O Budismo e o Guru da Felicidade

Revista Epoca, Ago/2005


Revista Epoca - O Guru da Felicidade

O guru da felicidade

Com aliados famosos e best-sellers, o Dalai Lama faz crescer a simpatia pelo budismo no Ocidente

PAULA PEREIRA, de Estocolmo

» Saiba mais sobre o budismo
» Ouça o Dalai Lama (em inglês)
» Em entrevista a ÉPOCA, sociólogo francês confronta budismo e cristianismo, Oriente e Ocidente
» Relíquias de Buda serão expostas em São Paulo
» Lista de livros do Dalai Lama
» Acesse o site do Dalai Lama, do Tibete e outros sobre budismo
» DVD: Sua Santidade o XIV Dalai Lama - Ensinamentos no Brasil


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Sua presença é menos etérea do que se esperaria de alguém apontado como uma encarnação de Buda. Os gestos são entusiasmados, o aperto de mão é enérgico e a risada sem censura faz até o que não tem graça soar divertido. Aos olhos de um ocidental, a rotina do 14º Dalai Lama, líder espiritual dos tibetanos, também está mais para a de um ser deste mundo que para a de um deus vivo que já atingiu o nirvana e voltou para servir aos humanos, como os budistas o consideram. Ele passa quase seis meses do ano em viagens, encontrando-se com parlamentares e chefes de Estado, arrebanhando multidões em audiências públicas nas quais prega a paz, ensinando preceitos do budismo a platéias lotadas e escrevendo livros sobre compaixão e ética, que são best-sellers. Já publicou mais de 50. No Brasil, vendeu quase 900 mil exemplares de cerca de 30 títulos nos últimos quatro anos.

A felicidade é um de seus temas favoritos. Não é de estranhar, portanto, que pessoas de qualquer credo - ou de nenhum - se interessem cada vez mais pela figura e pelos ensinamentos do Dalai Lama. Ele mesmo faz questão de desvincular seu discurso do de um líder meramente religioso. 'Não quero converter ninguém. Meu maior interesse é promover os valores humanos', avisa. Essa mistura de pacifismo com auto-ajuda brotou quando o Dalai Lama ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 1989, por sua luta em favor da libertação do território tibetano, sob domínio da China desde 1950. A partir daí, suas audiências públicas, que antes reuniam não mais que 300 pessoas, passaram a atrair multidões de até 50 mil pessoas. Em sua segunda e mais recente visita ao Brasil, em 1999, reuniu 8 mil ouvintes e dividiu o palco com Gilberto Gil e Rita Lee. Famosos como os atores Richard Gere e Sharon Stone apóiam ativamente a causa do Tibete. O Dalai Lama acabou tornando-se ele próprio uma celebridade. Virou embaixador da paz, da causa tibetana e do budismo - embora ele represente apenas uma das muitas vertentes da religião no mundo.
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BRAD PITT
Filme com o Dalai Lama RICHARD GERE
Ajuda financeira

As pregações do simpático monge de 67 anos não trazem enfoques inéditos ou reflexões extraordinárias. Há anos repete as mesmas receitas singelas de 'desenvolver a compaixão pelos outros', 'limpar a mente de emoções negativas' e 'reconhecer que todos têm o mesmo potencial'. Ainda assim, consegue tocar multidões. Na semana retrasada, 14 mil suecos, de jovens com piercing no nariz a senhoras aposentadas, lotaram um ginásio de shows em Estocolmo, onde estavam em cartaz Ozzy Osborne e Mariah Carey, para ouvi-lo entoar o mesmo mantra de paz e felicidade de sempre. Saiu aplaudido de pé. No dia seguinte, 2 mil pessoas pagaram R$ 150 por uma palestra idêntica em Copenhague, na Dinamarca. Uma mulher na platéia perguntou o que fazer com um filho que não lhe obedece. Depois de gracejar simulando no ar um tabefe na criança impertinente, o Dalai levou a audiência ao delírio ao recomendar: 'Paciência, paciência e paciência'.

Seja ao vivo, seja nos vídeos ou nos livros, o Dalai Lama conquista menos pelo conteúdo que pela forma com que se dirige às pessoas, sempre espontânea e desprovida de solenidade. Não faz cerimônia para responder com um franco 'não sei' à pergunta sem sentido de um ouvinte. Tampouco se constrange ao desconcentrar os alunos de um curso de conceitos budistas profundos quando tira de sua sacola de monge uma viseira amarela e a coloca na cabeça raspada, para proteger o rosto da luz dos refletores. O charme do líder se completa com o hábito cor de vinho e açafrão e os chinelos de dedo.

Essa dinastia de líderes ao mesmo tempo seculares e religiosos, os Dalai Lamas, foi instituída no século XIV pelos mongóis para facilitar a administração do Tibete, um platô inóspito a 4 mil metros de altitude, espremido entre a Índia e a China. O título de 'oceano de sabedoria' foi concedido pela primeira vez ao abade de um mosteiro. Desde então, a honraria vem sendo transmitida a crianças consideradas encarnações do Dalai Lama anterior. A atual, Tenzin Gyatso, é a 14ª manifestação.

Filho de camponeses, o pequeno Buda foi reconhecido quando tinha apenas 2 anos de idade. Os sinais que o identificaram foram apontados por oráculos e curiosas formações de nuvens na região em que morava. O garoto também teve de distinguir, entre diversas réplicas, os rosários, os tambores e as bengalas que haviam pertencido a seu antecessor, o 13o Dalai Lama. Aos 6 anos, então, foi separado da família e instalado no Palácio Potala, na capital, Lhasa, para receber a educação de líder. Formou-se doutor em filosofia budista em três mosteiros.

Em 1950, quando ele tinha apenas 16 anos, a China invadiu o Tibete e o Dalai Lama teve de assumir antecipadamente o poder, até então nas mãos de um regente. Durante nove anos ele tentou negociar a autonomia do Tibete com o governo comunista. Como o território é isolado e era quase desconhecido do mundo ocidental, sem representações diplomáticas ou relações comerciais com outros países, o líder não contou com a ajuda internacional. Depois de uma rebelião malsucedida, em 1959, ele refugiou-se na Índia com mais 100 mil tibetanos. Ali estabeleceu um governo no exílio.

No Tibete, milhares de mosteiros foram destruídos. Pessoas foram torturadas e mortas. A repressão chinesa intimida a prática religiosa e proíbe fotos do Dalai Lama até hoje. Uma política de transferência de população vem sendo implementada pelo governo comunista, e estima-se que os tibetanos correspondam a apenas um quinto da população atual do Tibete. Nesses 40 anos de exílio, o governo do Dalai, sediado em Dharamsala, no norte da Índia, promoveu a construção de mosteiros, escolas e instituições para preservar a cultura e a religião e também criou programas de assentamento de famílias e de apoio a refugiados. Graças a uma Constituição democrática, desde 2001 são realizadas eleições diretas para o Executivo. O governo se mantém com a ajuda de vários países e da contribuição voluntária dos tibetanos espalhados pelo mundo - situação que lembra a diáspora judaica. Na semana passada, uma comissão tibetana retornou da China após uma segunda rodada das negociações iniciadas em setembro. 'Não queremos independência, mas autonomia para as questões internas', diz o Dalai Lama. Apesar das conversações, o conflito está muito longe de uma solução.

Enquanto isso, o líder no exílio não perde a chance de mencionar a questão tibetana em suas palestras, entre uma fala sobre diálogo inter-religioso e outra sobre 'valores humanos'. Assim vai tornando o problema mais conhecido e somando apoios. Para a China, não poderia haver arma mais nefasta que o carisma e a projeção mundial do Dalai Lama. Ele, por sua vez, exercita a tolerância infinita que prega: garante não guardar rancor dos chineses. Afinal, não fosse a invasão comunista, é muito provável que sua notoriedade, a de sua cultura e de sua linhagem religiosa permanecessem restritas aos 6 milhões de habitantes do platô tibetano.

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Entrevista - 'Não quero converter ninguém ao budismo'

PAULA PEREIRA, de Estocolmo

Para o Dalai Lama, é mais importante promover o diálogo inter-religioso e a paz mundial

Mesmo com voz rouca, tosse (não é Sars, ele garante) e cansaço de uma viagem de duas semanas repleta de compromissos, o 14º Dalai Lama nunca perde a disposição. Oferece um sorriso ou aperto de mão a cada um que cruza seu caminho. Na semana retrasada, depois de acolher a comunidade de tibetanos da Suécia em um salão elegante do Grand Hotel, em Estocolmo, concedeu a ÉPOCA a seguinte entrevista.

ÉPOCA - O número de budistas no Brasil cresceu nos últimos anos. O que atrai os ocidentais nessa religião?
Dalai Lama - Eu também gostaria de saber. Acredito que há diferentes motivações. Algumas pessoas vêem no budismo uma ciência da mente, outras uma forma de humanismo que contribui para melhorá-las. E há ainda as que, como na tradição do budismo tibetano, se interessam pelos aspectos mais místicos da religião, suas várias divindades - da saúde, da vida longa -, o que não acho um caminho saudável. Afinal, a principal ênfase do budismo é treinar a mente para mudar a si mesmo por dentro, e não se apegar a essas coisas externas. Há ainda indivíduos mais voltados para a ciência, que se interessam pela abordagem do desenvolvimento da mente.

ÉPOCA - Esses vários enfoques não a descaracterizam como religião?
Dalai Lama - Não creio. O budismo tem mais de 2.500 anos. É uma filosofia que vem se perpetuando ao longo dos séculos, já foi testada pelo tempo e é muito profunda. Não quero dizer que é a melhor religião que existe. Cada indivíduo tem sua própria disposição mental e deveria escolher uma religião apropriada a ela.

ÉPOCA - As pessoas ainda precisam de uma religião?
Dalai Lama - A religião talvez tenha um papel diferente hoje. Antigamente, as comunidades eram muito religiosas, e as tradições guiavam as pessoas. Hoje elas estão mudando com o contato com outros modos de vida. Não existe mais isolamento e todos interagem com o mundo externo. No Brasil, um país tradicionalmente cristão, as pessoas têm mais informação sobre hinduísmo, budismo e zen-budismo. Portanto, têm novas oportunidades para escolher sua fé. Eu não saberia dizer se a religião está aumentando ou diminuindo no mundo. Mas acho que permanece mais ou menos como sempre. As muitas religiões lidam com os problemas e o sofrimento humano. Como a natureza humana e o sofrimento continuam os mesmos de sempre, acho que as religiões ainda são muito relevantes.

ÉPOCA - Seus livros são best-sellers no Brasil. Por que escreve para o público em geral sobre assuntos universais?
Dalai Lama - Porque isso é de meu interesse (risos). Eu não tenho interesse em converter pessoas ao budismo. Reconheço que todas as diferentes tradições têm o mesmo potencial de ajudar a humanidade. Sempre achei errado tentar converter as pessoas. Se eu tentar propagar o Dharma (a doutrina budista), se os irmãos cristãos e os muçulmanos fizerem o mesmo esforço para divulgar sua fé, pobres dos 6 bilhões de habitantes da Terra! (risos) Se tivessem a oportunidade, mudariam para outro planeta. Seria um desastre (risos). Paz e harmonia é o essencial, não o nome da religião que a pessoa aceita. Se o Brasil é um país de maioria cristã, que continue cristão. Se o Tibete ou a Mongólia são budistas, que permaneçam budistas, e que a Índia permaneça uma sociedade multirreligiosa. Meu maior interesse é promover os valores humanos. Por isso escrevo livros como A Arte da Felicidade. Se bem que não fui eu quem escolheu esse nome. Foi o co-autor, Howard Cutler.

ÉPOCA - Não gosta desse título?
Dalai Lama - Está vendendo tão bem que eu gosto (risos). Esse psiquiatra, o Cutler, me fazia perguntas e eu respondia a partir dos conceitos budistas. Ele conseguiu colocar isso tudo num bom formato. Agora vamos lançar o segundo livro, no mesmo padrão, com maior profundidade.

ÉPOCA - O senhor luta há 40 anos pela liberdade do Tibete. Não se cansa nem se arrepende de algum passo?
Dalai Lama - Quando as coisas ficam difíceis, eu as aceito. Claro que às vezes sinto frustrações ou arrependimento, mas não me incomodo muito. Segundo a tradição budista, nenhuma força é capaz de mudar o efeito das causas de outras vidas. Então, não há razão para sentir arrependimento. É preciso aceitar a situação e usá-la da melhor maneira. Como refugiado, escrevo um pouco, dou algumas palestras e, enquanto isso, vou fazendo algum dinheiro (risos). Claro, não para mim. Eu digo ao co-autor do livro: você não deve se motivar pelo dinheiro, e sim pelo serviço à humanidade. Mas, quando os direitos autorais entram na conta bancária, penso: parece que fiz mesmo um bom trabalho (risos).

ÉPOCA - O que acontecerá com a liderança no exílio se o senhor morrer antes de voltar ao Tibete?
Dalai Lama - Meu retorno ao Tibete é irrelevante. Emocionalmente, os tibetanos me querem de volta. Mas, intelectualmente, gostam de minha presença no Exterior. Eu divulgo a situação do Tibete, consigo apoio para nossa causa, difundo a cultura, converso com autoridades. Claro, se eu morrer, haverá algum recuo, mas o povo já tem outros líderes espirituais e políticos. Há dois anos elegemos nossos representantes constitucionalmente no exílio. Quando tudo isso se resolver, sairei da política e entrarei numa espécie de semi-aposentadoria.

ÉPOCA - A questão entre China e Tibete não remete ao conflito entre Israel e Palestina?
Dalai Lama - É realmente uma complicação. Em Lhasa, capital do Tibete, os chineses já se estabeleceram. Teremos de discutir isso, até porque há situações diferentes. Há, por exemplo, os chineses interessados no budismo tibetano. A mulher de um importante ministro chinês é budista. Dizem que ele a leva de carro para rezar no templo. Imagine um comunista ateu levando a mulher para rezar! Realmente, os chineses estão tendo um trabalho duro para erradicar o budismo (risos). Mas eu acredito no socialismo.

ÉPOCA - No socialismo chinês?
Dalai Lama - De certa maneira, sou mais socialista que certos líderes chineses. Porque eles não se importam com os trabalhadores. Alguns se tornam milionários e deixam os pobres de lado, negligenciam as pessoas.

ÉPOCA - Com os episódios recentes de guerras e terrorismo, o senhor acha que a humanidade está regredindo em termos de paz e entendimento?
Dalai Lama - Não acredito nisso. É verdade que alguns conflitos chegaram a extremos na Palestina, no Afeganistão ou no Iraque. Mas, em larga escala, o mundo não caminha para isso. O perigo mundial está muito mais reduzido. A tendência é pela democracia, pelas sociedades abertas e livres, sustentadas na lei. Nos últimos anos, vem-se desenvolvendo um movimento mundial positivo em favor da paz. Exemplo disso foram as manifestações contra a guerra no Iraque. E é uma onda muito forte. As pessoas têm um desejo urgente de paz no mundo que está crescendo mais e mais.

ÉPOCA - Incomoda ser recebido por líderes mundiais extra-oficialmente ou apenas como líder religioso?
Dalai Lama - Eles estão sendo realistas (risos). Não me importo com uma recepção mais ou menos oficial, o que me interessa é encontrar as pessoas. Claro, se um ministro me recebe no aeroporto, pode ser bom para a questão tibetana. No Ocidente, as pessoas levam muito em consideração o modo como alguém é recebido, como a pessoa sorri ou se veste. Para mim, isso não importa.

ÉPOCA - Por que nunca houve uma mulher Dalai Lama?
Dalai Lama - Várias mulheres são reconhecidas como encarnações importantes dentro do budismo. E nada impede que haja uma Dalai Lama. Mas que seja bonita (risos).

ÉPOCA - O que acha de ser tão popular entre celebridades mundiais?
Dalai Lama - Não há diferença. Não importa se me vêem como celebridade, estrela de rock ou guru. O que interessa é minha própria motivação. Toda manhã tento dar uma forma apropriada a ela. O ponto de vista das outras pessoas a meu respeito é uma questão delas. Alguns me acham um bom sujeito, outros me consideram um reacionário ou separatista. Não me importa. Muitos anos atrás, durante a Revolução Cultural, os chineses diziam que eu era um lobo em pele de cordeiro, enquanto outras pessoas me consideravam um deus vivo. Bobagem.

ÉPOCA - O senhor se considera um Buda vivo (para os tibetanos, ele é a reencarnação do Buda da Compaixão)?
Dalai Lama - Não, não e não. Isso leva décadas de prática. Cinco, seis décadas. Em meu caso, somente quando entrei na adolescência e quando me tornei um refugiado é que passei a praticar o budismo com entusiasmo. Então, faz apenas quatro décadas. Mas uma vida, 100 vidas, mil vidas de prática não são nada. Hoje faço meditação analítica, uma hora pela manhã e mais uma ou duas à noite. Além disso, meu dia inteiro deveria ter sentido e ser útil para os outros. Toda a minha vida deveria ter esse propósito. É preciso servir de alguma maneira. E esse é apenas o primeiro passo para se tornar um Buda (risos).

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A arte da motivação

PAULA PEREIRA, de Estocolmo

Pensamentos do Dalai Lama para diminuir o sofrimento
''É preciso limpar da mente emoções que perturbam a tranqüilidade, como raiva, medo, inveja. A compaixão e o altruísmo nos trazem autoconfiança e paz mental''
''Os ocidentais querem uma receita mágica para combater a raiva. Isso requer prática constante de controle e compaixão''
''Cada ato tem uma dimensão universal, por isso é preciso ter responsabilidade e disposição para beneficiar os outros, em vez de cuidar apenas dos próprios interesses''
''Todos os seres humanos têm o mesmo potencial para atingir a iluminação. É errado pensar que certas pessoas têm uma capacidade especial''
''Não podemos voltar os ponteiros do relógio. A única coisa que podemos fazer é usar bem o presente''
''A melhor forma de se aproximar da morte sem remorso é agir de maneira responsável, tendo compaixão pelos outros agora''
''Se não puder ajudar, ao menos não faça mal a outros''

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Saiba mais sobre o budismo

Fonte: O Livro das Religiões, Dharmanet, Centro de Estudos do Budismo, e Centro de estudos buddhistas chungtao

O Budismo, como ficou conhecido o Buda Dharma no ocidente, é um conjunto de Ensinamentos emitidos e vividos por um grande homem conhecido por Buda (Buda não é um nome, mas uma condição ou estado de pleno desenvolvimento espiritual - a Iluminação. Significa 'O Desperto'). Os seguidores dessa filosofia de vida não o tem como um Deus, mas como um guia espiritual que os ensina como se libertar do ciclo da morte e reencarnação, alcançando a iluminação, um estado de pureza espiritual completamente livre das preocupações mundanas e do ciclo da reencarnação.

Para Buda, o ser humano é escravizado por uma série de renascimentos, impulsionados pelo carma. Escapar do carma significa encerrar o ciclo de reencarnações, atingir a iluminação e encontrar a 'passagem' para o nirvana. Para esse fim, Buda ensinou aos discípulos as Quatro Nobres Verdades e os Oito Caminhos, que combinam ensinamento moral com regras básicas de meditação e concentração. Os ensinamentos do Buda se direcionaram principal e quase exclusivamente à liberação de todos os seres sencientes de seus sofrimentos.

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As Quatro Nobres Verdades, ensinamentos fundamentais do budismo

"Um dos ensinamentos básicos do Buda é que é possível viver feliz no momento presente. Drishta dharma sukha vihari é a expressão em sânscrito. O Dharma lida com o momento presente. O Dharma não é uma questão de tempo. Se você pratica o Dharma, se vive de acordo com o Dharma, a felicidade e a paz estão com você agora. A cura se dá tão logo o Dharma seja abraçado."

(Thich Nhat Hanh, Living Buda, Living Christ)

No ano 589 anos da era cristã (2513 do atual Kali Yuga), depois de experimentar sua iluminação debaixo de uma figueira do Parque das Gazelas, em Sarnath, Buda Shakyamuni fez o seu primeiro sermão, em que apresentou as quatro nobres verdades de que (1) existe sofrimento; (2) o sofrimento tem causas; (3) o sofrimento tem um fim e (4) existe um caminho para finalizar o sofrimento. Mostra que tudo é sofrimento, que a causa do sofrimento é o desejo, que o sofrimento cessa quando o desejo cessa; e que isso se consegue seguindo o caminho das oito vias. No sermão de Benares, afirmou ainda que o esforço correto é o do equilíbrio eqüidistante de todos os extremos - o Caminho do Meio, e que a liberação do 'eu' libera nossos corações da avidez, do ódio e da ilusão, abrindo a mente para a Sabedoria e o coração à bondade e à Compaixão. Segundo o Buda, nós devemos conhecer as quatro verdades, saber a tarefa a ser feita em cada uma delas e finalmente realizá-las por completo. Elas são semelhantes a uma receita médica, diagnosticando a doença, a causa desta doença, o remédio para curá-la e a prescrição de como tomá-lo.

A Nobre Verdade do Sofrimento (sânsc. Duhkha - páli Dukkha)

"A condição de samsara é basicamente uma condição da mente e não do mundo externo — apesar de muitas pessoas suporem o contrário. O samsara não é o mundo material onde vivemos — casas, árvores, montanhas, rios, animais etc. Ao invés disso, [o samsara] é a mente que vive ocupada e que nunca consegue aquietar-se."

(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)

A Primeira Nobre Verdade nos lembra da existência cíclica de sofrimentos e renascimentos sem fim, que os budistas chamam da Roda da Vida ou Samsara. Buda revela aqui tudo no mundo encerra umapossibilidade de causar sofrimento. 'Nascer é sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o que queremos é sofrer'. Para o budismo, todo esse sofrimento ultrapassa o mero desconforto físico e psicológico ao manchar a existência como um todo. Buda, no entanto, não negou a felicidade mundana, mas reconheceu que não podemos ter a expectativa de que ela dure — esse tipo de felicidade é impermanente, insatisfatório e sem essência. Buda diagnosticou esta insatisfação como uma doença que atinge todos os seres sencientes. A tarefa da primeira nobre verdade é que o sofrimento deve ser completamente entendido.

Em seus sermões, Buda lembrou diversos acontecimentos corriqueiros de nossas vidas, que para nós são sofrimento, na medida em que não estamos conscientes de como as coisas atuam e não somos senhores de nós mesmos, parte devido a condicionamentos automatizados, parte à ignorância intrínseca que todos temos. A Primeira Nobre Verdade é esta tomada de consciência; é somente a porta de entrada para a mensagem de que há uma saída para nossos problemas.

A Nobre Verdade da Causa do Sofrimento (sânsc. e páli Samudaya)

"Sofremos, não porque somos basicamente maus ou porque merecemos ser punidos, mas por causa de três trágicos mal-entendidos. Primeiro, esperamos que aquilo que está em constante mudança seja previsível e possa ser aprisionado. [...] Em segundo lugar, procedemos como se fôssemos separados de todo o resto, como se fôssemos uma identidade permanente, quando, na verdade, nossa situação é 'sem ego'. [...] Em terceiro lugar, procuramos a felicidade sempre nos lugares errados. O Buda chamou esse hábito de 'confundir sofrimento com felicidade', como uma mariposa que voa para a chama."

(Pema Chödrön, Os Lugares Que Nos Assustam)

Na segunda nobre verdade, Buda ensina que o sofrimento não surge 'por acaso', nem é um castigo imposto por um 'ser superior' em decorrência de nossos 'pecados'. Sua origem não está em coisas externas como a sociedade, a política e a economia; estas são causas secundárias, reflexos externos de nossas delusões internas. Para Buda, o sofrimento é causado pelo apego ao desejo e ao intenso 'querer' do ser humano, a sede de prazeres físicos, uma ânsia que nunca pode ser plenamente saciada e que, portanto, sempre irá provocar um sentimento de desprazer. O desejo deludido faz com que nos apeguemos à falsa idéia de um 'eu' ou 'ego', que possui grande apego por felicidade, ganhos, elogios e fama - e não consegue mantê-los – e uma aversão pela tristeza, perdas, críticas e difamação – e nem sempre consegue evitá-las. Para Buda, até mesmo o desejo de sobrevivência do ser humano contribui para manter o sofrimento. Enquanto ele se apegar à vida – e continuar acreditando que tem uma alma -, irá perceber o mundo como sofrimento. O desejo de não existir também causa dor e confirma a ilusão da existência de um ego, pois é baseado na sua existência que a pessoa, frustrada e cansada, deseja aniquilá-lo ou paralisá-lo.

Para o budismo não há nada de errado em ter prazer ou desejos. O erro é nos subjugarmos a eles através do apego, e em vez de sermos senhores de nossa situação, sermos apenas escravos deste apego/aversão.

Por exemplo: ao obtermos algo que desejamos ficamos felizes. A realização daquele desejo, preenchendo-o e finalizando-o é a experiência da felicidade. Pela lei da impermanência, esta experiência tem um fim, e pelo apego gerado desejamos reviver aquela felicidade. Só que este desejo pedindo imediata satisfação cria tensão, angústia, medos. Ficamos presos então a uma roda viva de desejos-satisfação-apego-aversão-outro desejo.

Algumas emoções negativas que causam sofrimento:

. desejo, cobiça, ambição, luxúria, avareza, ganância ou apego (sânsc. kama-raga, páli lobha);
. raiva, ódio, cólera, agressão, má-vontade ou aversão (sânsc. dvesha, páli dosa);
. ignorância, confusão, dúvida, ilusão ou delusão (sânsc. avidya, páli moha).

"O 'querer' sábio não pode dar origem ao apego. Desta forma, não há apego ao conceito ilusório de 'eu' ou 'meu' e não há a existência do 'ego', nem nascimento do 'ego'. Não há 'ego', nem 'eu' ou 'meu' a surgir. Nada pode, desta maneira, entrar em contato com o 'eu', pois sem 'eu' não há problema algum na mente."

(Achaan Budadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

A Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento (sânsc. Nirodha, páli Nirodho)

"Naquele que é caridoso a virtude crescerá. Naquele que domina a si próprio nenhuma cólera poderá aparecer. O homem justo rejeita toda maldade. Pela extirpação da concupiscência, do ódio e de toda ilusão, tu atingirás o Nirvana"

(O Buda, Mahaparinibbana Sutta)

A Terceira Nobre Verdade é que o sofrimento pode ser levado ao fim. Em termos budistas, isto só é possível quando

o desejo cessa. Para isso, a ignorância do homem deve ser enfrentada, pois ela é a causadora do desejo. O homem não se liberta sem desenvolver em si o afloramento da Sabedoria interior, do Amor e da Compaixão, itens imprescindíveis para a nossa sobrevivência, ensinados por Buda. A total cessação do sofrimento também é conhecida como a liberação (sânsc. Nirvana, páli Nibbana). A tarefa da terceira nobre verdade é que a cessação deve ser completamente realizada.

Nirvana
Palavra de conhecimento mundial, mas cujos significados verdadeiros são amplamente desconhecidos. Em sânscrito, 'Nir' é 'não', e 'vana' é 'cordão'; assim Nirvana pode ser traduzido como 'não estar preso', ou 'estar liberto' (da tirania do ego, da ignorância, da ilusão e da dor). No budismo, o Nirvana é um estado do ser, e não um lugar ou 'paraíso', e pode ser alcançado por todos que renunciam ao 'eu' e ao apego. É um estado de paz e alegria sem limites. Algo eterno, fora do sofrimento. Aquele que atinge o Nirvana não se arrepende do passado nem se preocupa com o futuro; vive o momento presente e está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho. Torna-se um ser puro, meigo, cheio de Amor Universal, Compaixão, bondade, simpatia, compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, não procura lucro, nem acumula coisa alguma, nem mesmo bens espirituais, pois está liberto do desejo de vir a ser alguma coisa. Buda atingiu o Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a pessoa 'Gautama Siddhartha' morria para dar lugar ao Iluminado. Segundo textos budistas, ele renasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá.

A Nobre Verdade do caminho que leva à Cessação do Sofrimento (sânsc. marga, páli magga)

"[Buda] nos ensinou o caminho do meio; a não sermos muito rígidos, nem muito relaxados; a não ir nem a um extremo, nem a outro. [...] Trilhar o caminho do meio faz surgir condições que conduzem ao estudo e prática, bem como ao sucesso em colocar um fim ao sofrimento. A expressão 'caminho do meio' pode ser aplicada genericamente em muitas situações variadas. Não é possível você se enganar. O caminho do meio consiste em seguir o meio dourado. Conhecer as causas, conhecer os efeitos, conhecer a si mesmo, conhecer quanto é suficiente, conhecer o tempo apropriado, conhecer os indivíduos, conhecer os grupos de pessoas: estas sete nobres virtudes constituem o caminho do meio."

(Achaan Budadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

A Quarta Nobre Verdade consiste na base de todo treinamento budista. Indica o Caminho a tomar para a cessação do sofrimento e do renascimento: o Nobre Senda Óctupla, Caminho do Meio ou O caminho das Oito Vias.

Com base em sua própria existência, Buda acreditava que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se deve viver nem no prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos os extremos acorrentam o homem ao mundo e, assim, à 'roda da vida'. Todo budista deverá aplicar o esforço correto para trilhar o caminho do meio, ficando longe de radicalismos, de pontos de vistas extremos e errôneos, vivendo conforme o conselho de Buda: se esticarmos demais as cordas do violão elas arrebentarão, e se as deixarmos frouxas, elas não produzirão o som adequado. O ideal está no meio-termo, na medida correta das coisas. Assim, cada budista deverá descobrir qual é o seu 'Caminho do meio'.

O caminho para dar fim ao sofrimento é o 'caminho do meio', e Buda o descreveu em três áreas simultâneas e complementares (Vida ética, Concentração e Sabedoria), que juntas reúnem oito partes: (1) Compreensão Correta ou Completa; (2) Pensamento Correto; (3) Palavra Correta; (4) Ação Correta; (5) Meio de Vida Correto; (6) Esforço Correto; (7) Conscientização Completa ou Correta; e (8) Concentração Correta.

O símbolo universal budista da Roda, a Roda da Lei - que se opõe à Roda da Vida de ignorância e sofrimentos - é composta por oito fatores, representados pelos oito raios da Roda. Cada Raio representa um fator que nós todos temos funcionando em nossas vidas diárias, só que de forma incompleta, parcial, obscura ou errônea. Budismo busca colocar estes oito fatores funcionando em nossas vidas em seu lado pleno.

Compreensão Correta ou Completa e Pensamento Correto
Busca da Sabedoria, libertando o homem da ignorância que o mantém na roda da vida. O homem deve construir sua compreensão sobre como o mundo funciona, lutar contra o desejo, evitar sentimentos de que causam o sofrimento, como ódio e luxúria, e olhar o Buda como um ideal.

Palavra Correta, Ação Correta e Meio de Vida Correto
Código de ética do budismo. O homem deve parar com mentiras e intrigas, e falar com o seu semelhante de forma verdadeira e carinhosa. Ficar em silêncio quando necessário. Deve seguir os cinco mandamentos (não matar nenhum ser vivo, não roubar, não ser sexualmente promíscuo, não mentir e não tomar estimulantes). Escolher um trabalho que não contrarie esse mandamentos. Por exemplo, embora o budista possa comer carne, não pode ser açougueiro.

Esforço Correto, Conscientização Completa ou Correta e Concentração Correta
Maneira como o ser humano pode melhorar a si mesmo. O budista deve evitar pensamentos ou estados de espírito destrutivos, e se já existirem, devem expulsá-los. Deve praticar a autocontemplação para obter pleno controle do seu corpo e de sua mente. Uma vez conseguido isto, ele estará pronto para iniciar a meditação. Através dela, o budista pode atingir a plena iluminação, libertando-se da lei do carma. O budista se torna então um arhat (isto é, 'venerável'), o que significa que não irá mais renascer. E quando morrer, atingirá o eterno nirvana.

"Às vezes os ensinamentos podem parecer pouco práticos. Você pode dizer, 'Tudo bem, entendi tudo, mas tenho um pequeno problema: hoje é dia 18 e no dia 20 tenho de saldar uma conta. O que vou fazer? Explicar ao gerente do banco o nobre caminho óctuplo? Ele pode até compreender, mas não vai poder me ajudar...' [...] Podemos manipular coisas, dar jeitinhos, mas existe um limite. Quando manipulamos, o ensinamento buddhista diz: isso não é liberação, isso é o modo de agir na roda da vida, mas a efetividade dessa ação não passa de um certo ponto. Em um determinado momento, vamos ter mesmo de passar pelas piores circunstâncias. Quando isso acontece, surge a possibilidade de liberação, como ocorreu com o Buda, a revelação da natureza ilimitada que está além da roda da vida. O ensinamento buddhista não diz que você vai se livrar das dificuldades. O budismo ensina que, no meio das dificuldades, sua natureza última não entra em sofrimento, não pode ser afetada. Esse é o ensinamento mais sutil sobre crise. No budismo dizemos que sofrimento e alegria têm a mesma face quando contemplados a partir da natureza última. Na natureza última não é corrompida na alegria e não entre em crise no sofrimento."

(Padma Samten, Meditando a Vida)

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Nirvana

Palavra de conhecimento mundial, mas cujos significados verdadeiros são amplamente desconhecidos. Em sânscrito, 'Nir' é 'não', e 'vana' é 'cordão'; assim Nirvana pode ser traduzido como 'não estar preso', ou 'estar liberto' (da tirania do ego, da ignorância, da ilusão e da dor). No budismo, o Nirvana é um estado do ser, e não um lugar ou 'paraíso', e pode ser alcançado por todos que renunciam ao 'eu' e ao apego. É um estado de paz e alegria sem limites. Algo eterno, fora do sofrimento. Aquele que atinge o Nirvana não se arrepende do passado nem se preocupa com o futuro; vive o momento presente e está livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho. Torna-se um ser puro, meigo, cheio de Amor Universal, Compaixão, bondade, simpatia, compreensão e tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, não procura lucro, nem acumula coisa alguma, nem mesmo bens espirituais, pois está liberto do desejo de vir a ser alguma coisa. Buda atingiu o Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a pessoa 'Gautama Siddhartha' morria para dar lugar ao Iluminado. Segundo textos budistas, ele renasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá.

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Os Cinco Mandamentos

Embora as escolas buddhistas possuam enfoques particulares em relação aos preceitos, tanto para os monges quanto para os leigos, que podem chegar a 10 ou 12 itens, podemos afirmar que os preceitos fundamentais para os praticantes são cinco. E como o budismo não reconhece nenhum ser superior capaz de dar ordens à humanidade sobre como viver, as regras não são impositivas, elas não dizem 'farás isso', mas foram formuladas como um juramento de responsabilidade. O sentido básico dos Cinco Preceitos Fundamentais vem a ser o de levar a pessoa a compreender o erro, e não a simplesmente proibir-se de fazê-lo. Uma pessoa que age em função de 'proibições' não age sinceramente, apenas finge que age assim. Ela continua desejando, continua presa à ignorância de seu erro.

1. Eu me comprometo a abster-me de tirar a vida de outro ser
2. Eu me comprometo a abster-me de tomar algo que não me seja dado por outrem
3. Eu me comprometo a abster-me de práticas sexuais não saudáveis
4. Eu me comprometo a abster-me de intoxicar-me com bebidas e substâncias insalubres
5. Eu me comprometo a abster-me de intoxicar-me com bebidas e substâncias insalubres

Em certos períodos, alguns leigos se submetem a uma disciplina maus estritas, e chegam a seguir as mesmas regras que se aplicam aos monges e monjas noviços. Nesse caso, as regras passam a incluir, por exemplo, a abstinência sexual (celibato). Além disso, há outras cinco regras:

Não comer em horas proibidas (por exemplo, após o meio-dia)
Afastar-se de todos os divertimentos mundanos
Abdicar de todos os luxos (como jóias, perfumes etc.)
Não dormir numa cama macia nem larga
Não aceitar nem possuir ouro, prata ou dinheiro

O valor da doação

Apesar das cinco regras serem expostas de forma negativa, seus aspectos positivos aparecem ao serem seguidas. O oposto de fazer mal é demonstrar amor e compaixão. O oposto de rouba é dar. Uma das coisas mais positivas que um budista pode fazer é dar presentes, isso inclui doações a sociedades monásticas, que dependem totalmente da caridade dos leigos. Isso eleva o carma da pessoa. Quanto mais puro o motivo para dar, melhor carma trará.

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A vida religiosa

Na maioria das terras budistas, a ordem monárquica estabelecida por Buda ainda constitui a espinha dorsal da vida religiosa. Nesta nova ordem, distingui-se monges e monjas dos leigos. Os primeiros possuem regras mais estritas, levam uma vida de simplicidade e pobreza – costumam vivar da caridade dos leigos. Em alguns locais, a prática é organizada de forma que cada família fica responsável pela comida do mosteiro em certos dias da semana. Não são apenas os leigos que tem responsabilidades com os monges, a recíproca é verdadeira. Em determinados dias, os monges instruem os leigos sobre os ensinamentos de Buda. As pessoas comuns podem ainda passar temporadas em retiro num mosteiro, para meditar ou receber instrução especial.

O culto

Em tempos antigos, o culto religioso consistia inteiramente em venerar as relíquias do Buda ou de outros homens santos. A partir do século I a.C., tornou-se comum produzir imagens e estátuas de Buda. Seja em casa ou no templo, todo budista deve fazer a sua confissão – o Tríplice Refúgio:

Eu busco refúgio em Buda (em sânscrito, BUDDHAM SHARANAM GACCHAMI)
(o princípio búdico presente em todos nós)

Eu busco refúgio no Dharma (em sânscrito, DHARMAM SHARANAM GACCHAMI)
(as Verdades Universais, a Sabedoria).

Eu busco refúgio no Sangha (em sânscrito, SANGHAM SHARANAM GACCHAMI)
(os homens e mulheres de boa vontade, e praticantes espirituais - no sentido religioso, a comunidade buddhista).

Apesar dos budistas venerarem as imagens do Buda com incensos, flores e outras oferendas, esta não é uma adoração formal. Buda foi apenas um guia da humanidade, não pode recompensar ações de um budista. Suas imagens estão ali não para serem adoradas, mas para lembrar os ensinamentos do Buda e auxiliar o budista em sua meditação e em sua vida religiosa.

Visão da humanidade

Conceitos como 'alma eterna' e espírito universal são rejeitados no budismo. Para Buda, a alma não existe. A vida humana é uma série ininterrupta de processos mentais e físicos que alteram o homem a cada momento. Não existe um núcleo imutável da personalidade, não existe um 'eu', um ego. A pessoa que você é a na infância não é a mesma na idade adulta. Tudo é transitório.

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Carma e renascimento

"Segundo as escrituras buddhistas, o criador do mundo que conhecemos não é senão a força resultante das nossas ações passadas ou carma. Todas as ações que realizamos produzem uma marca na mente, que influi na nossa evolução futura. Em resumo, a felicidade é sempre o resultado de uma atividade positiva e o sofrimento de uma atividade negativa."

(Dalai Lama, citado por Tsering Paldrön em A Arte da Vida)

De acordo com os princípios budistas, não existe o 'eu' ou 'alma'. O renascimento acontece porque as ligações kármicas não foram quebradas e ainda há energia para ser dissipada, como desejos e volição. Segundo o budismo, não é a personalidade que renasce, mas sim as ações e seus frutos.

Em sânscrito, a palavra carma (páli kamma) significa ação motivada, intencional, e se refere à causalidade, à interdependência entre todos as causas (sânsc. hetu) e seus resultados (sânsc. phala) ou conseqüências naturais. A volição é a inclinação mental para algo, presente em todo momento de consciência, seguida imediatamente por uma ação no nível mental, verbal ou corporal.

A maneira mais utilizada se explicar o carma é a analogia de que estamos colhendo no presente os frutos dos atos que cultivamos no passado. Nosso futuro terá as conseqüências do que estamos fazendo agora; a cada instante estamos plantando as sementes kármicas do nosso destino. O carma se manifesta através de três portas: o corpo (a porta das ações), a fala (a porta das palavras) e a mente (a porta dos pensamentos), sendo que esta última é predominante. Essas portas podem ser hábeis (sânsc. e páli kusala) ou inábeis (sânsc. e páli akusala), isto é, relativamente positivos ou negativos, benéficos ou maléficos, úteis ou prejudiciais no processo de libertação, trazendo respectivamente a felicidade e o sofrimento. Todos os seres que têm carma semelhante terão uma visão comum do mundo em torno deles, e esse conjunto de percepções que partilham é chamado de 'visão kármica'

Como resultado do carma, os seres sencientes são impulsionados para o renascimento em um dos diversos níveis da existência cíclica. Basicamente, há seis reinos (sânsc. gati) de renascimento: (1) deuses (sânsc. deva); (2) semideuses, antideuses, deuses invejosos, demônios covardes ou titãs (sânsc. asura); (3) seres humanos (sânsc. manushya); (4) animais (sânsc. tiryak, tiryagyona); (5) fantasmas famintos ou espíritos carentes (sânsc. preta); e (6) seres infernais (sânsc. naraka, nairayika).

Por surgirem de um carma extremamente negativo e por serem marcados por grande sofrimento, os reinos dos animais, dos fantasmas famintos e dos seres dos infernos são chamados de 'reinos inferiores'. Já os reinos dos seres humanos, dos semideuses e dos deuses, por surgirem de um carma relativamente positivo e por serem relativamente mais 'felizes', são chamados de 'reinos superiores'.

No budismo tibetano, é muito comum a identificação de tülkus (tib. sprul sku, sânsc. nirmanakaya), lamas renascidos como crianças e identificados através de visões, profecias e testes. O primeiro tülku reconhecido no Tibet foi o Gyalwang Carmapa, líder da escola Carma Kagyü. Nos dias de hoje, certamente o tülku mais conhecido é Tenzin Gyatso, o Dalai Lama.

"A mente é a fonte tanto do nosso sofrimento quanto da nossa felicidade. Pode ser usada de modo positivo para criar benefícios ou de modo negativo para criar malefícios. [...] Com a mesma certeza que a semente de uma planta venenosa produz frutos venenosos, ou uma planta medicinal cura, as ações maléficas produzem sofrimento e as ações benéficas, felicidade. Nossas ações viram causas, e dessas causas naturalmente vêm resultados. Tudo o que é colocado em movimento produz um movimento correspondente. Se você joga uma pedra numa lagoa, formam-se ondulações ou anéis que correm para fora, batem na margem e voltam. O mesmo se passa com o movimento dos pensamentos: ondulações correm para fora, ondulações retornam. Quando os resultados desses pensamentos chegam de volta, sentimo-nos vítimas indefesas: estávamos inocentemente vivendo nossa vida — por que todas essas coisas estão acontecendo conosco? O que acontece é que os anéis estão voltando para o centro. Isso é o carma. [...]

A mente comum é cheia de oscilações e turbulências. Se não há uma força que a controle e controle seus efeitos sobre o corpo e a fala, somos jogados para cima e para baixo, para frente e para trás: nossa realidade fica igual a um passeio da montanha russa. Na verdade, é mais parecida ao girar de uma roda. Pomos uma roda em movimento e, a cada vez que reagimos, damos um novo impulso nela, ficando presos em seu movimento perpétuo. Dessa forma, nossa experiência da realidade continua a girar em ciclos, com todas as suas variações, vida após vida. Assim é o interminável samsara, a existência cíclica. Não compreendemos que estamos vivendo resultados que nós mesmos criamos, e que nossas reações produzem ainda mais causas, mais resultados — incessantemente. [...]

O carma pode ser comparado a uma semente que, em condições adequadas, dará lugar a uma planta. Se você colocar na terra uma semente de cevada, pode ter certeza de que obterá um broto de cevada. A semente não vai produzir arroz. A mente é como um campo fértil — coisas de todos os tipos podem crescer nele. Quando plantamos uma semente — um ato, uma palavra ou um pensamento —, num dado momento, será produzido um fruto que irá amadurecer e cair por terra, perpetuando e incrementando sementes de causalidade potentes em nosso corpo, fala e mente. Quando se juntarem as condições adequadas para o amadurecimento do nosso carma, teremos que lidar com as conseqüências das coisas que plantamos."

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

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Escolas budistas

O budismo tem como origem e fundamento os ensinamentos de Siddharta Gautama, o Buda. Após a sua morte, ocorreu uma divergência entre os seus discípulos de como os ensinamentos deveriam ser interpretados. Um século depois, um concílio determinou a divisão do budismo em duas facções, uma conservadora e outra mais liberal. Na época moderna é costume destinguir duas tendências principais: Theravada ('a escola dos antigos'), predominante no sul da Ásia, e Mahayana ('o grande veículo'), predominante no Norte da Ásia.

Ainda que nem todas as correntes e escolas que existem nos dias de hoje sigam completamente o sentido original de Buda, as tradicionais estão sempre fundamentadas nos três princípios fundamentais preconizados por Siddharta:

A seguir, algumas dessas correntes e escolas.

O Theravada

Essa corrente acredita representar o budismo em sua forma original. São escolas de tendência monástica, cujas bases argumentativas se fundamentam nos textos mais originais do pensamento de Buda, escritos após cerca de 700 séculos de transmissão oral.

A linha Theravada vem a ser uma escola profundamente associada à pratica, e despojada de ritos complexos. Enfatiza a salvação individual por meio da meditação. Aqui, Buda é visto como mestre e guia dos seres humanos. Não pode salvar as pessoas, mas indica o caminho através do qual o indivíduo pode salvar a si mesmo, em uma espécie de auto-redenção. O próprio indivíduo deve assumir a responsabilidade por seu desenvolvimento ético e religioso, sem atalhos. Nesta linha, só os monges podem seguir o exemplo de Buda, alcançar a salvação e atingir o nirvana.

No theravada, os textos mantêm a língua em que provavelmente Buda usou em suas pregações: o Páli.

O Mahayana

Mahayana significa 'o grande veículo', ou 'a grande nave', e o seu nome reflete a crença de que é possível levar todas as pessoas à redenção, não apenas os monges como crê a linha theravada. Na sua visão, Buda não é apenas um ideal e um guia para a salvação, mas o próprio salvador. Sendo assim, também os leigos, através da sua devoção a Buda, podem alcançar a redenção.

Para realizar isso, o mahayana se caracteriza em desenvolver o conceito da Compaixão, fundamentando sua argumentação na transmissão do Dharma para todos, monges ou não. A partir disso, um panteão de divindades sobre-humanas vieram a compor estas linhas, difundidas em várias partes do Norte e extremo Leste da Ásia. E ao contrário do theravada, as linhas mahayana possuem um sem-número de místicas, metafísicas e ritos baseados na devoção aos Budas e Bodhisattvas. Aqui, Shakyamuni Buda, fundador do budismo, é tão-somente mais um dos Budas, ainda que em posição destacada e às vezes de 'liderança' de todos os seres sagrados.

Bodhisattva
No mahayana, interessar-se apenas pela própria salvação é considerado egoísmo. Em conseqüência, o seu ideal religioso é o bodhisattva, o qual, após encontrar a iluminação (bodhi), abdica do nirvana a fim de ajudar outras pessoas a alcançar a salvação. Um bodhisattva pode ser qualquer pessoa que resista a se tornar Buda. Elas não entram no nirvana até que todas as criaturas vivas sejam redimidas do renascimento.

Carma
No mahayana, uma pessoa pode ser salva de seu carma pelos méritos alheios. Uma vez que há uma relação de dependência recíproca entre todos os seres vivos, não é o carma do indivíduo que é importante. O bodhisattva superou a ilusão do eu e não distingue mais entre si mesmo e os outros. Assim, um bodhisattva pode pode transferir algo de bom do seu carma para os que procuram a sua ajuda para atingir o nirvana.

Diversidade

No budismo, a diversidade religiosa não é uma fraqueza, ao contrário, mostra a sua força através dos inúmeros frutos que ele trás. O objetivo do budismo é se redimir do ciclo dos renascimentos. A questão é saber que métodos ou recursos devem ser procurados. Estes, refletem as diferentes formações culturais dos povos asiáticos. Entre os muitos movimentos dentro do mahayana, duas atraíram mais interesse nas últimas décadas:

Budismo Tântrico e Tântrico Tibetano

É o Vajrayana (Séc. VI), desenvolvido na Índia. De forte base tântrica, de práticas de magia e fórmulas mântricas. Este movimento também é conhecido como Veículo do Tantra (sânsc. Tantrayana) e Veículo do Mantra (sânsc. Mantrayana). O budismo foi levado no Século VII ao Tibet, onde se mesclou com as seitas locais (Bön-po Tibetanas, caracterizadas pela crença em deuses e espíritos, cultuados em sacrifícios sangrentos, encenações e danças rituais), dando origem ao Buddhismo Tântrico Tibetano, hoje em voga. Aqui, destaca-se a recitação de mantras - preces curtas compostas por seqüências de sílabas que, apesar de não terem necessariamente um significado, são considerados extremamente poderosos. Por volta dos séculos VI e X, seus ensinamentos orais foram registrados nos Tantras, escrituras esotéricas sobre a transformação da mente através de meditações, visualizações e cerimônias. No século XIII o budismo tântrico, assim como o budismo como um todo, foi praticamente destruído na Índia com o advento das invasões muçulmanas na região.

Algumas caracterísitcas externas mais aparentes do budismo tibetano são as rodas de orações e as bandeiras de orações – objetos que contém diversas orações e fórmulas escritas. No Tibet, o budismo também é chamado de lamaísmo, do termo lama ('professor' ou 'mestre'), nome dado as líderes espirituais, em geral monges. A sua originalidade consiste em sua estrutura social. Desde o século XVII o Tibet é governado por um lama principal, ou dalai-lama (líder religioso e político do país). Ao morrer um dalai-lama, os sacerdotes buscam uma criança que tenha a sua marca.

Em 1959, com a dominação chinesa no Tibet, o dalai-lama foi obrigado a refugiar-se na Índia. Desde essa época milhares de tibetanos se refugiaram na Índia e no Nepal, lugares que o budismo tibetano continua vivo.

Clique e saiba mais sobre o budismo tântrico tibetano

Zen-budismo Japonês

Escola originária da China, ficou conhecida no ocidente pelo seu noome japonês, Zen. Baseia-se na iluminação do Buda, e não nos textos budistas. Desconfia da palavra e da sua capacidade de transmitir conhecimento. No entanto, o que não pode ser transmitido pela palavra, pode ser transmitido pela 'visão direta'. No Zen, a iluminação deve vir de dentro, deve ter sua origem no coração do indivíduo. Os ensinamentos do Buda só podem nos levar atá uma parte do caminho. Podem ensinar o rumo certo, mas o importante é vislumbrar aquilo para onde apontam. E uma vez que essa iluminação deve vir de dentro, o zen-budismo não tem nenhuma fórmula fixa para alcançá-la. Mas ela pode chegar quando menos se espera e atingir a pessoa como um raio. Sua manifestação não está ligada à meditação, ela pode vir de uma experiência mundana qualquer. Existe uma atitude positiva para com as tarefas mundanas. O trabalho rotineiro, por exemplo, pode ser usado como um exercício de meditação. Por esse motivo, tarefas triviais como tomar chá, fazer arranjos de flores e cuidar do jardim passaram a ter grande importância no zen-budismo. O importante é esvaziar a mente de palavras e idéias.

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Quem foi o primerio Buda

O Buda não se dizia encarnação divina, nem representante de qualquer divindade hindu. Foi um homem, porém o mais sábio e santo dos seres de nossa humanidade, tendo-se aprimorado no curso de incontáveis existências, muito acima de todos os outros indivíduos e deuses, fazendo evidenciar Sua natureza divina e búdica latente - que todos temos.

Siddhartha Gautama, filho do rei Suddhodana e da rainha May, nasceu no mês de Wesak (por volta de Maio), num período de Lua Cheia, 623 anos a.C. no Jardim de Lumbini, hoje território do Nepal, mas naquele tempo parte da Grande Índia. Ao nascer, um eremita prediz que ele se tornaria no futuro um grande sábio que libertaria a humanidade de suas dores. A vida de Siddhartha foi rodeada de todo luxo e conforto. Temendo a profecia, o rei tentava, por todos os meios, esconder e proteger seu filho de todo e qualquer sofrimento. Desejava que o príncipe também se tornasse um rei guerreiro e levasse a glória ao reino. Quando desejava ir à cidade de Kapilavastu, o rei mandava pintar as casas e embelezar as ruas por onde Siddhartha iria passar. Ordenava ao povo que usasse roupas novas e afastava os velhos e doentes. Certa vez, iludindo a vigilância real, sai disfarçado de mercador com seu fiel escudeiro Channa, para ir até a cidade. No seu trajeto, encontra um velho alquebrado, um doente cheio de pústulas, um cadáver e um sanyasin (asceta errante) de hábito amarelo. É tomado do mais profundo sentimento de Compaixão pelos seres e de uma grande inquietação para descobrir uma resposta às vicissitudes da vida.

Sem descobrir as respostas que desejava encontrar, mesmo casado, ele foge e vai de encontro aos maiores Mestres da Yoga e do Hinduísmo, tornado-se discípulo. Mas Siddhartha não havia ainda conseguido encontrar com isto uma resposta para a dor. Farto de tudo isto, resolve reiniciar sua busca de uma nova maneira. Seguindo um impulso interior, sentou-se sob a sombra de uma figueira, com a firme resolução de que não levantaria dali sem ter alcançado seu intento. E a Iluminação se deu, numa noite de lua cheia do mês de Maio ou Wesak, em Gaya, hoje conhecida por Bodh Gaya, Índia, e logo após isto pregou seu primeiro Sermão no Parque das Gazelas, em Isipatana. Aos 35 anos, Siddhartha morria e nascia agora o Buda, o Iluminado. Resolve então sair ao mundo para ensinar as Boas Novas. E após muitas pregações e andanças, com 80 anos, falece em Kusinagara.

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http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT553084-1655-1,00.html

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