A idéia deste artigo eu já tinha faz tempo mas um fato corroborou para que eu o escrevesse. O assunto para mim é algo corriqueiro mas eu não imaginava uma coisa: pessoas com nível superior, mesmo possuindo o hábito da leitura, cultas, podem se enganarem a respeito de como os dogmas ou os ensinamentos das religiões, elas próprias, se processam em suas mentes. O fato fora a frase "é genético", como se você, por ter sido filho de pais católicos, por exemplo, nascera católico, ainda que tivera de aprender muitos detalhes dessa religião.
Esta frase foi proferida em um círculo de amigos onde a maioria das pessoas, estávamos em oito, pareceram não terem entendido não somente a frase mas não sabiam de onde vieram suas crenças, suas verdades religiosas, seus valores religiosos e aqueles secundários, terciários, ou mais, oriundos dos primeiros. Sim, "não roubarás" está nos Dez Mandamentos da nossa Bíblia e temos este valor como um dos principais em nosso meio. A partir daí procuramos cultivar valores como o hábito de passar às crianças, mesmo não tendo relações de parentesco com elas, quando as vimos brincando com algum objeto que, pela inocência delas, são capazes de levar o objeto pois ainda não possuem juízos de valores.
Mas, será que nascemos já com a religião dos nossos pais, do nosso meio social que é o nosso meio ambiente, de amigos e pessoas desconhecidas que às vezes nos falaram sobre assuntos pertinentes a ela? A resposta é: claro que não!
Uma criança indiana de seis anos de idade aprende que o nome dos três deuses criadores e destruidores do universo são Brahma, Vishnu e Shiva. Ela não registrará esta informação em seus genes e sim na memória. Não irá passar para seus descendentes essa informação a menos que... ensine a eles! E aqui está o ponto de máxima deste artigo: a educação e a formação baseadas em condições culturais é que levam às pessoas a formarem suas idéias, valores, verdades, dúvidas, crenças etc., a respeito de suas religiões.
Uma criança católica que aprende aos sete anos o valor de sua presença em uma missa, da igreja de seu bairro, transmitirá essa informação com seus sentimentos aos filhos de maneira genética? Não! Terá que ensina-los!
Podemos pensar em uma experiência sem que, por mais curiosos que sejamos, não a colocaríamos em prática devido às que questões humanas e éticas, morais e legais nela implicada: dois gêmeos são separados ao nascerem. Um é levado a um país muçulmano e outro ficaria no Brasil. Seriam criados por famílias diferentes, em contextos sociais diferentes. Após uns trinta anos se encontrariam.
Sem realizar essa experiência, sabemos que um estranhará a religião do outro. O brasileiro dirá que Deus é pai de Cristo e que este veio ao mundo para nos salvar. A Bíblia é o seu livro sagrado onde existe ensinamentos dos Dois. O muçulmano dirá que acredita em Cristo mas que ele fora apenas - e aqui já começa a briga - um profeta em nível terreno e humano. Maomé, nem citado na Bíblia, é o profeta que escreveu um livro sobre tudo o que o deus Alá queria para o povo na Terra. O livro é o Corão e nem queira dizer a eles que o que está escrito lá não tem nada a ver com a nossa realidade neste mundo!
Quem está certo? Cada um dirá que está certo. E quem muda este estado de coisas? Ninguém... Os gêmeos não se entenderiam, poderiam se respeitarem já que são irmãos etc. Muitas são as situações possíveis decorrentes de uma situação desta. Mas um fato é certo: abalar as crenças tanto de um como as do outro seria quase impossível. Digo quase pois um cristão pode se converter em muçulmano e vice-versa, mas o que vemos por aí é uma indiferença quase que total de pessoas religiosas quanto às crenças de outra religião.
Vejamos um fato: ao lembrar da minha infância, logo quando comecei a tomar consciência do mundo, depois dos quatro anos, vejo em memória eu e meus pais entrando na principal igreja católica da cidade. Eu admirava aqueles santos nas paredes e minha mãe dizia algo sobre a história deles, simplificadamente claro, pois eu era muito criança. Aquele lugar fora o ambiente mais bonito que eu já havia conhecido. E aprendi que aquele tipo de local era de adoração e respeito a tudo relacionado a ele.
Me lembro das festas natalinas. Qual criança não gosta de presentes? Qual criança não gosta das comidas típicas dessas datas? Mas aprendia sobre o dia vinte e cinco de dezembro como o dia em que Cristo viera ao mundo. O mesmo Cristo com seus pais em forma escultural na igreja, com outros santos em histórias relacionadas a ele etc.
Mas a minha vida naquela época, como a vida de todos os meus amigos não era só de Natal e igreja. Pais de amigos contando sobre a criação divina, amigos mais velhos dizendo de particularidades da Bíblia, mesmo que incompletas ou um pouco distorcidas, pois eram crianças também, sujeitas a erros... Professores, os amigos da escola, as pessoas nas ruas, todos se referindo a um contexto complexo e "absoluto" a me informar, educar, ensinar e a respeitar os fatos do cristianismo.
Meu cérebro, como de todas as crianças estavam em desenvolvimento. Isto quer dizer que, de uma massa bruta, não lapidada, o nosso meio ambiente influía decisivamente na formação do nosso caráter, da nossa personalidade, ambos influenciados pelo cristianismo de forma direta e absolutamente inquestionável.
Não eram somente as histórias, ensinamentos e fatos das vidas daquelas pessoas maravilhosas ilustradas em revistas, livros, na igreja ou em conversas das pessoas sobre a nossa religião que estavam em jogo. Nossos valores, nossas concepções de como é este mundo, o certo e o errado provenientes das interpretações e frases diretas do nosso Livro Sagrado, a Bíblia, leis cívicas em consonância com a realidade espiritual em que vivíamos, tudo eram influências a moldarem nossas cabeças. "Não roubarás, Não matarás...". Não serão todas essas influências uma forte carga emocional para nós, desde as primeiras idades, a marcarem nossas vidas e condutas perante às pessoas e a nossa sociedade? Claro que sim! Não há dúvidas sobre isto.
Tenho conversado com muitas pessoas religiosas sobre este tema. Digo "religiosas" e o leitor já deve ter percebido que estarei mencionando pessoas praticando suas religiões. O católico freqüentando suas missas, rezando, orando, tendo um ou várias entidades - "santos" - especiais etc. O evangélico também sempre presente em cultos, contribuindo com o dízimo para com a sua igreja, lendo e / ou estudando o Novo Testamento etc.
Posso dizer algo importante e surpreendente sobre essas conversas: todos sem exceção admitem as "verdades" de suas crenças como absolutas, suas religiões como as corretas, desprezando, ficando indiferente quando digo das "verdades" das outras. Chegam essas conversas a serem motivos de discussões acaloradas quando eu teimo em dizer da relatividade das religiões, tema este sempre abordado por mim em meus artigos em vários blogs. Digo neles que cada pessoa toma para si como absoluta a sua religião e despreza as crenças das outras. Isto mostra claramente que elas não são absolutas. Suas "verdades" são relativas, dependem de onde as pessoas cresceram, a cultura local, religião local etc. Leia o meu artigo "O Relativismo das Religiões e o que Existe por trás Disto", neste blog. O que é absoluto é a capacidade do ser humano em crer, sentir algo sobrenatural, ter fé somente em si mesmo, como é o caso dos ateus. Esta capacidade, e acredito nisto, veio da Evolução sobre os seres humanos como uma vantagem para a perpetuação da espécie no planeta como está no artigo mencionado.
Em experiências com budistas e freiras franciscanas, eles em meditação e elas rezando, dois cientistas da Universidade da Pensilvânia, EUA, o radiologista Andrew Newberg e o psiquiatra Eugene D'Aquili, perceberam uma diminuição da atividade neuronal na parte de trás dos crânios daquelas pessoas, no lobo parietal superior. É a região do cérebro onde temos o senso de orientação no espaço e no tempo e também da diferenciação entre indivíduo e os demais seres e objetos. Privados dessa atividade neuronal, os budistas e as freiras sentiram uma perda da divisão de seus seres com as coisas desse mundo, ou seja, tiveram um sentimento de unicidade com o universo. É o mesmo sentimento de iluminação religiosa, êxtase, a perda do "eu" ao se misturar com o mundo ao redor.
Veja, essa porção do cérebro funciona do jeito que funciona devido a sua estrutura determinada por genes, independente das crenças de cada um. As freiras rezavam com motivos cristãos e os budistas com o que sempre aprenderam desta religião bem diferente daquela das freiras. E ambos os grupos chegaram na mesma situação, ou estado. Os antecedentes, ou pais, das freiras e dos budistas, passaram seus genes aos filhos e foram construídas regiões cerebrais "brutas", iguais em seus cérebros, a seres lapidadas diferentemente pela educação, ensinamentos, crenças e a cultura de onde vieram. Eles nasceram com tudo o que acreditam em seus cérebros? A resposta é não! Isto poderia ser provado? Bastaria não ensina-los sobre as suas religiões... Mas quem faria isto? Ninguém... Mas podemos sim afirmar que as coisas se comportam desta maneira.
É por isto que vejo as pessoas encurraladas desde crianças nos ensinamentos religiosos de seus meios sociais. E blasfêmia fora um ótimo termo para manter todo mundo ligado a eles. Até pode ter surgido com outras finalidades mas o termo é feio, fere as convicções de cada um, ofende, é ligado a preconceito etc. Todos possuem medo dela...
Chamei este artigo de "O Paradoxo dos Gêmeos Religiosos" porque, para quem não consegue mudar seu referencial, se desprendendo de tudo o que fora ensinado a ela, se colocando no lugar de gente de outras religiões, não irá entender nada do que eu escrevi. Poderá achar que está diante de um paradoxo, não saberá explicar as idéias apresentadas aqui, ficando indiferente ou furiosa com a conversa, como já percebi em diversas pessoas. E na realidade não existe paradoxo nenhum. Confusão nenhuma. Existem para os que acham a religião deles absoluta. E não é, o acreditar e a fé é que são. São inerentes à natureza dos homens e mulheres.
Na introdução deste meu blog, falo do sociobiólogo Edward Wilson onde ele diz que o ser humano criou mais de 60.000 seitas e religiões devido ao nosso medo da morte e o que viria após a ela. Outras razões também mexiam e mexem conosco como o fato de se querer explicar a origem de tudo, da natureza, de nós mesmos. Nós seres humanos sempre tivemos a capacidade para acreditar em algo e passamos aos nossos descendentes no planeta inteiro em diferentes épocas. Por isto a existência de tantas crenças diferentes até hoje e citei apenas poucos aspectos de três delas neste artigo para o entendimento do leitor. Nenhuma delas é absoluta. No xintoísmo por exemplo, o mundo foi criado a partir de pingos d'água produzidos através de flechas atiradas ao mar por um casal de deuses. Esses pingos se transformaram em ilhas. Na época em que surgiu essa crença, os japoneses, seus ancestrais, não conheciam os continentes, nem sabiam que moravam em um planeta redondo repleto de outras ilhas. Eles procuraram uma explicação para o que eles viam à sua frente, ou seja, mar e algumas ilhas...
Enfim, as religiões buscam respostas para grandes mistérios perpetuados na mente dos seres humanos, mas, esses mistérios acabam sendo explicados das mais diversas formas, o que não deveria, porque o conhecimento torna-se uma "torre de babel". A ciência sim busca respostas satisfatórias pois não lida com a emoção, a fé, o acreditar, e sim com a razão. E aí busca-se respostas no mínimo "únicas".
Uma religião pode "explicar" o surgimento do universo da sua maneira, que é absoluta para os seus seguidores. Mas outra explica de modo diferente... absoluta também para os seus fiéis... Qual estará correta? Digo que explicações assim não são do campo das emoções e, por isto, as ciências é que devem procura-las.
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