Um Mundo Perfeito

DAVID SHIGA
DA "NEW SCIENTIST"


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Planetas habitáveis fora do Sistema Solar não precisam ser gêmeos da
Terra, dizem pesquisadores
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DAVID SHIGA
DA "NEW SCIENTIST"

Procura-se: planeta rochoso fora do nosso Sistema Solar. Não deve ser
muito quente nem muito frio. Precisa ter a temperatura certa para
permitir a vida.

Parece uma lista simples de pré-requisitos, mas encontrar um planeta que
os preencha é algo que os astrônomos buscam há décadas. Até
recentemente, isso significava encontrar um planeta na "zona Cachinhos
de Ouro" -orbitando sua estrela à distância certa para manter a água em
sua superfície em estado líquido.

Recentemente, porém, tem ficado cada vez mais claro que o que torna um
planeta habitável não é só a localização certa. Muitos fatores,
incluindo massa, atmosfera e a maneira como ele orbita sua estrela podem
determinar se ele permite água líquida, ingrediente essencial à vida
como a conhecemos.

À medida que os astrônomos exploram planetas recém-descobertos e criam
simulações em computador de mundos virtuais, eles descobrem que tanto a
água quanto a vida podem existir em toda sorte de mundos bizarros. E
isso significa que poderia haver muito mais planetas habitáveis lá fora
do que imaginamos. "É como ficção científica, só que melhor", diz
Raymond Pierrehumbert, climatologista da Universidade de Chicago.

A distância da estrela mais próxima, é claro, é importante. No Sistema
Solar, Vênus há muito serve como exemplo daquilo que pode acontecer caso
o planeta fique próximo demais de sua estrela. Vênus está apenas 28%
mais perto do Sol do que a Terra, mas sua superfície está a escorchantes
460C, o suficiente para derreter chumbo. Ponha a Terra onde Vênus está e
ela provavelmente ficará como ele. No outro extremo, água num planeta
muito distante da estrela congelará. Vide Marte.

No entanto, um estudo de 1993 feito por James Kasting, da Universidade
do Estado da Pensilvânia (EUA), demonstrou que mesmo no nosso Sistema
Solar a zona habitável não se baseia apenas na distância. Fazendo
cálculos com base na luminosidade do Sol, Kasting descobriu que, embora
mover a Terra 5% mais para perto do Sol condenaria o planeta a destino
similar ao de Vênus, ela poderia migrar para longe da estrela 1,7 vez a
sua distância atual antes de congelar. Isso já fica além de Marte.

Se Marte está na zona Cachinhos de Ouro do Sistema Solar, por que não
está fervilhando de vida? A resposta está na maneira como a massa afeta
a capacidade de reter uma atmosfera habitável. Como Marte só tem metade
do tamanho da Terra, seu interior resfriou muito rápido, desligando a
atividade vulcânica necessária para fornecer CO2 para a atmosfera. Sua
gravidade mais fraca também deixa a atmosfera escapar para o espaço.
Como resultado, não há CO2 o bastante para esquentar a superfície a
ponto de permitir água líquida por lá.

Mas a massa também não é tudo. Em simulações de computador publicadas
neste ano, David Spiegel, da Universidade de Princeton (EUA), explorou
se fatores como eixo a velocidade de rotação poderiam permitir a um
planeta fora da zona habitável tivesse água líquida.

Em algumas simulações, seu grupo alterou a inclinação do eixo de rotação
do planeta. O eixo da Terra é inclinado 23,5 graus em relação ao plano
de sua órbita, e é isso o que causa a diferença entre inverno e verão
nos dois hemisférios.

Quando eles deram aos planetas eixos próximos de 90 graus, parecidos com
o de Urano, as variações maiores de luminosidade produziram estações do
ano extremas.

Quando essa inclinação grande era combinada a uma taxa de rotação três
vezes maior que a da Terra, os verões ficaram quentes o bastante a ponto
de derreter o gelo no pólo de frente para a estrela. Essa água líquida
só era sustentada se o planeta girasse depressa, pois dessa maneira a
força centrífuga dificultava o fluxo de calor dos pólos para o equador.

Fração do paraíso

Spiegel diz que esse tipo de simulação mostra que astrônomos não
deveriam ficar pensando em habitabilidade como algo que é 8 ou 80.
"Mesmo a Terra não é 100% habitável, pelo menos de acordo com o critério
da água líquida", afirma.

Mais ainda, o calor que dá a vida não precisa necessariamente vir da
estrela mais próxima. Neste ano, um grupo da Universidade do Arizona em
Tucson liderado por Brian Jackson calculou o "calor de maré" de vários
planetas, ou seja, a medida em que o puxão gravitacional da estrela em
órbitas muito achatadas ou muito próximas causa fricção o bastante no
interior desses planetas de forma a gerar calor. Esse calor adicional
poderia bastar para derreter planetas congelados orbitando anãs
vermelhas, de radiação fraca.

E sempre há o risco de a procura por água líquida na superfície ser
supérflua. Que formas exóticas de vida poderiam existir, por exemplo,
nos lagos de metano de Titã, lua de Saturno? "Não dá para excluir a
noção de que uma forma de vida possa existir nesse tipo de líquido", diz
Jonathan Lunine, da Universidade do Arizona. "Vamos ampliar o leque."

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