Reprodução e Envelhecimento: A Teoria do "Filho Premiado"
"A Equação da Morte"
(continuação parte 3/3)

João Carlos Holland de Barcellos, Novembro/2008

Volta para a Parte 2/3

11- A “Equação da Morte”

Com esta teoria podemos agora esboçar a “Equação da Morte”. Esta equação seria uma avaliação do tempo de vida das espécies sexuadas –sua longevidade-, em função de algumas de suas características e a de seus predadores dentro de um ambiente estável.

Vamos supor que exista um ambiente como, por exemplo, uma ilha, onde presas e predadores convivem não muito pacificamente, já que os predadores se alimentam de suas presas para sobreviverem. Um lema se aplica a todos os ambientes naturais:

Se existe um recurso em grande abundância que pode ser utilizado pela vida, e se surgir um ‘predador’ que se beneficie deste recurso, sua população crescerá”.

A luz solar é um recurso em abundância que cobre nosso ambiente e pode ser utilizado pela vida. Então, pelo nosso lema, se surgir um ‘predador’ desta luz, por exemplo, um vegetal, que utilize esta luz solar, e crescerá enquanto houver este recurso disponível. Agora, neste exemplo, temos outro recurso em abundância: os vegetais. Da mesma forma surgirão os herbívoros que crescerão utilizando esta vegetação como recurso alimentar. Depois surgirão os vários tipos de carnívoros, e assim se forma uma pirâmide de presas e predadores com a vegetação na base da pirâmide, seguido pelos herbívoros, e as diversas espécies de carnívoros. O nível mais alto desta pirâmide alimentar seria o predador que se alimenta de carnívoros, mas que não é presa de nenhum outro organismo. Seria, por exemplo, o caso da águia, ou do leão.  Devemos notar que o ambiente humano atual não é estável, pois estamos num processo de crescimento populacional acelerado o que descaracteriza o equilíbrio. Entretanto, os genes dos organismos terrestres se adaptaram, na maior parte dos quatro bilhões de anos que existe vida na Terra, em períodos de tempo de relativo equilíbrio. As grandes transformações ocorrem, em geral, em curtos períodos de tempo.

11.1-Condições Iniciais

Vamos supor que nosso ambiente seja relativamente estável, isto é, que esteja em equilíbrio dinâmico: organismos morrem e nascem, mas sua freqüência relativa permanece constante. Assim, o número total de organismos de qualquer espécie que habita nosso ambiente se mantém constante no tempo. É claro que a hipótese de um ecossistema estável não ocorre em tempos evolutivos. Na escala de milhões de anos, novas espécies costumam desaparecer e outras novas surgirem. Nossa escala de tempo é, portanto, menor. Assim, pela nossa hipótese inicial do ambiente estar em equilíbrio, temos para todas as espécies:

Taxa de Nascimento = Taxa de Morte           (I)

Se a taxa de nascimento fosse maior que a de morte, a população cresceria continuamente até exaurir os recursos disponíveis. Se a taxa de nascimento fosse maior que a de morte, a população diminuiria até a sua extinção. Como estudamos anteriormente, podemos supor também que todas as espécies sexuadas tenham a morte programada, isto é, envelhecem e morrem. Se "X" é a espécie que queremis determinar a longevidade, podemos definir algumas variáveis, relativas a um instante de tempo qualquer deste ambiente: 

L = Longevidade de uma determinada espécie X, isto é, seu tempo médio de vida antes de morrer de velhice.
Nt = O número total de organismos desta espécie X.
Nu = Número de organismos de X que procriaram ou procriarão.
Nn = Número de organismos de X que morrerão sem se reproduzir.

Então:

   Nt = Nu+Nn                 (II)

Se definirmos:
G = Número médio de gestações por organismo que procriam (durante um período de tempo L). Isto é, G é o número total de gestações durante o período L dividida pela quantidade de organismos que procriam (G=Total de Gestações/Nu). Assim, num período L, os organismos que procriam irão gerar (G*F) filhos cada um, onde:
F = Número médio de filhos por gestação por organismo que procriam.

Devemos notar também que no período L (Longevidade =período de vida do organismo da espécie X), todos os organismos da espécie de um dado instante qualquer, são mortos (de velhice ou por predadores) e substituídos pelos seus descendentes. Por exemplo: um organismo da espécie X, que acaba de nascer agora, daqui a um tempo L, estará morto, se não por predadores, por envelhecimento. Assim, num período L todos os organismos de um determinado instante, estarão mortos e toda a população será trocada.

No período L, toda a população é substituída pelos filhos dos organismos que procriam:

Nt = Nu * (G * F)              (III)

11.2- A Taxa Evolutiva

Devido à constante troca de organismos em decorrência da morte, algumas mutações benéficas acontecem e as espécies evoluem. Se uma espécie não evolui, isto é, deixa de apresentar mutações benéficas, ela para no tempo, e pode ser extinta por predadores que continuem a evoluir, ou então é substituída por outra que consome os mesmos recursos que ela consumia. Então, para que o equilíbrio seja mantido a taxa de evolução de uma presa deve ser, pelo menos, equivalente à taxa de evolução de seus predadores. O inverso também é verdade: A taxa evolutiva de um predador deve, ao menos, acompanhar a taxa evolutiva das suas presas. Se, por exemplo, suas presas evoluírem adotando mecanismos de defesa contra o predador, e este não evoluir à altura, ele morrerá de fome.

Mas a taxa evolutiva de uma espécie é proporcional à taxa de mutações benéficas que a espécie sofre, e a taxa de mutações benéficas é proporcional à taxa de mutações, e a taxa de mutações é proporcional à taxa de nascimento dos que procriam nesta espécie. Assim, a taxa evolutiva da espécie é proporcional à taxa de nascimentos úteis, ou seja, dos organismos que procriarão, pois os organismos que não procriam não podem passar suas mutações, e não contribuirão para a “evolutividade” da espécie.

Então, para qualquer espécie, é válido:

Taxa Evolutiva = k * Taxa de Nascimentos Úteis        (IV)

Onde k é a constante que converte a taxa de nascimento na taxa de mutações benéficas.

Se definirmos:

Tx= Taxa evolutiva da espécie X. Poderemos reescrever (IV) em termos de nossas variáveis:

Tx = k * Nu/L      (Va)

Se definirmos ainda:
Ti = Taxa evolutiva do i-ésimo predador
Ni = Taxa de nascimentos úteis (que irão procriar) do i-ésimo predador
Li = Longevidade (tempo de vida máxima) do i-ésimo predador

Utilizando estas variáveis, a fórmula (IV) pode ser re-escrita agora também para os predadores de X:

Taxa Evolutiva do i-ésimo Predador = k * Ni / Li        (Vb)

 

11.3- A Base da Pirâmide

Para se manter em equilíbrio, em relação aos seus predadores, a taxa evolutiva de uma espécie deve ser proporcional à soma das taxas evolutivas de seus predadores. Se Ki (um número que varia de 0% a 100%) denota o grau de importância da espécie X no cardápio do seu i-ésimo predador (=predador i), e se considerarmos a "Taxa Ambiental" como a variação física (climática, por exemplo) no ambiente que a espécie habita, teremos:

Taxa Evolutiva de X = Soma{ Ki * Taxa Evolutiva do Predadori }+h*Taxa Ambiental    (VI)

Ki=Constante que define o grau de importância da espécie X para a dieta do seu i-ésimo predador. Isto é necessário porque a espécie X pode não ser o cardápio principal de um dado predador(a), mas pode ser a dieta principal do predador(b) de modo que a taxa evolutiva deste último contribua mais para a taxa evolutiva de X.
TxA= Taxa Ambiental. Variação física média no ambiente da espécie como clima, umidade, temperatura etc..

Colocando (VI) em termos de nossas variáveis, e utilizando as equações (Va) e (Vb), teremos:

 Nu/L = Soma{ Ki * Ni / Li } + TxA              (VII)

Se nós utilizarmos agora a equação (III), poderemos isolar a longevidade L, e teremos o tempo de vida por envelhecimento em função dos parâmetros dos predadores, do tamanho da população de X e do número médio de filhos por organismo:

L = (Nt / (G*F)) / (Soma{ ki * Ni / Li }+TxA)         (VIII)

Esta fórmula serve apenas para os organismos da base da pirâmide alimentar, pois só contempla os predadores da espécie X, e não, ainda, o caso geral. Podemos simplificá-la um pouco para fazermos uma análise qualitativa.

Vamos simplificar a equação (VIII), tomando como hipótese que os predadores tenham a mesma taxa de nascimento e longevidade, isto é, que ki*Ni/Li = k1*N1/L1. E o ambiente não muda muito, isto é TxA=0. Se tivermos “M” espécies de predadores de X, onde X é sua única dieta (ki=1), e sabendo que N1 = Nt1/(G1F1), a fórmula (VIII) ficará simplificada para:

L = L1*(Nt /N1) / (G*F) / M         (IX)

Podemos inferir, neste caso, que a longevidade L das presas da base da pirâmide alimentar é:

-  inversamente proporcional ao número de filhos por organismo (G*F).
- inversamente proporcional ao número de predadores (M).
- proporcional à longevidade de seus predadores (L1).
- proporcional ao tamanho da população relativa aos predadores(Nt/N1).

 
11.4- O Topo da Pirâmide

Agora iremos calcular a fórmula da longevidade da espécie X, quando X é um predador do topo da cadeia alimentar, como, por exemplo, uma águia, ou um leão.

Há uma assimetria entre estar na base da pirâmide ou estar em seu topo, pois o cardápio do predador que está no topo, sendo variado, ele não ficará a mercê de uma única espécie de presa, ao passo que do ponto de vista da presa, qualquer um de seus predadores, poderia, em princípio, exterminá-la. Ou seja, para uma presa, qualquer um dos seus predadores poderia, caso evoluísse mais rapidamente que X, levá-la à extinção. Assim, no caso em que X é um predador do topo da pirâmide, com vários tipos de presas disponíveis, a evolução rápida de uma destas presas pode não matar o predador de fome, já que este poderia se nutrir das outras presas de seu cardápio. De qualquer modo, se TxA é a taxa de variação ambiental:

Tx do Predador = Soma da taxa evolutiva das Presas+TxA     (X)

Se Zi denota o fator de peso, um número entre 0 e 1,  que indica o quão importante a i-ésima presa é para o cardápio do predador X. Então poderemos reescrever a equação (X) em termos destas variáveis:

Tx = Soma{ Zi * Tx_da_Presai } + TxA          (XI)

Utilizando (Va e Vb) e (III) e (XI), teremos a fórmula para a Longevidade do predador do topo da cadeia alimentar em função dos parâmetros de suas presas:

L = (Nt / (G*F))  / (Soma{Zi* Ni / Li}+TxA)         (XII)

  Para efeito de análise, vamos simplificar um pouco a fórmula do predador, acima, e considerarmos que todas as suas presas têm a mesma importância no seu cardápio alimentar e que suas populações e tempo de vida são iguais, isto é: Ni = N1 e Li=L1, e o ambiente não muda(TxA=0), teremos então para a longevidade do predador do topo da pirâmide:

L = (Nt/N1) * L1 / (G*F)           (XIII)

Ou seja, a longevidade do predador do topo cadeia alimentar é:

- Inversamente proporcional ao número médio de filhos (G*F).
- Proporcional à longevidade média de suas presas (L1).
- Proporcional à sua população relativa (Nt/N1).


11.5- A Equação da Morte

Vamos então calcular a longevidade no meio da cadeia alimentar, isto é, iremos considerar o caso geral, em que nossa espécie X pode ter várias presas e vários predadores.

Neste caso a espécie está “espremida” entre a evolução de suas presas e também à de seus predadores. A taxa evolutiva da espécie deverá ser a combinação das equações (VI) e (XI), onde teremos:

Taxa Evolutiva de X = Soma{ Taxa evolutiva dos predadores e Presas}+TxA   (XIV)

Utilizando (XI), (VII) e (V), (XIV), e denotando Predadores{} como a soma em relação aos predadores de X, e Presas{} como a soma em relação às suas presas, teremos:

Nu/L = Predadores{ Ki*Ni / Li}+Presas{ Zi* Ni / Li }+TxA    (XV)

Isolando a variável de longevidade L, teremos, finalmente, a

 “Equação da Morte:

L=(Nt/(G*F)) / [Predadores{Ki*Ni/Li}+Presas{Zi*Ni/Li}+TxA]   (XVI)

Onde:
L = Longevidade da espécie X.
Nt = Tamanho total da população da espécie X.
G = Número médio de gestações, por organismo, da espécie X.
F = Número médio de filhos por Gestação.
Predadores{}  = Soma sobre os predadores da espécie X.
Ki = Número entre 0 e 1 indicando o grau de importância de X no cardápio do i-ésimo predador. A soma de Ki não precisa ser a unidade.
Ni = Tamanho da População que se reproduz da i-ésima espécie. Se estiver dentro de Predador{} será uma espécie de predador de X, se estiver dentro de Presas{} será uma espécie de presa de X. Isto é: Ni=Nti/(Fi*Gi)
Li = Longevidade da i-ésima espécie.
Zi = Fator de peso na ponderação. Número entre 0 e 1 que indica o quanto importante é a i-ésima presa na alimentação de X.
TxA=Taxa média de Variação Ambiental (Clima, condições físicas do ambiente)

 

11.6- Verificações Empíricas

Podemos agora comparar nossa equação com os dados experimentais da longevidade dos animais [24].  Para um predador, a equação (XVI) pode ser simplificada na forma da equação (VIII). Nela verificamos que a longevidade é proporcional à idade média de suas presas, e proporcional ao tamanho de sua população em relação à de suas presas:

Um Tigre vive, em média, 17 anos. E algumas de suas presas são: Porcos 12 anos; Cabras 17; Javali 17, Macaco 13. O que parece estar de acordo com a equação.
 
Um Rato vive, em média, 4 anos mas há um número enorme de predadores que se alimentam dele. De acordo com a equação (IX) seu tempo de vida é inversamente proporcional ao número de predadores, que são muitos. Portanto isso explicaria sua baixa longevidade.
 

 
Referências

[1] O Envelhecimento Biológico
http://pierre.senellart.com/travaux/divers/vieillissement.pt

[2] A Gênese do DNA
http://www.genismo.com/geneticatexto33.htm

[3] Bactérias
http://www.enq.ufsc.br/labs/probio/disc_eng_bioq/trabalhos_pos2003/const_microorg/bacterias.htm

[4] O Limite de Hayflick
http://pt.wikipedia.org/wiki/Limite_de_Hayflick

[5] Envelhecimento - fenômeno de Hayflick
http://www.medicinageriatrica.com.br/2007/09/23/saude-geriatria/envelhecimento-fenomeno-de-hayflick/

[6] Genética do Envelhecimento – Telomerase
http://www.medicinageriatrica.com.br/2006/12/28/saude-geriatria/teorias-do-envelhecimento-celular/

[7] Telômero
http://www.icb.ufmg.br/prodabi/assuntos/simone.html

[8] Envelhecimento: Radicais Livres
http://www.drrondo.com/art/envelhecimento.htm

[9] Fisher, Medawar, Hamilton and the Evolution of Aging
http://www.genetics.org/cgi/content/full/156/3/927

[10] The Evolution of Aging
http://www.azinet.com/aging/Aging_Book.html

[11] Varella: Os genes do Envelhecimento
http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/envelhecimento.asp

 [12] Varella: Meio ambiente e Envelhecimento
http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/envelhecimento_meioambiente.asp

 [13] Biologia do Envelhecimento: Teorias, Mecanismos e perspectivas
http://www.abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=2229

[14] Clark: O Sexo e as Origens da Morte i
http://veja.abril.com.br/120406/p_132.html

 [15] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (II)
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/120406/trecho_sexo.html

[16] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (III)
http://gnoronha.blogspot.com/2007/04/morte-de-uma-clula.html

[17] Clark: O Sexo e as Origens da Morte (IV)
http://gnoronha.blogspot.com/2007/04/o-sexo-e-origem-da-morte.html

[18] Sexo e as Origens da Morte
William R. Clark, Editora Record, 2006 

[19] Sexo e ciência: um tributo a Hamilton
http://dererummundi.blogspot.com/2007/03/sexo-e-cincia-um-tributo-hamilton.html

[20] Helicobacter Pylori Droga Resistente
http://www.laboratoriolpc.com.br/artigo18.php

[21] “A Mente Seletiva”
Geoffrey F. Miller, Editora Campus, 2000

 [22] A Rainha Vermelha explica o sexo?
http://www.cecm.usp.br/~ltrabuco/escritos/redqueen/node19.html

[23] Por que mulher vive mais?
http://www.genismo.com/psicologiatexto27.htm

[24] Tempo de Vida dos Animais
http://www.saudeanimal.com.br/artigo52.htm

 [25] Viver mais e melhor a ciência do envelhecimento
http://www.tudook.com/saude/viver_mais_e_melhor_a_ciencia_do_envelhecimento.html

[26] Uma abordagem evolucionista do altruísmo
http://aartedepensar.com/leit_soberego.html

[27] Qual bicho tem a vida mais curta?
http://noticias.terra.com.br/educacao/vocesabia/interna/0,,OI3144283-EI8399,00.html

[28] Genoma Humano - O Mapa do Envelhecimento e da Morte
http://video.google.com/videoplay?docid=6795697927445437059

[29] "O Animal Moral"
Robert Writght, Editora Campus

[30] Longevidade é resultado de falha celular
http://groups.yahoo.com/group/Genismo/message/6376

 

 

home : : voltar