica a todas as outras
misérias humanas. Doenças, desastres, perseguições ou o que for, se
você pede a Deus para se livrar deles, o resultado será o mesmo que no
caso da fome - aleatório e inexplicável.
Voltemos às preces que pedem por graças. O fim da fome mundial, um
pedido dos mais louváveis, ainda está longe de se realizar, a despeito
de incontáveis orações. Portanto, as pessoas são encorajadas a pedir
por coisas mais fáceis de se conseguir, como a Tia Helena se curar logo
do resfriado ou as crianças irem bem nos estudos. Jogadores de futebol
caem de joelhos e agradecem a Deus pelos gols que marcam. Num mundo
cheio de fome, doenças, violência e estupro, tais pedidos são um
desrespeito a um deus supostamente omnipotente. Para cada pessoa que
atribui a Deus a recuperação "milagrosa" de uma doença
grave, há outra pessoa também com uma doença grave que, apesar das
orações, acaba morrendo. As famílias rezam pelos soldados mas eles
morrem - e soldados por quem ninguém rezou sobrevivem. Coisas ruins
acontecem a pessoas boas apesar de todas as preces que elas fazem,
coisas ruins acontecem a pessoas ruins, coisas boas acontecem a pessoas
boas e coisas boas acontecem a pessoas ruins. Em outras palavras, o que
está em ação no mundo é a lei das probabilidades.
As coisas não melhoram para os que crêem em Deus e a vida pode ser
muito agradável para os que não crêem. Se formos julgar apenas pelos
resultados que desafiam a lei das probabilidades, então o poder da oração
é nulo.
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(Judith Hayes é neta e bisneta de pastores luteranos. Tornou- se atéia
depois de ler a Bíblia, já adulta, e ela acredita que uma leitura
atenta da Bíblia é o caminho mais seguro para o ateísmo. Judith Hayes
contribui regularmente para o "Freethought Today". Apenas
pelos seus artigos, que examinam doutrinas religiosas de um ponto de
vista lógico, já vale a assinatura. "Freethought Today" é
publicado pelo Freedom From Religion Foundation , P. O. Box 750,
Madison, WI 53701.) Judith Hayes
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