Reprodução e Envelhecimento: A Teoria do "Filho Premiado"
(Parte 1/3
)

João Carlos Holland de Barcellos, Novembro/2008

“Tudo fica claro, depois que o mistério é desvendado” (A. Desconhecido)

Resumo: Após fazermos uma análise crítica de algumas das mais conhecidas teorias sobre o envelhecimento, iremos propor uma nova teoria, que explica a origem da reprodução sexuada e do envelhecimento. Nesta teoria, tanto a reprodução sexual como a senescência surgem como uma adaptação darwiniana. Um mecanismo que dribla a seleção de grupo também é proposto. Desenvolveremos então a “Equação da Morte”, que estabelece a longevidade de uma espécie como função de parâmetros de suas presas e predadores.
 
Palavras Chaves: Envelhecimento, Sexo, Morte, Evolução, Senescência, Adaptação, Pressão Seletiva, Reprodução, Sexuada, Assexuada, Teoria do Envelhecimento, Longevidade, Relógio Biológico, Morte Programada, Equação da Morte.


1-Definições

Utilizaremos neste texto a palavra “envelhecimento” como sinônimo de “senescência”. A senescência é definida como um lento acúmulo de alterações degenerativas no organismo que o leva, inexoravelmente, à morte. Ou então como “a deterioração progressiva da quase totalidade das funções do organismo durante do tempo”. [1]

Também utilizaremos o termo “imortal”, para designarmos o organismo que não morre por envelhecimento. Isso não significa que não possa morrer por falta de alimentos, ataques de predadores, acidentes, doenças, por um ambiente hostil ou alguma outra causa externa, mas apenas que não senesce, isto é, não possua uma morte programada em seu DNA nem que suas funções vitais decaiam significativamente com o tempo levando, por isso, o organismo à morte. Como exemplo de organismos imortais, podemos citar as bactérias. Estas não envelhecem, e, portanto, neste sentido, são imortais. Da mesma forma utilizaremos a palavra “mortal” para qualificar o organismo que envelhece, isto é, que possue instruções em seu DNA para que, após certo período de tempo, faleça, ou que suas funções vitais caiam significativamente com o tempo, levando-o sempre à morte. Como exemplo, podemos citar os mamíferos, que sempre envelhecem e morrem.
 

2-Introdução

A causa do envelhecimento, a nível evolutivo, ainda é considerada um dos grandes mistérios da ciência e, em particular, da biologia. Várias teorias tentaram explica-lo:
O gerontólogo russo Zhores Medvedev recenseou mais de 300. Contudo um grande número entre elas não se interessa realmente às causas, mas antes a mecânica senescente.” [1]

Entretanto, apesar deste grande número de teorias, apenas algumas poucas tiveram alguma aceitação na comunidade científica. Infelizmente, nenhuma delas explicou satisfatoriamente as causas darwinianas do envelhecimento. A teoria que exporemos, e que chamei de a “Teoria do Filho Premiado”, pretende resolver este problema explicando a causa da senescência no nível neo-darwiniano, isto é, através da adaptação genética por seleção natural. Assim, defenderemos, nesta nova teoria, que o envelhecimento é uma decorrência da “morte programada”, pois seria evolutivamente vantajoso para os genes, em organismos com reprodução sexuada, se eles eliminassem os corpos que os carregam.Para entendermos o processo evolutivo envolvido no envelhecimento precisamos partir do início: A origem da vida.

3-O Início

As teorias mais modernas sobre a origem da vida [2] apontam que esta se iniciou há cerca de quatro bilhões de anos, tendo como origem uma molécula replicante. Segundo as teorias mais modernas, este replicante deveria ser algo parecido com um proto-RNA, formada ao acaso no ambiente primitivo da época, conhecido como “sopa ou caldo primordial”.

Os primeiros replicantes faziam cópias de si mesmos – clones- utilizando as moléculas que vagavam neste “caldo primordial”. Entretanto as cópias nem sempre eram perfeitas (ocorriam mutações) o que fazia com que estas cópias pudessem ter maior ou menor habilidade em fazer mais (ou menos) cópias em relação aos seus pais. As que tinham mais sucesso em sobreviver e se reproduzir, colocavam mais cópias de si mesmas do que as demais. Houve as condições necessárias para que a evolução darwiniana ocorresse: Herança, Reprodução, Variabilidade e Seleção Natural.

A “luta” pela replicação continuou sem tréguas. Em algum momento deve ter surgido um replicante mutante, que criou uma capa de proteção contra ataques de outros replicantes – a primeira célula-. Este replicante celular teve tanto sucesso com sua capa protetora que praticamente dominou a vida primitiva em seu início. No caldo primordial devem ter sobrado apenas os replicantes celulares – como as bactérias [3]-. Posteriormente, algumas bactérias mutantes “perceberam” que se elas se agrupassem em colônias teriam mais chances de sobrevivência. Estas colônias evoluiriam para os primeiros seres pluricelulares.

4-As Bactérias

As bactérias são imortais. Elas se reproduzem por fissão: A bactéria se divide em duas (dois clones idênticos), e cada um destes clones se divide em dois, e assim por diante, crescendo a uma taxa exponencial com o tempo, se não houver alguma restrição ambiental.

O importante é percebermos que a vida se iniciou imortal. Não havia um mecanismo interno de envelhecimento, A característica mais simples para se existir é, portanto, a da imortalidade. 


5-Causas e Mecanismos

É importante diferenciar as causas evolutivas das causas físicas que provocam o envelhecimento (os mecanismos internos de senescência).  As causas evolutivas sempre levam a algum mecanismo interno (causas físicas) que desencadeiam o processo de envelhecimento. Por exemplo, a sensação de medo pode provocar tremor, sudorese, calafrios, e podemos dizer que a causa é devido a hormônios como adrenalina e cortisol, que preparam o organismo para a luta, ou a fuga. Mas isto seria mais uma causa física do processo do medo do que sua causa evolutiva. A causa evolutiva seria a explicação do porque, ou quais foram as pressões seletivas, que propiciaram os genes a criarem este mecanismo interno. Assim, podemos dizer que a causa evolutiva do medo seria devido a uma adaptação genética de percepção de perigo: Os organismos que tinham genes que os capacitassem a perceber o perigo tinham mais chances de sobreviver do que os organismos que não apresentassem tais genes. Assim, os genes que induziram o organismo a perceberem e a reagirem ao perigo, tiveram maior sucesso evolutivo do que os desprovidos deles. Em suma: A causa evolutiva (darwiniana) do medo seria a detecção do perigo, as causas físicas seriam a liberação de hormônios específicos para preparar o corpo para a ação.


6- O Limite de Hayflick

Atualmente, o chamado “Limite de Hayflick” [4] é considerado a causa física mais importante do envelhecimento – o nosso “relógio biológico”. Dr. Leonard Hayflick, em 1961, descobriu que na espécie humana existe um número máximo de divisões celulares –cerca de 50- que cada célula somática pode se dividir. Passado este limite, a célula não se divide mais, e morre.

O mecanismo interno responsável por esta limitação está baseado nos telômeros dos cromossomos. Nos cromossomos lineares, em forma de bastão, como nos da espécie humana, existe uma terminação em cada uma das suas extremidades conhecida como telômero. A cada divisão celular estes telômeros são encurtados. Isso significa que os cromossomos das células filhas têm um telômero menor do que o das células que lhes deram origem, e, portanto, também tem uma vida útil menor, pois cromossomos sem telômeros perdem sua função, fazendo com que a célula morra [5].


7-As Células Germinativas e a Telomerase

Nem todas as células do corpo padecem do limite de Hayflick. As células germinativas, os gametas (óvulos e espermatozóides), não sofrem este processo de encurtamento do telômero, pois nestas células é produzida uma enzima – a telomerase – que tem a função de impedir a redução do telômero[6]. As células somáticas também produzem esta enzima, mas num nível insuficiente para reparar completamente o telômero. Nos gametas a produção é maior, e, portanto, eles não envelhecem. As células germinativas são, portanto, imortais. Pessoas com deficiência na produção desta enzima podem apresentar senilidade precoce, como é o caso da doença chamada progéria [28]. Esta doença é uma evidência forte da causa dos telômeros no processo do envelhecimento:

A manutenção do telômero está implicada na estabilização do cromossoma e na imortalização celular. A telomerase, que catalisa a síntese de novo do telômero, é ativada em células germinativas e em muitos cânceres.” [7]


8-Uma Boa Teoria do Envelhecimento

Uma boa teoria do envelhecimento deve fornecer, caso existam, as causas evolutivas, ou as pressões seletivas, que favoreceram o surgimento do envelhecimento. Deve responder também as seguintes questões:

a) Por que algumas espécies envelhecem e outras não?

b) Por que o envelhecimento ocorre predominantemente nos seres sexuados e não nos assexuados? (seres pluricelulares, assexuados, como anêmonas e medusas, aparentemente, não envelhecem) [11].

c) Por que as células somáticas não produzem mais telomerase, como as células         germinativas o fazem, de modo a também não sofrerem o envelhecimento?

d) Por que algumas espécies envelhecem muito mais rapidamente que outras?

 

9-Principais Teorias do Envelhecimento

As teorias do envelhecimento baseadas exclusivamente em mecanismos internos, desconsiderando influências evolutivas estão, no mínimo, incompletas. Estas teorias, além de não explicarem as enormes diferenças no tempo de envelhecimento das diferentes espécies, não apontam as razões do próprio organismo não se auto-regenerar: Se a bactéria é uma célula, e ela vive indefinidamente, sem envelhecer, porque as células somáticas de um corpo também não poderiam fazer o mesmo? [9]
 
Antes de entrarmos no âmago da nova teoria, é conveniente expormos algumas das principais teorias sobre o envelhecimento, e mostrarmos porque elas não resolvem completamente problema: a de explicar as causas evolutivas do envelhecimento.  Devemos notar que as teorias que se baseiam exclusivamente em mecanismos internos estão longe de explicar o problema a nível darwiniano, pois como indicam as evidências, existe influência genética no processo, e, portanto, tais genes estiveram sujeitos à seleção natural.


9.1-A Teoria dos “Radicais Livres”

Esta teoria, de 1954 [8] [6], diz que envelhecemos por excesso de radicais livres, que são moléculas ionizadas, em geral compostos de oxigênio, produzidas e liberadas no organismo como subproduto do metabolismo celular (mitocôndrias).  

Estes radicais livres seriam os responsáveis pelo envelhecimento, pois degenerariam a célula, levando-a por fim à morte. É verdade que a degeneração das células pode acelerar o envelhecimento, mas esta teoria não explica por que as células mortas pelos radicais livres não poderiam ser substituídas por outras não degeneradas como acontece normalmente na juventude, com as células somáticas mortas.  Esta teoria deveria implicar que quanto maior o metabolismo de um animal, mais rapidamente ele envelhece, já que produziria mais radicais livres. Entretanto, muitos animais fazem exceção a esta regra [1]. Também seria de se esperar que esportistas envelhecessem muito mais rapidamente do que pessoas de vida sedentária, o que também nem sempre é verdade. Então podemos concluir que, embora os radicais livres possam prejudicar as células, e até contribuírem para o envelhecimento, deixa muito a desejar como uma teoria que explique o processo como um todo.


9.2-Teoria do “Bem da Espécie” (Weismann)

August Weismann (1834-1914) [10], em 1882 propôs que o envelhecimento seria devido à “morte programada” – um mecanismo codificado no DNA que leva a célula à morte-, e que teria evoluído por seleção natural para favorecer o bem da espécie, mesmo que isso tivesse um efeito negativo no “fitness” (capacidade de sobrevivência e reprodução) do organismo. Weismann pensava que removendo velhos membros da população sobrariam mais recursos para os mais jovens que, presumivelmente, deveriam ser mais adaptados ao ambiente que os seus pais, e, portanto, favoreceria a evolução da espécie como um todo [10].

Esta teoria, também conhecida como “teoria de Weismann” [1] apresenta uma falha não solucionada: Ela apela para a “seleção de grupo”, que, como veremos, não deve ser utilizada a menos que bem fundamentada.

Para entendermos porque a seleção de grupo, no caso, “a morte para o bem da espécie”, é problemática, consideremos uma população de organismos da mesma espécie constituídos de organismos mortais e de imortais (que não envelhecem), inicialmente em igual número, e em equilíbrio, de modo que o total da população tenha que se manter constante devido à quantidade limitada de recursos alimentares disponíveis. Neste cenário, se um dos organismos morre, ele pode ser substituído por um filho mortal ou imortal. A probabilidade de morrer mortais é maior, pois estes envelhecem e morrem. A probabilidade de ele ser substituído por um filho de imortal também é maior, já que pode haver vários mortais em idade avançada, debilitados e com dificuldade de procriar. Portanto, aparentemente, a população iria se tornando imortal. Mesmo que isso seja prejudicial à espécie como um todo.

Agora, vamos supor que exista uma população 100% composta por organismos mortais. Suponhamos que nasça um organismo mutante imortal – que não envelhece-, portanto, como maior “fitness”, esse organismo poderia continuar procriando e tendo filhos na época de sua vida em que os outros todos, de sua idade, já estariam mortos pela velhice. Ou seja, este organismo imortal teria, aparentemente, muito mais probabilidade de ter seus filhos substituindo os organismos que morrem do que os mortais. Portanto, sem um mecanismo que contra-argumente esta lógica, a tendência, ao longo do tempo, é que a população vá se tornando toda imortal, mesmo que isso seja para a população, como um todo, prejudicial. A aptidão do organismo, neste caso, parece sobrepujar o benefício da espécie.

Assim, sem contar com nenhum outro mecanismo que explicasse como a seleção de grupo favoreceria os mortais, frente aos imortais, a “seleção de grupo”, utilizada nesta teoria, parece contradizer os mecanismos darwinianos de aptidão, pois os mais aptos (imortais) tenderiam a se manter e proliferar, e não os mortais, e, por esta razão, esta teoria também não vingou.


9.3- Teoria da “Acumulação de Danos” (P. Medawar e J. Haldane)

Sir Peter Medawar (1915-1987), Nobel de medicina, foi um professor de zoologia e anatomia da Universidade de Londres [10]. Em 1952, Medawar e J. Haldane escreveram um artigo propondo uma teoria que explicasse o envelhecimento através da acumulação de danos no genoma. Tal acumulação de danos seria possível se tais danos aparecessem apenas tardiamente na vida do organismo [11], de modo que esses genes teriam uma baixa pressão seletiva atuando sobre eles. Por exemplo, se uma doença genética grave, provocado por uma mutação em um dado gene, aparece na puberdade, antes da maturidade sexual, este gene é fortemente selecionado a desaparecer, pois o organismo não tem tempo para chegar à maturidade sexual e ter filhos para poder passar o gene adiante. Dessa forma, quanto mais cedo os genes malignos se expressem (gene expresso=gene ativado) no organismo, menos chances eles tem de serem passados para a próxima geração, e mais raros eles são. O oposto também é verdadeiro: Quanto mais tarde um gene maligno se expressa, maiores são as chances dele permanecer na população, já que o organismo pode ter muitos filhos antes de, finalmente, o gene se expressar e matar o organismo. Assim, mutações nocivas, que se expressam tardiamente, poderiam ir se acumulando lentamente no genoma da população, e este acúmulo, segundo Medawar, seria o responsável pelo envelhecimento [10] [11].

Esta teoria tem vários pontos positivos: Explica o envelhecimento sob o ponto de vista genético; Utiliza a teoria darwiniana para explicar o modelo; Os dados empíricos parecem corroborar, ao menos parcialmente, a teoria.

Apesar disso, esta teoria tem ainda algumas falhas graves: Os organismos começaram imortais e não mortais. Assim sendo qualquer gene que diminua o “fitness“ do organismo deveria ser selecionado negativamente, mesmo que apareça tardiamente. Por exemplo: Considere uma espécie imortal (no início todas as espécies eram imortais), e surge um organismo mutante com um gene que o mata, por exemplo, aos 50 anos de idade. Este organismo não poderá ter mais filhos, pois está morto, isso não aconteceria com os outros da espécie, então seus concorrentes deixariam mais descendentes do que este mutante mortal. Então, não há razão para que este gene se propague, espalhando a mortalidade e o envelhecimento. É o mesmo argumento que refuta a hipótese de Weissman (9.2). Além disso, esta teoria não explica por que algumas espécies não envelhecem e outras sim. Não correlaciona também a relação da reprodução sexuada com o envelhecimento como parece indicar todas as evidências.


9.4- A Teoria da “Pleiotropia Antagônica” (G. Williams)

George Williams, professor da Universidade de Michigan, em 1957, formulou uma teoria na qual a senescência poderia ser explicada pelo efeito chamado “Pleiotropia antagônica”. Pleiotropia é o nome da característica que faz com que um mesmo gene possa fazer parte de vários traços distintos no mesmo organismo. A tônica desta teoria é que existem alguns alelos que podem beneficiar o organismo em relação a algum traço na sua juventude, por exemplo, uma capacidade de visão aguçada, e, por outro lado, prejudicá-lo em outro traço depois, na maturidade, por exemplo, fazê-lo adoecer de catarata [10]. Dessa forma, o gene seria benéfico (mais que o alelo normal) no início da sua vida sexual, permitindo que o organismo seja dotado de um alto “fitness” em sua juventude, podendo ter mais filhos que organismos sem essa mutação. Entretanto, após certo tempo, este gene atuaria negativamente em outro traço, prejudicando o organismo. Contudo, o gene já teria sido passado às novas gerações, pois teria sido vantajoso ao organismo no início de sua vida reprodutiva.

Esta teoria, embora seja lógica, e aparentemente consistente, ainda apresenta algumas deficiências: Não explica porque este efeito não ocorre em espécies assexuadas. Não responde o porquê de espécies muito semelhantes (como algumas espécies de aves e peixes), que teriam genes muito semelhantes, terem expectativas de vidas tão discrepantes [10]. Não esclarece porque o organismo não poderia manter o mesmo nível de atividade dos genes que o beneficiaram na juventude, na fase de alto “fitness”, quando se sobressaía frente aos demais, para mudar, repentinamente, diminuindo sua adaptabilidade. E o mais importante: a teoria não mostra que os organismos imortais, que não herdaram estes genes, e que, portanto, que não padeceriam destes sintomas na fase adulta, não poderiam compensar seu fraco desempenho da juventude com um maior vigor em sua infinita fase adulta.


9.5- Teoria do “Soma Descartável” (T. Kirkwood)

Em 1977, Thomas Kirkwood, na época um estatístico, publicou um artigo intitulado: “Teoria do Soma Descartável”. “Soma” refere-se à parte do corpo que é constituída por células somáticas, isto é, não germinativas. Segundo Kirkwood, como os organismos apresentam alta mortalidade devido a fatores externos (predadores, doenças, acidentes, fome etc.), não seria producente manter o organismo além do seu tempo de vida [13]. Desta forma a energia deveria ser utilizada para melhorar a capacidade reprodutiva e não para mantê-lo vivo indefinidamente. Ou seja, o organismo poderia ter um mecanismo interno de reparo no DNA, mas isso custaria alguma energia, que poderia ser utilizada na reprodução. Se o organismo tende a morrer de alguma causa externa então não compensaria o custo de mantê-lo vivo além do necessário [10].

Um dos problemas desta teoria é que ela não mostra quanto de energia é necessária para corrigir os problemas dos danos celulares em relação aos gastos com a reprodução, para então concluir que o gasto seria inviável. Além disso, organismos no inicio da vida têm muito mais probabilidade de morrer do que os adultos experientes, isso sem contar o tempo necessário, e o gasto de energia, para se chegar à puberdade para o inicio da vida reprodutiva. Assim, parece haver um contra-senso em descartar um adulto experiente, e já em idade reprodutiva, para substituí-lo por mais jovens e inexperientes que ainda vão perder tempo e energia antes de iniciar sua vida reprodutiva. Mesmo que um adulto custe mais caro em termos de energia, se ele tivesse um alto “fitness”, pela sua experiência e imortalidade, ele poderia espalhar seus genes imortais por muito mais tempo, mesmo que o mecanismo de reparo do seu DNA consumisse energia.


9.6- As Teorias da “Evolutividade”

Em seu artigo “The Evolution of Aging” [10], Theodore C. Goldsmith, um engenheiro da NASA, faz uma excelente explanação das principais teorias do envelhecimento, e coloca vários cientistas e estudiosos, (por ex. J. Mitteldorf, J. Travis, J. Bowles), como defensores das assim chamadas “Teorias da Evolutividade” (“Evolvability Theories”).

Estas teorias são baseadas na teoria do “Bem da Espécie” de Weismann onde o “bem” é definido como o incremento da taxa de evolutiva da espécie. Assim, seria bom para a espécie que os seus membros envelhecessem e morressem, pois o envelhecimento permitiria que novas gerações, em princípio, mais adaptadas e mais evoluídas que as predecessoras, fossem substituindo às antigas numa taxa muito mais elevada do que uma população imortal, isto é, num ritmo maior que a de uma espécie que não envelhece. Dessa forma, o envelhecimento dos organismos faria aumentar a “taxa da evolução” da espécie que envelhece como um todo, beneficiando o grupo.

Isso, de fato, é bom para a espécie. Entretanto, o problema destas teorias que beneficiam o grupo, a custas do prejuízo individual (seleção de grupo), é que elas, como vimos no item 9.2, não costumam apresentar um mecanismo “neodarwiniano” convincente (baseado no “fitness” do gene) nem darwiniano (baseado no “fitness” do organismo), que dêem cabo do paradoxo da “seleção de grupo”. Segundo a teoria de Darwin os organismos mais adaptados, com maiores “fitness”, tenderiam a sobreviver mais e deixar mais descendentes do que os menos adaptados. Portanto, uma característica que, em princípio, seria desvantajosa ao individuo, diminuindo seu “fitness”, mesmo que fosse boa ao grupo como um todo, não deveria se propagar pela espécie. Ou seja, o problema da seleção de grupo, quando esta se dá a custas do  organismo individual, precisa, para ser válida, vir acompanhada de um mecanismo lógico que consiga explicar o paradoxo da perda do “fitness”. Infelizmente, não é o caso das ‘teorias da Evolutividade’ apontadas por Goldsmith.


9.7- Teoria da “Causa Sexual” (W. Clark)

Em seu livro “Sexo e a Origem da Morte”, William R. Clark, catedrático do departamento de biologia molecular da Universidade da Califórnia, aperfeiçoa a teoria do “Soma Descartável” (9.5) e o coloca sob uma ótica neodarwiniana – baseada em genes- [14]. Nesta nova roupagem do “Soma Descartável”, Clark mostra que o envelhecimento se iniciou logo cedo na face da Terra, com nossos primeiros ancestrais, os chamados proctotístas, organismos unicelulares dotados de um núcleo com revestimento protetor que armazena DNA linear com as extremidades revestidas por telômeros. Clark não explica por que foi vantajoso aos protistas mudarem seu cromossomo celular circular para cromossomos lineares. De qualquer modo, também houve incorporação de genes de bactérias parasitas a estes proctotístas – e posterior relação simbiótica-, como acontece com as mitocôndrias. Isso permitiu aos proctotístas crescerem e a desenvolverem novas estruturas especializadas como, por exemplo, de proteção (cito esqueletos), de alimentação (micro túbulos) [17], ou mesmo a capacidade de viverem em colônias, cuja especialização levaria alguns, posteriormente, a se transformarem em organismos pluricelulares.

Com o advento da reprodução sexuada, que traz inúmeros benefícios aos genes e à espécie (como veremos no próximo tópico), ocorre nestes proctotístas, pela primeira vez, a segregação do DNA em núcleos distintos: O micronúcleo, com o DNA germinativo, usado apenas no momento da reprodução, e o macronúcleo, com o DNA somático, utilizado na manutenção diária da célula.

Segundo Clark, o DNA somático sofre mais degradação do que o DNA germinativo, e como este último é o que vai para a próxima geração, não haveria necessidade de reparar o DNA somático, que pode acumular mutações prejudiciais, e, portanto, deveria ser destruído. Assim, durante a reprodução sexuada, teríamos o seguinte processo:

... e, em seguida, o antigo macronúcleo, isolado numa extremidade da célula, começa a se degenerar e morre... O que os ciliados protistas têm a ver com os seres humanos?... Muita coisa porque é somente analisando a reprodução sexuada em protoctistas como o paramécio que podemos ver pela primeira vez a geração de DNA que não é transmitida à geração seguinte. Esta segregação de DNA em dois compartimentos não acontece em bactérias nem em outros organismos que se reproduzem assexuadamente. E o que é feito do excesso de DNA que não é usado na reprodução? É destruído. Na verdade pode-se muito bem afirmar que é na morte programada dos macronúcleos dos eucariontes primitivos, como o paramécio, que nossa própria morte corporal é prenunciada. ”[18]

Clark explica que o motivo da morte programada dos macronúcleos (que corresponderia às células somáticas do corpo) seria devido à necessidade de destruí-los, pois estariam provavelmente muito desgastados, e que depois da reprodução não seriam mais necessários.

Mas esta conclusão embute dois erros lógicos: Primeiro, porque não haveria necessidade de programar a morte celular já que esta morte iria acontecer por si própria, seja com o acúmulo de mutações, seja com o desgaste da própria célula. Seria como um engenheiro projetar uma pesada e cara bomba num robô marciano para que ela explodisse quando a bateria do robô terminasse e ele ficasse inoperante. Se o robô vai deixar de funcionar por si mesmo, seria ilógico gastar tempo e material com um dispositivo que o fizesse explodir depois que não tivesse mais utilidade. Da mesma forma, Clark não mostra a necessidade evolutiva, ou qualquer outra causa da natureza, programar a morte das células somáticas se elas levam o organismo, de qualquer maneira, à morte. Segundo, ele não mostrou as razões que inviabilizariam o reparo do DNA somático, já que isso pode ser feito uma vez que, como as bactérias, as células somáticas também se dividem por fissão. Se as bactérias, e as células germinativas, são imortais, as células somáticas também poderiam ser. Se as bactérias podem se reproduzir indefinidamente, os proctotistas, em princípio, também poderiam fazê-lo.

 

Continua na parte 2/3: "A Teoria do Filho Premiado"

 

 

home : : voltar