Folha de São Paulo, domingo, 27 de março de 2005
+ religião
Em seu "Tratado de Ateologia", o filósofo Michel Onfray tenta desmontar os monoteísmos e as teocracias
Deus, noves fora, zero
ROBERT MAGGIORI
Como é difícil ser ateu! O "sem Deus" desaparece se negar a Deus; pior ainda: quando se afirma como tal, é preciso existir aquilo cuja existência ele quer negar!" Em seu "Traité d'Athéologie" [Tratado de Ateologia, ed. Grasset, 282 págs., 18,50 euros -R$ 65], o filósofo Michel Onfray não subestima essa dificuldade.
Mas do obstáculo ele faz um "órgão", um instrumento de convicção que lhe permite afirmar com ainda mais força a necessidade de um "ateísmo de amanhã", tranqüilo e audacioso, capaz de tirar a humanidade da "celebração do nada", da cultura dos fetiches, do ódio à vida nos quais a religião a mantém.
Como é possível ainda vivermos "em um estado teológico ou religioso da civilização'?
Digamos claramente: é preciso retroceder dois séculos -quando o conhecimento só podia contar com as luzes da razão e em que a história seguia sua marcha na ladeira do progresso- para encontrar um ataque tão terrível contra os dogmas, a ideologia, as práticas, os rituais religiosos, nos quais Onfray espera abrir pelo menos uma brecha.
"Desconstruir os monoteísmos, desmistificar o cristianismo mas também o islamismo, é claro, e depois desmontar a teocracia -eis três canteiros de obras inaugurais para a ateologia. Para, em seguida, trabalhar em uma nova premissa ética e produzir no Ocidente as condições de uma verdadeira moral pós-cristã, em que o corpo deixa de ser uma punição, a terra um vale de lágrimas, a vida uma catástrofe, o prazer um pecado, as mulheres uma maldição, a inteligência uma presunção, a volúpia uma danação."
A filípica de Michel Onfray não visa os homens de fé -mas a fé quando se fecha ou substitui o saber- nem os homens que se ajoelham ou baixam a cabeça -mas "aqueles que os convidam a essa posição humilhante"-, não o crente -mas o pastor. Como é possível que ainda vivamos "em um estado teológico ou religioso da civilização"?
Como é possível que a janela do mundo se abra todos os dias, a toda hora, sobre massas de fiéis que oram, seguem em peregrinação, aclamam pontífices, teocratas que pontificam, decretam, situam aqui o bem e ali o mal, indicam o que se deve pensar, o que se deve comer ou não comer, como vestir-se ou quem se deve matar, em que "o Talmude e a Torá, a Bíblia e o Novo Testamento, o Corão são mais citados do que a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Não se havia anunciado a morte de Deus?".
Muros baixos
É preciso crer que não. Também devemos tirar disso algumas lições. De um lado, que o ateísmo não ergueu muros suficientemente altos para impedir a difusão daquilo que combateu. De outro, que a religião tem raízes inextirpáveis, na medida em que se prendem à própria condição do homem, confrontado com o absurdo de uma existência que o conduz inexoravelmente à morte.
A partir daí os jogos estão feitos, e os dados são viciados: a cruel realidade cede à doce ilusão, e a ilusão engendra outras ilusões, por cuja preservação estamos dispostos a pagar qualquer preço, a crer em todas as tolices, nos mares que se abrem e nas mães virgens que dão à luz, a fazer todos os sacrifícios, a sofrer, a nos arrependermos para sofrermos ainda mais, a nos colocarmos abaixo de zero, a nos humilharmos...
Poderíamos declarar perdido o combate: o que pode uma ateologia enquanto a hipótese religiosa se infiltrou em tudo, enquanto a religião habita a língua, os costumes e os usos, está presente nos nomes, na estrutura das cidades, na seqüência do calendário, na arte, no direito, na própria maneira como concebemos o corpo, com seus desejos baixos, suas vísceras sombrias, sua coragem no peito, seu nobre pensamento na cabeça, seu espírito e sua alma imputrescíveis?
É possível construir uma sociedade sem Deus, que, dispensando os "valores morais" promovidos há séculos pela religião, de obediência e mortificação, possa estabelecer a justiça, a liberdade e a felicidade para o maior número possível de pessoas -sem "cultura da morte", sem "elogio da submissão", sem "ódio à razão e à inteligência", sem "ódio a todos os livros em nome de um só", sem "ódio à vida, ódio à sexualidade, às mulheres e ao prazer; ódio ao feminino; ódio ao corpo, aos desejos, às pulsões"?
"Quanto mais o homem confere realidade a Deus, menos a conserva em si mesmo", disse Marx. Assim, é preciso esvaziar o real de Deus e examinar o modo como se constrói uma mitologia que, segundo o "Tratado de Ateologia", é portadora da pulsão da morte. Em outros tempos, Onfray teria sido levado à fogueira. Onde encomendar
Livros em francês podem ser encomendados, em São Paulo , na Fnac (tel. 0/xx/11/ 4501-3000).
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
"Deus está nu"
Revista Veja entrevista Michel Onfray
O filósofo francês mais lido da atualidade
diz que as três grandes religiões monoteístas
vendem ilusões e devem ser desmascaradas
como o rei da fábula de Andersen
André Fontenelle
Em um tempo em que a religiosidade está em alta, surpreende o livro que se encontra no topo da lista dos mais vendidos na França desde o mês passado, à frente até das biografias de João Paulo II: Tratado de Ateologia. Escrita pelo filósofo mais popular da França na atualidade, Michel Onfray, de 46 anos, a obra é um ataque pesado ao que o autor classifica como "os três grandes monoteísmos". Segundo Onfray, por trás do discurso pacifista e amoroso, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo pregam na verdade a destruição de tudo o que represente liberdade e prazer: "Odeiam o corpo, os desejos, a sexualidade, as mulheres, a inteligência e todos os livros, exceto um". Essas religiões, afirma o filósofo, exaltam a submissão, a castidade, a fé cega e conformista em nome de um paraíso fictício depois da morte.
Para defender essa argumentação, Onfray valeu-se de uma análise detalhada dos textos sagrados, cujas contradições aponta ao longo de todo o livro, e do legado de outros filósofos, como o alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), que proclamou, em uma célebre expressão, a "morte de Deus". O filósofo escreve em linguagem acessível, a mesma que emprega ao lecionar na cidade de Caen, no norte da França. Ali criou uma "universidade popular" que atrai milhares de pessoas a palestras diárias e gratuitas sobre filosofia, artes e política. Gravadas pela rádio pública France Culture, as aulas de Onfray são sucesso de audiência. Os fãs o consideram um sucessor de Michel Foucault (1926-1984), o mais influente filósofo francês do século passado. Em seus livros, Onfray propõe o que chama de "projeto hedonista ético", em que defende o direito do ser humano ao prazer. Uma de suas obras, A Escultura de Si, ganhou em 1993 o Prêmio Médicis, o mais importante da França para jovens autores.
Onfray também tem detratores, que o acusam de repetir idéias ultrapassadas. Em dois meses seu Tratado vendeu 150.000 exemplares. De seu escritório em Argentan, Onfray concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
Veja - Em sua opinião, só o ateu é verdadeiramente livre?
Onfray - Só o homem ateu pode ser livre, porque Deus é incompatível com a liberdade humana. Deus pressupõe a existência de uma providência divina, o que nega a possibilidade de escolher o próprio destino e inventar a própria existência. Se Deus existe, eu não sou livre; por outro lado, se Deus não existe, posso me libertar. A liberdade nunca é dada. Ela se constrói no dia-a-dia. Ora, o princípio fundamental do Deus do cristianismo, do judaísmo e do Islã é um entrave e um inibidor da autonomia do homem.
Veja - A que o senhor atribui o sucesso de seu livro num momento em que há tanta discussão sobre religiosidade?
Onfray - Acho que muitos franceses esperavam uma declaração claramente atéia. As primeiras páginas de jornais e as capas de revistas sobre o retorno da religiosidade, a polêmica sobre o direito de usar ou não o véu muçulmano na escola leiga, a oposição maniqueísta entre um eixo do bem judeo-cristão e um eixo do mal muçulmano, a obrigação de escolher um lado entre George W. Bush e Osama bin Laden, a religiosidade dos políticos exposta na imprensa, o crescimento do Islã nos subúrbios franceses, tudo isso contribuiu para uma presença monoteísta forte no primeiro plano da mídia. Meu livro provavelmente funciona como um antídoto a esse estado de coisas, pelo menos na França. Ele ainda está sendo traduzido para outros idiomas.
Veja - Seu livro defende um ateísmo "fundamentado, construído, sólido e militante". Isso quer dizer que é preciso convencer as pessoas da inexistência de Deus?
Onfray - Isso quer dizer que, quando uma pessoa não se contenta apenas em acreditar estupidamente, mas começa a fazer perguntas sobre os textos sagrados, a doutrina, os ensinamentos da religião, não há como não chegar às conclusões que eu proponho. Trata-se de não deixar a razão, com R maiúsculo, em segundo plano, atrás da fé - e sim dar à razão o poder e a nobreza que ela merece. Essa é a missão, a tarefa e o trabalho do filósofo, pelo menos de todo filósofo que se dê ao respeito.
Veja - A desconstrução dos três grandes monoteísmos equivale a mostrar que o rei está nu, como na fábula de Hans-Christian Andersen?
Onfray - Sim. É preciso mostrar que o rei está nu, deixar claro que o mecanismo das religiões é o de uma ilusão. É como um brinquedo cujo mistério tentamos decifrar quebrando-o. O encanto e a magia da religião desaparecem quando se vêem as engrenagens, a mecânica e as razões materiais por trás das crenças.
Veja - O senhor cita constantemente trechos do Corão, da Bíblia e da Torá para apontar contradições. Por que razão, se em muitos casos esses trechos nem são mencionados pelos religiosos na defesa de suas convicções?
Onfray - Os sacerdotes limitam-se a usar apenas um punhado de palavras, textos e referências, sempre postos em evidência porque são aqueles trechos que permitem assegurar melhor o domínio sobre os corpos, os corações e as almas dos fiéis. A mitologia das religiões precisa de simplicidade para se tornar mais eficaz. Elas fazem uma promoção permanente da fé em detrimento da razão, da crença diante da inteligência, da submissão ao clero contra a liberdade do pensamento autônomo, da treva contra a luz.
Veja - Seu livro cita contradições entre a pregação da paz e a da violência. O senhor pode dar os exemplos mais marcantes dessa situação?
Onfray - O famoso sexto mandamento da Torá ensina: "Não matarás". Linhas abaixo, uma lei autoriza a matar quem fere ou amaldiçoa os pais (Exodo 21:15 e adiante). Nos Evangelhos, lê-se em Mateus (10:34) a seguinte frase de Jesus: "Não vim trazer a paz, e sim a espada". O mesmo evangelista afirma a todo instante que Jesus traz a doçura, o perdão e a paz. O Corão afirma que "quem matar uma pessoa sem que ela tenha cometido homicídio será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade" (quinta sura, versículo 32). Mas ao mesmo tempo o texto transborda de incitações ao crime contra os infiéis ("Matai-os onde quer que os encontreis", segunda sura, versículo 191), os judeus ("Que Deus os combata", nona sura, versículo 30), os ateus ("Deus amaldiçoou os descrentes", 33ª sura, versículo 64) e os politeístas ("Matai os idólatras, onde quer que os acheis", nona sura, versículo 5).
Veja - O livro ataca com virulência particular o apóstolo Paulo, descrevendo-o como um histérico. Por quê?
Onfray - Basta ler os Atos dos Apóstolos, nos trechos que descrevem a conversão de Paulo, e conhecer um pouco de psiquiatria, ou ter um manual de psicologia ao alcance da mão, para ver quanto os sintomas da visão que originou sua conversão coincidem com os descritos pelos especialistas em histeria: perda de tônus muscular, queda, cegueira momentânea etc. Ao me referir a Paulo, eu não emprego o termo neurose como um insulto de caráter moral, mas como um diagnóstico que pode ser estabelecido por um psiquiatra.
Veja - Há uma diferença entre ser contra as religiões e não acreditar na existência de Deus?
Onfray - É possível acreditar em Deus e viver sem religião. Mas não conheço religião que viva sem Deus. Trata-se do mesmo combate, verso e reverso da mesma medalha.
Veja - Mas não são poucos os que sustentam que a necessidade de Deus é inerente ao ser humano. Há quem acredite que essa necessidade é genética.
Onfray - Essa necessidade é cultivada culturalmente. É claro que não existe. Muito menos geneticamente. Essa é uma idéia ridícula. Não há nada no cérebro além daquilo que é posto nele. Já se viu alguma criança - imagem do que pode haver de mais natural - nascer acreditando em algum deus ou em alguma transcendência? Deus e a religião são invenções puramente humanas, assim como a filosofia, a arte ou a metafísica. Essas criações, é bem verdade, respondem a necessidades, como a de esconjurar a angústia da morte, mas podemos reagir de outra forma: por exemplo, com a filosofia.
Veja - Como o senhor explica o fato de muitos cientistas, diante da impossibilidade de explicar a imensa complexidade do universo, se voltarem para a hipótese da criação divina?
Onfray - O recurso a Deus e à transcendência é um sinal de impotência. A razão não pode tudo. Deve ser consciente de suas possibilidades. Quando ela não consegue provar alguma coisa, é preciso reconhecer essas limitações e não fazer concessões à fábula, ao pensamento mitológico ou mágico. A idéia da criação divina é uma espécie de doença infantil do pensamento reflexivo.
Veja - Como filósofo ateu, como o senhor viu a forte comoção popular pela morte do papa?
Onfray - Tamanho fervor deve ser relacionado com o fato de que João Paulo II foi de fato o primeiro "papa catódico", o primeiro sumo pontífice da era da comunicação de massa. Foi o homem mais filmado do planeta. Logo, era o maior portador da aura que a mídia confere. A maioria das pessoas tem fascínio pelos ícones eleitos pela mídia e acredita mais neles do que na verdade física. Daí a estranha sensação quando a TV prova que por trás daquela imagem divinizada havia alguém bem real, de carne e osso. Isso ficou demonstrado, na morte do papa, pelo uso espetaculoso da exposição do cadáver e pela criação de uma reação histérica entretida e amplificada pela transmissão televisiva.
Veja - O senhor retoma casos recentes e antigos em que o papel da Igreja Católica não foi dos melhores: ataques a Galileu, silêncio diante do holocausto ou do genocídio em Ruanda. Mas é possível encontrar outros tantos exemplos de bons momentos do catolicismo. Isso não mostra que o problema não são as religiões e sim os homens que as interpretam?
Onfray - Não me proponho a escrever uma resposta ao livro O Gênio do Cristianismo (obra de 1802 do escritor francês François-René de Chateaubriand, que refutava os filósofos anti-religiosos de seu tempo). O que quero é mostrar que as religiões, que dizem querer promover a paz, o amor ao próximo, a fraternidade, a amizade entre os povos e as nações, produzem na maior parte do tempo o contrário. Não me parece muito digno de interesse que os monoteísmos possam ter gerado o bem aqui ou acolá. Afinal, é a isso mesmo que eles dizem se propor. Não há motivo para espanto. Em compensação, que se devam a eles tantas barbaridades terrenas, extremamente humanas, me parece muito mais importante como prova da inanidade das doutrinas.
Veja - Críticos católicos alegam que seu livro nada fez senão repetir antigos argumentos contra a religião. Quais são seus argumentos novos?
Onfray - Não se pode fazer muito a respeito, a não ser dizer e redizer o que é verdade há muito tempo. E repetir que os cristãos têm pouca moral para me reprovar por dizer antigas verdades, quando eles mesmos propagandeiam erros ainda mais antigos.
Veja - Não se pode negar que a religião proporciona valores morais e éticos a muitas pessoas que de outra forma não os teriam. Isso, por si, não bastaria para justificar a existência das religiões?
Onfray - Se não houvesse alternativa, certamente. Mas há. A filosofia permite a cada um a apreensão do que é o mundo, do que pode ser a moral, a justiça, a regra do jogo para uma existência feliz entre os homens, sem que seja preciso recorrer a Deus, ao divino, ao sagrado, ao céu, às religiões. É preciso passar da era teológica à era da filosofia de massa.
Veja - O senhor acha que um dia o mundo será predominantemente ateu?
Onfray - Não. A fraqueza, o medo, a angústia diante da morte, que são as fontes de todas as crenças religiosas, nunca abandonarão os homens. Por outro lado, é preciso que alguns espíritos fortes, para usar uma expressão do século XVII, defendam as idéias justas. A questão é converter novos espíritos fortes. Só isso já seria muita coisa.
Veja - Quando e como o senhor se tornou ateu?
Onfray - Até onde consigo me lembrar, sempre fui ateu, a não ser na infância, quando acreditava na mitologia católica como se acredita em Papai Noel ou nas lendas do folclore. A história contada pelo catolicismo tem tanto valor quanto essas. Está no mesmo nível dos contos da carochinha, em que os animais conversam e os ogros comem criancinhas. Assim que um embrião de razão habitou meu espírito, não me importei mais com esse pensamento mágico - que só serve, justamente, para as crianças.
Veja - Do que se trata, exatamente, a "universidade popular" que o senhor criou?
Onfray - Eu criei essa universidade, com um grupo de amigos, três anos atrás, com o objetivo de proporcionar um saber filosófico exigente ao maior número possível de pessoas, de todas as origens, sem distinção de classe, religião, sexo, idade, formação, poder aquisitivo ou nível intelectual. E, ao mesmo tempo, permitir a construção de si mesmo como pessoa livre, independente e autônoma. Organizamos seminários sobre idéias feministas, política, cinema, arte contemporânea ou psicanálise, entre outros. Também temos uma oficina de filosofia para crianças. No que me diz respeito, ensino uma contra-história da filosofia - atéia, materialista, sensualista, hedonista, anarquista.
VEJA, 01-06-2005 Entrevista: Richard Dawkins
O devoto de Darwin
O zoólogo britânico diz que a teoria da evolução contém uma verdade universal e que há beleza no modo como a ciência explica a vida Jerônimo Teixeira No início do ano, o zoólogo britânico Richard Dawkins, de 64 anos, visitou o arquipélago equatoriano de Galápagos, no Oceano Pacífico. Estava seguindo os passos da excursão científica realizada em 1835 por seu herói intelectual – o naturalista inglês Charles Darwin, autor de A Origem das Espécies, obra que se tornou a base da biologia moderna ao lançar, em 1859, a idéia de que a vida evoluía por meio da seleção natural. Autor de verdadeiros clássicos da divulgação científica como O Gene Egoísta e O Relojoeiro Cego, Dawkins é – ao lado do paleontólogo americano Stephen Jay Gould, que morreu de câncer em 2002 – um dos maiores propagandistas do darwinismo. Seu novo livro, O Capelão do Diabo, que está sendo lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é uma coletânea de ensaios que dá uma boa amostra de sua paixão pela ciência – e de sua oposição à religião, tema de uma das seções mais incendiárias do livro. Por telefone, de seu escritório na Universidade de Oxford, onde leciona, o zoólogo concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
Veja – Passados quase 150 anos desde a publicação de A Origem das Espécies, qual a força do pensamento de Charles Darwin?
Dawkins – A conquista de Darwin é universal e atemporal. Os processos evolutivos descritos por ele devem acontecer em qualquer lugar do universo onde porventura exista vida. Em um dos ensaios de O Capelão do Diabo, afirmo que um visitante extraterrestre certamente teria mais interesse em discutir as idéias de Darwin do que as de pensadores como Freud ou Marx – a quem ele já foi comparado –, cujo trabalho é de interesse mais limitado, paroquial, "terreno". Quando releio Darwin, sempre me surpreendo com quão moderno ele soa. Considerando que suas concepções de genética estavam erradas, é impressionante como ele conseguiu acertar em todo o resto. Com um princípio básico, a seleção natural, o darwinismo é capaz de explicar uma enorme variedade de fenômenos complexos. É uma teoria muito elegante.
Veja – Pode-se dizer que o darwinismo é hoje uma teoria bem compreendida e assimilada?
Dawkins – Infelizmente, não. As pessoas pensam que o darwinismo é uma teoria do acaso, quando é na verdade a teoria que nos permite escapar ao acaso na biologia. Darwin não diz que organismos tão formidavelmente complexos quanto aqueles que vemos sobre a Terra surgiram de maneira fortuita. A seleção natural não opera cegamente: de geração em geração, ela preserva os genes que trazem vantagens e elimina aqueles que trazem desvantagens aos organismos. É assim, dessa forma gradual, que a evolução acontece. Muitos argumentam que a beleza e a complexidade da vida só podem significar que por trás dela há um projeto deliberado, um "desenho inteligente" feito por Deus. Não é assim: a alternativa para o acaso não é um "projeto", mas a seleção natural.
Veja – Hoje há um embate entre evolucionistas como o senhor e os criacionistas. Por que o senhor considera inaceitável a idéia de que a vida foi criada por Deus?
Dawkins – Postular a existência de um Deus que criou a vida é o tipo de idéia que só complica as coisas. É um raciocínio contraprodutivo, pois traz a necessidade adicional de explicar a existência desse ser. A partir de elementos muito simples, a seleção natural mostra como e por que a natureza abriga a imensa complexidade, a imensa variedade dos seres vivos existentes. Esse é o poder desse conceito. Com ou sem um ser divino no início de tudo, a seleção natural ainda teria a mesma capacidade de explicar o funcionamento da natureza.
Veja – Por que o senhor chama a religião de "vírus da mente"?
Dawkins – Isso está relacionado à idéia de meme, que lancei em 1976 no meu livro O Gene Egoísta. Cunhei o termo – que já foi incorporado pelo dicionário Oxford – em analogia com gene. Assim como os genes são unidades auto-replicadoras que passam de uma geração a outra, também os memes seriam capazes de replicar a si mesmos e passar de uma mente para a outra. Esse conceito é útil se explica por que uma idéia em particular se disseminou. Um meme pode ser uma idéia científica, uma melodia, um poema, e nesse caso ele se dissemina por seus méritos. A religião seria um memeplexo, isto é, um conjunto de memes que costumam florescer na presença uns dos outros, tal como acontece com certos complexos de genes. Mas, ao contrário dos bons memes, a religião não se dissemina porque é útil. Ela salta de uma mente para outra como uma infecção, ou como um vírus de computador, que só se propaga porque traz embutida uma instrução codificada: "Espalhe-me".
Veja – O senhor já observou que a ciência pode ser "religiosa, no sentido não sobrenatural da palavra". Poderia explicar essa expressão?
Dawkins – Eu não estava falando da religião que acredita em um Deus que ouve nossas preces. Einstein considerava-se religioso, embora não acreditasse em nenhum plano sobrenatural. Ele só usava a palavra "religião" para definir seu sentimento de espanto e mistério diante do universo. Eu empreguei a palavra no mesmo sentido em um ensaio, mas isso talvez não seja recomendável. Há muita gente ansiosa por deturpar formulações como essa. Muitos gostariam de trazer pessoas como Einstein para o bloco dos crentes, ao qual ele certamente não pertencia.
Veja – Um cientista não pode ser religioso?
Dawkins – Pode, e muitos cientistas são. Mas eu não consigo entender suas razões. Talvez seja um tipo de cérebro repartido: eles mantêm suas crenças religiosas em um nicho, e a ciência em outro. Tenho dificuldade em simpatizar com isso. Se eu mantivesse crenças contraditórias, tentaria refletir sobre o tema até me decidir por um lado ou outro.
Veja – O senhor afirma que evolucionistas não deveriam participar de debates públicos com partidários do criacionismo. Por quê?
Dawkins – Essa é uma proposta minha e do paleontologista americano Stephen Jay Gould. Pretendíamos escrever um texto conjunto sobre o tema, mas Gould morreu antes de revisar o esboço que apresentei a ele. Os criacionistas buscam esse debate para conquistar um verniz de respeitabilidade intelectual. Eles não têm esperança de "vencer" a discussão: querem apenas ser reconhecidos no mesmo palanque ocupado por um cientista de verdade. Por isso devemos evitar esses encontros.
Veja – Essa recusa não passaria a idéia de que os darwinistas são arrogantes ou temem o debate?
Dawkins – Talvez sim. É muito difícil lidar com esse problema. Gould e eu podemos estar errados, mas essa é a posição que tomamos, e, no momento, eu ainda a sustento. Talvez, para evitar o perigo de conferir status demais ao criacionismo, o ideal seria que apenas estudantes de pós-graduação ou mesmo de graduação participassem desse tipo de debate. Eles estariam tão capacitados quanto eu para refutar os criacionistas, cuja argumentação não é tão refinada assim.
Veja – A espécie humana não teria uma necessidade natural de religião?
Dawkins – Não creio que seja uma necessidade universal. Se a demanda é por reverência e espanto diante da vida e do universo, a ciência pode satisfazê-la. Se a demanda é por conforto diante da morte, então talvez a ciência não possa satisfazê-la. Seja como for, reconhecer que existam necessidades pessoais ou coletivas atendidas pela religião não equivale a dizer, de maneira nenhuma, que exista verdade nas concepções religiosas.
Veja – O senhor acredita que algum dia a humanidade possa viver sem religião?
Dawkins – Não por um longo tempo. E eu jamais proporia qualquer forma de proibição à atividade religiosa. A resposta está na atividade à qual me dedico: a educação. Quanto mais educação houver, mais teremos discussões racionais e pensamento inteligente, e mais difícil será para a religião sobreviver.
Veja – Há beleza na ciência?
Dawkins – A verdade é bela em si mesma. E existe uma elegância própria do conhecimento. Einstein comovia-se com a beleza das equações. Além disso, os fenômenos que biólogos ou astrônomos estudam – árvores, pássaros, estrelas – são belos em si mesmos. Lidar com eles é lidar com o belo.
Veja – Quando se discute bioética, a questão da clonagem humana é sempre levantada. Seria mesmo o problema mais importante hoje?
Dawkins – Não, não é um problema tão importante. As pessoas se opõem a essa idéia por razões variadas. Todas as tecnologias reprodutivas envolvem a morte de embriões, e há um preconceito religioso contra isso. Há quem reaja com nojo diante da idéia de clonagem humana. Imaginam, digamos, centenas de Saddam Hussein marchando no mesmo passo, o que de fato é uma perspectiva aterrorizante. Mas ela está calcada em idéias falsas como, por exemplo, a de que um clone não teria personalidade individual. Geneticamente, gêmeos idênticos são clones um do outro – e têm, como bem sabemos, personalidades independentes. Há muita mistificação sobre esse tema.
Veja – O senhor acredita que esse tipo de clonagem vá ocorrer?
Dawkins – Não com a tecnologia que temos hoje, que produziu a ovelha Dolly, um único clone, ao custo de muitos embriões perdidos. De qualquer forma, a criação de um clone humano nunca foi proposta seriamente. Propõe-se, isso sim, a clonagem de células-tronco, para propósitos médicos. As únicas objeções a isso, repito, têm motivação religiosa, e são estúpidas.
Veja – Devem-se impor limites ao conhecimento científico?
Dawkins – Questões sobre o que é certo ou errado não comportam verdades absolutas. São matéria de julgamento e ponderação. A ciência não pode decidir sobre esses problemas – pode apenas demonstrar incoerências nas posições que tomamos. A decisão, por exemplo, de proibir ou não o desenvolvimento de armas biológicas não é um problema científico. É algo que tem de ser discutido pela sociedade em geral – políticos, juristas, cidadãos.
Veja – O senhor já demonstrou entusiasmo pela idéia de que um dia talvez seja possível reconstituir geneticamente o elo perdido entre o ser humano e os outros primatas. Como seria isso?
Dawkins – O geneticista sul-africano Sydney Brenner propôs que um dia talvez possamos, a partir do genoma do homem e do chimpanzé, fazer uma projeção retrospectiva até nossos antepassados. Uma espécie de "média" entre os dois genomas seria próxima do ancestral comum de homens e chimpanzés, que viveu em torno de 6 milhões de anos atrás. Com esse código genético em mãos, talvez a tecnologia embriológica do futuro seja capaz de criar esse ser vivo, um espécime do nosso antepassado comum, o elo perdido. Teríamos vivo, respirando na nossa frente, um ser que é intermediário entre o homem e outra espécie animal. Um experimento desse tipo seria um duro golpe contra a arrogância humana. Isso poderia mudar o antropocentrismo da nossa ética e da nossa moral. Hoje, todos os intermediários estão extintos, o que fomenta a idéia falsa de que ocupamos um espaço à parte na natureza. A biologia atual não vê o homem como o pináculo da evolução. O darwinismo não faz valorações desse tipo. Quando um darwinista fala em um animal "melhor" quer dizer apenas melhor em reproduzir-se, em passar adiante sua carga de genes.
Veja – O senhor tem escrito muitos artigos criticando o presidente americano George W. Bush. Faz isso como cientista ou como cidadão?
Dawkins – Existem cientistas cujo interesse em política é tão dominante que acaba colorindo suas pesquisas, inclusive as mais técnicas. Creio que esse tipo de mistura não é aconselhável. Digamos que me pronuncio como um cidadão com um nível elevado de conhecimento científico. Bush não tem nenhum interesse em ciência, a não ser na medida em que ela possa ser usada para fins militares, e é uma ameaça ao meio ambiente, pela recusa em assinar o Protocolo de Kioto. O mundo seria um lugar melhor sem ele.
Veja – O senhor recentemente esteve em Galápagos, onde Darwin fez muitas observações que embasaram sua teoria. Ainda é um local privilegiado para observar a evolução?
Dawkins – Sim. As ilhas são muito novas, têm só 3 ou 4 milhões de anos, e nesse tempo limitado houve nelas uma diversificação de espécies fabulosa. É impressionante como os animais lá são pouco ariscos. Talvez porque tenha havido muito pouca predação, você pode caminhar até muito próximo deles. E eles não fogem. É como estar em um imenso zoológico a céu aberto, sem jaulas. Muito pouco mudou desde a época em que o jovem Darwin esteve lá, em 1835, perguntando-se exatamente sobre o "mistério dos mistérios" que era o surgimento de novas espécies. Embora o triunfo de Darwin pudesse ter sido gestado em qualquer lugar do universo, ele foi fruto de uma viagem de cinco anos ao redor do planeta, na qual Galápagos foi uma das escalas mais importantes. http://veja.abril.com.br/010605/entrevista.html
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Folha de Sãp Paulo : Psicólogo faz alerta contra a força política do design inteligente e fala das ameaças à ciência nos EUA hoje
Cético de plantão
Divulgação
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O psicólogo e cético americano Michael Shermer, colaborador da revista "Scientific American" e criador da "Skeptic Magazine" |
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Ser cético nos EUA do segundo reinado de George Bush 2º, em que a direita radical religiosa vem ganhando cada vez mais espaço, é um ato político. Ser conhecido nos meios científicos e acadêmicos como "o" cético de plantão, então, torna a pessoa quase um líder de partido. Essa pessoa hoje em dia atende pelo nome de Michael Shermer, e seu partido é a Sociedade dos Céticos, que o acadêmico americano dirige e cujo slogan é "Aqui Nada é Definitivo... Mas Nós Não Temos Certeza Disso".
Criador também da "Skeptic Magazine" (revista dos céticos) e colunista da revista mensal "Scientific American", Shermer, 50, psicólogo de formação, é autor de dezenas de livros, entre eles o recém-lançado "Science Friction" (Fricção Científica), sobre a interseção entre a ciência e a cultura. No intervalo de palestras, noites de autógrafo e programas de TV, ele trocou e-mails com a Folha de sua casa em Altadena, um subúrbio de Los Angeles, na Califórnia.
"O design inteligente não é ciência, e forçar os professores a ensiná-lo por coerção do Estado é um perigo", afirmou. Ele se refere à polêmica recente entre os evolucionistas, que defendem a teoria da evolução das espécies de Darwin, e os criacionistas, que fazem lobby para que o governo federal só libere verbas a escolas que ensinem a teoria do design inteligente, segundo a qual uma inteligência superior teria projetado o Universo. A seguir, a entrevista:
Folha - O sr. é um cientista num país em que Darwin está perdendo a batalha, pelo menos na Casa Branca. Nesse sentido, seu livro mais recente, "Science Friction", pode ser encarado como um livro também político? Como é a experiência de ser um cético num país dominado pela "América Profunda"?
Michael Shermer - Com "Science Friction", eu tento mostrar como a ciência se cruza de maneira friccional com o ambiente cultural que a cerca. Assim, incluo também a política. Escrevo diversos capítulos que tocam nesse assunto. Por exemplo, as guerras antropológicas da nação ianomâmi da Amazônia, muito interessantes, e o paralelo delas na sociedade contemporânea...
Folha - Estou me referindo ao recente avanço nos EUA da teoria do design inteligente ante a teoria da evolução das espécies, avanço patrocinado por grupos religiosos radicais...
Shermer - A polêmica entre o evolucionismo e o criacionismo não é nova. Vivemos nos EUA um segundo "Julgamento do Macaco" [caso de 1925, quando o Estado do Tennessee teve contestada na Justiça uma lei recém-aprovada que proibia os professores de ensinarem em escolas que recebiam verbas estaduais que o homem descendia de espécies inferiores]. A sua mais recente encarnação, agora rebatizada de teoria do design inteligente, é uma tentativa desesperada de grupos instalados no governo de forçar os professores das escolas públicas a ensinar o criacionismo, ou o design inteligente, como ciência. Como o DI não é ciência, é crença, a única maneira de colocá-lo no currículo é por coerção do Estado. E isso é um perigo.
Folha - Antes que um cientista comprove sua teoria, também ele tem de ser um "crente", não?
Shermer - Cientistas não "acreditam" em teorias da mesma maneira que uma pessoa religiosa "acredita" em Deus ou nos preceitos gerais desta ou daquela religião. Cientistas são "crentes" ou "céticos" em relação a uma hipótese ou teoria específica baseados na qualidade e na quantidade de provas e também se as descobertas decorrentes dessa hipótese ou teoria foram comprovadas por outros cientistas trabalhando na mesma área. Nesse sentido, nós não "acreditamos" em evolução, por exemplo; apenas estamos extremamente confiantes de que tenha acontecido. Isso é o mais longe que você pode ir na ciência, porque todos os achados são provisórios, não há verdades absolutas. Só duas: a morte e o imposto de renda.
Folha - O sr. afirma que a onda de pessoas que dizem ter sido seqüestradas por extraterrestres equivale à caça às bruxas na Idade Média, ou seja, é questão de histeria coletiva...
Shermer - Depois de meio século de observação rigorosa, nós não conseguimos reunir uma prova que seja de que alienígenas já estiveram na Terra. Acho mais possível, mas extremamente improvável no sentido absoluto, que venhamos a descobrir inteligências alienígenas em algum lugar da galáxia. A probabilidade de haver ETs em algum lugar do cosmo é extremamente alta, alguns dizem que chega perto dos 100%, mas as chances de eles visitarem a Terra, de mandarem um sinal ou uma onda de rádio são muito, muito baixas. Mesmo assim, acho que vale a pena continuar procurando por esse sinal, e é só por isso que eu apóio o grupo Seti (busca por inteligência extraterrestre, em inglês).
Folha - Um dos textos mais comoventes de seu livro trata da morte de sua mãe, de câncer, e de como o sr. lidou com esse fato nos últimos dias dela. A possibilidade de nunca mais vê-la o fez compreender como pensa um "crente", ou não-cético?
Shermer - A doença dela me fez entender por que as pessoas recorrem à chamada "medicina alternativa", especialmente por que elas ficam desesperadas e se sujeitam a tentar qualquer coisa. Mas, como eu viria a descobrir na prática, tentar uma dessas "curas alternativas" não é um caso de nada a perder e tudo a ganhar, porque nenhuma delas foi testada direito e há literalmente dezenas de "curas populares para o câncer" no mercado americano.
Além disso, é até possível que uma das "curas" de que falei na verdade funcione, mas qual delas? Como nenhuma foi testada com rigor, e você tem tempo e recursos limitados quando uma pessoa está doente e morrendo, tudo depende de qual caminho vai tomar e quanto tempo está disposto a gastar com essas possibilidades, quando poderia passar esse mesmo tempo precioso com a pessoa que ama. Foi o que fiz.
Folha - Outro bom momento é quando o sr. se faz passar por um paranormal -e consegue enganar todo mundo. Por que teve essa idéia?
Shermer - Bill Nye [William S. Nye, conhecido como "Bill Nye, the Science Guy", ou "o cara da ciência", que tem um programa infantil de ciência na TV, chamado "The Eyes of Nye"] me convidou a participar do segmento de seu programa que discutiria a paranormalidade. Em vez de apenas ir lá e explicar como os truques funcionam, que é o que eu geralmente faço, Bill achou que seria mais convincente se eu tentasse ler a mão de pessoas no ar e deixasse a própria platéia decidir.
Eu aceitei e fui além: posaria de leitor de cartas de tarô, astrólogo, adivinho. Foi o que aconteceu. Essencialmente, fiz as mesmas previsões e adivinhações para todos os meus "clientes". Descobri que não importa a modalidade que você use, importam apenas as coisas que você diz. Quando consegue estabelecer o que chamamos de "parcialidade confirmatória" com o "cliente", ou seja, o desejo que ele tem de que você esteja falando a verdade e que o leva a se lembrar apenas de seus acertos e a esquecer a maior parte de seus erros, a coisa flui.
Folha - No livro, o sr. coloca lado a lado o roteirista Gene Roddenberry, criador da série de TV "Jornada nas Estrelas", e o paleobiólogo de Harvard Stephen Jay Gould, morto em 2002. Como assim?
Shermer - São exemplos perfeitos de pessoas que usaram suas vidas para tocar em questões mais profundas. Um deles usou a ficção científica, no caso de Roddenberry, e o outro os fatos científicos, no caso de Gould, ambos para fazer comentários sociais. Gould, por exemplo, deixou textos incríveis sobre os usos e abusos da ciência na cultura.