Reze pelo paciente, mas não conte a ele

artigo de Fernando Reinach

Reze pelo paciente, mas não conte a ele, artigo de Fernando Reinach

Resultado sugere que os pacientes que sabiam que iriam receber rezas apresentam um número maior de complicações

Fernando Reinach é biólogo (fernando@...). Artigo publicado pelo “O Estado de SP”:

A ciência tem uma arma poderosa para testar se um tratamento tem o efeito esperado. Ela se chama estudo duplo-cego randomizado. Seu poder vem do fato de ela permitir que se conheça a eficiência de um tratamento mesmo quando não se sabe como ele atua.

Recentemente esse tipo de estudo foi utilizado para determinar se rezar pelo sucesso de uma operação cardíaca afeta o resultado da operação. O resultado foi surpreendente.

Apesar do nome, um estudo duplo-cego randomizado é simples. Primeiro se selecionam os pacientes, depois eles são divididos de maneira aleatória nos grupos que recebem ou não recebem o tratamento.

O mais difícil é garantir que os pacientes, os médicos e todas as pessoas que vão avaliar o resultado do tratamento não saibam a que grupo o paciente pertence enquanto executam suas tarefas. Daí o nome duplo-cego. Só depois de tudo terminado é que o código é quebrado e os resultados analisados.

Nesse estudo sobre reza e o sucesso de cirurgias cardíacas foram incluídos pacientes de seis hospitais que necessitavam de uma ponte de safena.

Os pacientes foram divididos em três grupos. Os 601 pacientes do primeiro grupo foram informados que comunidades de fiéis rezariam para que "a operação fosse bem-sucedida e que não houvesse complicações".

Os 604 pacientes do segundo grupo foram informados que talvez fossem incluídos no grupo que receberia rezas e de fato foram incluídos entre os que receberam rezas.

Os 597 pacientes do terceiro grupo também foram informados que talvez fossem incluídos no grupo que receberia rezas, mas, de fato, não foram incluídos.

No dia da operação, e nos 14 dias subseqüentes, os nomes dos pacientes dos grupos "com reza" foram enviados para três igrejas (uma protestante e duas católicas) e foram lembrados nominalmente em todas as orações e rezas das congregações.

Todos os pacientes foram acompanhados por 30 dias após a cirurgia e as pequenas complicações foram documentadas. Terminado o experimento, os cientistas analisaram os dados.

Entre os pacientes do grupo que não recebeu rezas, 51% apresentaram pequenas complicações, como arritmias, febre, etc.

Entre os que receberam rezas sem saber que as receberiam o resultado foi estatisticamente idêntico, 52% apresentaram complicações. Isso sugere que rezas ministradas nas condições do estudo, onde quem reza não pertence à família e não conhece o paciente, não influenciam o resultado da cirurgia.

O surpreendente é que entre os pacientes que foram avisados de que com certeza receberiam intercessões, 59% apresentaram complicações, um número que apesar de semelhante é estatisticamente maior do que os 52% do grupo que recebeu mas não tinha certeza de que receberia.

Esse resultado sugere que os pacientes que sabiam que iriam receber rezas apresentam um número maior de complicações. Os cientistas acreditam que isso pode ser explicado pela tensão extra a que eles estavam submetidos por suporem que "se tanta gente está rezando, meu problema deve ser sério".

Portanto, se você decidir pedir a Deus pela saúde de alguém que vai sofrer uma cirurgia, peça, mas não avise o paciente.

Mais detalhes em Study of the Therapeutic Effects of Intercessory Prayer in Cardiac Bypass Patients, Am. Heart J., vol. 151, pág. 762, 2006.
(O Estado de SP, 31/5)

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